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Vamos começar com a leitura do poema e de seguida, fazemos a sua análise e interpretação.
Ter que pôr verso sobre verso, corno quem constrói um muro
Penso nisto, não como quem pensa, mas como quem respira,
Neste poema, cujo tema é a reflexão sobre o processo de criação poética e a sua relação com a
Natureza, Caeiro reflete sobre as diferentes formas de poesia.
O primeiro é o dos poetas que designa, ironicamente, por artistas. De acordo com este
processo, a poesia corresponde a um trabalho minucioso, rigoroso e artesanal, sendo mesmo
comparado ao trabalho dos carpinteiros e dos pedreiros. Neste contexto, as comparações
enfatizam o trabalho formal e, por conseguinte, consciente dos poetas que se dedicam a essa
poesia elaborada e produzida como outras construções humanas.
Dito de outra forma, expressam a preocupação desses poetas com a seleção das palavras, da
combinação de rimas / sonoridades, de arranjos estilísticos, de ritmos poéticos, da métrica dos
versos, etc…
No fundo, o sujeito poético está a criticar todos aqueles que não conseguem ser espontâneos
no ato de criação poética.
Para ele, “a poesia não é um trabalho nem uma convicção, é uma forma de revelar os
mistérios da Natureza” e de se assemelhar cada vez mais a ela.
Esta é a segunda conceção de poesia– defendida pelo sujeito poético. O «eu» manifesta a sua
tristeza e estranheza por haver poetas que não são capazes de «florir», ou seja, de fazer da
criação poética um ato involuntário, espontâneo e tão natural quanto o ato de «florir».
Aparentemente, não há absolutamente nada a mudar nesta conceção. Deste modo, a criação
poética deve resultar espontaneamente da identificação do «eu» poético com a Natureza.
Assim se explica o seu lamento relativamente a esses poetas. Este verso intensifica o quão
triste é não partilhar da naturalidade, simplicidade e espontaneidade da Natureza e não ser
capaz de fazer da criação poética uma ação natural e espontânea. Ele considera que é “triste”
ter de trabalhar os versos “como um carpinteiro nas tábuas” e não ser capaz de os fazer
“florir” sem artifícios, de uma forma simples e natural. Ora, sendo a Natureza a verdadeira
arte, a poesia deverá ser como ela, isto é, a expressão sensorial, nítida, fluida do que nos
rodeia.
Deste modo, o primeiro processo, o de uma poesia pensada, opõe-se à ideia de uma poesia
espontânea e simples, dado que está em contradição com a própria natureza que, na sua
diversidade e harmonia, constitui o modelo da verdadeira arte.
Por outro lado, insiste na relação íntima com a Natureza, a fonte de inspiração e criação
poética. Uma vez que a harmonia já existe nela, não é necessário intelectualizar o ato de
escrita. O essencial em poesia é registar o mundo que o rodeia de forma tão natural e
espontânea como é o ato de florir ou respirar. Caeiro é o poeta da Natureza que privilegia o
olhar, daí que tenha apenas de estar atento ao que ela lhe transmite.
Repetindo, estamos perante o confronto entre uma forma de elaborar poesia caracterizada
pela simplicidade, objetividade, espontaneidade, naturalidade, e outra artificial, muito
pensada e elaborada.
O poema pode dividir-se em duas partes distintas: a primeira parte engloba as três primeiras
estrofes e a segunda parte corresponde à última estrofe. Nas primeiras estrofes, o sujeito
poético faz referência à forma de poesia dos poetas “artistas” que são poemas bastante
mecanizados e pensados. Na segunda parte, o sujeito poético dá a entender a sua permanente
busca pelas sensações, ao contrário dos poetas que anteriormente referi.
Este poema é caracterizado pela ausência de rima e pela linguagem simples, com um
vocabulário igualmente simples e repetitivo, pertencente aos campos lexicais da poesia, como
é o caso de “versos” e “poetas”, e da Natureza, fonte inspiradora do sujeito lírico (“florir”,
“Terra”, “flores”, “Estações”, “vento”).
Por outro lado, a adjetivação é escassa, resumindo-se à presença de quatro adjetivos: “triste”,
“artística”, “comum” e “contente”. No que diz respeito à estruturação sintática, predomina as
orações coordenadas copulativas, típicas do discurso oral.
A pontuação expressiva concorre de igual modo para conferir ao poema um certo tom
coloquial.
A nível estilístico, ressalta-se o uso dos recursos mais simples, como a comparação, a
metáfora, a personificação e o polissíndeto (repetição da conjunção coordenativa copulativa
«e», que acentua o estilo simples de Caeiro).