Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SAPUERJ 2019
O objeto desta comunicação é uma leitura do romance Cama de Gato (Cat’s cradle),
de Kurt Vonnegut (Editora Aleph, 2017), publicado originalmente em 1962. É um
romance distópico e escatológico, narrado em primeira pessoa por um personagem que
se autodenomina Jonah ou John. Ele conta retrospectivamente sua pretensão de escrever
um livro chamado O dia em que o mundo acabou, que seria a narrativa da vida de um
cientista, Felix Hoenikker, suposto participante do projeto Manhattan que criou a bomba
atômica. Tal livro ficcional descreveria as atividades do cientista, então falecido, no dia
em que a bomba explodiu em Hiroshima. O narrador John sai à procura dos herdeiros
desse personagem ficcional, seus três filhos, para obter testemunhos sobre a vida do pai.
Essa procura o levará a fictícia ilha caribenha de San Lorenzo, uma típica ditadura
colonizada e sanguinária, cujo ditador paranoico é fiel aos Estados Unidos. Lá o narrador
conhece a seita mística “bokononista” que, embora oficialmente proibida, é seguida
clandestinamente por quase todos os habitantes da ilha. Essa seita segue os ditames do
Livro de Bokonon, escrito por um personagem folclórico, líder místico que, apesar de
perseguido e desaparecido, é o grande sábio da ilha. O narrador também descobre que o
cientista Hoennikker, além da bomba atômica, teria desenvolvido uma terrível arma
química chamada Gelo 9 (Ice 9) que é capaz de solidificar a água em poucos segundos.
Apesar de ser um fracassado segredo militar, os três perturbados filhos do cientista
manteriam amostras dessa arma capaz de causar um cataclismo mundial. O romance
também é um relato autobiográfico da transformação espiritual do narrador, de
jornalista de bigrafias em seguidor da seita bokononista. Este presente estudo faz parte
do projeto de doutorado Fábulas da Ciência que visa estudar as relações entre ciência e
literatura, especialmente em função do discurso narrativo. O estudo utiliza o conceito de
fabulação especulativa, que é diferente do conceito de ficção científica, pois abrange o
estudo das interferências entre os discursos científico e ficcional. O conceito de “cama de
gato”, que dá título ao romance, se refere a uma brincadeira com os dedos que produz um
nó de um barbante, e serve como metáfora do emaranhado entre o discurso racionalista
da ciência e o discurso místico de uma seita religiosa. É também uma metáfora do
absoluto vazio da pretensão de verdade desses discursos. E, igualmente, uma referência
ao conceito de “emaranhado quântico” (quantum entanglement), fundamental noção da
mecânica quântica, cujos avanços produziram a bomba atômica. A epígrafe do romance,
“nada neste livro é verdadeiro”, é um signo paradoxal de sua característica de jogo
ficcional: ao assumir sua não verdade, torna a ficção o elemento mais verdadeiro da
narrativa. Esse paradoxo, próprio à narrativa ficcional, foi formulado pela primeira vez
por Luciano de Samósata, escritor latino do segundo século da era cristã em sua obra Das
Narrativas verdadeiras. O romance de Vonnegut trabalha, portanto, com as questões da
distopia escatológica de fim do mundo, do autoritarismo militar e colonialista, da vã
pretensão de verdade dos discursos científico e religioso, da relação próxima entre
racionalidade e loucura, e, sobretudo, da capacidade do jogo narrativo ficcional de
emaranhar os imaginários racionalista e místico.
1
Graduada em Licenciatura em Letras: Português e Literaturas, pelo Instituto Federal Fluminense (IFFluminense).
Mestranda em Língua Portuguesa, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com o apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
leitura especialmente, os desafios mostram-se maiores, uma vez que são os professores
dessa área, de acordo com pesquisas, que ocupam um dos primeiros lugares no que diz
respeito ao incentivo à prática leitora. Com a diversidade de gêneros textuais emergindo
na atualidade, a prática leitora está mais presente no dia a dia do público infantojuvenil
do que muitas vezes se percebe. Considerando as vivências de leitura de cada aluno-
leitor, a realização dessa prática pode sofrer constantes mutações. O presente trabalho
fundamenta-se, entre outros, em autores como Cunha e Cintra e Terra e Nicola ao abordar
o aspecto da pontuação, bem como Suzana Vargas e Daniel Pennac no âmbito da leitura,
e visa refletir sobre a influência da entonação na compreensão do que se lê, quando a
pontuação se torna um recurso estilístico para conferir também tom de oralidade aos
escritos. Para tanto, constitui-se como corpus o livro Fazendo Ana Paz, da escritora
brasileira Lygia Bojunga, no qual a autora traz uma perspectiva bastante diferente sobre
a autonomia de sua escrita, uma vez que, ao longo da história, a personagem Ana Paz
aparece três vezes em épocas distintas de sua existência, conquistando por si própria
uma vida que, ao final do livro, pode provocar no leitor uma sensação de que é real. Na
obra em questão, fragmentos de Ana Paz-menina, de Ana Paz-moça e de Ana Paz-velha –
como a autora se refere a elas – aparecem e desaparecem, encontram-se e desencontram-
se, até que, em um determinado momento da narrativa, reúnem-se todas em um só lugar,
a casa onde Ana Paz viveu sua infância. A reflexão sobre a temática proposta será feita a
partir de resultados obtidos em pesquisa de campo realizada em uma escola privada do
município de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, com alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental II. Para a discussão neste estudo realizada, leva-se em consideração
o fato de que diversos autores apresentam conceituações e formas de se utilizar os sinais
de pontuação, porém tais abordagens estão quase sempre ligadas a práticas normativas,
deixando em segundo plano as possibilidades de uso da pontuação como aspecto
estilístico do texto escrito, por exemplo. Quando se estuda a língua falada, percebe-se uma
diversidade de fatores que favorecem a expressão, como a entonação, a fluidez, as pausas,
entre outros. A escrita, por sua vez, tem a pontuação como o recurso de representação de
características prosódicas. A metodologia de caráter quali-quanti, portanto, norteia este
estudo, uma vez que serão realizadas pesquisas bibliográficas e de campo, englobando
aplicação de questionários para conhecimento dos atores do processo de leitura, como
também encontros com os alunos após o término da leitura do livro. Aponta-se ainda a
necessidade de conferir maior atenção à pontuação para além de um mero processo de
memorização de regras, mas como um recurso também relacionado à entonação e ao
ritmo, fundamentais para a compreensão da leitura. Logo uma reavaliação e ampliação
dos livros didáticos também se revela importante e necessária, na medida em que é com
base nesses materiais, fornecidos majoritariamente pela própria instituição de ensino ou
pelo governo, que os professores organizam e planejam suas aulas.
Dennis Castanheira
(Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas — UFRJ)
O presente trabalho pretende fazer uma análise de textos midiáticos que utilizam
a intertextualidade como recurso para impactar seu público-alvo. Considerando o texto
como “lugar de interação de sujeitos sociais, os quais, dialogicamente, nele se constituem
e são constituídos” (Koch e Elias, 2006: 7), observa-se que o sentido do texto se constrói
em sua interação com o sujeito leitor. As autoras destacam, portanto, a grande
importância do papel do leitor como produtor de sentido no texto, à medida que fazem
uso de estratégias linguísticas e sócio-cognitivas de seleção, antecipação, inferência e
verificação. Deste modo, ativam seu conhecimento de mundo na construção das possíveis
leituras. Essa “bagagem” cultural é responsável pela compreensão dos sentidos criados
por meio da relação entre discursos presente em diversos textos midiáticos. Os resultados
gerados pela leitura intertextual presentes em alguns textos midiáticos são diversos e não
estão desprendidos de um contexto para a produção de sentido pelo leitor. Desta forma,
esta pesquisa tem o objetivo geral de propor uma análise dos efeitos causados por textos
verbais e não verbais que fazem uso da intertextualidade para definirem seu público-alvo
e impactarem esses leitores, criando uma afinidade entre eles, à medida que se realiza, a
partir dessa compreensão, o objetivo pretendido pelo autor. E ainda, promover o estudo
dos procedimentos linguísticos empregados para tal feito e as aplicações pedagógicas dos
textos que circulam na mídia. Os objetivos específicos que se pretende alcançar são:
a. Analisar textos midiáticos construídos a partir da intertextualidade e aqueles aos
quais se referem.
b. Identificar os efeitos gerados no leitor a partir da intertextualidade e
interdiscursividade presentes nessas obras que contribuam para sua compreensão.
c. Compreender de que forma a intertextualidade atua como fator de coerência e
interfere na compreensão desses novos textos que se criaram a partir de outros.
Em uma era altamente desenvolvida quanto à tecnologia na qual estamos
inseridos, os alunos do ensino básico pouco têm acesso a grandes obras artísticas e
literárias se não for através da escola. Estão imersos ao mundo virtual a maior parte do
seu tempo, consumindo apenas o que se destaca nas redes sociais. Destarte, o texto
midiático, há muito, é utilizado como fonte de estudo para diversos pesquisadores da área
de língua portuguesa, pois se apresenta com uma linguagem cada vez mais rica e
expressiva, no intuito de impactar significativamente os leitores, embora acessíveis no
que concerne ao nível da linguagem. Marcuschi (2005) ressalta que a tecnologia propicia
também o surgimento de novos gêneros, entretanto, que muitos deles sofrem apenas
adaptações por influência da denominada cultura eletrônica que vivenciamos atualmente.
Com essa revolução digital e o acesso à informação cada vez mais facilitado, não é raro
encontrarmos na mídia textos criados a partir da intertextualidade e/ ou
interdiscursividade com grandes obras em jornais, revistas, propagandas, tirinhas,
charges etc. Marcuschi (2005) define os gêneros como “eventos textuais altamente
maleáveis, dinâmicos e plásticos. Destaca que surgem a partir das necessidades
comunicativas, inovações tecnológicas e atividades sócio-culturais. O autor explica
também que se originam e integram-se ao meio social em que se desenvolvem. Na mesma
obra, o autor também aborda o conceito de “transmutação” proposto por Bakhtin, onde
um gênero é assimilado por outro, formando novos. Desta forma, torna-se claro
compreender por que Marcuschi (2005) ressalta que a produção e interpretação de textos
não é uma tarefa simples, já que se trata de “um processo de codificação e decodificação
de atividades inferenciais.” Antunes (2005) destaca, no entanto, que, apesar dessa
dificuldade em decodificar e compreender textos verbais e não verbais, algumas
pesquisas demonstram a irregularidade de atividades de leitura no ensino de Língua
Portuguesa em algumas escolas. Assim, com a obrigatoriedade de seguir com os
conteúdos e não poder “atrasar” o programa, professores abrem mão dos textos e de
trabalhar com a língua em uso. Essa postura das escolas, segundo a autora, tende a deixar
para os alunos o desinteresse pela leitura, a falta de tempo para ela em sua rotina, assim
como é na escola, e a ausência de condições para que se desenvolvam tais
competências. Essa falta de hábito de leitura na rotina dos alunos ocasiona, dentre outros
problemas, um acervo cultural bastante reduzido, o que afetará sua relação com outros
textos. Segundo Antunes (2005), “escrever é uma atividade que retoma outros textos, isto
é, que remonta a outros dizeres. Ou seja, no ato de escrever e de compreender um texto,
os leitores reconhecem características de outro, utilizado como fonte. Essa relação de
sentidos que se estabelece entre os enunciados, intitulada por Bakhtin (1992) de
dialogismo, foi posteriormente denominada intertextualidade. Por meio da análise de
alguns textos midiáticos e de uma pesquisa a ser desenvolvida com alunos dos anos finais
do Ensino Médio, este trabalho pretende comprovar que, devido ao pouco hábito de uma
leitura consistente, há ruído na comunicação e não compreensão plena da
intertextualidade e polissemia presente nos textos a serem analisados. De acordo com a
teoria da comunicação em Jakobson (1973), qualquer ato de comunicação depende de seis
fatores: emissor, receptor, código, mensagem, contexto e canal. Segundo o autor,
denomina-se ruído de quando interferências de qualquer ordem prejudiquem a
transmissão da mensagem. É essencial para que a comunicação aconteça que o
enunciador e receptor da mensagem estão cientes de seu papel no contexto comunicativo.
Segundo Beaugrande/ Dressler e Maria da Graça Costa Val, a intertextualidade é um dos
sete princípios ou fatores de textualidade, que, segundo Costa Val, “é um conjunto de
características que fazem com que um texto seja um texto e não apenas uma sequência de
frases.” Costa Val apud Valente (2002) aponta que, para um texto ser bem compreendido,
é necessário que se considerem três aspectos : o pragmático, que se refere ao seu
funcionamento enquanto atuação informacional e comunicativa; o semântico-conceitual,
de que depende sua coerência; e o formal, relativo à sua coesão. A autora desta ainda que
a coerência é um fator fundamental da textualidade, uma vez que é responsável pelo
sentido do texto e envolve não só aspectos lógicos e semânticos, como também cognitivos
uma vez que depende do conhecimento partilhado entre os interlocutores. Neste trabalho,
pretende-se demonstrar que a intertextualidade, além de ser um princípio da
textualidade, é também um fator de coerência, uma vez que quem o desconhece, encontra
obstáculos para a compreensão do textos. Laurent Jenny apud Valente (2002) ressalta:
(...) a intertextualidade designa não uma soma confusa e misteriosa de influências, mas o
trabalho de transformação e assimilação de vários textos, operado por um texto
centralizador, que detém o comando do sentido. (L.Jenny, 1979:14 apud A.Valente,
2002:181) Segundo Valente (2002), a intertextualidade constitui fator importante para
coerência do texto, porque se o leitor não possuir as referências, ou não identificar as
citações, poderá encontrar dificuldades para a decodificação da mensagem. Por meio da
análise de alguns textos midiáticos e de uma pesquisa a ser desenvolvida com alunos dos
anos finais do Ensino Fundamental, este trabalho pretende comprovar que, devido ao
acervo reduzido, há ruído na comunicação e não compreensão plena da intertextualidade
presente nas obras a serem analisadas, por invocarem o conhecimento de textos fontes
que os estudantes desconhecem. A pesquisa está sendo desenvolvida com alunos de 9º
ano em duas escolas, uma da rede pública e outra da rede particular. Os alunos devem
fazer exercícios de compreensão a partir dos textos apresentados.
Este estudo tem como intuito apresentar uma proposta que favoreça um diálogo
capaz de conjugar vertentes em prol de um desenvolvimento prático, que priorize a
eficiência do trabalho da linguagem, em função de seu uso em Língua Portuguesa.
Buscando com isso, inserir-se nos campos de estudos, que partem, prioritariamente, de
um contexto textual visando estabelecê-lo como parâmetro discursivo do qual seja
possível extrair proposições que ilustrem a relação entre língua e linguagem, propondo
investigá-la por intermédio dos próprios recursos linguísticos configurados e
apresentados textualmente. O que, neste estudo, é considerado também sob o aspecto
sociocultural, visando pôr em prática algumas orientações que vêm ao longo do tempo,
sendo discutidas em função do reconhecimento da cultura afro-brasileira, na intenção de
promover uma educação menos excludente no que se refere às relações étnico-raciais,
visando assim contribuir com reflexões didático-pedagógicos que, neste caso, partirá de
uma publicação de Maria Firmino dos Reis, escritora do século XIX, que se utilizou de
elementos da língua para a configuração de estratégias discursivas tanto para a
elaboração de um sentido denotativo como para um sentido conotativo, muito próximo
do campo literário. Uma elaboração, cuja expressividade híbrida elaborada com recursos
linguísticos, poderia ser um fator desencadeante de níveis diversos de compreensão, no
que se refere à eficiência de sua receptividade. Verifica-se, contudo, que os mesmos
elementos linguísticos atuantes na organização textual, além de servirem à elaboração
discursiva constroem a temática que, no texto em questão, é apresentada em um arranjo
de configuração híbrida da linguagem, a partir da qual, serão considerados os estudos da
área da linguagem, não só aqueles voltados para a estruturação da função linear dos
elementos da língua, como também estudos que colaborem para esclarecer fenômenos
em seu nível discursivo. Com a intenção de explorar a estruturação linear da língua, como
também de apurá-la em seu nível mais profundo, analisando como os discursos podem
ser textualizados ou até mesmo categorizados conforme suas características
constitutivas mais profundas. Visto que, sob esse aspecto, é identificada, portanto, uma
convergência entre o nível textual e o nível discursivo, a partir da qual é possível
considerar a instauração de uma instância discursiva que pode servir a uma finalidade
comunicativa. Sendo assim, propor um detalhamento discursivo a partir de um texto
elaborado no século XIX, pode vir a ser um meio de verificar a historicidade de uma
temática discursiva quanto a sua própria finalidade, reconhecendo sua aplicabilidade
como um texto cuja instância funcional possa ser caracterizada pelos próprios elementos
construtores e mantenedores da unidade temática, que a depender da intenção de quem
anuncia, para quem, e como se anuncia, passa a criar condições situacionais ou
intertextuais que colaboram para que a enunciação discursiva inscrita em uma época,
possa estabelecer-se discursivamente em função de sua própria textualidade e, em prol
de um determinado campo discursivo. Com isso, a concepção de diversidade concebida
pelos vários tipos de gêneros discursivos, prioritariamente coloca o texto como objeto de
estudo, a fim de proporcionar uma eficácia no detalhamento feito a partir de relações
coesivas na verificação da coerência. Estabelecendo, portanto, sua funcionalidade em
âmbito sociocultural, ou até mesmo em função da própria publicação, quando o contexto
se limita à configuração dos elementos que constituem, por exemplo, o entorno de um
romance.
Neste trabalho, busca-se analisar como ocorre o processo da leitura, uma atividade
essencialmente cognitiva que compreende a depreensão de sentidos por meio da
lingua(gem). Tal depreensão, configurada de forma complexa, muitas vezes, foge do
alcance de nossa consciência, uma vez que se demanda a mobilização de conhecimentos
de dimensões variadas que interagem entre si, tais como, o conhecimento linguístico, o
conhecimento de mundo e o conhecimento de texto (KLEIMAN, 1989). Em meio a esses
conhecimentos, visa-se salientar um específico cuja existência se figura como o ponto de
convergência, o ponto propulsor de todas as atividades envolvidas no ato de ler: o
conhecimento linguístico. Em razão disso, parte-se do pressuposto de que a concepção
da leitura se realiza na interação do texto com o leitor, não se findando a simples
decodificação. Logo, essa relação implica entender o texto como um processo que
materializa índices que deflagram o encaminhamento da construção de sentido. Dessa
forma, para se aclarar o desenvolvimento da construção de sentido não se pode
desvencilhar do uso do conhecimento linguístico, da materialidade linguística no texto,
sobretudo do ato de referenciar, inextricável à língua e à mente humana, já que sempre
se fala de algo em um conjunto de referências. Todavia, as referências não são
estabelecidas em uma relação de espelhamento da realidade, na designação de objetos
de mundo, mas na designação de objetos que se erigem no discurso e são pertencentes a
ele. Tal concepção parte dos estudos da Referenciação, notórios na Linguística de Texto,
nos quais se assume que toda representação construída por um sujeito se apresenta de
maneira intersubjetiva de perceber e conhecer o mundo. Esse processo de significação,
portanto, coincide não somente com uma percepção individual, mas também com uma
percepção geral, isto é, uma “cognição social” (DIJK, 2012), sendo importante observar
que o conhecimento de mundo e o conhecimento prévio propiciam a construção de um
mundo representável, ou seja, com sentido. Dentro da perspectiva da referenciação, a
representação se corporifica no e pelo ato de referenciar as entidades, dadas como
objetos, referentes de discurso que, na dinâmica discursiva, vão sendo retomados e
(re)construídos a fim de se permitir estabelecer o entendimento. Sendo assim, no texto,
as estratégias de reconstrução do referente desencadeiam uma processualidade,
perfazendo a progressão referencial, a progressão temática e a manutenção tópica. Com
isso, o fenômeno discursivo em destaque tem a condição e servir como uma das grandes
âncoras tanto para a produção, a progressão e a organização do discurso quanto para a
compreensão dele na interação, tornando-se, por esse motivo, um dos cernes das pistas
linguísticas para se entender a configuração do sentido. Dito isso, a referenciação
apresenta-se como fenômeno substancial para a constituição da unidade significação e,
tendo em vista que ler é produzir sentidos, justifica-se a inclinação para as estratégias de
referenciação que, consequentemente, ancoram e acionam as estratégias cognitivas
envolvidas na leitura. Convém expor que não se licencia a leitura estritamente pelo texto,
deve-se, porém, compreender que este toma forma mediante as práticas sociais e as
práticas discursivas que se materializam graças ao texto. Nesse sentido, analisar a
superfície linguística, especialmente pelas estratégias de referenciação proporciona
demonstrar que o texto não é um produto, mas sim um processo acionado em cada ato
de leitura e em cada leitor. Em razão disso, a proposta de análise incide sobre um artigo
no qual são descritas as estratégias de referenciação no texto que estão a serviço tanto da
coerência local quanto da global no texto de modo que seja depreendido o projeto de
dizer do texto. Para tanto, então, tem-se como referencial teórico, no que tange à leitura,
Kleiman (1989) e Koch (2015), Marcuschi (2006) e Tedesco (2015) no que concerne a
abordagem da referenciação textual.
No século XIX a lógica racional das relações entre dominadores e dominados, entre
a Civilização e a Barbárie, originava-se das considerações e teorizações raciais de uma
Europa que reorganizava o mundo através da imposição da noção da superioridade da
raça branca e tornava-se fundamento do poder instituído. Um dos inúmeros
instrumentos de repressão e discriminação ao serviço de interesses dominantes, que
foram disseminados com o propósito da manutenção do poder branco, foi o cânone
literário das grandes obras e seus autores. Ademais, o cânone foi reconhecido como uma
forma de sustentação de uma ideologia de contornos patriarcais, racistas e imperialistas.
A menos radical das reivindicações surge, então, sob a forma de revisão e abertura do
cânone a textos representativos de saberes, classes e minorias, tradicionalmente
excluídos. Com o propósito de buscar, fora do cânone, obras em que possamos perceber
o uso da literatura como espaço efetivo de criação, de esperança e empoderamento da
raça negra, bem como a busca por uma literatura que nos permita novas leituras do
passado com a finalidade de vislumbrarmos novas possibilidades para o futuro, o
presente artigo traz das margens para o centro a militância literária e política contidas
na obra Vencidos e Degenerados, do afrodescendente José Nascimento Moraes. Ademais,
tem-se como objetivo enfatizar a importância e a relevância de uma tradição negra, ainda
pouco explorada na literatura brasileira, e que segundo o professor e pesquisador
Eduardo de Assis Duarte, a literatura afro-brasileira é ainda um “conceito em
construção”. Apesar de muitos ainda questionarem a existência de tal literatura,
pesquisas e descobertas apontam para o valor e relevância dessa escrita. A escolha pela
obra de José Nascimento Moraes se deu pela leitura de uma entrevista do professor
Eduardo de Assis Duarte ao jornal O Globo. Com o intento de trazer a literatura afro-
brasileira para o centro da discussão em mente, fui à busca do livro Vencidos e
Degenerados. Ao iniciar minha pesquisa, me deparei com um grande desafio: encontrar o
livro que fora publicado em 1915 e reeditado em 1982. Sem sucesso, percorri sebos,
grandes e pequenas livrarias, bibliotecas públicas, a biblioteca da UERJ, inclusive. Entrei
em contato com a editora que havia reeditado o livro em 1982, mas após um mês do envio
da mensagem, me responderam que o livro havia esgotado. Portanto, fica claro que o
“apagamento” dos negros na literatura é, sim, um fato. Através da leitura da obra de José
Nascimento Moraes, podemos repensar e concluir que a literatura pode ser também uma
forma de contar a História, principalmente a história dos oprimidos, dos marginalizados,
dos silenciados, ou seja, a história do “Outro”. Cabe ainda ressaltar que trazermos tal obra
à luz serve não apenas para colocá-la ao alcance do leitor contemporâneo após anos
esquecida e condenada ao silêncio, ao apagamento; bem como fazê-la com que habite
bibliotecas, salas de aula e infinitos espaços de aprendizado e debate. E como o
pesquisador e professor Eduardo de Assis Duarte menciona em seu texto Entre Orfeu e
Exu, a Afordescendência Toma a Palavra, “E, sobretudo, penetrar nos corações e mente
daqueles que, desde sempre, foram a causa dos anseios de tantos que pegaram a palavra
com as mãos para dela fazer o canto dos oprimidos”.
Essa comunicação tem por objetivo analisar a imagem da ‘harmonia’ racial brasileira
concebida no livro Brasil, um país do futuro (1941) de Stefan Zweig, em paralelo, a
questão racial, a mestiçagem e as relações raciais no pensamento social e nas políticas
públicas modernas brasileiras. Revisitar tal narrativa que contribui para a construção, no
país e no exterior, da imagem de identidade nacional brasileira baseada em uma
população e cultura mestiças, enfatizando uma consciência de nacionalidade única.
Permite olhar criticamente para o passado e perceber elementos que de alguma maneira
ainda alimentam o imaginário social brasileiro. Este é o caso do livro: Brasil, um país do
futuro (1941), escrito pelo escritor, dramaturgo, biógrafo, pacifista austríaco de origem
judaica, Stefan Zweig; após sua primeira visita ao Brasil em 1936. Suscita questões sobre
a imagem construída de um país cordial e livre de preconceitos raciais. A obra Brasil, um
país do futuro abarca História, economia e cultura brasileira; descreve a natureza e as
cidades do Rio de Janeiro, na época capital federal, São Paulo, as cidades Históricas em
Minas Gerais, Salvador e Recife; percorre uma fazenda de café no estado de São Paulo e
plantações de açúcar, tabaco e cacau no Estado da Bahia, por fim sobrevoa a Amazônia.
Porém, o olhar do pacifista observa com atenção especial a convivência entre as diversas
raças que compõem a população brasileira. Ao longo do texto são usadas expressões
como: ‘experimento Brasil’; ‘projeto Brasil’; ‘construção pacífica’; ‘ civilização futura’ e
‘harmonia’ racial, construindo um discurso político centrado na possibilidade de uma
civilização livre de preconceitos baseados na religião e na cor da pele, mas sem falar da
situação política do país. Para Zweig o valor do país do futuro está na “ausência” de
atitudes racistas, na ‘mistura’ racial e na convivência pacifica entre as múltiplas etnias, no
‘paraíso ’racial. Todavia, raça nunca foi um conceito neutro no Brasil. No final do século
XIX e na primeira metade do século XX a questão racial é debatida pelos intelectuais
brasileiros. Tais como: Silvio Romero e Oliveira Viana que veem no mestiço, descendente
da mescla das três raças (branca, índia, negra) formadoras da população brasileira, o
caminho para dissolução da diversidade racial e desaparecimento do elemento não
branco. As ideias racistas de Oliveira Viana de raças inferiores e superiores, são criticadas
por Gilberto Freyre em Casa-grande senzala, (1933). O autor desloca as discussões raciais
da questão biológica para o conceito de cultura. Aqui a mestiçagem obtém valor positivo.
Na política, a década de 1930 foi marcada pelo complexo regime Vargas. Suas propostas
de políticas sociais carregam o discurso da unidade nacional, da mescla racial e cultural,
a mestiçagem vira ‘nacional’. Elementos culturais, como: a feijoada, o samba e a capoeira
saem da marginalização e passam a símbolo nacional, cultura ‘tipicamente’ brasileira.
Esses contrastes apresentados enquanto arte em Brasil, um país do futuro, tende a
suavizar o quadro de exclusão social, a violência do racismo e a simplificar o conceito de
mestiçagem que está saturado de ideologia. Pois, a mestiçagem na literatura brasileira
seja na literatura estrangeira sobre o Brasil era ora defendida como símbolo da
identidade nacional, ora vista como um problema de saúde pública.
Maya Angelou, nascida Marguerite Ann Johnson, foi uma artista, poeta e
escritora norte-americana (1928-2014). O Concise Oxford Companion to African American
Literature (2001), no artigo biográfico dedicado a Angelou, destaca que sua autobiografia
em série entrelaça de maneira harmoniosa suas experiências individuais com a história
social coletiva dos afro-americanos (LIONNET, 2001, p. 8-9). As experiências de Angelou
são representativas das mudanças que ocorreram na América desde o século XX. Seus
trabalhos continuam a capacitar e dar voz àqueles que foram silenciados. O presente
trabalho pretende estudar alguns aspectos de como Maya Angelou moldou seus escritos
em I Know Why the Caged Bird Sings [Eu sei por que o pássaro canta na gaiola] (1969), sua
primeira autobiografia, não apenas para contar sua história de vida, mas também para
retratar o desenvolvimento da protagonista do desamparo à resistência contra o racismo
e a segregação através da sua narrativa autobiográfica. Para tal estudo, utilizamos como
base teórica os estudos de Sidonie Smith e Julia Watson (2001) sobre autobiografia e
memória. Os escritos de Astrid Erll (2011) contribuem para um aprofundamento sobre
as memórias individuais e coletivas como um ato de reconstrução. Os ensaios produzidos
por Suzette A. Henke (2009), James Robert Saunders (2009) e Pierre A. Walker (2009)
colaboram para a discussão sobre a forma escolhida por Angelou para apresentar suas
memórias. Podemos entender que em sua primeira autobiografia, Angelou usa suas
memórias e organiza sua narrativa de vida desde seus primeiros anos até a idade de
dezessete anos. Como Smith e Watson notaram, a autora organiza os fragmentos da
memória e reinterpreta o passado no momento da escrita (SMITH; WATSON, 2001, p. 16).
Como resultado, a realidade do passado de Angelou é acessível através de suas escolhas
sobre como organizar suas memórias na autobiografia acima mencionada (ERLL, 2011,
p. 114-115). Pierre A. Walker enfatiza como a obra de Angelou demonstra unidade
literária. O teórico também ressalta que Angelou moldou o material de sua história de
infância e adolescência para apresentar um processo progressivo de afirmação da
identidade, aprendendo sobre o poder das palavras e resistindo ao racismo (WALKER,
2009, p. 19). Smith e Watson destacam ainda que os atos autobiográficos podem
funcionar como intervenção terapêutica (SMITH; WATSON, 2001, p. 22-23). Do mesmo
modo, Suzette Henke concorda com as estudiosas ao afirmar que a história do trauma se
torma um testemunho que promove a reintegração física ao ser transformada e
reencenada como narrativa (HENKE, 2009, p. 113). Logo, Maya enfrenta desafios e se
transforma em uma mulher forte. Portanto, é possível ver uma sequência de eventos na
obra de Angelou que retrata a jornada de Maya Angelou de uma criança indefesa para
alguém que começa a resistir de maneira sutil à segregação e ao racismo. No fim de sua
primeira autobiografia, assume o controle de sua vida, luta para trabalhar, por seu filho e
por um futuro brilhante. Assim, sugere-se que Maya Angelou constrói sua narrativa
autobiográfica como um testemunho coerente, de maneira a demonstrar como superou
um passado de impotência, sentimento de inferioridade e trauma, alcançando um senso
de respeito próprio, sabendo como resistir ao racismo e à segregação com dignidade.
Temas pertinentes à cultura portuguesa tiveram um olhar atencioso, por que não,
amoroso de Agustina Bessa-Luís, como se percebe na obra em estudo e em tantas outras.
Lembrando Barthes (2013), cada uma tem um sabor da terra, especialmente, nortenha
construído pelas palavras às vezes doces, outras amargas, de fina ironia. A escritora
baseia-se numa história real transcorrida em meados do século XIX no Norte de Portugal
para construir seu romance histórico Fanny Owen (1979). Apropria-se das histórias
contadas sobre o episódio por Camilo Castelo Branco e relatadas nos diários íntimos de
Fanny Owen e José Augusto Pinto de Magalhães. Inova ao trazer o próprio
Camilo/escritor para o espaço ficcional como personagem. Apesar do título centrar-se na
figura de Fanny Owen, observa-se que, ao longo do romance, é a conflituosa amizade
entre José Augusto e Camilo Castelo Branco que ganha destaque. Todavia, é inegável a
importância da jovem, já que se encontra no centro das discussões entre eles. Fanny
Owen conta uma história de amor que deve a sua singularidade à mistura de vários
ingredientes: por um lado, o uso da língua, caracterizado por um tom intimista,
byroniano, bem ao estilo romântico que vai ambientar a narrativa. Por outro lado, a
representação da sociedade da época (em transformação) com seus velhos e novos
hábitos, costumes. E sem deixar de observar a essência humana, nas suas expressões mais
sublimes e mais desventuradas. Baseia-se em fatos ocorridos no século XIX, no meio da
juventude boêmia, mas intelectual, do Porto, da qual fazia parte os escritores Camilo
Castelo Branco, José Augusto, José Vieira de Castro. Além de narrar a vida da jovem
romântica, filha do oficial inglês Hugo Owen, “conselheiro de D. Pedro”, que se deixara
envolver pelo amor, um amor intenso que a leva a um fim trágico. A proposta deste
trabalho é refletir sobre a construção do personagem Camilo Castelo Branco no romance
Fanny Owen de Agustina Bessa-Luís. A escritora portuguesa tece o jovem Camilo em
busca de seu espaço no meio intelectual português que não se dará de maneira simples,
sem intensos conflitos. Não é considerado um bom poeta e, como folhetinista, já traz a
acidez nas palavras, provocando grandes dissabores. Além da própria vida pessoal tecida
fio a fio por polêmicas diversas. E a aproximação com seu amigo também poeta José
Augusto se dará, inicialmente, por não serem bem aceitos socialmente. A autora revisita
o século XIX para contar a trágica história do suposto triângulo amoroso protagonizado
por personagens inspirados em pessoais reais: a jovem inglesa Fanny Owen, o morgado
de Lodeiro José Augusto Pinto de Magalhães e o jovem Camilo Castelo Branco. É baseada
em fatos reais, passa-se na metade do século XIX, mais precisamente no Norte de
Portugal, embora as personagens se desloquem entre Lisboa, Porto e Coimbra,
concentrando-se no Porto, trazendo à luz a vida social do país.
2O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
coeso, com declarações de princípios artísticos ou estabelecimentos de grupos bem
definidos. Prova desse contexto é a grande instabilidade terminológica e conceitual,
identificada já no século XIX, para fazer referência a essa literatura. De forma
praticamente intercambiável, uma pluralidade de nomeações foi empregada nas críticas
estudadas para qualificar a produção decadente, tais como “decadismo”, “decadentismo”,
“nefelibatismo”, “simbolismo” e “novismo”. Como base bibliográfica para avaliarmos a
circulação de tal ideal artístico no país, utilizaremos os estudos de Andrade Muricy
[1951], Brito Broca [1991], Cassiana Carollo [1980], Marcelo Fernandes [2014], Marcus
Salgado [2006] e Massaud Moisés [1973]. Para avaliarmos o sentido das trocas culturais
da Decadência, serão essenciais as publicações de Jean Pierrot [1977], Pascale Casanova
[1999] e Jean de Palacio [2011].
No final do século XIX, era comum o uso do termo “mulher viril” para descrever as
mulheres que reivindicavam atuar em papéis e espaços considerados então
exclusivamente masculinos. Em voga no Brasil devido à explosão da “primeira onda” do
feminismo na Europa, o termo era utilizado para se referir às mulheres que recusavam a
passividade imposta pela sociedade. Neste período, com a virada do século XIX para o XX,
assinalou-se no Brasil a marcha das mulheres para conquistar a sua emancipação
(SOIHET, 2004). Resultado da explosão da primeira “onda de feminismo” europeu, o
feminismo no país neste momento ainda não se configurava como um movimento
propriamente dito, mas sim como vozes espalhadas pela nação, com dificuldades de
comunicação (OLIVEIRA, 2015). Ao contrário das feministas americanas, inglesas e
francesas, as brasileiras não se reuniam em associações para estudar e divulgar as suas
causas, devido às resistências dos setores conservadores da sociedade. Ainda havia
resquícios da severidade imposta pela Igreja para regular o corpo feminino, os quais se
opunham às ideias de emancipação do prazer da mulher, dando-lhes liberdade para usar
o corpo como o homem (OLIVEIRA, 2015). Neste sentido, as mulheres eram alvo de
descrédito em suas lutas pela emancipação, visto que a emancipação feminina era vista
pelos diversos setores sociais como uma ameaça à ordem estabelecida (SOIHET, 2004).
A situação da mulher e sua reivindicação por maior participação na sociedade sofriam até
mesmo tratamento caricato na imprensa. A emancipação era considerada como um grave
risco ao sistema patriarcal, cujo predomínio masculino encontrava legitimidade até nos
pensamentos filosófico e médico da época (SOIHET, 2004). O primeiro considerava que a
inferioridade da razão entre as mulheres era um fato incontestável, “cabendo a elas
apenas cultivá-la na medida necessária ao cumprimento de seus deveres naturais:
obedecer ao marido e cuidar dos filhos” (SOIHET, 2004, p. 15). Já a medicina garantia “que
a fragilidade, o recato e o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais eram
características biologicamente femininas, assim como a subordinação da sexualidade ao
instinto maternal” (SOIHET, 2004, p. 15). Em contraste, o homem “somaria à sua força
física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios”
(SOIHET, 2004, p. 15). Neste contexto, os romances naturalistas A carne (1888), de Júlio
Ribeiro (1845-1890), O aborto (1893), de Figueiredo Pimentel (1869-1914), Livro de uma
sogra (1895), de Aluísio Azevedo (1857-1913), e Turbilhão (1906), de Coelho Neto
(1864-1934), colocavam em cena personagens femininas paradigmáticas que desafiavam
as expectativas que se tinham até então das mulheres no século XIX. Deste modo,
insatisfeitas com os papéis atribuídos às mulheres, as personagens femininas Lenita, de
A Carne, Maricota, d’ O Aborto, Olímpia, do Livro de uma sogra, e Violante, de Turbilhão,
lutavam por espaços de autonomia dentro da rígida sociedade patriarcal, apresentando-
se como personagens fortes, ambiciosas e aventureiras. Seus atos e suas atitudes,
seguindo a esteira de Emma Bovary, do romance francês Madame Bovary (1857), de
Gustave Flaubert (1821-1880), colocavam em xeque os princípios e os fundamentos do
patriarcado, como o casamento e a maternidade. Contudo, assim como ocorreu no cenário
francês, os romances naturalistas e suas temáticas femininas libertadoras não foram bem
aceitos na época e até hoje encontram resistências na historiografia tradicional.
Nos últimos anos, o debate sobre o porte de armas voltou às manchetes dos jornais
e páginas de notícias na internet, não só nos Estados Unidos, país onde foram produzidas
as campanhas publicitárias que compõem o corpus deste trabalho, mas também em
outros países. No Brasil, a relevância desse tema pôde ser percebida durante a eleição
presidencial de 2018, quando a legalização do porte de armas assumiu um papel de
destaque na campanha de um dos candidatos. Diante de tal cenário, este estudo propõe a
análise da representação dos atores sociais em duas campanhas publicitárias sobre o
porte de armas nos Estados Unidos. Para tanto, doze anúncios (seis contra o porte de
armas e seis a favor) foram selecionados para formar o nosso corpus. A primeira
campanha foi elaborada para a organização Moms Demand Action (Mães Exigem Ação,
tradução nossa), uma organização sem fins lucrativos que defende o controle de armas.
A segunda campanha foi elaborada para a organização National Rifle Association
(Associação Nacional do Rifle, tradução nossa), uma organização sem fins lucrativos que
defende o livre porte de armas. Nossa investigação foi conduzida sob uma perspectiva
sistêmico-funcional da linguagem (HALLIDAY, 1985), pois compreendemos a linguagem
como uma atividade social, organizada por um sistema de significados sociais que
pertence a uma determinada cultura, ao invés de um grupo estático de estruturas e regras
gramaticais. Uma vez que o corpus deste trabalho é composto por um conjunto de textos
multimodais, verificou-se a necessidade do uso de ferramentas teóricas e metodológicas
que permitissem um estudo detalhado desse tipo de texto e possibilitassem a análise da
construção da representação dos atores sociais. Assim sendo, utilizamos o inventário
sociossemântico da Representação dos Atores Sociais (RAS) proposto por van Leeuwen
(1997) para a análise textual dos anúncios selecionados, equanto que empregamos a
Rede de Representação Visual dos Atores Sociais (RVAS), também de van Leeuwen
(2008), juntamente com algumas categorias da Gramática do Design Visual (GDV), de
Kress e van Leeuwen (2006), na descrição e estudo das imagens. Procuramos, através da
interpretação dos dados gerados pela análise do corpus deste trabalho, responder às
seguintes perguntas de pesquisa: a) como os atores sociais são representados em seis
anúncios contra o porte de armas nos Estados Unidos; b) como os atores sociais são
representados em seis anúncios a favor do porte de armas nos Estados Unidos e c) como
a representação dos atores sociais contribui ou não para que a campanha publicitária da
qual eles participam atinja o seu objetivo. Os resultados demonstraram que a
representação dos atores sociais dos anúncios estudados foi cuidadosamente construída
para reforçar e validar a mensagem a ser veiculada por suas respectivas campanhas
publicitárias. Percebe-se ainda que as imagens corroboram as mensagens presentes nos
textos, validando os argumentos de cada lado da discussão do porte de armas, que é uma
questão complexa, polêmica e que envolve inúmeros fatores sociais, políticos, culturais e,
até mesmo, financeiros. Dessa forma, estamos cientes de que os resultados de nossa
pesquisa apontam para um pequeno recorte de um contexto específico, sendo necessário
o desenvolvimento de mais pesquisas na área para que uma compreensão maior sobre o
tema seja estabelecida.
Os estudos literários no Brasil forneceram muitas leituras acerca de uma estética até
então nova e que revolucionou o olhar para as artes durante o século xx. O chamado
Modernismo marcou não apenas por sua proposta inovadora como também pelo desejo
de romper com o que se considerava valorizado pelos excessos do tradicionalismo
infecundo de certa moral parnasiana ainda presente nesse contexto artístico das
primeiras décadas do século passado. Dentre os diferentes autores presentes na
efervescência desse movimento, podemos destacar um nome de fundamental
importância nesse cenário. Neste caso, falamos do poeta, prosador e intelectual Mário de
Andrade. Este intelectual enveredou no caminho da pesquisa logo cedo. Seus gostos iam
desde teoria musical, passando pelo estudo de grandes músicos, até o recolhimento de
objetos populares e, claro, a literatura. Nesta última segue a atenção deste trabalho. Que
caminhos o teriam levado até a confecção do Livro Azul, produção que pretendemos
tratar? Para postular esse questionamento basta dizer que tal escrito é uma obra que
destoa das inúmeras outras produzidas pelo autor. Com o objetivo de situar o presente
estudo de acordo com as referências dispostas, efetuou-se então a divisão do trabalho em
partes. A primeira diz respeito ao Modernismo, a contribuição biográfica do autor na
participação de seu legado artístico para a renovação do lirismo brasileiro. Chamando a
atenção para sua figura intelectual e o valor artístico de sua produção, procurar-se-á
articular os caminhos trilhados pelo poeta até o avanço de sua produção poética. A
segunda parte, tratará do Livro Azul, objeto central desse estudo. Obra composta por
apenas três poemas, Livro azul carrega em sua linguagem um curioso processo de
camuflagem da voz lírica, demonstrando uma nova perspectiva da aspiração poética
conduzida por Mário. Apresentar-se-á uma análise da presença de um imaginário utópico
na construção do poema “Rito do irmão pequeno”, que traz em seu enunciado um novo
tópos onde se resgata o conceito de uma esfera não afetada pelo progresso. Buscaremos
então demonstrar tal construção utópica particular do poeta, levando em conta sua
vontade de experimentar um novo espaço que lhe possibilitasse a desejada paz a seu
tempo e o mergulho no azul de si. Propõe-se analisar o impulso utópico específico do
momento em que Mário escreveu o “Rito do irmão pequeno”, onde deu-se a presença do
caráter de repouso, assegurado através do contato com a natureza primitiva e do
distanciamento das urbes modernas. Esse impulso utópico quando tratado no suporte da
linguagem foi capaz de construir um imaginário que integrou em si uma rede de signos
alegóricos ao longo dos versos líricos do poema. As tendências estéticas do poeta
detalharam todo o esboço pensado de acordo com sua sinceridade de artista. A
sobreelevação das sensações, a maleita e o repouso justificam uma categoria
cosmogônica que despejou em certa regressão singular um imaginário utópico, um desejo
de utopia que tomaria como símbolo fundamental a matriz Amazônica. Portanto,
estudaremos a partir dos textos abordados o caminho do imaginário utópico produzido
por Mário, na busca de tatear as possibilidades que as imagens do poema Rito do irmão
pequeno sugerem. Nesse sentido, o presente trabalho visa examinar as estruturas de
criação apresentadas no Livro azul, recorrendo para isto a estudos já realizados por
teóricos que se debruçaram sobre a obra do poeta modernista.
O presente trabalho tem por finalidade pensar a flutuação entre a voz e a escrita
em alguns poemas de João Cabral de Melo Neto. A gradação entre a voz alta e o sussurro,
o balbucio e o rumor e entre o silêncio e o ruído. Como objetivo ainda, situar a voz como
materialidade reflexiva da escrita e algumas implicações dentro do contexto da poesia.
Através de poemas endereçados ou relacionados a alguns personagens do universo do
poeta caracterizar seus procedimentos e suas notas críticas. A busca da desvinculação do
autor a partir de procedimentos de controle da enunciação, imprimindo um tom neutro,
substantivo, concreto, que mantém determinada distância da função emotiva da
linguagem. As reflexões buscam evidenciar a percepção e a importância dada ao registro
da voz como camada expressiva do poema. Instrumental teórico colhido na fortuna crítica
do poeta, notas de teóricos da literatura e, principalmente, os próprios poemas
delimitarão o corpus deste estudo. Mediante aproximações, ora em poemas, ora em
relatos extraídos de entrevistas, correspondências e estudos críticos, este estudo buscará
construir uma hipótese para o posicionamento da voz em algumas passagens na obra de
João Cabral de Melo Neto. Tal operação ainda verificará, nestas ocorrências, aspectos que
possam estar relacionados com a vocalização e a oralidade na poética em questão. O
objetivo principal deste estudo é estabelecer novas possibilidades exploratórias acerca
das categorias de performatividade e enunciação na obra de João Cabral e com isso
propor procedimentos para poemas em voz alta, ligados à representação teatral, e
poemas que se consumam na leitura reflexiva, seja pelo caráter imagístico, seja pela
elaboração estética. Apontando o momento em que a voz anima o poema e o que distingue
a inscrição gráfica da expressão sonora, vocal/oral, consumada em performance. O poeta
crítico que se impôs na poesia de João Cabral se nota nas demandas apontadas pela crítica
desde então. A tensão referida nas diversas escolas e fases da poesia brasileira foi anotada
com pertinência em seus ensaios críticos; a sua metapoesia encontra relevância ainda
hoje nas implicações entre poeta, publico e a tradição. Utilizando como fundamentação
algumas referências teóricas de circulação consistente, a pesquisa aproxima à poética
cabralina dos elementos destacados na cena poética atual. Cumpre pontuar que tal
abordagem tem a finalidade de abrir novos procedimentos de leitura visando cobrir
camadas latentes, discretas ou mesmo inaparentes na obra do pernambucano. Assim,
convocando outras categorias e referenciais, estabelecer novos horizontes de leitura para
um poeta crítico. Questões como série, oralidade, vocalização são examinadas em cotejo
com alguns poemas. Há, notadamente, aproximações e transversalidades que se
localizam no fazer de João Cabral, cumpre, portanto, no itinerário proposto por este
estudo, abrir espaço de questionamento para ler Cabral com o aparato do século XXI.
Passado vinte anos de sua morte, contando quase cem anos de seu nascimento, fica a
questão: como ecoa a poesia das coisas de João Cabral de Melo Neto hoje?
Vinicius de Moraes foi o homem das mudanças. Tanto em sua vida pessoal quanto
profissional. Foi diplomata, poeta, músico, cronista, autor de peças de teatro, crítico de
cinema e de música. Um homem que fez com que a música popular se expandisse e
entrasse dentro das casas nobres, o que antes era visto como algo inferior. Podemos ver
ainda em suas crônicas o quanto ele estava atento às mudanças que aconteceram no país
e no mundo, em especial, no Rio de janeiro. Com o processo de urbanização que a cidade
sofreu e que modificou a vida das pessoas, retirando-as de seus habitats, coube ao
cronista Vinicius esclarecer alguns assuntos, principalmente no que diz respeito ao
surgimento do samba, suas raízes, seus principais nomes. Este trabalho se propôs a fazer
uma análise das crônicas de Vinicius de Moraes para mostrar como elas foram
importantes para a música popular e ainda buscamos verificar que algumas de suas
músicas e poemas podem ser entendidas como crônicas sonoras, pois o mesmo diz não
fazer uma distinção entre poesia e música. Para o presente estudo foram escolhidas duas
crônicas musicais onde ele fala sobre o samba. Mostramos seu surgimento, seus
fundadores, suas principais características e apresentamos o desenvolvimento do samba
e seus desdobramentos: blocos de carnaval, escolas de samba. Além das crônicas foram
escolhidos os poemas “Azul e branco” e “Rosa de Hiroshima”. O primeiro é de um poema
que é uma homenagem à construção do edifício Gustavo Capanema, que foi o marco da
arquitetura moderna. E o segundo foi um poema musicado pela banda Secos & Molhados
que fala sobre os efeitos da guerra. Em ambos buscamos revelar como o fazer cronístico
vai além da crônica propriamente dita. Alcança sua música e poesia. A crônica passa por
um processo de evolução ao longo da história, deixando de ser uma coletânea de
acontecimentos, para se tornar, no século XX, um dos gêneros literários mais populares e
acessíveis a toda a população de maneira geral. A crônica brasileira se divide em antes e
depois de Rubem Braga e de como o seu papel foi importante para a valorização da
crônica como gênero literário. Após o Modernismo, outros grandes nomes também
começaram a valorizar a crônica: Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos,
Rachel de Queiroz, Vinicius de Moraes entre outros. Das crônicas antigas ao que temos
hoje, existe uma mudança de perspectiva, pois aquelas eram longas e objetivavam a
transmissão de notícias; este era o papel do folhetinista até o início do século XX. Nas
atuais, a diferença visível é a extensão e a maneira mais despojada de escrever. Existe
uma variedade de crônicas escritas por Vinicius de Moraes com temas dos mais variados,
mas um dos papéis mais significativos do fazer cronístico do poeta, principalmente nas
crônicas que falam sobre a música, é enaltecer um grupo que jamais foi respeitado na
sociedade: os negros. A valorização da cultura afro que tanto influenciou a música
popular e a sociedade em geral, é abordada. Nos poemas selecionados apresentamos que
o fazer crônica ultrapassa os moldes tradicionais. Mostrando o quanto o poeta soube
adentrar na crônica sem deixar para trás suas características de poeta e compositor.
Possibilitando novas leituras com o passar dos tempos. Dando à sua canção-crônica uma
maior durabilidade temporal. Neste trabalho faremos um percurso pelas crônicas,
poemas e canções de Vinicius de Moraes com o intuito de mostrar que a escrita viniciana,
em muitos momentos, tem o caráter cronístico. Porém, ora seguindo o modelo de crônica,
ora fugindo deste e dando-lhe uma outra roupagem em seus poemas e canções.
Palavras-chave: Vinicius de Moraes, crônica, canção, crítica.
Sérgio Abreu
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Restringida às atividades de serviço doméstico, a mulher do séc. XIX não era vista
com muita credibilidade social, sua imagem era apenas complementar ao seio familiar.
Seu papel na sociedade era ter obediência ao pai e ao marido, procriar e cuidar do lar,
sem tirar a autonomia do homem como o “chefe de família”. É perceptível que a sociedade
já havia estabelecido há muito tempo um “molde” no qual a mulher deveria se encaixar:
ser dona de casa, cuidar do marido, educar os filhos, e viver sempre na guarda de um
homem, sem a capacidade de sobreviver por conta própria. O que ocorre é que nem todas
se conformavam a esse papel. Não raro, estas mulheres, como se não fosse o bastante
escrever, algumas ainda publicavam e obtinham lucro financeiro com as publicações.
Guiomar Delfina de Noronha Torresão (Lisboa, 1844-1898) foi uma escritora portuguesa
que viveu financeiramente de sua escrita. Colaborou com periódicos em Portugal e no
Brasil, como Diário de Notícia, Diário ilustrado, Artes e Letras, Ilustração Portuguesa e A
Leitura, mas tornou-se mais popular com sua participação no Almanaque de Lembranças
Luso-Brasileiro e chegou a editar o seu próprio, o Almanaque das Senhoras. Guiomar foi
ficcionista, ensaísta, poetisa e dramaturga. Algumas de suas obras são: Uma Alma de
Mulher (1868), A Voz Feminina (1869), Rosas Pálidas (1873), A Família Albergaria (1874),
Meteoros (1875), No teatro e na Sala (1881), prefaciado por Camilo Castelo Branco, e
Diário de uma Complicada (1894). Nunca casou nem teve filhos, tendo vivido até a data
de sua morte com sua irmã, Maria Felismina de Noronha Torresão. Podemos dizer que
Guiomar Torresão faz parte de um coletivo de escritoras portuguesas de seu tempo.
Antecedida por Marquesa de Alorna, Maria José da Silva Canuto, Antónia Gertrudes
Pusich, Maria Peregrina de Sousa, entrando no campo literário do qual também faziam
parte Ana Plácido e Maria Amália Vaz de Carvalho, sucedida por Ana de Castro Osório,
Virgínia Victorino, Florbela Espanca, e a lista escritoras portuguesas contemporâneas
entre si ainda poderia se estender. Sua presença no meio intelectual mostra que mesmo
com todas as dificuldades, algumas escritoras continuavam a lutar por um lugar. Todas
elas fugiram do padrão feminino de sua época, dotadas de uma educação excepcional.
Algumas frequentavam ou organizavam salões literários, como o criado e mantido por
Maria Amália Vaz de Carvalho; o mesmo no qual, também era frequente a elite intelectual
portuguesa composta por Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Antero de Quental e
Ramalho Ortigão. Contudo, estas participações sociais tão singulares ganhavam espaço
também na ficção de autoria feminina, representando a sociedade como elas a viam ou
como gostariam que fosse. Assim, a personagem Luísa do conto “Amor de Filha”,
publicado em Rosas Pálidas (1873), exprime-se no que já havia de mais antagônico – e
natural – na mulher da sociedade oitocentista portuguesa: se de um lado Luísa integrava
os grandes salões e relutava ao casamento arranjado pelo desejo em se casar por amor;
de outro lado, nunca havia cogitado fugir para vivê-lo. Assim, o objetivo deste trabalho é
relacionar algumas temáticas relacionadas à vivência feminina naquela sociedade
presentes no conto “Amor de filha”, de Guiomar Torresão, como: a castidade, a
administração do dote, o casamento, o amor e a honra, para fazer um contorno da
situação das mulheres e escritoras no Portugal do século XIX.
A rede social Facebook, assim como outros espaços do mundo digital, pode ser
considerada como um palco de embate entre discursos antagônicos, no qual se poderia
observar uma disputa de sentidos acerca de questões que circulam na sociedade em
nossos dias. Um exemplo de tais movimentos pode ser observado em postagens e seus
respectivos comentários que narram situações de violência contra o corpo feminino,
especificamente em casos de violência doméstica. Em tais narrativas, é possível perceber
tanto o embate sobre o que poderia ser considerado ou não como um ato de violência e
sobre como é construída a imagem do sujeito que passa por tais situações (se é tratado
como vítima do ato, como de certa forma responsável pelo que lhe aconteceu por não se
portar e/ou vestir de uma determinada maneira que seria a considerada correta ou ideal
no imaginário de uma sociedade, como sujeito que teria direito à voz e à contestação do
que lhe acontece, podendo clamar por ações da Justiça contra aqueles que lhe ameaçam
ou causam qualquer tipo de dano, ou como somente um corpo que é constituído, validado
e regrado por seu exterior, sem voz e sem dizeres sobre o que vivencia em sociedade),
quanto a quais redes de sentidos os diferentes dizeres se encontram entrelaçados (e aí
teríamos diferentes e numerosas redes de sentidos que poderíamos denominar como
conservadoras, tradicionais, cristãs, patriarcais, machistas, capitalistas, etc., e os
deslocamentos, falhas, e rupturas nessas redes que poderiam apontar para sentidos
outros). Para observar tais movimentos, utiliza-se como ponto de partida para a pesquisa
e constituição do corpus as hashtags utilizadas nas postagens e respectivos comentários
que serão posteriormente selecionados e recortados. Hashtags são utilizadas na internet,
em redes sociais como o Facebook, para identificar mensagens e/ou fotos relacionadas a
um tópico específico, sendo compostas pela palavra-chave do assunto antecedida pelo
símbolo cerquilha (#). Elas funcionam como indexadores para facilitar buscas por uma
informação específica dentro da internet. Nos últimos anos, é possível observar uma
intensificação de movimentos de utilização de tais indexadores para, entre outros
motivos e propósitos, trazer a uma esfera de discussão pública produções de efeitos de
sentidos sobre o que poderia ser considerado como uma busca por conscientização sobre
diferentes problema sociais, como em nosso caso específico o de violência contra
mulheres (seja da forma que for, moral, sexual, física, patrimonial, psicológica...) a partir
de narrativas normalmente mantidas na esfera privada, postagens essa que se utilizam
de chamadas como #violenciadomestica, entre outras hashtags. Para o presente trabalho
recortamos uma postagem no Facebook que se utiliza da hashtag mencionada, assim
como seus comentários em resposta, todos postados no ano de 2016, para compor nosso
corpus de análise. A partir da base teórica da Análise do Discurso Materialista (de acordo
com Pêcheux e Orlandi, principalmente), observamos os movimentos de disputa de
sentidos sobre as imagens de mulher e de violência doméstica. Propomos assim uma
reflexão sobre as condições de existência de um sujeito mulher em nossa sociedade atual,
considerando as forças em disputas e alianças que atuam sobre tal sujeito.
ÀS MULHERES, FLORES!:
ANÁLISE DOS ATORES SOCIAIS NO DISCURSO MINISTERIAL
A MARCA DE SHAKESPEARE
3O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
observar o papel da mulher conforme representado nos romances Agnes von Lilien
(1798), de Caroline von Wolzogen, e Lésbia (1890), de Délia, atentando à sua função em
uma sociedade que negligenciava a sua voz. Ambas as escritoras cometeram a ousadia de
empunhar suas penas em pleno império da opressão exercida pelo sexo masculino sobre
o feminino e marcaram, assim, a literatura, cedendo à posteridade significativos
documentos de suas épocas. A distinção de tom entre as obras – a atmosfera de Agnes
aproxima-se da sensibilidade, ao passo que Lésbia apresenta uma escalada do amargor e
da acidez, no que se refere às figuras das protagonistas – configura-se como um fator
essencial ao presente trabalho: a observação do discurso feminino em suas diversas
nuances. Cabe frisar, por fim, que apesar de haver uma considerável distância entre as
produções das escritoras em questão e o presente século, a análise de seus escritos se
apresenta como um fator relevante em um cenário no qual as pautas femininas se
afirmam. Lançar um olhar para o passado torna-se, por conseguinte, não somente um
modo de afirmar o discurso de nossas predecessoras, mas uma forma de compreender o
presente e vislumbrar um futuro no qual a escrita de autoria feminina se encontre
liberada de pré-julgamentos.
Em Era uma vez um balão, livro escrito por Júlio Emílio Braz e ilustrado por
Jean-Claude R. Alphen, um balão fica imóvel no canto seguro de uma sala enquanto vê a
vida passar através de uma janela aberta, onde ele acompanha o movimento, o ir e vir de
pessoas e carros e se questiona o porquê de estar preso à ideia de segurança acomodado
no cômodo enquanto perde a oportunidade de explorar o mundo que está além do que
ele conhece, mesmo estando tão próximo, até finalmente criar coragem e flutuar livre e
sem limite. Por outro lado, Numa noite muito, muito escura, livro escrito e ilustrado por
Simon Prescott, um ratinho sai da floresta onde vive e atravessa a cidade em uma jornada
noturna solitária cheia de adversidades e sob olhares de predadores, onde sombras
escondem diferentes contratempos. Enquanto no primeiro as cores azul e amarelo
representam os ambientes interno e externo, a calmaria da zona de conforto em contraste
com as inúmeras possibilidades e novidades que o balão veria, escuridão – como se
quisesse ficar escondido – e luz – para se mostrar na decisão do enfrentamento –, tristeza
e ânimo e a diferença entre inércia e impulso; o segundo é colorido em tons terrosos - se
distanciando assim do comum azul escuro da noite – valoriza silhuetas para aumentar o
grau de tensão, coloca elementos que não estão no texto e segue o rato como se fosse uma
câmera em um filme mudando constantemente o ângulo para dar a impressão de que o
animal é muito pequeno em cenários que facilmente o subjulgariam. Segundo a
pesquisadora Nelly Novaes Coelho, “o ponto de apoio para a ação das personagens é
o espaço (ambiente, cenário, cena, mundo exterior). Ele determina as circunstâncias
locais, espaciais ou concretas, que dão realidade e verossimilhança aos sucessos
narrados. Sua importância na efabulação é idêntica àquela que o mundo real adquire em
nossa vida cotidiana”, e tais características são facilmente encontradas nos dois livros
usados como objetos, mesmo que um seja sobre medo de se aventurar e fique dividido
entre dois espaços enquanto o outro sai de locais abertos até se encaminhar para lugares
fechados que mesmo assim ainda passam a sensação de que são enormes. Ainda usando
Coelho como referência, podemos dizer que “a atmosfera criada pelo espaço pode
transmitir sensações de calor, frio, luminosidade, escuridão, opressão, transparência,
bem-estar, fatalidade, leveza, colorido, opacidade, etc.” e podemos entender quando
Alphen utiliza o recurso das cores para o jogo de dentro/fora e Prescott com diversos
pontos de vista. Especificamente sobre histórias de medo, o roteirista Scott Snyder
escreveu em um de seus depoimentos que “o terror de qualidade pega aquilo em que a
gente encontra segurança e transforma em ameaça”, então a cidade movimentada
durante um dia iluminado ou uma rua deserta à noite são possíveis cenários de histórias
assustadoras dependendo de como as histórias serão contadas. Importante apontar mais
uma diferença entre as duas obras analisadas: a primeira foi feita a quatro mãos, parceria
entre escritor e ilustrador, enquanto no segundo o autor é escritor e ilustrador, o que nos
faz pensar também na questão da autoria do criador de texto e também no criador de
imagens, como esses dois trabalhos se unem e também pensar qual seria a diferença de
um autor que tem apenas uma função e precisa de outro e aquele que acumula as duas. A
apresentação tem o objetivo de mostrar a ilustração como ferramenta importante para
trazer informações que não estão no texto, criando desta forma, além da atmosfera
necessária, uma segunda narrativa que é lida junto com o que está escrito.
“Escrever quer dizer também isso: ou a morte, ou o livro”. Essa frase presente no
ensaio Escrever de Marguerite Duras é tão curta quanto impactante, na medida que traduz
em poucos vocábulos uma necessidade visceral imposta pela escrita: ou se escreve, ou
não se sobrevive. Assim, a criação literária é, para Marguerite, um imperativo, algo que a
convoca a dizer, a criar, a narrar, para assim conseguir seja suportar, seja atravessar a
existência. Sabe-se bem que Marguerite Duras, impulsionada por esse chamado, escreveu
até o fim de sua vida, de romances a peças e roteiros de cinema. No entanto, uma obra
destaca-se do conjunto maior de suas publicações. Em 1944, Marguerite, também na
época Madame Antelme, escreve um conjunto de cadernos que reúnem notas de um
agonizante período de espera. A espera do retorno – incerto – de seu marido Robert
Antelme, membro da resistência preso e deportado pelos alemães que, naquele momento,
ocupavam Paris. A reunião dessas notas seriam publicadas apenas em 1985, sob o título
A Dor. Eis então A Dor, uma das coisas mais importantes de sua vida, segundo a própria
autora. É perante o medo e o horror impostos pela guerra, sob a tensão contínua da
possibilidade da morte de Antelme e no vértice de uma dor quase insuportável, que
Marguerite escreve. Em contraste com o estado caótico em que vive, sua letra calma e
organizada é a matéria com a qual ela cria um lugar para respirar apesar da barbárie. Ou
ainda, como conceitualiza Didi-Huberman em seu livro Essayer Voir, um “lugar apesar de
tudo: uma passagem inventada, uma brecha praticada nos impasses que os lugares
totalitários querem construir” (DIDI-HUBERMAN, 2014:20). Destacarei, então, para este
trabalho, trechos do primeiro caderno, também ele intitulado A dor, para identificar, na
escrita durassiana, os processos de representação da experiência vivida pela autora no
período da Segunda Guerra. Desse modo, as questões sobre a representação da memória
e sobre a relação entre barbárie, testemunho e representação nortearão meu trabalho,
levando em conta dois pontos principais: a relação entre os corpos de Marguerite e
Robert e o enlace da tragédia individual com a tragédia coletiva. Apoio-me em críticos
essenciais seja para a leitura da obra de Duras seja para a análise de literatura de teor
testemunhal (conto, por exemplo, com Selligman-Silva, Didi-Huberman, Béatrice
Bonhomme e Laure Adler). Pretendo perceber, com minha análise, os movimentos de
escrita de Marguerite que a possibilitam fincar no solo sua âncora, feita de letra, e, assim,
resistir à submersão, concebendo um livro que lança na história os ecos de seu sofrimento
e também daqueles a quem não foi dada uma chance semelhante.
Esta comunicação tem como proposta repensar o lugar das letras coloniais no
cenário da formação de leitores e de especialistas em literatura. Apoiando-se nas querelas
sobre a escassez de leituras do que se convencionou chamar de “Barroco”, este trabalho
tentará reposicionar certas concepções importantes que pouco são discutidas quando se
realizam exames de crítica literária. Reavendo o lugar da retórica nos estudos literários
brasileiros, buscaremos refletir, sobretudo no campo da formação em Letras da UERJ, a
posição em que se encontra – dentre esses 10 anos de SAPUERJ – a reduzida abordagem
das práticas letradas dos séculos XVII e XVIII. Para tanto, procuraremos estabelecer um
diálogo com importantes nomes da crítica cujos trabalhos já apontam para uma
necessidade da revisão dessa matéria. Iniciando pela canônica leitura da Formação da
literatura, empreendida por Antônio Candido, intencionamos demonstrar o contraponto
crítico de Haroldo de Campos em seu polêmico O Sequestro do Barroco na Formação da
Literatura Brasileira a fim de expor como os mencionados críticos estabeleceram seus
pontos de vista sobre as letras seiscentistas, formando escola e seguidores assíduos de
suas concepções. Na via oposta dessas considerações, assinalemos o trabalho com as
representações luso-brasileiras do século XVII pela ótica histórica, evitando invariantes
transistóricas que fazem encontrar o Mesmo de um modelo ou parâmetro teórico em
todos os tempos. É em função disso que este trabalho tenta operar, quando possível, uma
reconstrução de caráter arqueológico, enfatizada por João Adolfo Hansen. Em outras
palavras, uma operação de reconstituição que torne possível estudar a particularidade da
representação colonial sem tomá-la como mera atividade antiquária, mas a identificando
como fonte de materiais elementares para a adoção de certa perspectiva que ignore os
universalismos que tendem a descartar a historicidade de um período. Identificadas
como práticas datadas – não naturalizadas por apropriações dedutivas, mas pertencentes
a um presente de operação, isto é, sendo compreendidas como resultado verossímil de
uma prática particular revestida de regramentos –, é possível observar que nas
representações coloniais ocorre uma naturalização de efeitos que reproduzem a
hierarquia de seu tempo. Essas representações, como explica Adolfo Hansen em seus
mais distintos trabalhos, constituem seus públicos retoricamente como tipos
hierárquicos que devem ser persuadidos acerca do que é figurado nelas. Já que só é
possível persuadir e ser persuadido a respeito daquilo de que se tem conhecimento, elas
evidenciam-se como discursos que reproduzem padrões fixados no plano social objetivo,
encenando modelos institucionais que regulam as experiências coletivas partilhadas.
Muitos desses modelos podem ser, por exemplo, notadamente identificados na poesia da
época em questão atribuída a Gregório de Matos, conforme registrou João Adolfo Hansen
em sua tese de doutoramento A sátira e o engenho. Em amplo sentido, esses paradigmas
ou modelos encenam uma situação particular a partir de sua ocorrência por meio de uma
jurisprudência de signos dispostos no coletivo social como memória comum. Logo, já
podemos afirmar aqui que não se trata de qualquer manifestação que demanda
autonomia autoral, sequer estética e política, noções muito caras às letras românticas que
dominaram a cena artística d´século XIX no Brasil.
Anderson Guerreiro
(Universidade Federal Fluminense)
“O prazer do texto sim/ o frete do texto não” anuncia Adília Lopes em seu Estar em
Casa (2018, p.33). Por sua vez, João Miguel Fernandes Jorge no primeiro volume de sua
Obra Poética (1987, p.53), a compor versos metapoéticos, compartilha que “Era assim
que o texto entrava em cena uma/ espécie de disponibilidade instável corrupta frágil/
mortal”. O que de tangível pode existir entre as dicções das obras destes autores? O
trabalho que ora se apresenta se propõe a investigar como se dão (e quais são) as
reflexões direcionadas à questão da arte poética presentes na obra de Adília Lopes e João
Miguel Fernandes Jorge à luz das proposições de Maria Gabriela Llansol. Buscaremos as
possibilidades de aproximação entre os autores dentro do recorte de perspectiva
escolhido a partir de uma seleção de poemas dos livros supracitados, tendo como ponto
de partida - também teórico - o livro Onde vais, Drama-Poesia? (2000) de Llansol.
Pretendemos identificar para posteriormente destacar e descrever o que o texto - o
poema - dos autores comunica e/ou teoriza sobre formulações e possibilidades da arte
da palavra em duas instâncias diferentes, presentes na textualidade de Maria Gabriela: a
impostura da língua e a potência legente/escrevente. Em sua textualidade, Maria Gabriela
Llansol inscreve potencialmente, através de uma escrita de fulgor, uma constante
reflexão acerca do que pode vir a ser a arte poética ou a arte literária como um todo e o
que elas solicitariam de abertura ao “encontro inesperado do diverso”, propondo um
trabalho que favoreça - além de diversas intervenções éticas e estruturais sobre a
linguagem - a fuga da “impostura da língua” e a condição de potência legente/escrevente
(tais denominações sendo reconfiguradoras por si só dos papéis tradicionalmente
identificados como leitor e escritor). Sua proposta teórico-literária, ao contrário de ser a
tentativa de modulação de uma verdade estática, desenvolve-se como uma incessante
busca por caminhos para se adentrar em diferentes reais, tanto quanto possíveis,
conforme declara em Um Falcão no Punho (1985, p. 55): “Quando se escreve só importa
saber em que real se entra, e se há técnica adequada para abrir caminho a outros”. O “iam
por um caminho” (2000, p. 90) de sua escrita delineia tanto uma proposição de ação à
figura do legente como a si mesma. Os movimentos que se encontram por entre (e não
por detrás nem à frente) o texto em seus fragmentos oferecem-se ao legente como forma
de caminho: em uma textualidade de constantes desconstruções e reconstruções de
sentido, esse “iam por um caminho” já se mostra como um caminho – o de deslocar-se.
Nesse sentido, a poesia de João Miguel não se mostra uma poesia que nos impõe uma
mensagem, uma verdade, uma certeza; pelo contrário, nos desestabiliza e nos faz
retornar e avançar nas construções de sentido e repensar as próprias formas de produção
de sentido. No geral, os poemas recolhidos para este trabalho de análise são curtos,
somam poucos versos, às vezes em apenas uma estrofe (como em Adília). Em sua
simplicidade constitutiva, parecem dar a ver o necessário: aquilo que resta após a
retirada dos excessos possíveis; foto(grafam) o instante de enunciação exato pelo qual o
leitor não poderá deixar de passar. É a imagem fulgurosa de Llansol de “um traço amplo
e veloz a captar o poema que passa rápido” (2000, p. 17). Ademais, em busca de fios
outros que ajudem a compor o tecido reflexivo e transgressor dos objetos desta análise,
estarão presentes Ludwig Wittgenstein com suas Fichas (Zettel), Alberto Pimenta e
Roland Barthes. Todos, por sua vez e voz, virão à cena da escrita para tratar “das rupturas
vigiadas, dos conformismos falsificados e das destruições indiretas” (BARTHES, Roland.
O prazer do texto. 2013, p. 15).
The Inheritance of Loss (2007), de Kiran Desai e What we all long for, de Dionne
Brand (2005) são romances que se passam entre dois locais distintos, um cosmopolita e
outro, do Sul Global. As autoras lidam com uma visão do cosmopolitismo apresentada sob
as lentes de imigrantes, como forma de mostrar outras perspectivas de um mesmo
fenômeno, bem como seu funcionamento em dois polos distintos de poder, um rural e
outro urbano. Além do deslocamento geográfico e cultural ocasionados pela mobilidade
transnacional, os personagens analisados neste trabalho, Biju e Quy, são ainda mais
particulares. O primeiro é um imigrante ilegal, que deixa a Índia e passa a viver e a
trabalhar em Nova York, nos Estados Unidos, enquanto o outro é o filho perdido de
imigrantes refugiados que vivem no Canadá. No contexto da obra de Brand (2005), o local
do terceiro mundo apresentado é a Malásia. Ambos apresentam subjetividades, sonhos e
objetivos de vida distintos, porém, a situação de ambos nas Cosmópolis pode ser
analisada de forma similar. Isso porque a nova centralização e marginalização dos
espaços gerada pelo fenômeno da globalização assumem características muito próximas,
dada a transnacionalização econômica do mundo capitalista. Os espaços representados
no terceiro mundo também podem ser lidos em perspectivas similares, dado que
focalizam não apenas o lado humano da vida em comunidade, mas os efeitos da
globalização em locais pobres, representados pela falta, pelo esquecimento
governamental e pelos percalços gerados por uma modernidade ainda por vir. Neste
sentido, o objetivo deste trabalho é analisar como as escritoras Kiran Desai e Dionne
Brand, na condição de imigrantes em dois países distintos da América do Norte,
representam personagens deslocados. Assim, busca-se pensar questões culturais e
espaciais ligadas aos personagens transfronteiriços, bem como as políticas de acesso que
lhe são negadas nas cidades cosmopolitas e que impossibilitam a inclusão dessas classes
de imigrantes nos países de primeiro mundo, mesmo que ambas as Cosmópolis
apresentem os mesmos como força de trabalho barata, cruciais para o desenvolvimento
dos grandes centros de poder capitalistas. Para tal leitura serão utilizados pensadores
como Sakia Sassen (1998), que compreende a importância do espaço para os circuitos
econômicos da globalização e que salienta em sua obra as desvantagens do fenômeno
global para as nações modernas, cujas relações de produção e sistematização jurídica são
determinadas por um sistema transnacional cujas injustiças econômicas e sociais criam
políticas de exclusão, em especial no que diz respeito à categorização do corpo cidadão.
Renato Cordeiro Gomes (1999), quem igualmente frisa que os conglomerados urbanos
não possuem doutrinas que garantam harmonia à vida urbana ou mesmo um direito
igualitário à cidadania. Neste sentido, não apenas a economia, mas a distribuição desigual
de capital simbólico também aumenta as contradições e desigualdades na cidade. Em um
mesmo sentido, “O cosmopolitismo do Pobre” (2004; 49), de Silviano Santiago, enfatiza
que na aldeia global, constituída por meio do trânsito e da economia capitalista, a
democratização dos meios de transporte ampliou horizontes e possibilitou o
deslocamento para grandes centros urbanos, carentes de mão de obra barata. A
hipermobilidade, por outro lado, tornou mais complexa as dinâmicas socioeconômicas e
a inclusão de novos grupos no corpo cidadão da nação de acolhimento. Outros fatores a
serem avaliados são os imaginários geopolíticos do mundo globalizado, enraizados e
dependentes das condições de colonialidade do passado histórico. Nesta direção, o
trabalho englobará a leitura sobre o aporte do cosmopolitismo crítico, foco dos estudos
de Walter Mignolo (2000) e que reconhece a inserção de epistemologias fronteiriças, em
especial as subalternas, para que se possa analisar e negociar a diferença colonial no
mundo capitalista globalizado.
O escritor carioca João Paulo Emílio Cristovão dos Santos Barreto (João do Rio,
1881-1921) foi testemunha das transformações que ocorreram no Rio de Janeiro dessa
época, e trouxe para as suas crônicas as consequências da experiência urbana: a
modernização, novos modos de percepção de tempo e espaço, e os efeitos causados pelo
surgimento de novos inventos óticos que trazem a modernização do olhar. É através da
arte de flanar que ele, ao caminhar pela cidade e apresentá-la em sua narrativa, mostra
uma fisionomia da miséria, do atraso, do passado colonial, do cosmopolitismo e dos
exercícios de uma nova sensibilidade. Em suas obras, o escritor revela as religiões,
culturas e as diferentes realidades do Rio de Janeiro, com uma escrita marcada pelo olhar
extremamente crítico com a situação da cidade naquela época. Pretende-se investigar, a
relação literatura e cidade na coletânea de crônicas A Alma Encantadora das Ruas (1908)
de João do Rio, e o conto A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro (1992) de Rubem
Fonseca. O cronista também apresenta ao leitor uma escrita com a incorporação de
técnicas advindas da fotografia, do panorama e do cinematógrafo, que representava um
dos maiores inventos modernos naquele momento. Rubem Fonseca, importante escritor
da literatura contemporânea, incorpora em sua escrita a experiência urbana, ou seja, os
diversos modos de olhar a cidade e vivenciar o cotidiano em uma grande metrópole que
afetam diretamente sua produção literária. Seus personagens são figuras do cotidiano
urbano carioca. O autor propõe através de Augusto, personagem central do conto, fazer
uma leitura dessa cidade, apreendendo seus discursos e suas histórias, é a cidade
interferindo na experiência do sujeito e na sua escrita, ela se torna parte da matéria prima
literária. O conto A Arte de Andar nas Ruas do Rio de Janeiro se destaca por trazer uma
narrativa que evidencia como o espaço urbano é importante como fonte de inspiração
para a criação literária de Rubem Fonseca. O autor trabalha em seu conto uma
perspectiva da cidade abordando aspectos como a degradação do espaço urbano carioca,
resultado contrário aos projetos que buscavam transformar o Rio de Janeiro em um
espelho de Paris no início do século. Percebe-se em sua obra uma forte relação entre seus
personagens e o meio urbano, bem como a presença de uma linguagem “obscena”. Tais
fatos justificam a escolha dessas obras com corpus de análise da pesquisa tendo como
possibilidade a comparação delas, contemplando o tema literatura e cidade. A partir da
comparação das obras dos dois autores, pretende-se verificar como para ambos, a cidade
serve como “musa” e ainda, em que medida se dão as concepções de espaço, memória,
tempo e sujeito. Como a mesma cidade, considerando as especificidades de seu tempo,
permeia a escrita desses dois autores? Pretende-se, portanto, refletir sobre a relação
entre literatura e espaço urbano considerando temas como memória, modernidade e
sujeito e sua vinculação ao processo de criação literária e analisar também em que
medida o olhar para a cidade instaura na escrita um processo tenso e rico de crítica e
identificação.
A presente pesquisa está voltada para a obra Eu te darei o céu e outras promessas
dos anos 60 de Ivana Arruda Leite, cujo escopo principal é a narradora personagem
chamada Titila. Uma jovem que ao longo do livro conta as peripécias de sua vida que se
passa entre as décadas de 60, 70 e o início dos anos 80, entrelaçando-se aos principais
acontecimentos desses períodos onde a obra firma-se em seis pilares entre: política,
cenário musical, TV, moda, insegurança quanto ao corpo e à identidade, e paixão pelo
cantor Roberto Carlos. Tendo como base tais particularidades que circundam a
narradora, a investigação gira em torno do jogo memorialístico dela entre aquilo que é
descrito como confissão de sua juventude e que perceptivelmente transporta o leitor
para uma realidade que fica tênue com o momento presente, do qual, distingue-se apenas
no campo musical e das tendências (estilo de época). “A moda em São Paulo era telefone
vermelho. Depois que o Kennedy instalou um telefone vermelho na Casa Branca para
falar com o Kruschev, na Rússia, todo mundo queria um igual” (LEITE, 2004, p. 32). Além
dos acontecimentos de que nos conta e recorda Titila – dos momentos envolto com a
família e com os amigos –, aspectos políticos e sociais são trazidos através do olhar da
jovem sonhadora que ama assistir TV, que depois passa amar ouvir música na rádio e
nas festas e que se apaixona e entrega-se ao movimento febril produzido pelo programa
da Jovem Guarda, apresentado pelo seu amado cantor Roberto Carlos, “de estilo
descolado”. Da realidade para o panorama ficcional, somos direcionados para os
pensamentos que a narradora expressa ao acreditar e criar em sua mente uma vida
fantasiosa, falas que são frutos do imaginário juvenil: “Nada me deixava mais fascinada
do que ver artistas de perto. Era como se eles pertencessem a uma categoria especial de
pessoas, muito diferente da minha e de todo mundo que eu conhecia. Eu queria ser como
eles.... Artistas não tinham problemas, não sofriam” (LEITE, 2004, p. 15). A partir disso,
o enredo caminha-se para descobertas, sonhos, frustações e conquistas. Algo que
desperta a atenção, faz parte de alguns pequenos traços de semelhança entre o que é
narrado com informações da vida da escritora Ivana Arruda leite, como por exemplo,
ambas morarem em Araçatuba - São Paulo. Ademais, as imagens de uma jovem lembram
a Ivana, visto que, a foto das meninas na sala de aula casa com o fato narrado; e outra
referente ao carnaval. A explicação para tal aproximação vem da autoficção, todavia, o
foco está naquilo que é exposto e não nas comparações entre ser uma obra de cunho
ficcional ou autoficcional, sendo portanto um fato a ser considerado, mas que não anula
o propósito de analisar a narração em si, bem como os caminhos e objetos que a
narradora utilizou para expressar suas confissões juvenis. Pensando na visão ampla da
proposta que a Ivana traz ao tratar de questões importantes para nossa sociedade, vemos
que são transmitidas de uma forma natural e poderíamos dizer, leve. “A escrita de Ivana
não pesa. Não sufoca. Não esgota. Antes libera a tensão das pressões sociais por meio do
humor. É na sátira do cotidiano, no ridículo do fracasso das relações amorosas e rindo de
si mesmas que as personagens arrudianas surgem” (BARRETO, 2016, p. 36). E, assim,
levantamos como proposta inicial a discussão quanto ao que é narrado como memória
daquilo que é criado pelo imaginário da narradora baseado nos fatos realísticos,
analisando e comparando os pontos de entrelaçamento entre si.
Marina Sena
(Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/FAPERJ)
Thayane Verçosa
(Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ/CAPES)4
4
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
“Repito, porém, que prefiro a prosa ao verso. Se tenho feito alguns trabalhos poéticos,
esquecendo a prosa – por que não confessá-lo? – é porque não tenho talento para cultivar
a escola que prefiro: a escola realista” (RAMOS, 2014, p. 53). Ainda que não
surpreendente, tal confissão mostra como o projeto realista perpassa a obra de Graciliano
Ramos desde os primórdios de sua carreira, e revela um jovem que duvidava de sua
capacidade enquanto autor. No entanto, quase três décadas depois, em 1938, ao falar
sobre Vidas secas, suas dúvidas parecem ter desaparecido: “Os sertanejos aparecem
quase sempre transplantados para outro meio e nunca no seu ‘habitat’. O que procurei
fazer foi mostrar o homem no seu ambiente, vivendo a sua vida e falando a sua língua. É
um livro amargo, duro, ríspido, mas verdadeiro, profundamente verdadeiro...” (Ibid., p.
68-69). Por outro lado, em suas cartas, ao comentar, principalmente com Heloísa Ramos,
sua esposa, sobre as obras que vinha produzindo, ele ora faz comentários depreciativos,
retomando suas dúvidas da juventude – “Peça aos santos que esta encrenca termine para
novembro. E peça também que não me apareçam outros orçamentos e artigos de jornal.
[...]. Há de ter graça no fim, quando compreenderem que o livro não presta para nada”
(RAMOS, 1982, p. 111) –, ora não contém sua empolgação diante do que está produzindo
– “Vai sair uma obra-prima em língua de sertanejo, cheia de termos descabelados” (Ibid.,
p. 125). Enquanto a euforia, muitas vezes, vem acompanhada de afirmações sobre usos
linguísticos adequados, ou seja, realistas, a disforia, longe de ser um capricho de
temperamento, é uma reação negativa, quando constata que não logrou seu projeto de
escrita realista. Contudo, em uma carta enviada à irmã, em 1935, ao afirmar: “Só
conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne.
Além disso, não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos. Só podemos
expor o que somos” (Ibid., p. 213), Graciliano reconhece a impossibilidade de representar
o outro como tal; perceber que não é possível escrever para além de si mesmo é assumir
que o projeto de escrita realista falhou, mas por uma impossibilidade de realização.
Assim, a presente comunicação busca analisar, em ordem cronológica, no mencionado
corpus, a relação complexa do autor com a estética realista ao longo da vida, de modo a
compreender como essa tensão se torna constitutiva da poética graciliânica.
Samantha Toledo
(Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ)
Em 1986, José Saramago lança seu quinto romance, chamado A Jangada de Pedra.
Após um acidente geológico de causas inexplicáveis, uma fenda surge entre a Península
Ibérica e a outra Europa – mais precisamente, a França – que acaba por alastrar-se até
que Espanha e Portugal se separem completamente do continente e iniciem uma
navegação pelo oceano em busca de novo posicionamento. Como já foi explorado em
investigações acadêmicas anteriores, o romance A Jangada de pedra apresenta como uma
de suas características principais uma discussão acerca da relação da Península Ibérica
com os países centrais do Europa, como França, Inglaterra e Alemanha. Trata-se, de fato,
de uma discussão que não é recente na literatura portuguesa. No século XIX a
intelectualidade lusitana irá perceber o abismo existente entre sua nação e demais países
europeus, centros da cultura hegemônica. De Almeida Garrett a geração do Casino de
Lisboa, a posição de Portugal como periferia da Europa – inclusive como algo à parte dela
– se torna a preocupação central da literatura portuguesa, e permanecerá ao longo do
século XX. Provavelmente motivado pela entrada de Portugal e Espanha na CEE –
Comunidade Econômica Europeia, atual União Europeia (UE) – o romance de Saramago
nos mostra que esta discussão permanecia, mesmo cem anos após a conferência de
Antero de Quental no Casino. O que o autor talvez não previsse são os mais recentes
acontecimentos que ameaçam a unidade da UE. Mais de trinta anos após a publicação do
romance de Saramago, a Europa foi atingida por uma crise que afetou principalmente os
seus países “periféricos”, como Grécia, Islândia e também Portugal e Espanha. Como
aponta a professora Cláudia Amorim, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
em seu artigo Nas fissuras da península e do sujeito: A jangada de pedra, de José Saramago,
publicado em 2011, no momento em que já estava deflagrada a crise, esta se mostrou uma
ameaça à hegemonia do bloco europeu. Hoje, onze anos depois, não apenas a
possibilidade de uma nova crise que permanece no horizonte econômico português,
como também o Brexit,a ascensão de grupos neofascistas e neonazistas, assim como as
barcas lotadas de imigrantes que adentram o território europeu em busca de melhores
condições de vida, fazem com que a Europa rapidamente deixe de ser o paraíso perdido
e isolado de muitas mazelas que ela própria criou em outros territórios do mundo. Mesmo
situados dentro do continente europeu e com um histórico de imperialismo similar às
potências da região, Portugal e Espanha se encontram em uma periferia da Europa, seja
por não se apresentarem como líderes econômicos, seja pelas diferenças culturais com
relação à “Europa do Norte”. Talvez todos estes elementos façam com que não seja uma
surpresa que, em 2008, momento de início deste processo que abalou as estruturas do
bloco europeu, tenha sido realizada e lançada uma adaptação cinematográfica de A
Jangada de pedra, sob título de La balsa de piedra, dirigida por George Sluizer. A escolha
de adaptar uma obra como o romance de Saramago, que oferece uma discussão rica e
profunda acerca do que é ser europeu e, principalmente, o que é ser ibérico, certamente
é reflexo de uma Europa que mais uma vez precisa redefinir suas identidades e seu lugar
no mundo. Neste artigo realizaremos não apenas a comparação do romance com sua
adaptação, mas também a análise de alterações e permanências neste processo e os
possíveis significados de uma produção como esta no contexto de crise econômica na
Europa e, principalmente, de uma crise de um determinado modelo de Europa defendido
por este bloco.
Pôsteres
É essencial ao fazer pedagógico que a escola se volte à coisa mesma, isto é, que a
escola pense a própria escola, levando, assim, discentes e docentes a refletirem suas
práticas no âmbito escolar. Essa práxis reflexiva se faz necessária na medida em que
tomamos a educação como uma prática de liberdade, que nos permite pensar com
criticidade nossas ações, histórias, nossa sociedade e nossa língua. Nesse complexo
contexto, a educação está sujeita à diversas problemáticas, e dentre elas há o ensino de
língua portuguesa. Como nos alerta Fiorin (2009), o ensino não pode restringir-se ao
ensino de frases e, posteriormente, pedir-lhes que produzam textos como se estes fossem
uma espécie de grandes frases. É impreenchível que se formule um ensino crítico sobre a
língua, caso contrário, os sujeitos ficam fadados, em sua maioria, ao assujeitamento
discursivo, que o induz a exprimir um discurso que não lhe cabe, sem se quer, analisar
seus significados, objetivos e origens. É preciso compreender que o ensino de Língua
Portuguesa não pode apenas centralizar-se ao ensino da gramática. É necessário conciliar
o conhecimento linguístico ao gramatical. Nesse sentido, o trabalho em tela objetifica-se
em demonstrar como a Análise do Discurso pode servir como ferramenta didática ao
ensino de Língua Portuguesa na educação básica. A discussão fundamenta-se em um
levantamento bibliográfico. Para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados,
primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por meio de consultas à fontes
direta e indiretamente relacionadas ao tema, além da análise de fichamentos de textos já
desenvolvidos. Diante disso, abordamos a Análise do discurso a partir de suas concepções
epistemológicas acerca do ensino de línguas. Posteriormente, tratamos do
assujeitamento linguístico, expondo as falácias mais fundamentais encontradas no
exercício de ensino aprendizagem e discutindo a relação entre poder, discurso e
dominação ideológica. Assim, tendo realizado as devidas ponderações pomos a prática
docente sob a ótica da Análise do Discurso, sendo realizada uma reflexão sobre a postura
ética do professor de língua portuguesa, sua disciplina e o processo discursivo existente
entre aluno e professor, como fatores responsáveis para um ensino-aprendizagem
emancipante e libertador, para uma educação integral e formadora de pessoas
autônomos e verdadeiramente cidadãs. Conclui-se que o ensino de Língua Portuguesa
contemporâneo não corresponde às complexas exigências humanas da nova sociedade.
A educação, se realizada de maneira simplória, pode acarretar nua série de problemas; é
necessário que suas ações sejam observadas com criticidade e cautela. O professor deve
estar prevenido quanto ao seu discurso, pois, enquanto formador de juízos, ele pode
difundir preconceitos linguísticos – dentre outros aspectos– dentro da sala de aula sem
ao menos tomar à consciência de tal fenômeno. Sendo assim, o uso da Análise do Discurso
em sala de aula se faz de extrema importância, não apenas como auxílio, mas como uma
ferramenta externa responsável pela aprendizagem e adequação do conhecimento
linguístico e gramatical que é tratado e discutido nas aulas de Língua Portuguesa, a fim
de impedir o assujeitamento linguístico e desenvolver a capacidade crítica do estudante
como sujeito autônomo, dentro e fora da escola.
É essencial ao fazer pedagógico que a escola se volte à coisa mesma, isto é, que a
escola pense a própria escola, levando, assim, discentes e docentes a refletirem suas
práticas no âmbito escolar. Essa práxis reflexiva se faz necessária na medida em que
tomamos a educação como uma prática de liberdade, que nos permite pensar com
criticidade nossas ações, histórias, nossa sociedade e nossa língua. Nesse complexo
contexto, a educação está sujeita à diversas problemáticas, e dentre elas há o ensino de
língua portuguesa. Como nos alerta Fiorin (2009), o ensino não pode restringir-se ao
ensino de frases e, posteriormente, pedir-lhes que produzam textos como se estes fossem
uma espécie de grandes frases. É impreenchível que se formule um ensino crítico sobre a
língua, caso contrário, os sujeitos ficam fadados, em sua maioria, ao assujeitamento
discursivo, que o induz a exprimir um discurso que não lhe cabe, sem se quer, analisar
seus significados, objetivos e origens. É preciso compreender que o ensino de Língua
Portuguesa não pode apenas centralizar-se ao ensino da gramática. É necessário conciliar
o conhecimento linguístico ao gramatical. Nesse sentido, o trabalho em tela objetifica-se
em demonstrar como a Análise do Discurso pode servir como ferramenta didática ao
ensino de Língua Portuguesa na educação básica. A discussão fundamenta-se em um
levantamento bibliográfico. Para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados,
primeiramente foi realizada uma pesquisa bibliográfica, por meio de consultas à fontes
direta e indiretamente relacionadas ao tema, além da análise de fichamentos de textos já
desenvolvidos. Diante disso, abordamos a Análise do discurso a partir de suas concepções
epistemológicas acerca do ensino de línguas. Posteriormente, tratamos do
assujeitamento linguístico, expondo as falácias mais fundamentais encontradas no
exercício de ensino aprendizagem e discutindo a relação entre poder, discurso e
dominação ideológica. Assim, tendo realizado as devidas ponderações pomos a prática
docente sob a ótica da Análise do Discurso, sendo realizada uma reflexão sobre a postura
ética do professor de língua portuguesa, sua disciplina e o processo discursivo existente
entre aluno e professor, como fatores responsáveis para um ensino-aprendizagem
emancipante e libertador, para uma educação integral e formadora de pessoas
autônomos e verdadeiramente cidadãs. Conclui-se que o ensino de Língua Portuguesa
contemporâneo não corresponde às complexas exigências humanas da nova sociedade.
A educação, se realizada de maneira simplória, pode acarretar nua série de problemas; é
necessário que suas ações sejam observadas com criticidade e cautela. O professor deve
estar prevenido quanto ao seu discurso, pois, enquanto formador de juízos, ele pode
difundir preconceitos linguísticos – dentre outros aspectos– dentro da sala de aula sem
ao menos tomar à consciência de tal fenômeno. Sendo assim, o uso da Análise do Discurso
em sala de aula se faz de extrema importância, não apenas como auxílio, mas como uma
ferramenta externa responsável pela aprendizagem e adequação do conhecimento
linguístico e gramatical que é tratado e discutido nas aulas de Língua Portuguesa, a fim
de impedir o assujeitamento linguístico e desenvolver a capacidade crítica do estudante
como sujeito autônomo, dentro e fora da escola.