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Os espaços e seu valor simbólico e emotivo

Por que razão têm os lugares d'Os Maias um valor simbólico e emotivo?
Certos espaços onde se desenrola a ação d'Os Maias estão carregados de
significados simbólicos e emotivos associados às personagens que os habitam (ou
frequentam), às vivências que ai experienciam e ao valor que assumem no enredo. Os
espaços com mais significado simbólico e emotivo relacionam-se, em grande medida,
com as intrigas principal e secundária do romance, isto é, com os amores e os afetos
de família das personagens com mais relevância na ação do romance.

Que valor simbólico e emotivo têm os principais espaços da ação d'Os Maias?
• SANTA OLÁVIA
Santa Olávia é a «quinta nas margens do Douro» donde a família Maia é originária.
Este lugar representa, portanto, as raízes familiares dos Maias, antes de alguns dos
seus membros irem para a capital. No início do romance, quando conhecemos Afonso
e Caetano, seu pai, a propriedade já pertencia aos Maias.
Este é também um lugar conotado com a natureza e com uma serenidade bucólica.
De alguma maneira, encontramos aqui a ideia de que, no ambiente natural, em que se
vive em pequena comunidade, o homem não se corrompeu com os vícios da cidade.
Também por essa razão, Carlos é educado longe da cidade, para, assim, receber o
modelo de educação inglês, que privilegiava o contacto com a natureza e a formacão
de caráter, mente e físico robustos: «o verdadeiro dever de homens de bem, abade, é
[...] ir respirar pelos campos e não estar aqui a discutir moral.» (p. 43).
Este lado idílico e campestre de Santa Olávia constrói a imagem de um pequeno
paraíso, onde a serenidade e a tranquilidade ainda parecem ser possíveis: «o sol
deixara o terraço e a quinta verdejava na grande doçura do ar tranquilo, sob o azul
ferrete.» (p. 68).
Por outro lado, ao longo do enredo do romance, Santa Olávia revela-se também um
refúgio para os membros da família: refúgio da agitação de Lisboa e dos problemas
pessoais e sociais que ela engendra. A quinta serve também de retiro ao jovem liberal
Afonso, quando o pai, o absolutista Caetano, o admoesta pelas suas opções
ideológicas. É também lá que Carlos se refugia, quando sabe que é irmão de Maria
Eduarda e cai numa angústia profunda.

• LISBOA
Lisboa é o grande palco de quase toda a ação d'Os Maias. É na capital do reino
que a sociedade burguesa nacional da segunda metade de oitocentos exibe o seu
esplendor, mas revela também (e sobretudo) as suas falhas e os seus vícios. Carlos
Reis refere-se à «macrocefalia» (à excessiva centralidade e ascendência) de Lisboa
para mostrar as desigualdades regionais e sociais que se faziam sentir no Portugal da
época. Nesta linha de ideias, Ega afirma com ironia: «- Lisboa e Portugal … - Fora de
Lisboa não há nada. O país está todo entre a Arcada e S. Bento!» (p. 179).
Verdade é que a narrativa de Eça de Queirós nos oferece um retrato panorâmico da
cidade na época da Regeneração. Nela, encontramos referências ao Chiado, às ruas
do Alecrim e de São Domingos, ao Loreto, às Janelas Verdes e ao Passeio Público.
Lisboa ganha um estatuto ambivalente no romance. Por um lado, é o grande palco
onde os meios sociais favorecidos encenam as práticas e os comportamentos que
são alvo de crítica na obra. E em diferentes lugares da cidade vamos observando,
criticamente, o provincianismo (Hipódromo de Belém), e diletantismo e o ócio (Loreto)
ou a falta de cultura das classes privilegiadas (Teatro da Trindade). Disso se tratará na
seção «A representação de espaços sociais e a crítica de costumes», (p. 47).
Por outro lado, Lisboa é também o grande espaço carregado de valor simbólico e
de emotividade, pois é aí que têm lugar as intrigas principal e secundária do romance.
É nesta cidade e nos seus arredores que nascem e se desenrolam os amores entre
Pedro e Maria Monforte (na casa de Arroios) e entre Carlos e Maris Eduarda (na casa
da Rua de S. Francisco e na Toca). É também nela que habitam os membros da
família Maia, primeiro em Benfica, depois no Ramalhete, às Janelas Verdes.

• O RAMALHETE
A casa do Ramalhete é, por seu lado, a única propriedade que os Maias possuem
em Lisboa, depois de a casa de Benfica ter sido vendida (ver adiante, p. 45). Trata-se,
pois, do bastião da família na capital do reino e ganha o significado de lar para Afonso
e para Carlos quando ambos vêm viver para a cidade. O Ramalhete é uma casa
decorada com luxo, gosto e opulência e que, consequentemente, desperta uma
sensação de conforto e aconchego: a sala de estar encantava Afonso «com o seu luxo
Luís XV, os seus floridos e os seus dourados» (p. 127). Esse facto acentua ainda mais
a noção de lar, mas também sublinham a condição fidalga da família Maia.
A casa do Ramalhete permite a Afonso e ao neto ter residência em Lisboa e
conviver com a sociedade (burguesia) lisboeta. Por outro lado, dentro das suas
paredes, os membros da família encontram proteção e resguardo face à agressividade
da cidade e à mediocridade da sua gente. É no Ramalhete que os Maias conseguem
encontrar a privacidade e o resguardo numa cidade agitada e com vários vícios.
O ambiente doméstico que se cria nesta casa associa-se à ideia de amor familiar
(entre Carlos e o avô). Esta é uma casa conotada com a ideia de afeto, onde se
cultivam amizades, pois, nela, neto e avô convivem com o seu círculo de amigos, que
frequentam a casa com regularidade: Vilaça, Ega, D. Diogo, o Marquês de Souzelas, o
maestro Cruges, entre outros.
Consequentemente, esta é também uma casa de memórias: as memórias boas e
as memórias más da vida dos Maias em Lisboa. Há «uma lenda, segundo a qual eram
sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete» (pp. 9 e 689). Assim é aqui que
Carlos tem conhecimento de que é irmão da mulher que ele ama (e que, de alguma
forma, morrera sentimentalmente) e que Afonso falece com profunda tristeza ao saber
da relação amorosa do neto com a imã.

• O JARDIM DO RAMALHETE
O jardim da casa do Ramalhete e a estátua de Vénus Citereia (deusa do amor que la
se encontra ganham valores simbólicos distintos em diferentes momentos do romance.
Quando, no inicio, Carlos vem com o avó habitar a casa que havia os do estava
fechada, o jardim «possuía apenas, ao fundo de um terraço de tijolo, um pobre quintal
inculto, abandonado l. ] e uma estátua de mármore IVénusi enegrecendo a um canto
na lenta humidade das ramagens silvestres.» (p.8).
o iardim ganha vida quando Carlos e Afonso aí se instalam e tem «o ar simpá-rico,
com os seus girassóis perfilados ...) e a Vénus Citereia parecendo agora, no seu tom
claro de estátua de parque, ter chegado de Versalhes» (p. 12). O espaço passa a
representar o ânimo do avo e do neto perante uma vida que se lhes abre, bem como o
vigor do jovem Maia face ao que a vida lhe pode trazer: a estátua de vénus está no
seu esplendor, porque se perspetiva que o amor venha a sorrir a Car-
OS.
No capítulo final, a «nudez de inverno» do jardim, que «tinha a melancolia de um retiro
esquecido» espelha a secura interior e sentimental de Carlos, depois do dilacerante
fim da relação com a mulher que amava. Por isso, também «uma ferrugem verde, de
humidade, cobria os grossos membros da Vénus Citereia» (p. 719).
• A CASA DE BENFICA
Também a casa de Benfica guarda memórias tristes para a família, sobretudo para o
avô de Carlos. Trata-se do antigo lar de Afonso e de sua mulher, Maria Eduarda Runa.
O casal não foi feliz na casa de Benfica. Numa primeira fase, devido às suas ideias
liberais, Afonso viu a sua casa invadida pelas tropas do absolutista D. Miguel.
Por esse motivo, o casal vê-se obrigado a emigrar para Inglaterra. Alguns anos depois,
a família regressa a Lisboa e volta a ocupar a casa de Benfica, onde o filho cresce.
Para grande tristeza de Afonso, Pedro é educado no fervor católico de uma educação
portuguesa e torna-se um homem de caráter fraco.
O amor por Maria Monforte arrasta Pedro para fora de Benfica, quando o jovem casa
contra a vontade do pai. Como Afonso se recusa a aceitar o casamento, viverá só e
infeliz no seu lar. A maior infelicidade de Afonso chega, contudo, quando o filho
regressa a Benfica, abandonado pela mulher, e no seu quarto põe fim à vida. A mágoa
e a tristeza são demasiado fortes para o avô de Carlos continuar a viver naquela casa.
Por isso, parte com o neto para Santa Olávia e, mais tarde, vende a propriedade
Toca é o nome afeivo que Mana Eduarda a a nu ner que as dos Olas
, renda ninio de amor do casal onde a estavei, cons e arconsolidando e g
Peanhando contornos de uma vida do nestas. tamber resença da mg.
ganha Rosa, e da governanta inglesa. Missa em tamia. Resta casa que ia.
Maia Rosa-se as inhas de um profeta de vio omance se (nindese, cre.
camarente as duas personagens centrais do romance se tinna iniclado na casal.
Rua de S. Francisco.)
a desa aos Olvais é um lugar afastado do O pera sociesboa e onde se auto
o ivA cade, como se quernum amor sancionado do. seca ed de e pela (g. i.
privacididda do nome "Toca" aponta nessa direçãe•treta-se do esconderio de d.
a smar ou de um grupo de animais: Uma divisa de archo esolsta na sua feicano
a no seu buraco: Não me mexam.!» (p. 440). Aqui, essas criaturas são Carlos e Mais
E nua roca. Na casa dos Olivais, os dois creem estar longe dos olhares e da difamais
do usa ciedade lisboeta. Mas enganam-se, pois a palavra difamatória de Damas
chega aos jornais, sujando o bom nome de Carlos e de Maria com referências as
amores «ilícitos» que eles mantêm nesta casa.
ores a assim, a casa dos Olivais não está completamente isolada da sociedade
lisboeta e do mundo de Carlos. O neto de Afonso leva a Toca alguns amigos mais
íntimos, que aí convivem.
• A VILA BALZAC
João da Ega arrenda a Vila Balzac, na Penha de França, perto do largo da Graca.
Trata-se de «um chalezinho retirado, fresco, assombreado, sorrindo entre árvores.
A Vila Balzac contrasta com a Toca, porque nela se consuma a paixão adúltera de
João da Ega e Raquel Cohen, enquanto a casa dos Olivais alberga o amor ada-
rentemente sem mácula de Carlos e Maria Eduarda - mais tarde vem a saber-se que
este amor estava manchado pelo incesto. Ega pretende encontrar nesta casa isolada
da Penha de França a tranquilidade para escrever as suas Memórias de um Átomo;
contudo, o gabinete de estudo transforma-se em alcova do amor de João e Raquel, e
a localização discreta da casa passa a servir na perfeição a nova função da casa.
No quarto, dominava a cor vermelha, que é uma referência simbólica à paixão e ao
erotismo que eram cultivados naquela divisão da casa. Um «largo cortinado de seda
da Índia avermelhada» ilustrava bem a ideia de sensualidade, que se materializava
numa grande cama que «enchia, esmagava tudo».
O nome Vila Balzac é uma alusão ao romancista francês Honoré de Balzac
(1799-1850). A referência parece ser uma homenagem literária, visto que nela Es. se
iria entregar aos trabalhos da escrita. Porém, o facto de Balzac tratar nos sels
romances realistas o adultério na sociedade burguesa confere ao nome uma carga
irónica e simbólica.
• SINTRA
Sintra é um outro espaço com um valor ambivalente n'Os Maias. Por um lado, é um
lugar com uma dimensão romântica e poética. É em Sintra que Carlos espera
encontrar Maria Eduarda, a mulher por quem está fascinado. A descrição da natureza
frondosa e de uma paisagem quase paradisíaca associa-se à imagem que os autores
do Romantismo já lhe haviam dado: «Com a paz das grandes sombras, envolvia-os
pouco a pouco uma lenta e embaladora sussurração de ramagens e como o difuso e
vago murmúrio de águas correntes.» (p. 228). O poema que, em Seteais, Alencar
declama é bem um exemplo da celebração da natureza, dos sentimentos inflamados,
mas também da linguagem retórica e estereotipada (ultra) romântica.
Por outro lado, Sintra é a vila dos amores dissolutos e furtivos para os homens de
Lisboa. Longe dos olhares da sociedade da capital, Eusebiozinho e Palma Cavalão
passeiam por Sintra com duas espanholas com quem mantêm relações amorosas
ilícitas.
Mas sobre os espaços sociais e a crítica de costumes se falará de seguida.

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