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Crianças Selvagens

Um dos grandes debates que ocupa uma parte importante na nossa história é o que se refere à
influência da sociedade na infância.

As “crianças selvagens” são pessoas que durante uma parte da infância viveram fora da
sociedade, isso inclui tanto crianças que foram confinadas quanto crianças que foram
abandonadas na natureza. Desta forma, são um excelente exemplo e demonstração do quão
importante é a inclusão de um ser numa dada sociedade, pois os seus comportamentos
completamente desadequados à espécie são provenientes da falta de socialização e
consequente educação e aprendizagem.

Possivelmente o caso mais famoso de uma criança selvagem é o caso de Víctor de Aveyron,
que foi capturado quando tinha aproximadamente onze anos. Ao final de uma semana,
escapou e, depois de passar o inverno, foi capturado de novo quando estava escondido numa
casa abandonada. Inevitavelmente, foi internado num hospital, onde se começou a estudar o
seu caso.

Segundo um dos médicos que cuidou do seu caso, Víctor era “uma criança desagradavelmente
suja, que apresentava movimentos espasmódicos e, inclusive, convulsões. Ele balançava-se
incessantemente como um animal de zoológico e mordia e arranhava quem quer que se
aproximasse. O menino não demonstrava nenhum afeto pelas pessoas que cuidavam dele e,
em suma, mostrava-se indiferente a tudo e não prestava atenção a nada”. Apesar do seu
aspeto físico ter melhorado, assim como a sua socialização, as tentativas de o ensinar a falar e
a comportar de maneira civilizada não tiveram sucesso.

O retorno dessas “crianças selvagens” à sociedade não é fácil. Alguns fatores como o grau de
isolamento e a idade que tinham ao sair da sociedade são determinantes na hora de
compreender os seus comportamentos. As “crianças selvagens” que foram privadas de
qualquer contacto com humanos vão apresentar mais problemas. As que viveram entre
animais podem ter uma adaptação melhor.

A socialização primária é uma parte muito importante do desenvolvimento e aquelas que


perderam essa fase vão ter mais dificuldade aquando da sua inserção na sociedade. A privação
de estímulos quando se é pequeno vai delimitar as experiências dessas crianças. O isolamento
pode, nesse sentido, inclusive chegar a limitar os movimentos corporais e provocar
malformações físicas. Outras habilidades básicas como a memória espacial podem não se
desenvolver em situações de isolamento.

A falta de interação com outras pessoas e de laços afetivos são habilidades básicas que as
“crianças selvagens” não vão desenvolver. Devido a isso, e ao grande componente cultural das
emoções e da sua regulação, essas crianças apresentam dificuldades para se adaptar às
normas da sociedade.

O desenvolvimento da linguagem é outro ponto central. Os humanos, ao nascer, são capazes


de fazer mais de 200 sons diferentes. Aquelas crianças que não recebem esse reforço desde
pequenas vão ter mais dificuldades para pronunciar corretamente qualquer linguagem. A
mesma coisa acontece com a gramática.

Por fim, podemos concluir que o Homem, lançado na Terra, sem forças físicas nem ideias
inatas, tanto na selva como na mais civilizada das sociedades, será apenas aquilo que dele
fizerem. Segundo Jaspers (filósofo alemão), “são as nossas aquisições, as nossas imitações e a
nossa educação que nos transformam em homens do ponto de vista psíquico”. O
comportamento humano é uma conquista feita em consequência do processo da sua
integração no meio cultural, que varia em função da sociedade a que pertence. O que nos
torna reconhecidamente humanos depende de muito mais do que a nossa herança genética e
biológica: é fundamental ter em conta as dimensões social e cultural para que possamos
compreender os seres humanos e a forma como se comportam. Tornamo-nos humanos
através da aprendizagem de formas partilhadas e reconhecíveis de ser e de nos
comportarmos. O Homem deve à cultura a capacidade de ultrapassar os seus instintos, tendo,
desta forma, o poder de optar, escolher qual o caminho que considera melhor, segundo os
valores em que se apoia, depois de analisar, racionalmente, a realidade

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