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O Sarau literário do Teatro da Trindade

O Sarau literário do Teatro da Trindade é onde se critica a superficialidade e a ignorância da


classe dirigente, a verborreia da oratória política e a poesia ultra-romântica mascarada de
lirismo de conotações sociais.

Irei começar por fazer um breve resumo do capítulo.

Carlos e Ega vão ao Sarau do teatro da trindade ouvir Cruges e Alencar que atuavam nessa
noite. O Sarau no Teatro da Trindade tinha como objectivo ajudar as vítimas das cheias do
Ribatejo. Teria também como objectivo reunir as classes mais abastadas da sociedade
portuguesa daquela época para apresentar um tema querido da sociedade lisboeta, a oratória.
Aí ouviriam também o discurso do Rufino sobre a caridade e a família real, que se tinha
ausentado ao sarau. Entretanto dá-se uma conversa entre o Guimarães e o Ega, a propósito da
carta do sobrinho. O motivo da conversa era averiguar as razões da carta que Dâmaso
escrevera, coagido, segundo ele, por Ega. Tudo fica esclarecido. Cruges começa a tocar, o que
se torna num grande fiasco, porque ninguém admirava o seu talento. Carlos vê o Eusébiozinho,
e decidi ir atrás dele, dar-lhe uns abanões e pontapés. De seguida, volta á sala onde Alencar ia
declamar o poema “Democracia” e encanta a sala. Ega fica sozinho, pois Carlos dissera-lhe que
já havia saído. O Gouvarinho não pareceu ter gostado muito do poema de Alencar, fincando
assim furioso com o mesmo e saindo do teatro. Aquando da saída de Ega para o Ramalhete,
este é parado por Guimarães, o tio de Dâmaso, que lhe diz ter um cofre da mãe do Carlos para
entregar á família. No meio de toda esta conversa, Ega acaba por descobrir que Carlos tem
uma irmã, e ela é nem mais nem menos que Maria Eduarda. Guimarães acaba por contar
então o passado de Maria Monforte (mãe de Carlos e de Maria Eduarda), incluindo a mentira
que esta disse a Maria Eduarda, sobre o seu verdadeiro pai, revelando que Pedro da Maia era
o pai dela. Fala também da fuga de Maria Monforte com Tancredo, da filha que ambos tiveram
e que acabou por morrer em Londres e depois menciona que a educação de Maria Eduarda foi
num convento. Guimarães entrega o cofre a Ega, que paralisado e em choque com toda a
verdade, acaba por pedir ajuda a Vilaça para contar tudo a Carlos.

Para nos integrarmos melhor neste episódio, irei fazer uma breve descrição sobre Rufino,
Cruges e Alencar, que foram os protagonistas no sarau do teatro da trindade.

Rufino, o orador sublime, que pregava a caridade e o progresso, representa a orientação


mental daqueles que o ouviam. Este era um bacharel transmontano. A sua retórica era vazia e
cheia de artificialismos barrocos e ultra-românticos desfasados da realidade e o
enaltecimento/elogios á nação e á família real revelavam uma forma de estar, daqueles que
querem ser reconhecidos.

Cruges que tocou Beethoven, representa todos aqueles que em Portugal se distinguiam pelo
verdadeiro amor á arte. É o intelectual incompreendido e marginalizado. Maestro, pianista e
génio, meio doido.

Alencar é um poeta ultra-romântico, lírico arrebatado de um idealismo extremo levado a


limites. Todo o seu discurso está carregado de um excessivo lirismo cheio de conotações
sociais, existindo também um grande desfasamento entre a realidade a o discurso proferido
por ele.

As classes dirigentes estão alheadas da realidade e caracterizam a sociedade como sendo


deformada pelos excessos líricos do ultra-romantismo. Neste episódio encontramos a crónica
de costumes, que funciona como a caracterização da sociedade portuguesa satirizando-a,
revelando os defeitos sociais que impedem o progresso e a renovação das mentalidades. Uma
das características mais marcantes, são a falta de visão histórica e cultural, a ausência de
esprito critico, a apatia e ociosidade da sociedade e a importação de modas estrangeiras.

No sarau do teatro da trindade, destaca-se o gosto por aquilo que era convencional e que
estava empreguenado nos portugueses que eram dominados por valores caducos devido à
enraização de um sentimentalismo educacional e social já à muito tempo ultrapassado. A alta
burguesia e a aristocracia nacionais revelaram uma total ausência de espirito critico e analítico
revelando a sua falta de cultura. Ao mesmo tempo deparamo-nos com um desfile de
personagens tipo, o que se revela útil para a criação da crónica de costumes, não a nível
individual mas fazendo sobressair as suas características enquanto retrato de um determinado
grupo em contexto social. Nomeadamente o apreço e a admiração pela verborreia oca e
inqualificável de Rufino (citação); a ausência da família real num espectáculo de beneficência
(citação) e a total falta de sensibilidade estética para apreciar o verdadeiro talento (citação).

Em jeito de conclusão, esta crítica, onde a ironia desempenha, obviamente, o papel maior, é
corporizada em tipos sociais, representantes estereotipados de ideias, mentalidades,
costumes, políticas e concepções do mundo.

A linguagem e estilo queirosiano presente nos Maias foi profundamente inovadora para a
literatura portuguesa. Eça de Queiroz utiliza a narração, a descrição, o diálogo e o monólogo
utilizando a linguagem de forma única, atribuindo-lhe novos valores estéticos e literários.
Recorre ao impressionismo nas descrições e ao realismo nos diálogos. Na narração o autor
rege-se pela necessidade de relatar objectivamente os acontecimentos como é prática comum
na estética realista. No diálogo, é utilizada sempre uma linguagem coloquial, recorrendo no
discurso direto à opinião e sentimentos das personagens, utilizando “…”; “!”… No discurso
indireto a utilização da 3ª pessoa do plural, bem como os pronomes, e a utilização de
interjeições e deícticos temporais e espaciais. O discurso indireto livre é utilizado como forma
de caracterizar as personagens e apresenta uma função de caricatorizar as personagens tipo
na crónica de costumes. No monólogo ajuda a mostrar o mundo interior das personagens. Na
descrição sempre minuciosa, muitas vezes sensorial, recorrendo ao realismo para descrever
com rigor aquilo que é observado deixando sempre um olhar crítico. Ainda faz comentários
que permite a intervenção do narrador utilizando uma focalização omnisciente e interna, pois
tudo é observado com um olhar crítico e mordaz. O recurso mais presente em toda a obra é a
ironia e especificamente no Sarau do Teatro da Trindade, é a ironia, que é utilizado para
evidenciar os aspectos risíveis e reveladores das incoerências das personagens ou factos. O uso
da ironia faz uma perspectiva critica e subjectiva revelando ao mesmo tempo uma
superioridade e distanciamento daquilo que está a acontecer.

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