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A rejeição do real ou o pós-digital como

Rita Sampaio Brandão de Sá


caso de estudo

1
ARQUITECTURA
MESTRADO

M
2019

Rita Sampaio Brandão de Sá.


A rejeição do real ou o pós-digital como caso de estudo M.FAUP 2019
Volume I- Texto
A rejeição do real ou
o pós-digital como caso de estudo
Rita Sampaio Brandão de Sá
FACULDADE DE ARQUITETURA
II
A Rejeição do real ou
III

o pós-digital como caso de estudo

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura Apresentada


à Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Sob a
orientação de Joaquim Moreno e Pedro Bandeira

Rita Sampaio Brandão de Sá


Porto, Setembro de 2019
Ao Conan Osiris e a Phoebe-Waller Bridge por serem uma fonte constante de
inspiração.

Aos meus pais e a minha irmã que sem as interrupções constantes dos quais esta tese
teria ficado pronta mais depressa.

Ao meu Avó que sempre me deu dinheiro a mais para o autocarro.

Ao Hugo por tudo.

Para Matilde que é a promessa de futuro e por todas as vezes que não fomos ao
parque de trampolins.

À Tati por me dar casa, comida e roupa lavada e a Barbara que me deu um pacote de
reese’s peanut butter cups que em muito ajudaram a completar esta tese.

À Vânia, a vera, ao João, a Sara, ao Rui e a Maria João, sem a ajuda preciosa dos quais
não teria chegado até aqui.

À Ana, a flávia, a Gabriela, a joana e a Juliana por serem a escola do porto.


IV
À clara, por ser capaz de ter opiniões sobre design a todas as horas.

À Rita por toda a ajuda na fase final deste trabalho e não ter ido ver o James Murphy
sem mim.

Ao Marcos por me dar Netflix e ser uma ajuda mesmo do outro lado do oceano.
Aos italianos do porto, em especial a sofia e a lori, pela boa comida.

Ao Jorge correia por nos ter levado a Marrocos

A Mané que foi a minha primeira professora de projecto

Ao Pedro Bandeira, e a Rosalía que me ensinaram que eu podia fazer o que quisesse
desde que tivesse um rigor redobrado ao fazê-lo.

Ao Joaquim Moreno por me ter ensinado a pensar, em arquitectura, mas nunca,


nunca me dizer o que pensar.
À ambos por sempre me terem deixado fazer o que eu queria, como queria e quando
o quis fazer.
Nota prévia

A presente dissertação é escrita de acordo como o antigo acordo ortográfico


As citações foram traduzidas, de forma livre pela autora, e seguem em nota de rodapé na sua
língua original.
Estão presentes dois tipos de notas de rodapé que se optou no por não distinguir para não criar
confusão, mas uma estão associadas as citações e outras explicitas conceitos relevantes para um
melhor entendimento do texto escrito

V
Resumo

A presente dissertação procura analisar o que pode ser a recente tendência do pós-
digital na representação em arquitectura. Para entender este fenómeno, o percurso de
análise procura responder à questão que levou ao seu aparecimento: o que justifica que
a presença destas imagens se tenha multiplicado nos últimos anos? Para a enquadrar,
partimos do pós-digital enquanto posicionamento face à tecnologia, posicionamento
esse que se enquadrou dentro de um quadro teórico mais amplo, confrontando os seus
limites e possibilidades de uso. Enquanto expressão da cultura visual, o pós-digital
está directamente associado a um tipo de representação que responde a um contexto
técnico-social específico, que se procurou analisar como forma de produção cultural
arquitectónica. Conclui-se que o pós-digital permite um regresso ou uma reencenação
do desenho, pela forma como rejeita o real. Encena um excesso de presença da
imagem, que depende tanto do recurso ao digital, como do domínio da instrumentação
mental do desenho. O conteúdo visual destas imagens pode, amanhã, já ser outro, fruto
das mudanças cíclicas da cultura visual, mas o pós-digital como posicionamento, que
esteve na origem destas imagens, dentro de uma cultura pós-moderna, continuará a
existir.
VI
abstract

The following dissertation seeks to analyse what may constitute the new post-digital
trend of representation in architecture. To understand this phenomenon, the method
of study intends to answer the question that led to its emergence: what justifies/
explains that the presence of these images has multiplied in recent years? In order to
frame this question, we face the post-digital as a reaction to technology, confronting
its limits and which occurs within a broader theoretical picture. As an expression of
visual culture, the post-digital is directly linked to a type of representation that follows
a specific social and technical context, that was interpreted as a form of architectural
cultural production. Reaching the conclusion that the post-digital allows for a return
or re-enactment of the drawing, by the way it rejects the real. It stages an excess of
the presence of the image, which depends as much on the use of the digital as it does
on the dominion of the mental instrumentation of the drawing. The visual content
of these images may tomorrow be different as a result of the cyclic changes of visual
culture, but the post-digital as the reaction that was at the origin of these images, will
continue to exist inside post-modern culture.

VII
Lista de Abreviaturas

Pós-digital- pd
Práticas pós-digitais- pd’s
Sam Jacobs - SJ
Pezo Von Ellrichshausen - PVE

VIII
íNdicE
iNtRodução 10-12
1. o pós digitAl como NARrAtivA 13-56
do pRimeiRo plANo Ao pANo de fuNdo 15-18
(A)pós-digitAl + pós-digitAl 18-20
A evolução do coNceito 21-32
discRêpANciAs 32-38
o pós-digitAl e A ARquitectuRA 39- 42
o pós-digitAl e A RepReseNtAção 43-54
Características 55-56

2. pós-digitAl ou pós-modeRNo 57-80


o posicioNAmeNto 59-62
A iNevitAbilidAde do digitAl 62-66
A iNteRpAssividAde como meio 66-70
Mitologias 70-74
o coNtexto 75-80

3. As figuRAs do pós-digitAl 81-136 IX


sobRe As imAgeNs 83-92
cAtegoRiAs
textuRA 95-100
colAgem 101-108
supeRfície 109-116
eNquAdRAmeNto 117-120
liNhA 121-126
exibição 127-132
veRde 133-136

4. Rejeição do ReAl 137-178


Declinações 141-146
O que permite 147-154
fuNcioNAmeNto 155-160
que forma de deseNhar 160-166
A imAgem como coisA 166-170
A pRodução 171-178

coNclusão 179-180

bibliogRáfiA 196-200
listA de figuRA 201-206
Introdução

A rejeição do real ou o pós-digital como caso de estudo é uma reflexão sobre a cultura
visual, na medida em que esta estabelece a imagem como veículo de comunicação
privilegiado, aliado-se a um momento em que a produção arquitetónica passa
necessariamente pelo digital. Dentro deste contexto, procura-se entender o que pode
ser este fenómeno emergente do pós-digital.

O tema é recente, demasiado até, talvez, e estamos cientes do risco que


corremos, de o pós-digital se extinguir a curto prazo e levar consigo este trabalho.
“Dizia Ignasi de Solà-Morales (embora sem subscrever) que Manfredo Tafuri sempre
aconselhou os seus alunos a nunca desenvolverem temas com menos de duas décadas
passadas, uma precaução que ignorámos (…) O aparente risco da contemporaneidade é
o risco da arrogância, da redundância, do esquecimento, é a ausência de sedimentação, é a
dificuldade em confrontar aquilo que é cambiante. Mas é também o estímulo da acção, da
participação, da legitimidade de centrar a gravitação do mundo no indivíduo, no próprio,
no seu quotidiano: “o mundo começa e acaba em mim” (dizemo-lo sem obrigação de
citar).”1

É a esta participação, a este estímulo de acção que se recorre para desenvolver 11


o trabalho. O trabalho funciona essencialmente como uma forma de “Explicar-me a ti é
também explicar-me a mim próprio“.2 Não como uma voz que relate ou agregue fragmentos
do passado, mas como um discurso directo, que vê o fenómeno em primeira mão e
procura o seu significado. Por isso, assume-se este risco da contemporaneidade para
poder escrever e pensar agora sobre o agora e o que se pretende é que, se tudo se dissipar,
fique aqui um retrato do momento.

Para mitigar o risco inerente, e como forma de agarrar o que é cambiante e não
está fixado, a investigação procurou ser pouco ampla e relativamente circunscrita, de
forma a ser mais pormenorizada. Fecha-se o plano para se poder olhar ao pormenor e
levar a investigação a porto seguro.

Não se lida, em nenhum momento, com o construído. Isto não acontece


necessariamente por uma dificuldade técnica ou por omissão, mas por existir uma
vontade explícita de investigar o fenómeno em geral, e não de associar, caso a caso,
uma forma de representação a um tipo de obra. A impossibilidade de visitar tantas
obras com a facilidade com que se veem imagens, mas principalmente porque essa
associação directa é sempre frágil e pretende anular os constrangimentos materiais
da arquitectura, misturando o acidental e o propositado. Assim o que se fez foi
mover a investigação para um plano abstrato que engloba o conjunto, por oposição
ao particular, concentrando-se numa selecção de temas e imagens que são tratados

1- Bandeira, Pedro, Arquitectura como imagem, obra como representação: sujectividade das imagens arquitectónicas. Dissertação de
Doutoramento; Guimarães: EAUM. 2007; p. 5

2- “to explain myself to you is also to explain my self to myself “ Stravinsky, Igor. Poetics of Music in the Form of Six Lessons. Vol. 66: Harvard
University Press, 1947; p. 7
enquanto totalidade, no sentido de desvendar o que pode ser o pós-digital.
O que esta dissertação procura fazer não é mais do que responder à questão
que levou ao seu aparecimento: o que justifica que a presença destas imagens se tenha
multiplicado de uma forma tão insistente, nos últimos anos. Podia-se resumir o propósito
e organização da tese numa citação:“e o objectivo da investigação teórica é:
1. Encontrar o que está vivo
2. Tornar a sua pulsação percetível
3.Determinar até que ponto se encontra em conformidade com a lei ” 3

A estrutura do trabalho desenvolve-se de forma análoga, para desmontar


os motivos desta presença, levantando questões a que se procura responder. Como
funcionam estas imagens? Que sombra lançam sobre o desenho de arquitectura? Qual
é a sua génese ou porque é que estão associadas ao pós-digital? Desenvolveu-se este
trabalho, porque se acreditou que uma presença tão marcada e constante, tinha de
corresponder a algo mais do que uma moda, que tinha de existir algo por detrás destas
imagens.

O trabalho inicia-se com o estado de arte, que procura explicar e desmistificar


o que é o pós-digital enquanto conceito e posicionamento, numa aproximação, que
começa do geral para o particular. Começamos por explicar o aparecimento do
conceito, tendo em conta o que se escreveu sobre o pós-digital e percorrendo um
caminho cronológico, que nos permite, a partir desse quadro e nomeadamente das suas
discrepâncias, definir o que é o pós-digital. Continua-se o percurso da investigação que
12
tem como meta ligar este conceito à disciplina da arquitectura. Para tal começamos por
indagar se existe uma arquitectura pós-digital, para percebemos, o que já intuíamos, o
que existe é efetivamente uma representação pós-digital. Assim, este capítulo serve para
identificar e contextualizar o campo de trabalho.

Após a fase da identificação segue-se uma outra, em que se procura enquadrar


o pós-digital num contexto socioeconómico mais amplo. Fundamentalmente, o que se
procurou fazer foi levar a cabo uma proposta experimental que investigue quais podem
ser os limites do pós-digital e qual é a sua operatividade: que limites estabelece e como
se posiciona dentro desse sistema, quem serve e para que serve.

A fase seguinte foi o trabalho de campo, que volta a sua atenção para as
imagens, o que se associa com mais facilidade ao pós-digital. Confrontados com a
existência quase infinita destas imagens, tivemos de reduzir o campo, fazendo uma
selecção. Este trabalho de apuramento é, por vezes, difícil de justificar em termos
lógicos, assentando no apelo sensitivo que uma determinada imagem pode ter face
a outra. Podemos dizer que a secção funciona da mesma forma que o paradoxo do
navio de Theseus: ao se substituirem todas as tábuas de um navio, continuará este a ser
o mesmo ou é outro? A mesma questão coloca-se face à selecção aqui exposta. Ao
substituir estas imagens, uma a uma, a selecção será a mesma ou outra?

3- “and the goal of the theoretic investigation is : 1. To find the living 2. To make its’ pulsation perceptible and To determined wherein in the conforms of the
law ” Kandinsky, Wassily. Point and Line to Plane. Courier Corporation, 1979; p. 145
É com base nessas questões que se desenvolve um esquema interpretativo
das imagens que, num primeiro momento, as separa em categorias, para depois
analisar pausadamente cada uma dentro do quadro de referências da categoria que
estabelecemos. O que se procura nestas imagens é entender o seu funcionamento,
desmontando para isso a sua presença e encanto para por fim justificar a sua aparência
com base no seu propósito. Num movimento contraintuitivo, o próximo passo foi
voltar a juntar o que entretanto se separou. Mas foi esta separação que nos permitiu
construir uma assemblage, reunindo os mesmo elementos, as imagens, modificadas na
sua perceção pela análise que se levou a cabo. Agora, sob um plano comum diferente
do inicial, construimos uma argumentação sobre o que é comum e transversal a estas
imagens, a partir da qual se procura reflectir sobre o que pode ser a representação pós-
digital, se establece num novo paradigma ou se se conforma aos moldes anteriores.

De uma forma paralela ao que se desenvolveu na primeira parte, usa-se o que se


estabeleceu e descobriu sobre a representação para posteriormente procurar investigar
os limites que o pós-digital confronta e de que forma este é capaz de reorganizar a
produção cultural arquitetónica e a quem serve esta reorganização. Fecha-se o trabalho
com uma curta conclusão, que procura reunir e articular o que se foi desvendando ao
longo do trabalho.

As imagens que ladeiam o texto em todos os momentos, pretendem ser algo


mais do que uma mera ilustração, e nos momentos em que não são o objecto de
observação directa, apoiam o texto enquanto materialização do que se descreve.A 13
par, para facilitar a leitura optou-se por criar um caderno separado onde se reune as
imagens analisadas no decorrer do terceiro capitulo, para que estas não sobrecarregem
o texto e sejam em si, também um discurso.
“Há um piada boa sobre Jesus Cristo: em que para relaxar depois de um dia de trabalho
cansativo à pregar e fazer milagres, Jesus decide fazer uma pequena pausa na costa
do mar da Galileia. Durante um jogo de golf como um dos seus apostólos, surge uma
jogada complicada de ser executada; Jesus fê-la mal e a bola acabou na água, então
Jesus fez o seu truque habitual: caminhou sobre a água até ao sitio em que a bola
estava, baixou-se e apanhou-a. Quando Jesus voltou a tentar fazer a mesma jogada,
o apostólo disse-lhe que era uma jogada muito difícil – que só alguém como o Tiger
Woods a conseguiria fazer; Jesus replicou que “ Que inferno!- Eu sou o filho de Deus,
eu consigo fazer tudo o que o Tiger Woods faz” e voltou a tentar a mesma tacada.
A bola aterrou outra vez na água, então Jesus voltou a caminhar sobre a água para
recolher a bola. Neste momento, passou por lá um grupo de turistas Americanos, um
deles observando a cena, virou-se para o apostólo e perguntou: “Meu Deus, mas
quem é aquele que caminha sobre a água? Quem é que ele pensa que é? Jesus?”. O
apostólo respondeu: “ Não, o idiota acha que é o Tiger Woods!”. É assim que funciona a
identificação fantasmagórica: ninguém, nem mesmo Deus, é directamente quem é; toda
a gente precisa de um ponto externo, descentrado de identificação”.4

[Nem a tecnologia]

4- “There is a nice joke about Jesus Christ: in order to relax after the arduous work of preaching and performing miracles, Jesus
decided to take a short break on the shore of the Sea of Galilee. During a game of golf with one of his apostles, there was a
difficult shot to be performed; Jesus did it badly and the ball ended up in the water, so he did his usual trick: he walked on the
water to the place where the ball was, reached down and picked it up. When Jesus tried the same shot again, the apostle told him
that this is a very difficult one—only someone like Tiger Woods can do it; Jesus replied, “What the hell, I am the son of God, I can
do what Tiger Woods can do!” and took another strike. The ball again landed in the water, so Jesus again took a walk on the surface
of the water to retrieve it. At this point, a group of AmeriWcan tourists walked by and one of them, observing what was going on,
turned to the apostle and said: “My god, who is this guy there? Does he think he is Jesus or what?” The apostle replies: “No, the
jerk thinks he is Tiger Woods!” This is how fantasmatic identification works: no one, not even God himself, is directly what he is;
everybody needs an external, decentered point of identification. Žižek, Slavoj. Žižek’s Jokes:(Did You Hear the One About Hegel
and Negation?). MIT Press, 2014. p.10
1
O pós digital como narrativa
Identifica o
campo de
trabalho
o pós-digital como narrativa

16

Fig.1
Ilustração da crónica de Nicholas Negroponte,
dezembro de 1998.

“Os computadores como os conhecemos hoje vão-se


tornar : a) aborrecidos, e b) vão desaparecer para
o interior de outros objectos: unhas inteligentes,
t-shirts que se limpam sozinhas, carros autónomos,
Barbies terapêuticas.”8

8- “Computers as we know them today will a) be boring, and b) disappear into things that are first

and foremost something else: smart nails, self-cleaning shirts, driverless cars, therapeutic Barbie”

Negroponte, Nicholas. “Beyond Digital.” Wired 6, no. 12 (1998)


Do primeiro plano para

o pano de fundo

“A revolução digital está terminada”.5

“Esta epígrafe do (Nicholas) Negroponte inspirou-me para nomear este género emergente como ‘pós-
digital’ porque o período revolucionário da informação digital já passou. Os tentáculos da tecnologia já
tocaram, de alguma forma, toda a gente”.6

É este o contexto que vê, pela primeira vez, aparecer a palavra pós-digital (pd),
num artigo de Kim Cascone, escrito em 2000, referindo-se ao aparecimento de um
novo género de música. Se inicialmente a sua gênse está a associada a um contexto
17
bastante restrito, a ideia do pd depressa se disseminou.

O facto de ter surgido associado à uma obra de Nicholas Negroponte é mais


do que uma coincidência, já que a sua obra escrita – o livro ‘Being digital’ (1995) e
‘Beyond digital’ (1998) – um conjunto de colunas escritas para a revista ‘Wired’ que terão
chegado a um público mais abrangente - foram um passo fundamental para começar a
reflectir sobre o digital. Negroponte é o primeiro a enquadrar o digital como algo banal
- ideia fundamental para o pd.“ Os computadores vão se transformar numa extensa, mas invisível
parte do nosso dia-a-dia: vamos viver dentro deles, usá-los e até comê-los. Um computador por dia nem
sabe o bem que lhe fazia”.7
O digital deixou assim, de ser novidade e transforma-se num dado adquirido
presente em todos os aspectos da contemporaneidade. A forma como o faz é tão
imersiva que só passamos a ter consciência da sua presença – na ausência. A diferença
pode parecer subtil, mas o que significa é que o digital se sublimou de tal forma que é
invisível e banal. Só percebemos o quão dependentes estamos da Internet, quando não
lhe temos acesso. O que em 1995, era uma previsão com algum risco, hoje em dia, é
uma realidade.

5- “ The digital revolution is over. “Negroponte, Nicholas in Cascone, Kim. “The Aesthetics of Failure:“Post-Digital” Tendencies in
Contemporary Computer Music.” Computer Music Journal 24, no. 4 (2000); p.12
6- “The Negroponte epigraph above inspired me to refer to this emergent genre as “post digital” because the revolutionary period of the digital information
age has surely passed. The tendrils of digital technology have in some way touched everyone” idem; p.12/13
7-“ Computers will be a sweeping yet invisible part of our everyday lives: we’ll live in them, wear them, even eat them. A computer a day will keep the
doctor away“ Negroponte, Nicholas. “Beyond Digital.” Wired 6, no. 12 (1998) O próverbio original “ An apple a day keeps the doctor away
“ é normalmente traduzido por “ uma maça por dia não sabe o bem que lhe fazia” tradução que se optou por manter por se considerar
que é mais eficaz a demonstrar o efeito expressivo.
o pós-digital como narrativa

18

Fig.2
Resultado de um pesquisa sobre a tecnologia.

Mesmo a tecnologia já sendo banal, é sempre


continuamente projectada para um futuro cada vez
mais avançado.
Esta ideia da banalidade interliga-se com o chiste de Neil Gershenfeld :“Na
vida de uma tecnologia, existe sempre uma fase inicial a do ‘cão falante’: em que seria notável se
um cão conseguisse falar de todo; o que o cão diz no início não é particularmente importante. Só
posteriormente, é que nos começamos a importar com o que diz o cão” .9 Ainda que a ideia se
refira no contexto ao aparecimento e desenvolvimento da Web 2.0, é aplicável ao
aparecimento de qualquer inovação e inclusive à própria tecnologia, de forma genérica,
caminho que aliás pretendemos usar. Primeiro, temos uma fase de espanto com as
novas possibilidades que a tecnológica permite, em que o domínio das suas capacidades
técnicas domina por completo o jogo. Todas as investigações se concentram no
aperfeiçoamento técnico e no aumento da sua performance. Segue-se uma segunda
fase, onde o espanto inicial se dissipa e a atenção se move do objecto para o conteúdo e
os seus efeitos gerais : “A sua história, a sua cultura – os fenómenos positivos que trazem e como
os podemos utilizar em contextos diferentes, ou o seu impacto negativo, que precisamos de entender para
sermos capazes de nos proteger”.10

É nesta fase posterior que o digital passa a ser banal. É só a partir do momento
em que o digital atinge a ubiquidade, tornando-se tão vulgar como o plástico, que
passamos da fase de maturação para a seguinte, já que até este ponto, normalmente
a preocupação é tornar a tecnologia acessível. Ultrapassando este espanto inicial,
tornamo-nos capazes de olhar para o progresso tecnológico, não necessariamente de
um ponto de vista céptico, que é à partida um pré-conceito, mas sob um ponto de vista
neutro, aferindo e medindo a sua sombra. É aqui que entra a noção de pós-digital = (a)
pós (o) digital. 19

(A)pós

O prefixo ‘pós-’ tem um duplo sentido, podendo significar tanto algo que
está ‘atrás de’ como ‘depois de’.11 É importante ressalvar que, no caso do pd, ambos os
significados estão presentes e fazem sentido, já que, se por um lado este se coloca
‘depois da’ revolução digital, por outro ainda está ‘atrás’ do digital. O pd, sendo um
fenómeno tão actual, é necessariamente um reflexo da presente época onde tanto em
termos tecnológicos como histórico-filosóficos, não ultrapassamos o digital. Desta

9 - “In the life of a technology, there is an early “talking dog” phase: it would be notable if a dog could talk at all; what the dog first says wouldn’t matter
as much. Only later do you begin to care what the dog talks about.” Gershenfeld, Neil. “Fab: the coming revolution on your desktop” 2007, citado
em Bujowskyj, Mathieu. “The post-digital in architecture” . Disssertação de mestrado; Lausanne: EPFL. 2016 p. 22/ 01 prolog
10- “Their history, their own culture- the positive phenomena they brought and what we might use in different contexts, or their negative impact we have
to understand and protect ourselves from” Bujowskyj, Mathieu. “The post-digital in architecture”.Disssertação de mestrado; Lausanne: EPFL.
2016 p. 24
11- in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/digital. Consultado em 02/06/2019
o pós-digital como narrativa

20

Fig.3
Rosa Menkman, Crop from a Vernacular of file,2010
[Joint photographic experts group committee in
2000; low res JPEG 2000. The JPEG 2000 standard
was mainly developed because of the many edge
and blocking artifacts of the JPG format. JPEG 2000
has improved scalability and edit-ability. In JPG
2000, after the color transformation step, the image
is split into so-called files, rectangular regions
of the image that are transformed and encoded
separately. Tiles cam be any size, and it’s is also
possible to consider the whole image as one single
tile. This results into a collection of sub-brands wich
represent several aprroximation scales].
forma, é possível entender este prefixo ‘pós-’ como algo que traça um paralelo com os
conceitos de pós-punk, pós-feminismo ou o pós-apocalíptico. Estes não negam a sua
história anterior, mas antes representam uma evolução ou uma mutação no quadro de
referências que primeiramente os geraram: “ Pensa no pós-digital como o pós-apocalíptico, um
evento catalítico (a revolução digital) que condiciona tudo o que vem depois“.12 O que acontece é
que o prefixo mantém, uma tensão com o evento que o gerou – a revolução digital, ao
mesmo tempo que dá um passo em frente, ligando-se ao que vêm depois da revolução
digital.

Pós-digital

O termo pd pressupõe uma série de questões de enquadramento em períodos


histórico-filosóficos ou do imediatismo de rupturas culturais que serão discutidas num sub- 21
capítulo próprio. No entanto, as circunstâncias do surgimento do termo estão associadas
a uma nova estética musical que rejeita a limpeza de som que o digital, tão imediatamente,
providencia. À publicação do artigo de Casone seguiu-se um outro de igual importância,
de Ian Andrews em que se procura enquadrar o pd como uma forma de arte, que rejeita o
hype da revolução tecnológica. Segundo Florian Cramer, os trabalhos de ambos vêem o pd
como um antídoto ao techo-hegelarismo13 :“ O contexto subjacente a ambos os artigos foi a cultura de
produção aúdio-visual na qual ‘digital’ era já sincrónico com o ‘progresso’ ” 14, rejeitando o paradigma da
qualidade técnica e procurando outras formas de usar a tecnologia.

Desta forma, o pd, age, desdo início, como uma narrativa ou posição que põe em
causa a linearidade homogênea da implementação e aprimoramento contínuo do digital.
Assim, na sua asserção mais clara, o pd é usado para descrever o impacto cultural do digital,
desse ponto de vista dissonante. Mais, se quisermos: “(...) o termo pós-digital pode ser usado para
descrever um desencantamento com os sistemas de informação digital e gadgets, ou um período no qual a nossa
fascinação com estes sistemas e aparelhos se tornou histórica”.15 Esta é a condição de base do pd que

12- “Think of the post-digital like the post-apocalyptic, a cataclysmic event (the digital revolution) that conditions everything that comes after“. Fure,
Adam. What does it really mean to be “post-digital” in architecture and beyond? The architect’s newspaper May 22, 2018
13-  No contexto original:“can be understood in a purely Hegelian sense of an inevitable linear progression of cultural and intellectual history.”
Nessa medida representação uma aceitação da inovação tecnologica como algo inevitavél.No contexto em Cramer, Florian. What Is
‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p.5
14- “The underlying context for both their papers was a culture of audio-visual production in which ‘digital’ had long been synonymous with ‘progress”
Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p.6
15- ”(...) the term ‘post-digital’ can be used to describe either a contemporary disenchantment with digital information systems and media gadgets, or a
period in which our fascination with these systems and gadgets has become historical “ Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1
(2014). p.3
o pós-digital como narrativa

22

Fig.4 e Fig.5
Respectivamente, “The Postdigital Membrane:
Imagination, Technology and Desire” de “Post digital
printing, the mutation of publishing since 1814”
é determinante para tudo o resto.

A evolução do conceito

Apesar do conceito de pd ter começado num âmbito restrito, depressa foi


apropriado por várias disciplinas com diferentes impactos nas várias áreas consoante as
discussões internas de cada área e os diferentes graus de imersão tecnológica presentes.
Um contexto como o pd, materializa-se sempre de maneiras distintas. Ainda assim, a
soma total das suas características internas e externas, ajuda a entender o que pode ser
o PD.

Tudo começou no, já referido, ensaio de Kim Cascone “The Aesthetics of


Failure: Post-Digital Tendencies in Contemporary Computer Music” (2000) em que surge o
conceito de “aesthetics of failure” 16 que funciona como uma base sólida para definir
muitas das características do pd. Usar o glitch e outras falhas da tecnologia, como
elementos de trabalho, é uma forma de pôr em evidência a possibilidade que a
tecnologia tem de falhar. É um modo de oposição ao cariz messiânico que tantas vezes
se associa ao digital, que é tanto melhor quanto a sua capacidade para nunca falhar.
No entanto, a capacidade técnica de qualquer tecnologia é directamente proporcional
ao conhecimento de quem a controla e de quem a desenhou. Esta noção ensaia uma 23
posição de desconfiança em relação a este afamado, progresso tecnológico, abrindo a
porta a uma utilização das ferramentas digitais de empírica e contra-natura (usando
por exemplo Word para criar música). Esta viragem é motivada por um foco não nas
capacidades técnicas do digital, mas no seu contexto mais abrangente, que entendeu os
constrangimentos de uma aceitação completa do digital e partir dai procurou outros
caminhos, já que “ É o falhanço que guia a evolução; a perfeição não é um incentivo para fazer
melhor”17

A publicação de“The Postdigital Membrane: Imagination, Technology and Desire”


(2000), em que o artista Robert Pepperell e o cineasta Michael Punt ligam o pd à
condição pós-humana, procurando analisar de que forma a viragem tecnológica foi
assimilada pela sociedade.“Preposição: a tecnologia é a expressão tangível do desejo que motiva a
imaginação humana a modificar a realidade”18 O que é importante nesta a obra é a vontade
de enquadrar a tecnologia dentro de um quadro social amplo.

Em 2009, faz-se uma primeira aproximação à arquitectura com o artigo

16-  Por “aesthetics of failure” entende-se uma estetica ou modo de agir que se baseia nos falhanços da tecnologia, descrito por Colson Whithead no
contexto em . The Aesthetics of Failure: ‘Post-Digital’ Tendencies in Contemporary Computer Music. Computer Music Journal 24, no. 4 (2000)
17-  “It is failure that guides evolution; perfection offers no incentive for improvement.” Colson Whitehead, The Intuitionist (New York: Anchor
Books, 1999) citado em The Aesthetics of Failure:“Post-Digital” Tendencies in Contemporary Computer Music. Computer Music Journal 24,
no. 4 (2000); p.13

18-  “PROPOSITION: Technology is the tangible expression of desire motivating human imagination to modify reality.” Pepperell, Robert, and
Michael Punt. The Postdigital Membrane: Imagination, Technology and Desire. Intellect Books, 2000; p.7
o pós-digital como narrativa

24

Fig.6
Ilustação do artigo A Conversation on Digital
Archiving Practices with Janneke Adema.

“estas plataformas especificas (Monoskop, The


Pirate Bay etc.) tornam-se aspectos integrantes do
aparelho do livro e cada uma, de forma diferente,
participa na sua performance e no modo como
este se tornou instantâneo pelo acesso imediato
aos seus arquivos. Assim, não só o livro digital
difere enquanto matéria ou objecto cultural do
livro impresso, como é também diferente entre si
adquirindo as propriedadas das plataformas onde
“Plectic architecture: towards a theory of the post-digital in architecture” de Neil Spiller, em que
se estabelece, desde início, a importante noção de que qualquer aplicação do pd na
arquitectura não se traduz numa eliminação da tecnologia, mas antes numa síntese entre
o virtual e o analógico: “De facto é uma arquitectura que é muito uma síntese entre o virtual,
o actual, o biológico, o cyborgian, a realidade aumentada e uma mistura de tudo isso. É impossível,
agora, falar do digital na arquitectura como algo que se opõe binariamente à arquitectura normal,
mundana”. 19 Este artigo é um manifesto que como tal, projecta uma imagem ideal do
mundo e do papel da arquitectura. Apesar de ser uma visão altamente pessoal, não
deixa de estar, hoje, já algo ultrapassada.

Na publicação, em 2012, do “Post digital printing, the mutation of publishing since


1814” de Alessandro Ludovico é analisada a premissa do fim do livro como sendo
uma profecia vazia, já que este continua a ser o meio mais apropriado, para a leitura.
O pd surge aqui como um intermédio entre os processos tradicionais de impressão
e o digital, gerando novos tipos de publicações e géneros literários – híbridos entre o
digital e o analógico. É importante para a definição de pd não só um certo revivalismo
que o livro impresso também representa, mas também a ideia de que a eleição do meio
mais apropriado não depende só da tecnologia. Isto é, que a selecção do meio, não
tem necessariamente como base uma dicotomia analógico versus digital, mas move-se
livremente entre ambos seleccionando o que lhe interessa de cada um. Não se baseia
num posicionamento estático dando, assim, azo ao surgimento de objectos híbridos
que se movimentam entre ambos os meios e são uma marca pd.

Numa linha de pensamento semelhante, Silvio Lorusso desenvolveu a 25


plataforma ‘Postdigital publishing archives’, focada na recolha de trabalho de artistas,
designers ou editores, dentro de um quadro pd. A abrangência desta iniciativa permitiu
desenvolver uma linha secundária que põe em causa a aceitação cega da tecnologia,
nomeadamente a premissa de que o ecrã vai substituir o papel. “ Pelo contrário, as novas
tecnologias são frequentemente adoptadas de uma forma inconsequente, enquanto as capacidades dos
dispositivos são exploradas como o objectivo de serem comercialmente desenvolvidas. Por exemplo,
enquanto vários programas são desenhados para o desenvolvimentos de apps, só alguns envolvem
estratégias artísticas e de design que permitam analisar e comunicar as implicações do iTunes e dos seus
modelos de distribuição”20

Um dos momentos mais importantes e que delimita com nitidez o pd é um


congresso organizado em 2014 na Transmediale Berlin em associação com a Aarhus
University. Foi pedido a 16 professores de várias áreas, um pequeno texto definindo o
pd, que seria discutido no âmbito do congresso. Estes textos foram persistentemente
reescritos com base numa lista pré-aprovada de palavras, dando origem a uma definição
‘peer-reviewed’ :

19- ”Indeed it is an architecture that is very much a synthesis between the virtual, the actual, the biological, the cyborgian, the augmented and the mixed
. It is impossible, anymore, to talk of digital architecture as a binary opposition to normal real-world architecture”. Spiller, Neil. Plectic Architecture:
Towards a Theory of the Post-Digital in Architecture.Technoetic Arts 7, no. 2 (2009); p.95/96
20- “On the contrary, new technologies are often blindly embraced, as the capabilities of the devices are explored with the aim of developing commercially
successful products. For instance, while countless design programs are devoted to the development of iPad apps, only a few involve design and artistic
strategies to analyze and communicate the implications of iTunes and its distribution model”. Lorusso, Silvio Post-digital publishing archives. (s.d) p.2
o pós-digital como narrativa

26

Fig.7
“the alleged typewriter hipster”

Se dantes o rádio ou a televisão já eram


formas de media corporativa, hoje a internet e
o próprio digital já sofreram a mesma viragem.
Produzir algo fora do âmbito corporativo implica
uma deslocação para outros territórios.

“Este é o exemplo perfeito da escolha pós-digital:


utilizando a tecnologia mais adequada ao trabalho,
em vez de diferir automaticamente para as formas
tecnologicas mais recentes. Também ilustra o
funcionamento híbrido do pós-digital, já que o escritor
anuncia a sua conta de Twitter (na tampa da máquina
de escrever) “@rovingtypist”, e utilza-a para promover
o seu serviço. Assim, foi efectivamente capaz de
reconverter a máquina de escrever, num pequena
editora personalizada, danado a uma tecnologia ‘antiga’
uma função nova e que esta associada com ‘novos’
tipos de media, explorando qualidades especificas do
‘antigo’ que servem para colmatar falhas do ‘novo.’ Ao
mesmo tempo, ele aplica a sensibilidade dos ‘novos’
media ao seu uso dos tipos antigos de media: produtos
personalizados ao utilizador, criado num ambiente
social, como um sistema de pagamento “donate
what you can”. Ou melhor, a dicotomia entre media
comunitário versus mass media foi invertida de tal
forma que agora a máquina de escrever é um dispositvo
está disponível. “21

“Pós-digital outrora entendido como uma reflexão crítica sobre a estética imaterial
do digital, agora descreve a confusa e paradoxal condição da arte e dos media após
a revolução digital. O pós-digital nem reconhece a distinção entre ‘novas’ e ‘antigas’
formas de media, nem exprime uma preferência ideológica por alguma. Funde o
‘novo’com o ‘antigo’, desenvolvendo frequentemente experiências culturais que aplicam
uma lógica de rede a tecnologias analógicas que assim re-investiga e re-usa. Tende a
focar-se no desenvolvimento de experiências em vez de adoptar uma atitude conceptual.
Procura o agenciamento do DIY ( faz tu mesmo) fora da caixa totalitária da inovação
ideológica, e assim expande-se para o exterior do capitalismo ‘big data’, mas ao mesmo
tempo, já se tornou comerciál”.22

Este congresso foi fundamental para definir o pd e começar a investigar as suas


características e limites. É particularmente relevante esta noção de agenciamento que
se pauta por um“ esforço feito para obter (algo); resultado de uma diligência” 23, nesta medida,
é um esforço feito para negociar os interesses do sujeito (do utilizador) num ambiente
tecnológico, procura assumir uma posição de maior controlo.

Fruto do mesmo congresso é o artigo de Florian Cramer que abre o jornal


Post digital Research (PD-A), “What is ‘Post-digital’?”. Artigo fundamental, em que se
procura definir os limites da questão pd. Começando por expor que o pd mais do que
ser contra o digital, é contra a visão do digital como forma universal de processamento.
O que necessariamente cria um revivalismo em relação a formas de media anteriores que 27
se mantêm na memória recente e por isso em circulação. O que é uma forma de abrir
o campo das possibilidades, recompondo funcionalmente o digital através da utilização
de elementos analógicos e digitais. Tal abertura é uma necessidade, já que, segundo
Crammer, o pd rejeita quer formas high tech como low tech – “uma projecção de filme em
35 mm é superior a uma projecção de cinema (o que fará de um vídeo que se descarregou através de
torrents ou do youtube)“ .24

Assim, esta relação entre formas de media funciona em dois sentidos: se por vezes
o analógico se substitui ao digital, noutros momentos aplica-se às formas analógicas a
um funcionamento típicamente digital e é este processo que gera os já referidos objectos
híbridos. Assim, a distinção entre analógico e digital perde importância para “uma (distinção)
entre a cultura da inovação e da novidade para uma cultura de DIY( faz tu mesmo)”.25

21- “(...)these specific digital platforms (Monoskop, The Pirate Bay etc.) become integral aspects of the apparatus of the book and each in their own different way participates

in the performance and instantiation of the books in their archives. Not only does a digital book therefore differ as a material or cultural object from a printed book, a digital

object also has materially distinct properties related to the platform on which it is made available” in http://p-dpa.net/a-conversation-on-digital-archiving-practices-with-

janneke-adema/

22- “Post-digital, once understood as a critical reflection of “digital” aesthetic immaterial-ism, now describes the messy and paradoxical condition of art and media
after digital technology revolutions. “Post-digital” neither recognizes the distinction between “old” and “new” media, nor ideological affirmation of the one or the
other. It merges “old” and “new”, often applying network cultural experimentation to analog technologies which it re-investigates and re-uses. It tends to focus on the
experiential rather than the conceptual.” Christian Ulrik Andersen, Geoff Cox, Georgios Papadopoulos. Postdigital Research – Editorial. APRJA 3,
no. 1 (2014) p.4
23- in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/agenciamento. Consultado em 02/06/2019
24- “that 35mm film projection looks better than digital cinema projection (let alone Bit-torrent video downloads or YouTube);” Cramer, Florian. What Is ‘Post-
Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p. 9
25- “One between shrink-wrapped culture and do-it-yourself culture.” . Idem; p.15
o pós-digital como narrativa

28

Fig.8
The Ambassadors,Hans Holbein the Younger 1533

Na metade inferior da imagem está presente uma


forma oblonga, onde se deve conseguir ver a
imagem distorcida de uma caveira, é preciso olhar
da direita e a uma distância de mais ou menos 10 cm
do computador . É um exemplo de uma anamorfose
visual.
comunitário de media” 26

“Representa uma viragem do simbólico, como o modo semiótico dos sistemas digitais (e dos quais o login é o
exemplo perfeito), em direcção ao indicial: de códigos para indícios e do texto para o contexto”.27 A selecção
do meio, para o pd, constitui, à partida, uma tomada de posição importante,“de tal
forma que o meio, como o papel ou a celulóide, são efectivamente a mensagem”.28

No artigo ‘Dusk to Dawn horizons of the post-digital’ de Eric Snodgrass, procura-


se traçar um paralelo entre a ‘hora azul’ - o momento crepuscular entre o fim do dia e
o início da noite - e o momento em que um objecto ou meio se transforma em banal,
mas não está fossilizado - é outmoded 29 (Walter Benjamin) Neste momento transitório
os objectos emanam um ‘after glow’ 30, que permite iluminar, de forma potencialmente
crítica, as mitologias que o criaram e a sua forma de funcionamento. Isto acontece
quando os objectos ou meios ainda coexistem, mas está iminente uma substituição:
“Mesmo antes de um avião quebrar a barreira do som, as ondas sonoras tornam-se visíveis nas asas
do avião”.31

O pd insere-se neste estado intermédio, no momento em que o digital é


banal, mas ainda não esta fossilizado, evidenciando uma tensão que se estabelece
entre o sufixo, ‘-pós’ e o digital, enquanto sistema. Assim, o pd é uma reacção a
certas qualidades do meio, antes delas se modificarem com a fossilização do digital.
Tal podia indicar o pd como algo transitório, serve, no entanto, para explicar o seu
funcionamento, uma vez que é o ‘afterglow’ do digital que permite ao pd formar uma
anamorfose 32 face ao digital, reequacionando os conceitos e as práticas a que se une. 29
A anamorfose tem a capacidade de deformar tanto o que se vê no espelho como
aquilo a que ainda se une, permitindo “confrontar os seus próprios meios com os seus actos de
contorção”33. Levanta-se, assim, a hipótese de alguma coisa poder ser verdadeiramente
‘pós-’: “É possível entender que desta forma, o ‘-pós’ de pós-moderno não significa um movimento
de retorno, flashbak ou de feedback - isto é, não é um movimento de repetição mas um procedimento
de ‘-ana’: que produz uma anamnese, analogia e anamorfose elaborando assim um esquecimento

26- “This is a perfect example of a post-digital choice: using the technology most suitable to the job,rather than automatically ‘defaulting’ to the latest ‘new media’ device. It also illustrates the post-digital
hybridity of ‘old’ and ‘new’ media, since the writer advertises (again, on the sign on his typewriter case) his Twitter account “@rovingtypist”, and conversely uses this account to promote his storywriting
service. He has efectively repurposed the typewriter from a prepress tool to a personalised small press, thus giving the ‘old’ technology a new function usually associated with ‘new media’, by exploiting specifc
qualities of the ‘old’ which make up for the limitations of the ‘new’. Meanwhile, he also applies a ‘new media’ sensibility to his use of ‘old media’: user-customised products, created in a social environment,
with a “donate what you can” payment model. Or rather, the dichotomy of community media vs. mass media has been fipped upside-down, so that a typewriter is now a community media devic” Cramer,
Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p. 15

27- “represents a shift from the symbolic, as the preferred semiotic mode of digital systems (and of which the login is the perfect example), toward the indexical: from
code to traces, and from text to context” Ibidem; p.15
28- “so that the medium, such as paper or celluloid, is indeed the message”. Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p.15
29- A noção de outmoded: “describes that particular moment of temporal limbo for a medium in which it takes on a status as outdated but not quite
fossilised” aqui em Snodgrass, Eric“From Dusk to dawn: horizons of the digital/post-digital” (p.6) mas foi originalmente descrita por Walter
Benjamin
30- “1: a glow remaining where a light has disappeared 2: a pleasant effect or feeling that lingers after something is done, experienced, or achieved” in
https://www.merriam-webster.com/dictionary/afterglow
31-  “Just before an airplane breaks the sound barrier, sound waves become visible on the wings of the plane.”; Snodgrass, Eric. Dusk to Dawn:
Horizons of the Digital/Post-Digital. APRJA 3, no. 1 (2014) p.6
32-Por anamorfose: “entende-se fenómeno resultante de um sistema ótico deformador (espelho curvo, lente cilíndrica, etc.), que produz uma imagem
distorcida ou irreconhecível da figura representada, de tal modo que a mesma só retoma a sua configuração verdadeira quando vista a partir de
determinado ângulo ou através de lente ou espelho adequado” in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/anamorfose.
Consultado em 04/09/2019
33-  “confronts the mediating and mediated subject with the primacy and weird nature of its own uncanny contortion acts” Idem; p.9
o pós-digital como narrativa

30

Fig.9
The Disintegration Loops. William Basinski. 2002-3

Uma serie de sons baseados em cassetes analógicas


que se desfizeram durante o processo de conversão
de cassete para digital.
inicial”.34 Não sendo, assim, ‘pós-’ no sentido de estar depois de, mas como algo que pelo
esquecimento inicial que é capaz de operar se coloca num momento posterior ao da
introdução, permitindo alterar o quadro de referências.

O pd cria uma zona de tensão na sua relação com o digital o que lhe permite “ enfatizar
a forma como, dentro do prisma ‘pós’ as revelações emergem e parecem surgir de um sentido mais forte ou renovado de
consciencialização e reflectividade em relação a muitas das práticas digitais de hoje.“35

Nesta linha de pensamento, Geoff Cox no seu artigo “Prehistories of the post-
digital: or some old problems with post-anything”, continua esta discussão sobre o ‘pós’.
Establecendo que o perigo da conceptualização histórica do presente (noção de
Frederic Jameson) é o de o colonizar com o passado, deslocando o sentido temporal
do presente, causado, segundo Cox, uma produção cultural amnésica, pautada por uma
nostalgia acrítica de ideias pré-existentes que nomeia de ‘pós-’ todos os períodos. Traça-
se um paralelo entre o pd e o pós-industrial, renomeado (segundo Frederic Jameson)
de capitalismo tardio, por forma a pôr em evidência que a produção industrial já não
é o principal vector económico e divisor de classes. Pondera-se se o mesmo estará a
acontecer com o pd, neste período posterior ao hype e consequente colapso das dotcom.
A opção por uma lógica determinista assente na periodização dá lugar à oposição de
ciclos de “destruição criativa a ciclos de inovação disruptiva.”.36 Coloca-se o pd dentro de um
ciclo de destruição e que assim se devia deslocar do ciclo inicial do digital.
Termina-se levantando a hipótese de substituir o pd pelo conceito de
contemporaneidade.”Deste ponto de vista, a contemporaneidade não é simplesmente um período
histórico ‘per se’, mas antes um momento no qual assuntos que detêm uma certa importância são 31
negociados e expandidos”.37 Mais do que sugerir que algo é diferente ou novo, a ideia de
contemporaneidade levanta a questão de quando um período termina ou começa.
“Assim a contemporaneidade começa a descrever o problema mais complexo e difuso de diferentes
formas de tempo que existem simultaneamente em contextos geopolíticos diferentes. Isto não aponta
para a pobreza de simplesmente declarar algo como pós-outra coisa? No que diz respeito à condição
do pós-digital, a analogia com o processo histórico e a noção temporal, parece, no mínimo pouco
desenvolvida”38

Num outro artigo também de Florian Cramer “Post-digital Aesthetics”, escrito


num momento posterior, é dado enfoque à sobreposição do pd com o revivalismo
retro, definido por Simon Reynlods em “Retromania. Pop’s culture’s addiction to it’s own
past”. A propósito do fenómeno retro, Reynolds expõe “eras anteriores também tinham a

34-”You can see that when it is understood in this way, the ‘post-’ of ‘postmodern’ does not signify a movement of comeback, flashback, or feedback —
that is, not a movement of repetition but a procedure in ‘ana-’: a procedure of analysis, anamnesis, anagogy, and anamorphosis that elaborates an ‘initial
forgetting.’” Ibidem; p.10
35-“(....)emphasis the way in which, in this post-PRISM revelations present, there seems to arise a renewed or heightened sense of awareness and
reflexivity in relation to many of the digitally informed practices of today.” Ibidem; p.20

36- “‘creative destruction’ and later ‘disruptive innovation’” no contexto em Cox Geoff Pré histories of the post-digital: or some old problems with
post-anything” (p. 4) a nocção é originalmente de Joseph Schumpeter’s (1995)
37- ” In this view, the contemporary is not simply a historical period per se, but rather a moment in which shared issues that hold a certain currency are
negotiated and expanded.”; Cox ,Geoff. Prehistories of the Post-Digital: Or, Some Old Problems with Post-Anything. APRJA 3, no. 1
(2014), p.5
38- Thus contemporaneity begins to describe the more complex and layered problem of different kinds of time existing simultaneously across different geo-
political contexts. Doesn’t this point to the poverty of simply declaring something as post something else? When it comes to the condition of the post-digital,
the analogy to historical process and temporality seems underdeveloped to say the least” Idem; p. 6
o pós-digital como narrativa

32

Fig.10
Frame do Filme Masculin Féminin. Jean-Luc Godard.
1966
sua própria obsessão com a antiguidade, claro, desda veneração renascentista do classicismo grego as
invocações mediavalizantes do movimento gótico. Mas, nunca existiu uma sociedade na história tão
obcecada com os artifícios culturais do passado recente“ .39
Parece que ao longo dos anos 2000, o presente enquanto matéria de trabalho
desapareceu e deu lugar a um fenómeno de ‘re’: ‘remakes, re vivalismo e reconstituição’ .“Estará esta
nostalgia a travar a nossa habilidade cultural de seguirmos em frente, ou somos nostálgicos precisamente porque
a nossa cultura parou de andar para a frente e então inevitavelmente olhamos para trás, para tempos mais
dinâmicos e importantes? Mas o que é que vai acontecer quando o passado se esgotar ?” .40
O pd procura no revivalismo a solução para as deficiências estéticas e sociais do
digital. Existe algo de hauntologico 41 nesta condição na incapacidade de sair de um ciclo
continuo de reciclagem de estéticas retro e de escapar a velhas fórmulas sociais, vivendo
numa espécie de disjunção temporal definida por uma “nostalgia por futuros perdidos”42.
Estas são questões com as quais o pd tem necessariamente de enfrentar, na forma como
rejeita a narrativa messiânica da tecnológia.

Em 2014, o arquitecto inglês Sam Jacob refere-se, numa entrevista, pela primeira
vez, ao termo pd aplicado dentro do contexto da arquitectura. Entretanto trasnformou-se
no profeta da apropriação do pd para o seio da disciplina, escrevendo extensivamente
sobre o assunto, cruzando a representação, o pd e a arquitectura – tema discutido num
momento posterior deste capítulo.

33

Discrepâncias

As diferentes definições e apropriações do pd conformam discrepâncias que


vale a pena analisar.
Assim, na definição de pd que resultou do congresso anteriormente referido,
parece existir uma contradição quando se enquadra a passagem de “uma reflexão crítica

39- “earlier eras had their own obsessions with antiquity, of course, from the Renaissance’s veneration of Roman and Greek classicism to the Gothic
movement’s invocation of the medieval. But there has never been a society in human history so obsessed with the cultural artifacts of its own immediate
past”. Reynolds, Simon, Retromania: pop culture’s addiction to its own past, Faber & faber 2011, p.15
40-” Is nostalgia stopping our culture’s ability to surge forward, or are we nostalgic precisely because our culutre has stopped moving foward and so we
inevitably look back to more momentous and dynamic times? But what happens when we run out of past? Idem; p.15
41- Por hauntologico entende-se:“In the 2000s, the term was taken up by critics in reference to paradoxes found in late modernity, particularly
contemporary culture’s persistent recycling of retro aesthetics and incapacity to escape old social forms. Critics such as Mark Fisher and Simon Reynolds
used the term to describe art preoccupied with this temporal disjunction and defined by a “nostalgia for lost futures” in https://en.wikipedia.org/
wiki/Hauntology. Consultado em 03/08/2019
42- “nostalgia for the lost futures” Gallix, Andrew in https://www.theguardian.com/books/booksblog/2011/jun/17/hauntology-critical.
Consultado em 19/09/2019
o pós-digital como narrativa

34

Fig.11
The Originality of the Avant-Garde and Other
Modernist Myth. Rosalin E. Krauus
sobre a estética imaterial do digital.” 43 para algo que “descreve a confusa e paradoxal condição das
artes e da média após a revolução digital.” 44. Aqui cria-se um problema, ao enquadrar o pd
como um contexto totalizante, defenindo-o como o impacto cultural (total) do digital.
A tentativa de descrever a totalidade do contexto pós revolução digital, transforma o
pd numa expressão inútil. Descrever algo tão complexo com uma só palavra implica,
primeiramente, que a ruptura foi sincrónica e total por oposição a algo que acontece
faseadamente, tendo ritmos e formas diferentes. Assim, ditando num contexto mais
abrangente a existência de uma narrativa unidireccional. O facto da tecnologia se ter
banalizando, não significa, necessariamente, que exista um desencanto generalizado ou
que o encanto se tenha tornado histórico. Diferentes narrativas podem coexitir lado
a lado. O pd é um lado da moeda. O outro lado compreende a banalização do digital
só como mais um passo para o desenvolvimento contínuo da tecnologia. “Representa
um extremo de como os indivíduos lidam com a realidade técnico-politica e económica do nosso tempo:
a sobre-identificação com estes sistemas ou a rejeição dos mesmos” 45. É mais ajustado ver o pd
como um lado da questão, como uma sub-narrativa que existe dentro de um contexto
maior.

Levanta-se, então, a questão de como definir o pd, uma vez que o seu
significado concreto parece ser elusivo e dificilmente concretizável. O pd aparece
associado a diferentes termos, e em diferentes textos, como: contexto, prática,
noção, tendência e tendência cultural – uma análise de cada um deste termos permite
entender qual será a mais apropriada. Enquadrar o pd como uma entidade parece ser
problemático já que este passaria a ser uma “a essência considerada em si mesma e não como
existente num ser individual” 46 – implicando o pd como algo que existe por si só - que se 35
auto-determina e rege. Neste sentido, ignora-se o pd como um sintoma resultante de
uma série de factores que provocaram o seu aparecimento e aos quais este responde. É
igualmente problemático o uso da palavra tendência, que é normalmente interpretada
como algo em constante mutação:“Um dia estás dentro e no próximo estas fora”. 47 Não
se descarta a possibilidade do pd ser substituído, amanhã, por um outro conceito
mais preciso ou delimitador, mas as condições que determinaram o seu aparecimento
dependem de factores sociais e técnicos, que são, agora, relativamente estáveis, a
menos que exista um evento disruptivo. A par, parece sempre implicar uma ligação ao
movimento italiano tendenza 48.

Por outro lado, associar o pd a uma tendência cultural faz mais sentido :“John
Fiske notou que a cultura é um processo constante de produzir significados da nossa experiência
social. Assim os produtos culturais e os seus significados reflectem o sentimento dominante da nossa

43- “Post-digital, once understood as a critical reflection of “digital” aesthetic immaterial-ism,” Christian Ulrik Andersen, Geoff Cox, Georgios
Papadopoulos. Postdigital Research – Editorial. APRJA 3, no. 1 (2014) p. 2
44-”now describes the messy and paradoxical condition of art and media after digital technology revolutions” Idem; p. 2
45- “represents one extreme in how individuals relate to the techno-political and economic realities of our time: either over-identification with systems, or
rejection of these same systems” Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’? APRJA 3, no. 1 (2014). p. 19
46- in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/entidade. Consultado em 25/08/2019
47- “ One day you are in the next you´re out!” Heidi Klum no popular programa Project Runway
48- Por tendenza entende-se o movimento: “Spearheaded by the architect Aldo Rossi,1 the movement arose in reaction to the burgeoning
Modernism of post-war Italy, and was characterised by a reactionary vigour and debate about the future of architecture in Italian cities and elsewhere.
Tendenza means “trend” – a kind of stylistical progress that criticised the idea of the avant-garde as impossible and unrealistic”in https://www.
studiointernational.com/index.php/la-tendenza-italian-architecture-1965-1985. Consultado em 30/08/2019
o pós-digital como narrativa

36

Fig.12
Cartaz de uma exposição sobre arte pós-digital
experiência social”.49 O pd pode ser visto como um estado de espírito comum que é capaz
de produzir significados, sendo, no entanto, uma definição demasiado abrangente por
não delimitar o contexto do pd. A utilização da palavra conceito para descrever o pd,
já começa a ser mais apropriada, porque esta desloca o pd para um plano genérico em
que este passa a representar um situação geral, ainda que continue a conferir-lhe uma
definição vaga. O contexto parece, por exclusão de partes, ser a forma mais apropriada
de determinar o pd, enquanto“o conjunto de circunstâncias que rodeiam um acontecimento”.50
O acontecimento é a revolução digital. O pd é uma forma de reagir a este contexto,
e não o contexto em si mesmo. Ainda assim, a construção de um contexto nunca é
neutra, parte de um ponto de vista que selecciona uma cadeia de relações entre eventos
e circunstâncias que compõem este contexto. Nessa medida existe um contexto pd, que
não é o mesmo que dizer que o pd é um contexto.

Por sua vez, a noção de prática depende do contexto. O pd interpreta o


conjunto de circunstâncias resultantes da revolução digital de uma determinada forma.
A prática é o resultado directo dessa interpretação, criando um movimento em loop.
Quem vê o mundo de determinada forma, selecciona práticas que são consentâneas
com essa interpretação, o que por sua vez funciona como forma de enfatizar esse
ponto de vista que volta a informar o contexto. Assim, existem práticas pd’s, mas a
forma mais inequívoca de definir o pd é como uma posição. Posição essa que parte
de um ponto de vista de desencantamento tecnológico para construir um contexto e
informar a prática.

Uma outra discrepância que surge na análise dos textos anteriores, é na 37


discussão de fundo sobre a escolha e o consequente significado que nomear este
movimento de pd tem. Por um lado, o artigo de Geoff Cox vê o pd como uma
expressão notoriamente insuficiente. O pd inutiliza-se na sua incapacidade de
se actualizar, movendo-se sempre do passado para o presente e não do presente
para o futuro. Por outro lado, Snodgrass (2014), enquadra-o dentro de um plano
teórico que tem tanto de abrangente como de útil. Apesar da nostalgia ser um tema
sempre presente no pd, já que este utiliza o passado não-tecnológico como termo
de comparação com o presente, procurando nele soluções e saídas para a imersão
tecnológica. O que não quer dizer que esta colonização massiva do presente com o
passado esteja resolvia, ou que o pd não precise de encontrar formas de se projectar
no futuro. Assim, mesmo tendo em conta esta questão, pd continua a ser a expressão
mais adequada, precisamente quando enquadrado no contexto em que Coxx o coloca.
Pensar no pd como uma anamorfose que se opera sobre o digital é a forma mais
correcta de o descrever, na forma como deixa espaço para o futuro - quando o digital
passar de banal para outmoded – ao mesmo tempo que consegue descrever a sua ligação
e consequente contorção com o digital.
“Ironicamente, o termo pd foi utilizado de uma forma confusa no contexto do artigo de
Casone, já que a música glitch define e advoga é digital, sendo até baseado, especificamente no
som produzido por sistemas digitais. Por outro lado, e no mesmo sentido que o pós-punk pode
ser visto como uma reacção ao punk, o conceito de Casone de pd pode ser melhor entendido

49- ” john fisk noted that culture is the constant process of producing meanings of and from our social experience. Therefore, cultural products and
their meanings will reflect the prevailing mood of our social experience.” in http://www.socialmood.net/articles/trends-in-popular-culture
Consultado em 30/08/2019
50- in  https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/contexto. Consultado em 15/07/2019
o pós-digital como narrativa

38

Fig.13
John Baldessari Goya Series: And. 1997
como uma reacção a um tempo, em que até os tripés para câmaras são apelidados de digitais,
num esforço de os colocar no mercado com ouma tecnologia nova e superior”.51


Aqui optamos por discordar, pelo menos, em parte de Crammer. É
fundamental interpretar o pd como uma reacção ao digital e ao seu excesso, sim, mas
o pd tem de existir num contexto digital. Se não, corre o risco de perder qualquer tipo
de operatividade. Isto é, apesar da música produzida a partir de glitch e outros erros,
existir dentro de um paradigma digital, o seu carácter pd está na forma como o utiliza.
O que se procura encontrar, com este tipo de práticas ou usos, é o tal agenciamento
que permite um controlo maior dos processos. Esta forma de uso procura contornar
o funcionamento opaco do digital, do qual a literacia tecnologica raramente passa do
controlo passivo do interface, exprimindo um desejo de maior controlo: “Para Vam
Meer, a principal razão pela qual os estudantes de arte preferem desenhar posters a desenhar websites é
por uma ficção de agenciamento neste caso uma ilusão de mais controlo sobre o meio ”. 52 A utilidade
de qualquer posição como o pd é justamente essa, a de operar para criar um controlo
maior do digital, encontrando um espaço de agenciemento próprio. É aqui que entra
uma atitude de hacker DIY (Crammer) que se move contra a corrente da assimilação
directa do digital e procura estabelecer o seu próprio espaço, o qual assenta num
tratamento abstracto da tecnologia.

Por abstracção entende-se “separação mental de um ou mais elementos concretos de


uma entidade complexa (facto, representação), desprezando outros que lhe são inerentes (...)“, o que
permite “ Tornar abstracto” vem do latim trahere, que significar retirar algo essencial da totalidade
da qual faz parte. A abstracção é o processo através do qual o homem procura atingir um quadro de 39
referências genérico por oposição a soluções específicas.”.53 Esta abstracção em relação ao digital
é o que permite ultrapassar o seu modo de funcionamento canónico e por isso pré-
determinado. Ao ser capaz de separar o programa do uso para o qual foi desenhado
e até do seu contexto, é possível utilizá-lo de outras maneiras, que só dependem do
que se procura criar. Foge-se às soluções específicas e pré-carregadas da tecnologia,
encontrando um quadro de referências próprio e independente, establecendo usos
específicos:

“É precisamente por esta razão que a abstracção tem tanto de artificial como de profundamente humano, já que
a capacidade de tornar abstracto, isto é, de produzir ideias e conceitos de uma multitude de factos empíricos, é o que distingue
o Humano do animal”. 54 Esta capacidade de selecção de uso é o que permite entender que todas as
características do pd partem de um olhar abstracto em relação à tecnologia, procurando encontrar

51- Ironically, the use of the term ‘post-digital’ was somewhat confusing in the context of Cascone’s paper, since the glitch music defined and advocated
here actually was digital, and even based on specifically digital sound-processing artifacts. On the other hand, and in the same sense as post-punk can
be seen as a reaction to punk, Cascone’s concept of ‘post-digital’ may best be understood as a reaction to an age in which even camera tripods are being
labelled as ‘digital’, in an effort to market them as new and superior technology.” Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1
(2014). p. 7
42 - “For (Van Meer), the main reason why art students prefer designing posters to designing websites is due to a fiction of agency – in this case, an
illusion of more control over the medium. “ Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). ; p. 19
53-  “To abstract” comes from the Latin verb trahere, which means to pull something essential out from the totality of which it is a part. Abstraction is a
process through which man seeks to reach generic frameworks rather than specific solutions. It is precisely for this reason that abstraction is both artificial
and deeply human, since the capacity to abstract, i.e., to produce ideas and concepts out of a multitude of empirical facts, is what distinguishes the human
from other animal Vittorio Aureli, Pier Intangible and Concrete: Notes on Architecture and Abstraction Journal #64 - April 2015
54- “ It is precisely for this reason that abstraction is both artificial and deeply human, since the capacity to abstract, i.e., to produce ideas and concepts out
of a multitude of empirical facts, is what distinguishes the human from other animal species.” Idem;
o pós-digital como narrativa

40

Fig.14
Resultado de uma pesquisa sobre “Post-digital
Architecture”
Mesmo um pesquisa sobre arquitectura pós-digital,
só gera resultados referentes a representação.
um quadro de referências que lhe permita olhar para a totalidade da tecnologia e não só responder
momentaneamente ao aparecimento volátil de novas tecnologias e ferramentas. Como nota final, sobre a
definição do PD, concordmos com Florian Crammer quando este confronta os artigos de Kim Casnoe e
Ian Andrews na sua interpretação de associar o pd a um regresso nostálgico à singularidade modernista: “
Muitas vezes toma a forma de retorno (naive) à pureza modernista”.55

O pós-digital

na arquitectura

Estão criadas as condições para se transitar o pd para o campo da arquitectura.


Um ponto fundamental para a ligação entre estes os dois conceitos é o trabalho “The
post digital in architecture” (2016), de Mathieu Bujnowskyj, em que se procura investigar
os diferentes efeitos do digital, formulados na emergência de uma arquitectura pd. 41

Ressalva-se, no entanto, que “Arquitectura pós-digital representa mais uma atitude que procura
entender e agir com as repercussões indirectas do ‘digital‘ nos ambientes físico, cultural, social e digital
que os Humanos criaram e no qual estão agora a viver”.56

Assim, a sua tese usa o pd como um adjectivo aplicado para descrever


tipologias ou formas de representação. O autor, começa por traçar uma análise
comparativa entre o êxodo rural, que provocou a separação entre o espaço de viver
e de trabalhar, e as modificações provocadas pela banalização da electricidade, que
alterou a infraestrutura da cidade e da casa. Passa depois para o tempo presente, onde
se vive uma ‘architecture of cloudification’, em que a capacidade de aceder a qualquer tipo
de informação, em qualquer espaço e em qualquer momento, modifica a percepção do
espaço e do tempo. Num esforço por explorar as diferentes possibilidades do digital
ponderam-se quais podem ser as modificações que a impressão 3D trará no futuro, a
nível individual, desde da ‘custumização’ de objectos à sua impressão directa.

Prossegue-se com a asserção de que a paisagem tecnológica é agora totalmente


electromagnética, propondo duas abordagens para a sua assimilação: a capacidade de
prever, no projecto original, espaço para tecnologia que ainda não foi inventada; e a
delimitação dos espaços, que passará a ser feita por sinais electromagnéticos como o

55- “Often takes the form of a (naive) return to the purity of modernism” Anwdres, Ian (2000) citado em Cramer, Florian. “Post-Digital
Aesthetics.” Jeu de paume-le magazine (2013). p.5
56- “Postdigital Architecture” represents more an attitude, seeking to understand and act with the indirect repercussions of “the digital” in the
physical, cultural, social and digital environments that humans are creating and living on”; Bujowskyj, Mathieu. “The post-digital in architecture”.
Disssertação de mestrado; Lausanne: EPFL. 2016. p. 26 /01 Prolog
o pós-digital como narrativa

42

Fig.15
Anti Drone Tent Sarah Van Sonsbeeck (Museum
Catharijne Convent) mylar rescue blankets / photo by
Gert Jan van Rooij, 2018. Eventualmente este poderia
ser um exemplo de arquitectura pós-digital, apesar
de ser, primeiro uma posição artistica e depois ser
anti-tecnologica que o pós-digital não é.
wi-fi, mais do que por paredes.

No capítulo mais importante ’post digital aesthethics’ são colocadas em evidência


as consequências que o digital teve na representação e no desenho, afirmando que este
foi capaz de criar novas narrativas que levaram ao desenvolvimento de uma estética
correspondente. “O meio já não é só a mensagem, o meio é a mente que molda o que vê e como
vê”.57 A transição entre formas de media criou um ambiente não linear que funciona
em teia, reorganizando e integrando formas digitais, analógicas e híbridas. Um ponto
importante é feito no último capítulo ‘integrated aesthetics Vs tech brutalism’, em que se
explora esta ideia da arquitectura digital como uma utopia tecnológica, sempre fora de
alcance, já que para existir uma arquitectura verdadeiramente digital é preciso assimilar
as ferramentas digitais e não utilizá-las como um ready-made.

Este trabalho explica, de uma forma muito clara, o ponto de convergência


entre os vários autores: não existe uma arquitectura pd, só uma posição pd a que a
arquitectura pode ou não responder. Apesar disso, a tese incide mais sobre as mudanças
que o digital provocou do que sobre um contexto ou práticas pd, já que, na maioria dos
aspectos, se rege por uma aceitação completa de tudo o que é digital. Isto é importante
até na forma como não consegue fazer transitar o pd de contexto para adjectivo – que
se aplicaria directamente. Qualificar, por exemplo, uma tipologia como pd é, não só,
confuso como implica algum grau de previsibilidade, já que não existe, ainda, nenhuma
tipologia digital perante a qual o pd se possa posicionar. As maiores modificações
que o digital criou não foram ao nível macro, mas sim no quotidiano da produção
arquitectonica. Não existe propriamente uma arquitectura que seja puramente digital, 43
excepção feita talvez para os jogos de computador, que criam um ambiente cada vez
mais realista e imersivo, mas que nunca é materializado.
A maior modificação que a revolução digital trouxe para a arquitectura foi a
democratização do poder de computação, esse sim, reorganizou os processos. Foi a
produção, mais do que o meio, que se tornou digital. É aqui é que se abre caminho para
falar de uma representação pd.

A produção de desenhos, o meio que os arquitectos usam para mediar o


espaço entre a realidade da obra e a ideia mental, é este que se tornou quase totalmente
digital. Nessa medida, aplica-se um posicionamento pd ao digital que altera a forma de
utilização das ferramentas, posicionando-se criticamente em relação ao ready-made das
ferramentas digitais e procura assimilar um conjunto de ferramentas próprios.

É aqui que o tratamento abstracto da tecnologia que definimos anteriormente


encontra a sua expressão. Por permitirem, inverter o campo de trabalho, em vez de
serem as ferramentas a ditar o que é possível representar, estabelece-se primeiro
um espaço de agenciamento pessoal. O que aqui é novo é a inversão do método de
trabalho que em vez de se apoiar unicamente na possibilidade técnica das ferramentas
e de inovação que elas podem representam, passa a olhar para o meio digital como

57- “The medium is not only the message, the medium is the mind it shapes what we see and how we see it.“ Carr, Nicholas in http://www.
nicholascarr.com/?page_id=21 citado em Bujowskyj, Mathieu. “The post-digital in architecture”.Disssertação de mestrado; Lausanne:
EPFL. 2016 p.6/ 7 Postdigital Aesthetics in architecture
o pós-digital como narrativa

44

Fig.16
Vila de Greenfield
equivalente ao analógico. Desta forma,
tenta ganhar controlo, dentro de uma
ecologia digital, sobre o método de
produção, o que quer dizer que existe uma
representação pd, cujos contornos se vão
investigar a seguir.

“Greenfield é um exemplo primordial da condição


de re-enactment na arquitectura. Podemos utiliza-
lo aqui como um dispositivo para explorar de forma
generica o fenomeno arquitectonico de transformar
o imaginario em real. Apesar de ser construida de coisas reais - edifícios verdadeiros que foram
relocalizados tijolo por tijolo da sua localização original para para um campo em Deaborn- Greenfield é
uma manifestação da imaginação de Ford. Toda a sua autenticidade serve para suportar a sua condição
imaginaria, para a tornar real” 58

O pós-digital na

representação

O autor mais prolífico a propósito da representação pd e responsável por lançar


o tema em discussão, é o arquitecto inglês Sam Jacob. Muito do que ele escreve diz
respeito a representação pd, tendo por base um pensamento teórico mais abrangente,
como é o caso do exposto em “ Make it real: Architecture as enactment (2014)”, o seu
único texto publicado em livro. A sua abordagem assenta numa premissa basilar que
toda a arquitectura parte do ficcional, do imaginário e do ideológico para conformar
uma realidade material. É a sua aparência material e prosaica que ofusca a sua génese 45
imaginativa. Tal acontece, porque, segundo Jacob, a arquitectura é fundamentalmente
um acto de re-eanctment 59 – uma cópia contínua de modelos e formas que começaram
com a primeira coluna egípcia que imitava a forma de uma árvore. O re-enactment
mantém a imagem do real ao mesmo tempo que é irreal - uma representação de si
próprio. Desta forma, a arquitectura exibe a sua origem imaginativa e transforma-se, ao
mesmo tempo, em algo mais.

A palavra re-enactment tem dois significados: se por um lado significa


“representação“ 60 que a arquitectura materializa através das suas qualidades
representativas, cenográficas e simbólicas; por outro, pode querer dizer“ passar uma
lei” 61, ou seja, algo que a arquitectura é também capaz de fazer, transformando uma
vontade política ou ideológica em realidade. A ficção da arquitectura tem, assim,
consequências reais na sua banalidade. Esta condição contínua de re-eanctment legítima a
sua condição imaginativa e ideológica e é a repetição permite naturalizar a arquitectura,
retirando-lhe o seu significado original. É este modo mimético e repetitivo que permite
à arquitectura, ao construido transformar-se numa imagem de si próprio, sem deixar
de existir. A construção reflecte o meio em que a arquitectura tem de se representar na

58- “Greenfield is an extreme example of the architectural re-enactment. We can use it here as a device to explore the generic architectural phenomenon of making the imaginary real. Though made out

of ‘real’ things – real buildings relocated brick by brick from their original sites to a field in Deaborn- Greenfield is the manifestation of Ford’s imagination. All of its authenticity serves ti support this
imaginary condition, to make it real.“ Jacob, Sam. Make It Real-Architecture as Enactment. 2012. p. 32

59-  Optou-se por não traduzir o termo re-enactment por falta de um termo em português que fosse equivalenta, no seu sentido mais
literal seria reencenação que não sendo errado não tem o mesmo significado que a palavra em Inglês
60- “ to act or perform again” in https://www.merriam-webster.com/dictionary/reenact. Consultado em 04/05/2019
61- “to enact (something, such as a law) again” https://www.merriam-webster.com/dictionary/reenact. Consultado em 04/05/2019
o pós-digital como narrativa

46

Fig.17 e Fig.18
Making of Neue Nationalgalerie in the Rain e
Elnaz Rafiti, 2016, UIC School of Architecture.
Comparação visual entre um render hiper-realista
e um desenho da collage culture, que é analisda no
artigo de Lana Raffaldi Rubin.
sua essência material mas é também a imagem de si própria. Desta modo, o símbolo
e o significado são coincidentes, mas ainda são capazes de operam como um sistema
semiológico: “A qualidade performativa da arquitectura é o motor da sua habilidade de produzir a
ficção social que ocupamos, naturalizando-a e legitimando-a ao ponto de se tornar real(...) Inscreve na
realidade o mundo que desejamos habitar em vez do mundo no qual nascemos”.62
Ao enquadrar a arquitectura como uma ficção, a sua realidade material torna-se
indistinguível da sua representação; ambas são ficções. Estabelece-se uma igualdade de
significados entre as qualidades representativas e materiais, no sentido em que ambas
são subjugadas entre as várias formas de ficção - desenho, texto ou edifício.
“A arquitectura mesmo ao nível do edifício é *sempre* representação. As suas
qualidades representativas não são diferentes das qualidades ‘reais’ do edifício,
são sempre simultâneas. Um edifício é uma imagem de um edifício, a descrição de
um edifíco enquanto um edifício - então o desenho é fundamental. A representação
arquitectónica e a sua realidade acontecem ao mesmo tempo e isto começa com o
desenho”.63
Esta equivalência permite fundir a arquitectura como prática material e cultural numa
só, configurando um espaço de trabalho em que “a distinção entre o desenhado e o real se
funde numa só ideia: uma arquitectura de representação”.64 Para Jacob, esta equidade é o apogeu
do projecto pd e é ele que permite voltar a desenhar, agora num ambiente digital,
criando até desenhos que:“podem ser arquitectura.65

Este ponto de vista é explicado de uma forma mais concreta em ‘Rendering the
cave of the digital’. Onde se começa por analisar a representação de um ponto de vista
histórico. Assim, a perspectiva é uma ferramenta particularmente poderosa no sentido 47
em que desenha o espaço da mesma forma que o constrói, pondo em evidência o
espaço como um fenómeno trabalhado, dependente da representação. Esta nunca é
um meio neutro, limita à partida o que vemos e condiciona o espaço. Assim, se explica
a interferência directa da representação nas qualidades do espaço, sendo, no entanto,
mais difícil de acreditar na sua tradução directa em que este passa a ser uma forma
de arquitectura, como defende Jacob, mas é uma ideia que se encontra perfeitamente
enquadrada na linha de pensamento que este desenvolve em Make it real.

Contudo, para Sam Jacob, o pd é um caminho para fugir aos renders


hiper-realistas que este encara como o passo final do processo perspéctico iniciado por
Leon Battista Alberti. As imagens são tão miméticas da realidade que podiam ser o
capítulo final da história da representação, criando um modo universal de ver. O ponto
de fuga, no entanto, tornou-se um modo de ver anacrónico, tendo disso substituído por
uma multiplicidade de écrãns que funciona em teia.

62-  “Architecture’s performative quality has the engine of its ability to manufacture the social fiction that we occupay, naturalizing and legitimizing it to
the point where it becomes real (...) It writes into reality the world we wish to inhabit rather than the world we were born into “ Jacob, Sam. Make It
Real-Architecture as Enactment. 2012. p. 32
63- And if, like me, you think that architecture even at the level of a building is *always* representation. That its representational qualities are not
different from its ‘real’ qualities as a building but are always simultaneous. That a building is an image of a building, a description of a building even as
it is a building – then drawing is fundamentally important. “ Jacob, Sam. Drawing As Project – Post Digital Representation In Architecture.
Strangeharvest (s.d.)
64- “A space where the distinction between the drawn and the real melts into a single ideia : the architecture of representation” Jacob, Sam.
Rendering: The Cave of the Digital e-flux journal. February 2, 2018

65- “ Drawings that might even be Architecture”  Jacob, Sam .Drawing As Project – Post Digital Representation In Architecture. Strangeharvest
(s.d.)
o pós-digital como narrativa

48

Fig.19
Imagem da gruta de El castillo.
“(...) Como o ponto de fuga se tornou cada vez mais anacrónico na visão contemporânea,
o espaço perspéctico vai se tornar tão ilegível como um quadro de el Castillo. E quando
isso acontecer, a questão é como conceptualizamos e articulamos o espaço e a representação
vai voltar a emergir. Em algum momento - em breve talvez - vamos ter de perguntar: O
que pode ser a representação quando tudo pode ser visto ao mesmo tempo?”.66
Ao fugir da perfeição fotográfica, as tácticas pd’s que acentuam o carácter
falso da representação e abrem a porta para outros modos de ver. “ Podemos argumentar
que a viragem pós-digital na representação arquitectónica reconfigura a relação entre o desenho e o
construído.“.67

A par, num artigo publicado pela revista Metropolis ”Architecture Enters the
Age of Post-Digital Drawing” também de Sam Jacob. Onde se procura enquadrar a
forma como o digital quase matou o desenho, polarizado, como resultado directo das
ferramentas digitais, entre a ilustração e o pormenor. Quanto maior é a precisão das
ferramentas, menor é a amplitude dos desenhos. Neste contexto vê-se a representação
pd como algo que recorre a um conjunto de ferramentas alternativas que não se
centram na capacidade técnica, mas na liberdade de movimentos, reminiscente
do desenho à mão. O pd conseguiu gerar uma nova forma de desenhar, capaz de
reinventar o espaço do desenho no ecrã.

A afirmação de que o pd permitiu voltar a desenhar é polémica e gerou uma


série de respostas. Em “the post digital will be even more digital, says mario carpo” põe-se em
causa o projecto pd, considerando que este assenta numa falsa premissa: a de que a
inovação tecnológica já estabilizou. À revolução digital de átomos e bits seguir-se-á a 49
revolução de bits e neurónios, criando um ambiente de inteligência artificial que já não
procura imitar o pensamento, mas antes superá-lo. O que se antevê é a possibilidade de
lidar com geometrias ultra complexas e passar a ser capaz de testar um número infinito
de modelos, encontrando sempre a melhor solução (por exemplo: o edifício mais leve).
Conclui, por isso, que “Há mais digital atrás do digital, quer se goste ou não”. 68

Outro artigo relevante para enquadramos esta analise, também de Mario


Carpo “post-digital ‘quitters’: why the shift towards collage is worrying”. Traça-se uma relação
importante entre o pd e o pós-modernismo, no sentido em que ambos marcam o
regresso do interesse pelo figurativo. Se durante o pós-modernismo a razão para pôr
de parte a tecnologia era a sua estagnação, hoje a razão parece ser excesso. Então, o
abandono da tecnologia acontece“Não porque estamos aborrecidos, é porque somos desistentes
“69.O busílis do artigo encontra-se na ideia de que a arquitectura precisa de ter em linha
de conta os efeitos que a tecnologia tem e ainda vai ter no campo disciplinar para se
poder adaptar.“ Os arquitectos não conseguem estar sem tecnologia, mas a tecnologia pode estar sem

66- a”s the vanishing point becomes increasingly anachronistic to contemporary vision, perspectival space will became as illegible as the painting in el
Castillo. And as it does, the question of how we conceptualize and articulate space and representation will re-emerge. At some point – soon perhaps- we
will have to ask: What does representation mean when everything can be seen, everywhere at the same time?” Jacob, Sam. Rendering: The Cave of the
Digital. e-flux journal. February 2, 2018
67- “We could even argue that the post digital turn in the architectural representation reconfigures the relationship between the drawn and the built,
returning us to a condition similar to the cave. “ Jacob, Sam. Rendering: The Cave of the Digital e-flux journal. February 2, 2018
68-  Carpo, Mario. The Post-Digital Will Be Even More Digital, Says Mario Carpo. Metroplois Magazine. July 5, 2018.
69- “it’s not because we are bored, it’s because we are quitters”Carpo, Mario. Post-Digital “Quitters”: Why the Shift Toward Collage Is Worrying.
Metroplois Magazine. March 26, 2018
o pós-digital como narrativa

50
Fig.20
MVRDV, Glass Farm 2013
eles”.70

Uma resposta pertinente, às questões


levantas por Carpo é o artigo de Adam Fure
“ What does it really mean to be “post-digital” in
architecture and beyond“. Este, apesar concordar
com Carpo no sentimento de que a arquitectura
precisa de estar vigilante em relação ao futuro
do digital, discorda quanto à forma como o
pd é visto por Mario Carpo. Ele em oposição
caracteriza o pd como: digital, habitual e
difundido.

“Como estética o pd advém da saturação da tecnologia


digital ao ponto em que esta se transforma numa imagem.
Anteriormente caracteristicas atribuidas só a écrans ( pixeis,
gradientes, filtros e outras elementos do género estão
rapidamente a transformar-se em caracteristicas fisicas. Por
exemplo a Glass Farm dos MVRDV um edifício coberto de alto a
baixo por imagens digitais. Três detalhes são particularmente
pós-digitais. Um, a imagem vem de um original digital que foi
criado com base no desenho de todas as outras farmhouses
na área (porque não usar só fotográfias?). Em segundo lugar, a
imagem é impressa a escala de 1 para 1,5 da típica farmhouse.
Três, a imagem é removida em determinados sitios para imitar
a abertura fotografica numa forma reminiscente dos comandos

70-  “Architects cannot do without technology, but technology can do without them”
idem;
de photoshop (o resultado vago não se assemelha a redução da dureza do pincel no photoshop ?)”71

“O pós-digital é profundamente digital; simplesmente reconhece que o nosso período actual é diferente
de outro períodos digitais”.72 Contrariamente às investigações de Carpo e de outros ‘digital
scholars’ que se concentram sempre no ponto mais avançado do digital, em práticas de
vanguarda, o pd por se concentra em práticas quotidianas, torna-se comum e difunde-
-se. Assim, “Enquanto estética, o pós-digital advém da maturação da tecnologia digital até ao ponto
em que esta se transforma numa imagem”.73

Esta visão de Fure está de acordo como o que foi definido anteriormente, e
põe em causa de uma forma convincente a noção de pd de Carpo, quando este defende
o pd como uma forma rejeição do digital. Não obstante, continua a ser importante
a percepção de que a revolução tecnológica vai continuar. Necessariamente, o pd
ensaiará uma posição de afastamento e de difícil adopção em relação a próxima fase:
a inteligência artificial, independentemente da sua forma, mais até do que com outras
tecnológicas. A inteligência artificial assenta num processo de funcionamento que
ensaia uma posição de superioridade em relação ao utilizador, operando de uma forma
completamente opaca de pergunta resposta. Não deixa espaço de manobra, é vista cada
vez mais como uma solução universal.

Sam Jacob dá, ainda, mais um passo na caracterização da representação pd


com o manifesto “ Drawing as a project- post digital representation in architecture”, em que se
procura concretizar um caminho para esta arquitectura de representação, através do
51
pd. O digital mudou a forma como produzimos e consumimos imagens, permitindo
estabelecer diálogos com a história disciplinar, combinar modos anacrónicos de
representação e levar a cabo experiências conceptuais. Se, no início, a possibilidade de
manipulação do espaço formal foi apelativa, agora, já se ultrapassou o encanto com
os desenhos paramétricos. O mais extraordinário está, agora, na capacidade de lidar
e manipular informação, que criou uma nova collage culture.74 A grande diferença entre
uma colagem manual e digital é a capacidade de suprimir as juntas, ou seja, assimilando
todos os elementos independentemente da sua proveniência, agregando-os. Desenhar
pode ser visto como um acto curatorial, que se concentra mais na escolha e montagem
de elementos do que na sua produção de base, explorando o potencial dos ‘mashups’.75

71- “As an aesthetic, the post-digital stems from the saturation of digital technology to the point where it becomes an image. Once
relegated to screens, digital characteristics (pixels, gradients, filters, and the like) are quickly becoming fixtures of the physical
world. Take MVRDV’s Glass Farm for example, a building covered top-to-bottom in digital imagery. Three details strike me as
particularly post-digital about this project. One, the imagery comes from a digital “original” that was created by averaging data
derived from farmhouses in the area (why not just use photographs of the farmhouses?). Two, the imagery is printed at one and a half
times the size of a typical farmhouse (a nod to the plasticity of scale native to digital mediums). Three, the imagery is selectively
removed to produce apertures in a manner reminiscent of Photoshop commands (is the fuzzy boundary the result of decreasing the
“hardness” of your brush?). “ Fure, Adam. What does it really mean to be “post-digital” in architecture and beyond? The architect’s
newspaper May 22, 2018

72- “The post-digital is deeply digital; it simply recognizes our current moment to be different from previous periods of digital preoccupation.” Fure,
Adam. What does it really mean to be “post-digital” in architecture and beyond? The architect’s newspaper May 22, 2018
73- “As na aesthetic, the post-digital stems from the saturation of digital technology to the point where it becomes as image” Idem;
74-  Apesar da expressão ser baseada no livro Collage culture : examining the 21st century’s identity crisis. Aaron Rose; Mandy Kahn; Brian
Roettinger pode ser entendida aqui no seu sentido literal de ser uma nova cultura de colagem que se disseminou com o digital
75- “ Participants in an online music scene who rearrange spliced parts of musical pieces” a expressão refere-se a algo semelhante substituindo
música por imagens in https://en.wikipedia.org/wiki/Mashup_(culture). Consultado em 18/05/2019
o pós-digital como narrativa

52

Fig.21
KooZA/rch. Archipelago
Exemplo do tipo de perguntas que estes desenhos
pd podem fazer O KooZA/rch é uma plataforma que
se concentra em explorar o papel do desenho na
arquitectura e expõem principalmente trabalhos de
alunos ou gabinetes.
Deste modo põe-se em causa qualquer ideia de autoria e individualismo, já que
o significado das imagens está constantemente a ser alterado, modificando-se com a
proximidade entre imagens, a sua resolução, local e meio. O CGI (Computer Generated
Images) é o meio dominante de representação e funciona como uma ferramenta
perspéctica, assente num conjunto de regras que se impõem sobre o real, procurando
relacionar algo aparentemente real com uma realidade que ainda não existe. Por
outro lado, ao criar desenhos que são à partida falsos, estes podem funcionar como
um ferramenta especulativa :“Desenhos, que noutras palavras, se declaram como parciais e
tendenciosos”.76 Desta forma, o pd funciona como um caminho para ultrapassar a
ficção do CGI, reenquadra o desenho, não como uma forma de representar a realidade,
mas como uma forma de a pensar, criando um espaço em que é possível apresentar
argumentos, discutir suposições ou explorar o que esta para lá do plausível. “Desenhos
que são concebidos não como janelas para outros mundos mas como formas de construir o mundo”.77
Estes desenhos, assumidamente falsos, podem funcionar, não só como uma ilustração
ou um diagrama, mas como um palco onde é possível testar ideias. O pd gera desenhos
assumidamente falsos, e é justamente nessa falsidade que encontra a sua utilidade
dentro da representação em arquitectura.

O próximo passo é dado por Lana Raffaldi Rubin em“We will never be post-
digital collage since Photoshop”. Onde, a autora estabelece uma oposição entre as imagens
“hyperphotorealism“78e a collage culture. As imagens hiper-realistas, constantemente à procura
de formas para se tornarem ainda mais realistas, são, desta forma, positivistas e não
generativas. Elas assumem uma posição estática dentro do processo de desenho e 53
estão acopladas à produção cultural capitalista e à apropriação neoliberal da arquitectura
enquanto um bem de consumo, permanecendo, assim, dentro da situação política e
tecnológica que as gerou. As colagens definem-se, por oposição, enquanto imagens
que procuram a agilidade e possuem uma capacidade de edição muito rápida que lhes
permite actuar como um elemento generativo.

Partindo de uma reflexão diferente, chega-se a um ponto semelhante ao


de Jacobs, mas refuta-se, no entanto, o seu ensaio, entendendo que este: ”procura
ostensivamente refutar a crença de que o aparelho computacional constringe o imaginário arquitectónico,
acaba, no fim, por construir um argumento convincente para essa condição”.79 Parte do que
se procura pôr em causa é a noção do pd enquanto algo que é digital, já que a
interpretação literal que é feita do conceito de pd é dissonante do que estabelecemos
anterioremente. A desconfiança parte da equivalência técnica de processos que existe
entre ambos os tipos de imagens. Estes são os dois puramente digitais o que à primeira

76- “Drawings, in other words reveal, that declare themselves as partial and biased.”;”Drawings that are conceived not as windows onto the world but
ways of making the world” Jacob, Sam. Drawing as Project – Post Digital Representation in Architecture. Strangeharvest (s.d.)
77- “Drawings that are conceived not as windows onto the world but ways of making the world”. Jacob, Sam. Drawing as Project – Post Digital
Representation in Architecture. Strangeharvest (s.d.)

78- hyperphotorealism “ that category of architectural images which aims for a specific kind of hyperphotorealism”. No geral são imagens
arquitectónicas que procurar mimetizar a realidade o mais possivél, mas que obdecem a uma estetica propria que as agrega numa
corrente e as quais nos vamos referir daqui para a frente como hiper-realistas
79- “Jacob’s essay, which ostensvly seeks to refute the claim that computational apparatuses should constrain architecture imaging ultimately makes a
compelling case for it “ we recognize that post-digital collage demands a kind of knowledge that is not purally computational, but may be more abstract”.
Raffaldini Rubin, Lane. We will never be post-digital collage since Photoshop. (s.l. s.d)
o pós-digital como narrativa

54

Fig.22 e Fig.23
Raphael The Three Graces 1501-1505 Oil on panel
Musée Condé, Chantilly

Peter Paul Rubens The Three Graces 1639 Oil on


panel Museo del Prado, Madrid

O motivo é semelhante em ambos os quadros, o


que muda é o estilo da pintura. Algo semelhante
acontece com o pós-digital.
vista, parece invalidar o ponto de SJ (Sam Jacob), mas tal não é consentâneo com tudo
o que já foi estabelecido. Divergências à parte, o que é fundamental é a busca, que
SJ não faz, mas que é feita aqui, do que podem ser os conceitos representativos da
colagem pd e de que maneira são ou não novos. O elemento que se estabelece como
diferenciador é a capacidade reencontrada de gerar abstracção, mediante processos
como a omissão técnica ou a substituição de elementos. Recusa-se, assim, qualquer
compromisso com a realidade, pelo que estas são imagens que procuram colocar outras
questões para lá de ‘qual é a aparência do projecto?’ .
No final do artigo de Rubin, levanta-se uma questão fundamental: o pd é um
estilo ou um novo paradigma representacional? A noção de estilo é sempre apropriada
das artes plásticas e depende do conceito de que “Nem tudo é possível em todos os períodos.
A própria visão tem a sua história e a revelação desses estratatos visuais deve ser vista como a
tarefa primária da história de arte” .80 Posto isto, desenvolve categorias através da “ (...)
análise do seu conteúdo estilístico (leia-se formal) e da sua icnografia (leia-se vagamente “conteúdo” e
“significado”). São desenvolvidas categorias no interesse da externalidade e da objectividade, libertando
o observador de qualquer responsabilidade pelos mesmos“.81

Apesar de parecer ser sempre difícil fazer transitar o conceito de estilos entre
campos, parece existir no pd uma predisposição para o uso recorrente dos mesmos
elementos formais, de uma forma equivalente a um estilo. No entanto, pensar a
representação pd como um paradigma de representação é mais adequado. Um
paradigma é simultaneamente “modelo de declinação ou conjugação” e “conjunto de elementos
linguísticos que podem ocorrer no mesmo contexto”.82 Assim, pela sua forma de agir e pela
sua complexidade,o pd permite criar um espaço abstracto de trabalho, que é sempre 55
próprio, mas baseado em códigos gerais. Isto é, a representação funciona com base
em atalhos que configuram uma linguagem específica, baseada numa série de códigos
e símbolos – uma linguagem falada entre arquitectos. Por esta ser específica do tempo
e contexto, pode de certa forma ser vista como um estilo. Apesar disso o que é
importante e diferente na representação pd é a sua capacidade de estabelecer um novo
paradigma, do qual resulta uma linguagem de representação própria, num ambiente
digital. É um posicionamento pd que permite estabelecer este paradigma. Os seus
contornos precisos serão objecto de investigação nos próximos capítulos.

80- “Not everything is possible at all times. Vision itself has its history, and the revelation of these visual strata must be regarded as the primary task of
art history.” Wölfflin, Heinrich. Principles of Art History. Courier Corporation, 2012.
81-  (...) to the analysis of its stylistic( for which read “formal”) components and its iconography ( for which read loosely “content” or “ meaning”).
Categories are developed in the interest of externality and objectivity, freeing the observer from any responsibility for them”. Alpers, Svetlana. Style Is
What You Make It: The Visual Arts Once Again. 1979. p.138
82-  “1exemplo que serve como modelo; padrão 2.GRAMÁTICA modelo de declinação ou conjugação 3.LINGUÍSTICA conjunto de elementos
linguísticos que podem ocorrer no mesmo contexto 4.(investigação) sistema ou modelo conceptual que orienta o desenvolvimento posterior das pesquisas,
estando na base da evolução científica” in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/paradigma. Consultado em
14/05/2019
o pós-digital como narrativa

56

Fig.24
Capa da revista Metroplis de Março de 2017 com o
artigo de Sam Jacob na capa

Este artigo motivou num primeiro momento esta


dissertação.
Características

1º O pd exprime um desencanto em relação a promessa messíanica da tecnologia,


muda o foco, do deslumbramento técnico do digital para as suas implicações no
quotidiano.

2º O pd não é contra a tecnologia, mas recusa o digital como forma universal de


processamento, procura seleccionar o meio mais apropriado para a tarefa.

3º O pd funciona como uma sub-narrativa que se interliga com o digital e não pode
ser usada para descrever um contexto totalizante.
57

4º O pd está em constante tensão como o digital usando-o de forma empírica ou


crítica.

5º O pd não é imune a uma cultura de revivalismo, resguarda-se da imersão tecnológica


num passado nostálgico.

6º O pd recorre à processos híbridos que impõem quer técnicas analógicas ao digital,


quer modos de actuar digitais ao analógico.

7º O pd ensaia uma atitude hacker do it yourself em oposição ao ready made


coorporatizado, mas também já se tornou numa posição comercializável.

8º O pd actua segundo uma ficção de agenciamento sobre o digital, do qual procura


ganhar controlo e espaço de manobra.

9º O pd é uma forma abstracta de lidar com a tecnologia, procura estabelecer um


modo de pensamento geral, em vez de se deslumbrar pela sua capacidade técnica.

10º O pd também é um estilo de representação arquitectónica, que se afirma através


das imagens.
“ A verdade do artifício: está em deixar o leitor saber que o autor sabe que toda a
arte é uma forma de ficção, de criar um mundo abstracto”.83

83- “ ‘truth to artifice’ : that is letting the reader know that the author knows that all art is a form of fiction, the creation of an
abstract world”. Jencks, Charles. The Story of Post-Modernism.: Five Decades of the Ironic, Iconic and Critical in Architecture.
John Wiley & Sons, 2012. p.87
2
Pós-digital ou

Pós-moderno?
Uma Proposta
experimental
pós-digital ou pós-moderno

60

Fig.25
“My Hard-Drive Died Along With My Heart” Thomas
Walskaar 2016. “A book containing tweets and forum
posts on the topic of hard-drive failures.”
o posicionamento

Para pensar e analisar o pd a um nível funcional, interessa começar por explicar,


que qualquer posicionamento em relação à tecnologia – a aceitação ou rejeição – é
sempre um acto ideológico, uma vez que esta tomada de posição tem lugar no seio
de um sistema económico e político específico, no caso, o capitalismo ou agora o
capitalismo tardio. O digital é mais do que um coadjuvante deste sistema, é uma
peça fundamental para a sua manutenção. Nessa medida é possível pensar no digital
como um conceito que funciona de forma antagônica ao das ‘barreiras naturais’
descritas por Marx. Assim: “Dentro deste contexto emergente, o consumo tecnológico é coincidente
com e transforma-se num elemento indistinguível das estratégias e efeitos do poder”.84A inovação
tecnológica é muitas vezes motivada por imperativos do sistema, que por sua vez utiliza 61
a tecnologia para suster a necessária aceleração do consumo. A par disto,
“A ideia da mudança tecnológica como uma força quase autónoma, guiada por um
processo de autopoesis ou como algo que tem uma organização própria permite que muitos
aspectos da realidade social contemporânea sejam aceites como uma necessidade, como algo
inalterável, que funciona de uma forma semelhante à uma força da natureza ”.85

É este processo de ‘naturalização’ do digital que lhe permite funcionar como


uma inevitabilidade que serve, muitas vezes, para mascarar os seus efeitos e propósitos.
Os dois conceitos – o digital e o capitalismo - estão interligados, não sendo possível ter
um posicionamento só face a um. “Cada uma destas ficções de agenciamento representam uma
posição extrema na forma como o sujeito se relaciona com a realidade técnico-política e económica do
nosso tempo: ou a sobre identificação com o sistema ou a sua rejeição”.86 Desta forma, é necessário
pensar no pd também como uma forma de posicionamento ideológico, que nos
permite perceber o seu funcionamento ao nível do sistema, as suas formas de actuação
e limites.

Recapitulando, o que determina uma posição pd é um sentimento generalizado


de cepticismo e desencantamento em relação à promessa messiânica da tecnologia,

84- “Within this emerging context, technological consumption coincides with and becomes indistinguishable from strategeis and effects of power”.Crary,
Jonathan. 24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep. Verso Books, 2013. p.42
85- “ the idea of technological change as a quasi-autonomous, driven by some process of autopoesis or self organization, allows many aspect of
contemporary social reality to be acepted as necessary, unalterable, circunstance a kin to facts of nature”. Idem; p. 36
86- “Each of these fictions of agency represents one extreme in how individuals relate to the techno-political and economic realities of our time: either over-
identification with systems, or rejection of these same system”. Cramer, Florian. What Is ‘Post-Digital’?. APRJA 3, no. 1 (2014). p. 19
pós-digital ou pós-moderno

62

Fig.26
O digital está cada vez mais presente
que desta forma coloca o sujeito numa posição de não-identificação com o sistema
tecnológico. Como forma de colmatar esta sensação, recorre a uma tentativa de
controlo do ambiente digital, para sair a ganhar pela capacidade de agenciamento. O
que se procura é fundamentalmente encontrar uma maneira de tentar ganhar controlo
sobre o digital, por oposição a ser controlado.

No entanto, esta capacidade de agenciamento tem sempre um cariz ficcional,


porque mesmo quando os níveis de operatividade são elevados (ex: usar o glitch para
produzir música), este existe sempre dentro de um set pré-definido de regras e modos
de funcionamento, que actuam quer ao nível do software quer do hardware. Assim,
encontramos à partida um conjunto de formas possíveis de acção, sobre as quais não
temos controlo e, nessa medida, qualquer posição de domínio sobre a tecnologia digital
existe necessariamente dentro de um raio de acção limitado. Isto significa que, qualquer
capacidade de agenciamento só existe dentro de uma realidade pré-determinada, ainda
que forte o suficiente para criar:
”A sensação de ingenuidade individual que providencia a convicção temporária de que
se está a ganhar ao sistema, que de alguma forma se está mais a frente, mas no final
existe um nivelamento geral de todos os utilizadores em objectos mutáveis contruídos da
mesma massa de dispersão temporal (…) ”.87

63

A inevitabilidade

do digital

A naturalização do digital, cria a sensação de que este é inevitável, e liga-se ao


descrito anteriormente onde enquadramos o pd, não como uma forma de negação
da tecnologia, mas como algo que a procura modificar e usar de outra forma. Um
posicionamento de acordo com o pd não procura fugir nem destruir o sistema, antes
é uma linha de acção que existe no seu interior. É uma forma muito clara, de perceber

87- “The sense of individual ingenuit provides the temporary conviction that one is on the winning side of the system, somehow coming out ahead; but
in the end there is a genera1ized leveling of all users into interchangeable object of the same mass dispossession of time and praxis” Crary, Jonathan.
24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep. Verso Books, 2013. p.58
pós-digital ou pós-moderno

64

Fig.27
Fotográfia de um protesto no Rio de janeiro Junho de
2017. Onde se lê: “ Nós somos a rede social”
a maneira como o pd se enquadra como uma sub-narrativa que se aloja dentro da
narrativa maior – a da inovação tecnológica.

É preciso fazer uma ressalva: para construir a sua posição o pd encontra parte
dos seus argumentos num passado não tecnológico, que utiliza para construir um ponto
de comparação com o presente. É esta charneira que lhe permite entender o digital
pelo seu conteúdo e não através da lente da inovação, e a partir daí traçar argumentos
sob os quais baseia a sua acção, criando uma serie de mitologias face ao não digital que
dão força à ilusão de que o pd pode ser uma alternativa real ao sistema.
Ironicamente é esta dissimulação que permite ao pd existir dentro deste sistema
homogeneizador. Isto é, apesar do pd partir de uma posição de não identificação para
com a tecnologia, e por isso com o sistema capitalista, este apoia a sua difusão. O pd
transforma-se numa posição de negação que é resgatada e apropriada pelo sistema,
utilizando-a para criar a ilusão da existência de uma alternativa. Podemos assim afirmar
que actua de uma forma semelhante ao descrito por Slavoj Žižek quando diz que o
“o anti-capitalismo está amplamente disseminado no capitalismo”.88
É precisamente por não funcionarem inteiriamente como estruturas de
diferenciação, que posições como pd e o capitalismo verde funcionam e existem dentro
do mesmo sistema. Do mesmo modo posições mais extremas como a anti-tecnológica,
não podem existir enquanto alternativas coerente, já que:
“As forças homogeneizadoras do capitalismo são incompatíveis com qualquer estrutura inerente
de diferenciação“.89 estas ainda actuam dentro da “(…) amplitude do que constitui a
capacidade de resposta transforma-se numa fórmula, e na maior parte dos casos, está reduzida a
um pequeno inventário de possíveis gestos ou escolhas.”90 65

É difícil ser capaz de imaginar uma alternativa coerente, e aqui traça-se um


paralelo directo com o conceito de ‘capitalismo realismo’ - definido por Mark Fisher,
nomeadamente quando este refere: “O sentido difundido que o capitalismo não só é a única
opção política e económica, mas que também é impossível sequer imaginar um alternativa coerente ao
capitalismo”.91 O digital segue os mesmos preceitos, sendo mais fácil pensar no fim do
mundo do que no fim do digital. Um mundo sem Internet, sem rede, sem telemóveis,
sem ratos de computador ou tablets é progressivamente mais difícil de conceber
mesmo enquanto abstracção.

Em parte, esta dificuldade deve-se ao descrito em “Too Much World: Is The


Internet Dead? ” de Hito Steyerl, em que esta equaciona a morte da internet, no
entanto, o que acontece é que esta foi capaz de se soltar do meio - o suporte físico -
movendo-se para o offline e transformando-se num cenário do quotidiano, num modo
de vida. Neste sentido, “parece esmagadora, estonteante e sem alternativa imediata. A internet

88-  “anticaplitalism is widedspread in capitalism” Fisher, Mark. Capitalist Realism: Is There No Alternative? John Hunt Publishing, 2009. p.2
89- “ the homogenizing forces of capitalism is incompatible with any inherent structure of differation” Crary, Jonathan. 24/7: Late Capitalism and the
Ends of Sleep. Verso Books, 2013 p.13
90- “the range of what constitutes response becomes formulaic and, in most instances, is reduces to a small inventory of possible gestores or choices”Idem
;p.59
91- “ the widespread sense that not only is capitalism the only viable option political and economic system, but also that it is now impossible even to imagine
a coherent alternative to it” Fisher, Mark. Capitalist Realism: Is There No Alternative? John Hunt Publishing, 2009. p.2
pós-digital ou pós-moderno

66
Fig.28
Frame do filme Wall-E 2008

uma distância entre a acção e o resultado é
precisamente esta distância que o PD não
se permite. Pela forma abstracta como
se procura comportar, como seleciona e
manipula as ferramentas, o PD é uma forma
de acção directa sobre o meio, o que nos
traz a um paradoxo interessante: se pr um
lado o limite do pd é o de existir dentro da
tecnologia, isto é, não é uma estrutura de
diferenciação completa, é algo que existe
dento da tecnologia e a par com ela. Por outro
lado, esta convivencia permite ao pd ter uma
acção muito contreta e que pode ter efeitos
alargados.

“Parece que é a audiência do cinema que é o objecto da


sátira, o que levou alguns conservadores de direita a
criticar o filme, condenando a Disney/Pixar por atacar a
sua própria audiência. Mas este tipo de ironia alimenta,
em vez de por em causa o capitalismo realismo. Um
filme como o Wall-E exemplifica o que Rober Pfaller
chamou de ‘interpassivity’ (...). O papel da ideologia
capitalista não é o de tornar explicito determinado
assunto da mesma forma que a propaganda o faz, mas é
de mascarar o facto de que as operações do capital não
provavelmente não esta morta. Em vez disso explodiu. Ou, mais precisamente, já acabou”.92 O
online materializou-se no dia-a-dia e tem tendência a expandir-se como vêmos quando
premissas que só exisitam dentro do digital passaram a ser aplicadas ao mundo real:
“Porque só o acesso aberto ao JSTOR e não ao MIT - ou a qualquer escola, hospital ou universidade
nessa lógica?”.93


Quando o digital e a tecnologia têm uma presença tão impositiva, dispensa se
o meio físico, qualquer premissa de diferenciação completa é imediatamente invalidada
pela irrealidade que representa. Ao mesmo tempo, posições como o pd podem
florescer pela sua aparente diferenciação, transformando-se num facto, como acontece
com o digital e existem assim lado a lado:“Uma posição ideológica não consegue ser bem-
sucedida até ser naturalizada e não pode ser naturalizada enquanto ainda é encarada como um valor
em vez de um facto”94, ambas são naturalizadas pelo sistema. Nesta medida, tratar o pd
como um facto significa atribuir lhe uma existência contínua, algo que está sempre lá e,
por isso, não representa uma ameaça para o sistema.

A interpassividade 67

como meio

O pd mesmo quando é assimilado como parte integrante do sistema, permite-


-se ter uma operatividade, um uso, e este não é necessariamente conivente com o
sistema, pela forma concreta como actua. Normalmente, o que acontece é que a
expressão de posições divergentes é capturada, através da ‘interpassivaty’, como descreve
Fisher, esta interpassividade ocorre quando “o filme desempenha o nosso anti-capitalismo por
nós permitindo que continuemos a consumir com impunidade”.95 [fig.28] Deste modo, cria-se

92- “it seems overwhelming, bedazzling and without immediate alternative. The internet is probably not death. It has rather gone all-out. Or more
precisely is all over”. Steyerl, Hito. “Too much world: is the internet dead?” e-flux journal #49- November 2013
93- “why only open access to JSTOR and not MIT- or any school, hospital or university for that matter ?”.Idem
94- “an ideological position can never be really successful until is naturalized and it cannot be naturalized while it’s thought of as value rather than a
fact.” Fisher, Mark. Capitalist Realism: Is There No Alternative? John Hunt Publishing, 2009. p.16
95- “interpassivity the films performs our anticapitalism for us allowing us to continue to consume with impunity” Idem; p. 24
pós-digital ou pós-moderno

68

Fig.29
Exemplo de um trabalho da School of Poetic
computation.

No caso, uma colagem construida através do uso de


linhas de código e do Phyton.
dependem de nenhum tipo de crença assumida”96

A crítica funciona é tanto mais eficaz quando, parte do interior do próprio meio
que se procura criticar. O resultado de um sistema é a melhor forma de o pôr em causa,
porque não é externo ao sistema, não permite que exista distância entre a crítica, o
produto e o meio.

Um exemplo desta condição é o Tumblr ‘The new aestethic’ criado pelo artista
plástico James Bridle, com o objectivo específico de criticar o digital a partir do seu
interior e utilizando-lo como material. Como explica o próprio:
“Primeiro é o reconhecimento importante de que o projecto ‘ The new aesthetic’ é
construído dentro do seu próprio meio: é uma tentativa de ‘escrever’ criticamente sobre
o vernacular da rede na própria rede: num Tumblr, num post de blog, em vídeos de
palestras, no youtube, tweets, mensagens (…). Neste sentido, da minha perspectiva é tanto
um trabalho como uma forma de crítica: execpto o facto de não seguir as normas formais
– manifesto, ensaio, livro – esperado pela crítica e pela academia. Consequentemente este
permanece maioritariamente ilegível, apesar de frequentes afirmações públicas deste tipo.
Mas, eu acho que o aspecto mais profundo e interessante desta leitura cruzada: é expor a
ilegibilidade da tecnologia a uma audiência não técnica “.97 69
Assim, o seu funcionamento é eficaz, já que num primeiro nível expõe as
incongruências do digital, recorrendo, para isso ao próprio digital, num segundo
momento, funciona como a prefiguração directa do que se procura pôr em causa.

O pd também pode ter uma actuação critica, mais directa como encontramos no
projecto ‘School of Poetic Computation’. Este é um bom exemplo, na forma como procura
desmistificar o computador enquanto máquina insondável, apelando aos construtos
humanos que necessariamente existem dentro deles. Almeja-se assim mitigar a distância
entre a tecnologia e o sujeito, com o objectivo final de tentar que o computador nos una
e não separe. Nessa linha o projecto refere: “Os seus fundadores reconheceram que a tecnologia
- que era suposto unir-nos estava se a tornar numa forma de distanciamento da nossa imaginação e

96- “It seems that the cinema audience is itself the object of this satire, which prompted some right wing observers to recoil in disgust,
condemning Disney/Pixar for attacking its own audience. But this kind of irony feeds rather than challenges capitalist realism. A
film like Wall-E exemplifies what Robert Pfaller has called ‘interpassivity’: the film performs our anti-capitalism for us, allowing us
to continue to consume with impunity. The role of capitalist ideology is not to make an explicit case for something in the way that
propaganda does, but to conceal the fact that the operations of capital do not depend on any sort of subjectively assumed belief”
Fisher, Mark. Capitalist Realism: Is There No Alternative? John Hunt Publishing, 2009. p.16

97- “There are two necessary understandings to counter this, I think. One is the important recognition that the New Aesthetic project is undertaken within
its own medium: it is an attempt to “write” critically about the network in the vernacular of the network itself: in a tumblr, in blog posts, in YouTube
videos of lectures, tweeted reports and messages, reblogs, likes, and comments. In this sense, from my perspective, it is as much work as criticism: it does
not conform to the formal shapes – manifesto, essay, book – expected by critics and academics. As a result, it remains largely illegible to them, despite
frequent public statements of the present kind.But I think the deeper and more interesting aspect of this misreading of the New Aesthetic is that it
directly mirrors what it is describing: the illegibility of technology itself to a non-technical audience.” Bridle, James. The New Aesthetic and its politics.
12,June, 2013.
pós-digital ou pós-moderno

70

Fig.30
Letter 114. Karst 2014
O projecto Life Needs Internet documenta a cultura
digital através de cartas escritas e enviadas pelos
participantes, de várias partes do mundo.
queriam trabalhar esse aspecto”.98 Um dos projectos desta escola é a ‘distributed web’, que
procura criar uma alternativa remontando a uma era anterior da internet em que esta
ainda não era corporativizada pelas ’big 5’ 99: “Então, esta ‘distributed web’ é uma forma de
publicar, distribuir e criar uma rede de comunicação peer-to-peer, onde estamos em correspondência
directa uns com os outros” .100 Cria-se um nível de acção em que é possivél, por exemplo,
escolher um chat peer-to-peer em vez de recorrer ao facetime ou ao Skype.

Importa referir, que os projectos, como o acima referido, só são eficazes no tipo de
modificações que procuram inserir no sistema, quando estas partem de uma posição que
entende o seu funcionamento. Percebem que: “É importante reter a ideia de que qualquer sistema
que encontremos, vai provavelmente ter as mesmas falhas e defeitos que a nossa sociedade tem“.101

Mitologias
71

Neste percurso de análise, outros projecto podiam ter sido nomeados, mas o
que é fundamental é perceber que existe um limite para o campo de acção do pd. É
que este tende para um equilíbrio entre sistemas- o analógico e o digital. Semelhante ao
descrito pelo algoritmo do optometrista. Este baseia-se na técnica usada para ajustar
a lente (‘com qual vê melhor?’) que tem lugar numa visita ao optometrista. Assim, o que
o algoritmo procura fazer é, num momento incial, utilizar o poder de processamento
do computador para reduzir quantidades de dados muito grandes e, por isso, não
apreensíveis pelo utilizador, reduzindo-as a uma quantidade operativa. A partir dai, a
responsabilidade passa para o sujeito que toma decisões e escolhe com que parâmetros,
tentando encontrar a melhor solução.
“É particularmente interessante para quem tentar reconciliar as operações opacas da
resolução de problemas através da computação, analisando problemas que a mente
humana não consegue entender na sua totalidade, mas que um computador consegue
processar e operar. Do outro lado, está a necessidade de trazer a ambiguidade e a

98- “it’s founders recognized that technology – which was supposed to connects us- was becoming something that distance us from our imagination and they
wanted to address that” e “So, this distributed web is forms of publishing, authoring, and creating peer-to-peer Network, where we are in correspondence
with each other.“. Taeyoon entrevistado em Bridle, James. New Ways of Seeing. Episode 4: Cybernetic Forests (first broadcast 8th May 2019).
BBC4.
99-  Por big 5 entende-se FAAMG: Facebook, Amazon, Apple, Microsoft, Google mais as empresas que fazem parte destes grupos
100- “So, this distributed web is forms of publishing, authoring, and creating peer-to-peer Network, where we are in correspondence with each other. “
Idem
101- “ Any system we encounter, it’s important to keep in mind that it will probably have the very same failures and defects built in as our society has “
Vasiliev, Danja entrevistada em Bridle, James. New Ways of Seeing. Episode 4: Cybernetic Forests (first broadcast 8th May 2019).BBC4.
pós-digital ou pós-moderno

72

Fig.31
“Obfuscation: A User’s Guide for Privacy and
Protest. Finn Brunton and Helen Nissenbaum’
imprevisibilidade Humana é um funcionamento aparentemente paradoxal para o
problema (…)”.102
O que se procura aqui é uma simbiose mais ajustada entre a tecnologia e
o utilizador, que permita ter estratégias de captar o fortuíto e o imprevisível. Este
algoritmo parece apontar para uma hipótese de trabalho em conjunto, passa de um
funcionamento directo ‘pergunta - resposta’, para um sistema em que o utilizador tenha
liberdade de construir a resposta. Um sistema capaz de tornar a tecnologia menos
opaca, estabelecendo uma ligação com o utilizador, por forma a capturar o melhor dos
dois mundos. Esse equilíbrio seria o apogeu do projecto pd, enquanto posição.

Aqui é, também possível conjugar a hipótese de que quando se inserem tantas


modificações ou modificações tão dramáticas, como acontece quando o sistema se
reformula com base no algoritmo do optometrista. Se no decorrer deste processo já
não se esta efectivamente a reorganizar o sistema vigente, mas está-se a criar um novo.
O que se pergunta, de uma forma directa é: quantas modificações é possível inserir
num sistema, antes deste se transformar noutro?

Esta hipótese abre a porta a uma série de proposições interessantes cuja


verosimilhança depende, em grande parte, da ideia de que a aceleração do sistema
capitalista, na sua constante evolução, só chegará a uma posição mais extrema do que
a actual. Isto terá como resultado que posições como o pd, também se tornem mais
vincadas, com um campo de acção mais amplo e mais energético. Tal não quer, no 73
entanto, dizer que as proposições que se vão explorar de seguida funcionem como
um ponto de vista totalizante, que dessa forma reorganizem ou recriem o sistema por
inteiro. Estas podem operar como posições de nicho, eventualmente, com a capacidade
de criar existências paralelas. De certa forma, já há partes da internet que funcionam
assim, como ubuweb ou o monoskop, entre outros. Estes espaços podem ganhar força e
deixar de existir como meia dúzia de websites para se tornarem em algo mais palpavél.

O pd pode actuar para criar uma porta de saída para a condição do digital-
-realismo, já que ”A inovação é, dentro do capitalismo, a contínua simulação do novo, ao mesmo
tempo que as relações de poder e controlo se mantêm as mesmas”.103 O pd pela forma como
procura selecionar o meio mais adequado para se expressar e não necessariamente o
mais inovador, o que se alia a uma posição de não-identificação para com o sistema.
Age como uma forma eficaz de limitar o desejo tecnológico e a aceitação rápida da
próxima novidade. Restringe o ciclo constante da invoação tecnológica, limitando assim
o desejo pelo novo. Este caso do pd é particularmente interessante porque parte de
uma posição individual, e não de uma imposição exterior. É esta capacidade de fechar o
campo, de restringir acções, que Fisher considera fundamental,:
“Aqui o argumento a favor desta nova ascese é tanto libidinal como prático. Se, como

102- “The mechanism that is being enacted when the Optometrist goes to work is particularly interesting to those attempting to reconcile the opaque
operation of complex computational problem solving with human needs and desires. On the one hand is a problem so fiendishly complicated that the
human mind cannot fully grasp it, but one that a computer can ingest and operate upon. On the other is the necessity of bringing a human awareness of
ambiguity, unpredictability, and apparent paradox to bear on the problem – an awareness that is itself paradoxical, because it all too often exceeds our
ability to consciously express it. “. Bridle, James. New Dark Age: Technology and the End of the Future. Verso Books, 2018. p. 101
103- ”innovation takes within capitalism is as the continual simulation of the new, while existing relations of power and control remain effectively the
same” Crary, Jonathan. 24/7: Late Capitalism and the Ends of Sleep. Verso Books, 2013. p. 40
pós-digital ou pós-moderno

74

Fig.32
Revista San Rocco
Oliver James, Žižek e a Supernanny mostram, um excesso de liberdade leva à miséria
e a insatisfação, assim restringir o desejo é mais provável que o faça aumentar e não
desaparecer. De qualquer maneira, alguma forma de limitação é inevitável”.104
Esta restrição pode, eventualmente, funcionar como uma saída para a “A longa
negra noite do fim da história” 105, passando de uma situação onde nada é possível para uma
em que tudo é possível outra vez.

Pode-se ainda também colocar a hipótese que passe a existir uma consciência
mais presente dos efeitos do digital, da sua ligação com o capital e da perceção directa
do seu modo de funcionamento evasivo, que em parte já aconteceu com escândalos
como o Snowden106 e o Facebook Cambridge Analytica 107. Pode ser que esta consciência
funcione, de igual forma, para resgatar certos aspectos muito concretos de um tempo
pré-tecnológico, sendo assim, capaz de nos devolver o sono que “parece até demasiado
óbvio para ser dito que o sono requer uma libertação periódica da rede e dos dispositivos para
entrar num estado de inactividade e inutilidade”.108 É este sono que Crary identifica como
fundamental “é um formato temporal que nos afasta das coisas que temos ou somos coagidos a
pensar que precisamos”109 o que ensaia uma forma de mudança muito mais mundana do
que a acima exposta, mas que pode ser igualmente viável “(…) o sono, a experiência diária
mais mundana, pode sempre ensaiar os contornos do que pode ser a renovação e o recomeço “110

Qualquer uma destas hipótese que colocámos não deve ser lida de uma
forma literal,já que isso seria demasiado para esparar de uma só posição. Todas estas
permissas e abordagens em torno do pd servem é para criar uma mitologia não baseada
no passado. É esta mudança, da charneira do passado, para o futuro, que transforma 75
o pd numa posição interessante e até importante. O constante olhar para o passado,
necessariamente nostálgico, restringe o campo de acção do pd e faz dele uma posição
regressiva, uma viragem para a projecção de um futuro, que precisa de se apoiar
em mitologias de larga escala, para apontar o caminho é importante para dar mais
relevância ao fenómeno do pd. Esta viragem pode ser a única forma que o pd tem de
escapar à assimilação total do sistema, que poderá passar a prever o seu modo de acção
directo limintando cada vez mais o seu raio de acção do pd, passando assim a prevê-la.

104- “there is a lIbid.inal as well as practical case, to be made for this new ascesis. If,as Oliver james, Zizek and Supernanny have shown, unlimited
license leads to misery and disaffection, them limitations placed on desire are likely to quicken, rather than deand,it“ Fisher, Mark. Capitalist Realism:
Is There No Alternative? John Hunt Publishing, 2009. p.80

105- “The long, dark night of the end of history“. Idem; p.80
106-” Edward Joseph Snowden (born June 21, 1983) is an American whistleblower who copied and leaked highly classified information from the
National Security Agency (NSA) in 2013 when he was a Central Intelligence Agency (CIA) employee and subcontractor. His disclosures revealed
numerous global surveillance programs, many run by the NSA and the Five Eyes Intelligence Alliance with the cooperation of telecommunication
companies and European governments, and prompted a cultural discussion about national security and individual privacy.” https://en.wikipedia.org/
wiki/Edward_Snowden
107- “The Facebook–Cambridge Analytica data scandal was a major political scandal in early 2018 when it was revealed that Cambridge Analytica
had harvested the personal data of millions of peoples’ Facebook profiles without their consent and used it for political advertising purposes “in https://
en.wikipedia.org/wiki/Facebook%E2%80%93Cambridge_Analytica_data_scandal
108- “it seems to obvious to state that sleep requires periodic disengagement from network and devices in order to enter a state of inactivity and uselessness.
It is a form of time that leads us elsewhere than to the things we own or are told we need”. Crary, Jonathan. 24/7: Late Capitalism and the Ends of
Sleep. Verso Books, 2013 p.126
109-  “It is a form of time that leads us elsewhere than to the things we own or are told we need”. Crary, Jonathan. 24/7: Late Capitalism and the
Ends of Sleep. Verso Books, 2013, p.126
110- “(…) sleep which at the most mundane level of everyday exeprience, can always reherse the outlines of what more consequential renewals and
bebinnings might be. “. Idem; p.128
pós-digital ou pós-moderno

76

Fig.33 e Fig.34
Madelon Vriesendorp with Rem Koolhaas from
Delirious New York e
Sam Jacob Studio Pasticcio Tower


A partir desse momento, passará a funcionar dentro do sistema da ‘interpassivity’ , tendo
uma utilidade muito limitada, como se o sistema se fechasse sobre ele.

Mais do que respostas sobre o que o pd pode vir a ser, importa reter que tudo
leva a crer que o sistema amplificará as suas condições de formação, consequentemente
levará à polarização de posições, como o pd. O resultado tanto pode ser que este passe
a ter uma força maior ou que se renda por completo ao sistema.

O contexto

A forma paradoxal como o pd se move só é possível dentro de um contexto


pós-moderno. É legítimo dizê-lo directamente: o pd é uma posição puramente pós-
moderna, mais do que por ser temporalmente coincidente com o pós-modernismo,
77
enquanto “fenómeno social geral” 111, esta exprime directamente “a lógica cultural do
capitalismo tardio“.112 Existe uma relação directa entre ambos, o pd e o pós-modernismo
e as suas posições estão interligadas, cruzam-se e refletem mutuamente. Estabelecem
entre si uma relação hierárquica em que o pós-modernismo é o pano de fundo do pd, o
que o enquadra, definitivamente, como uma sub-narrativa que existe dentro do digital e
ainda dentro de um contexto pós-moderno.

O pd enquadra-se dentro da fase da ‘complexidade II’ – “ Um novo paradigma


de complexidade”,113 um desenvolvimento da complexidade I estabelecida, entre outras,
por Jane Jacobs e Robert Venturi. Esta segunda fase afirmou-se, nos anos 90, com
a estabilização do digital: “ o computador é o equivalente pós-moderno ao que o telescópio e o
microscópio foram para o mundo moderno” .114 Esta visão surge no contexto da evolução das
ciências da complexidade, descobrindo um novo tipo de sistema organizado na linha
entre a ordem e o caos, entre a entropia e a ordem. Deste modo mantém uma
“ Organização em profundidade” 115 em que “a questão que vale a pena referir é o modo, como
através de feedback constante e alimentado por sistemas energéticos complexos, se conseguem atingir

111- “the general social phenomenon” Jencks, Charles. The Story of Post-Modernism.: Five Decades of the Ironic, Iconic and Critical in
Architecture. John Wiley & Sons, 2012. p. 3
112- “the cultural logic of late capitalism”. Idem; p.44

113- “A new complexity paradigma”. Ibidem; p.234

114- “the computer is for the Post-modernist equivalente to what the telescope and the microscope were for the modern world”. Ibidem; p.235

115- “Organisational depth” Ibidem; p.168


pós-digital ou pós-moderno

78

Fig.35
Andy Warhol’s self-portrait polaroids
121 in drag, 1981
pode ser utilizada para mentir” . É justamente
esta mentira que acontece quando o pd é
capturado pelo sistema, perde a sua ironia e
passa só a ser uma forma de afirmar o digital e
não de o criticar.

Quando é capaz de manter a sua


ironia, o pd encontra parte do seu poder no
‘layering’ 122, que implica“ layering de culturas em
que não faz sentido nem negar o passado, nem a beleza

121-“irony has a possibel downside the double coding which asserts and critiques
a message at the same time can be used to lie” Ibidem; p. 109

122-  Optou-se por não traduzir layering


níveis ainda mais altos de organização “.116 Precisa do poder de computação para operar, mas
mais do que isso, é um modo de pensar.

Isto permite identificar uma génese conjunta para os dois conceitos, o pd e o


pós-modernismo - é um modo de pensamento comum. Ambos tem o seu advento com
a estabilização do digital e usam a tecnologia como um recurso para enquadrar o seu
funcionamento. Esta questão da “Organização em profundidade” é fundamental para o pd
que é continuamente alimentado pelo desenvolvimento tecnológico, gerando sucessivos
níveis organizativos cada vez mais complexos. A dificuldade da descrição anterior para
capturar de forma adequada o funcionamento do pd atesta essa condição.

A complexidade de definir e enquadrar o pd deve-se ao seu funcionamento


em multivalência, “trabalhado simultaneamente em muitos níveis de simbolismo e uso” .117 É a
maneira como o pd actua segundo um paradoxo constante entre a operatidade e a
apropriação pelo sistema. Ao ser multivalente, é capaz de actuar em diferentes níveis,
que tanto se aproximam do sistema como se afastam. Sendo assim o pd não é imune à
condição do “double coding (...) que afirma e critica uma mensagem ao mesmo tempo” .118 O que
o pd opera é num double coding [fig.35] em relação ao digital, que depende de um ‘double
understanding’119 , que em primeiro lugar parte de um desencanto para com o sistema,
ainda que não o nege, e em segundo lugar procura a sua modificação, mas não o
pretende reconstituir o sistema por completo.
É aqui que se exprime a ironia da posição do pd, no seu contexto.
“ ironia e a trágedia são valorizadas pela sua profundidade e complexidade superior
na forma como incluem mais aspectos da realidade, na forma como permitem que 79
proposições contraditórias sejam veículadas ao mesmo tempo. Interpelam o utilizador
para escolher e avaliar posições contraditórias, inclindo na sua visão pura até
comentários hóstis”.120

A ironia é inerente a uma posição como o pd, pois ao ser mais próximo da
realidade é mais verosímil, mas isso implica ao mesmo tempo, que esta seja capaz de
suportar preposições que mais do que contraditórias entre si, são irónicas – como por
em causa o digital dentro digital. Procura, antes de mais, interpelar o observador para
que este se posicione e tente entender a ironia e o que esta polariza, para a partir daí
fazer juízos de valor. O pd é, antes de mais uma forma de crítica irónica do digital,
ou seja, este possui um“ ironia positiva e aprazivél “ que se posiciona em relação aos
falhanços da tecnologia que desta forma permite rir da concepção messiânica da
tecnologia, como modo de a pôr em causa. Mas é preciso ter em conta que a “a ironia
tem um lado negativo no qual o ‘double coding’ que afirma e critíca uma mensagem ao mesmo tempo

116- “the point to be stresses is the way that, under constant feedback and fulled by energy complex systems can attain even higher levels of organisation”
“arose with fractal and computer desing” Ibidem; p.169
117-“working simultaneously on many levels of both sysmbolism and use”.op p. 59

118 -“double coding (...)asserts and critiques a message at the same time”. op. cit; p. 109

119- “double understanding”.Idem; p. 109


120- “irony and tragedy are to be valued for their superior depth and breath of view, because of the way they include more aspects of reality, the way they
allow contradictory propositions to be asserted at the same time. They urge the viewer to chose and balance opposite views, they include in their pureview
even hostile comment”. Ibidem; p. 108
pós-digital ou pós-moderno

80

Fig.36
Madelon Vriesendorp, Medusa Raft, c. 1978. Screen
print.


convencional ou a nossa realidade técnica e social ”.123 O pd permite-se aceitar tanto
o passado que mitifica, como o presente que apesar de querer mudar não renega e até de
um plausível futuro face ao qual já se posiciona. É o ‘layering’ que lhe permite assumir uma
posição com interesse que não é frágil, mas resiste ao corte transversal ou longitudinal.

“Um double take é uma recção adiada a alguma coisa surpreendente ou com um significado forte que
acontece depois de um falhanço inicial de reparar em algo fora do comum. Esta fotográfias paracem fora
do comum e é preciso um segundo olhar para as entender, já que existe um ‘estrangement’ entre o objecto
e as suas qualidades (isto é uma mascara)”124

O afastamento maior que existe entre o pós-modernismo e o pd é em relação


ao conceito de pluralismo que é um conceito tipicamente pós-moderno e que se rege
pelo ideia de que: “o reconhecimento de todas as diferenças nas sua maravilhosa e horrível riqueza“
125
é fundamental. O que o pd não aceita é esta diferença excessiva, que a tecnológia
criou, e que tem em conta só um dos lados da balança. Neste sentido há aqui um
afastamento da retórica pós-moderna, na sua não-identificação para com o digital
encerrando assim o campo de acção. Deste modo, afasta-se, de uma posição pós-
moderna que procura, sempre agregar todas as diferenças.

Ainda assim ambos os movimentos procuram deixar o campo de trabalho


81
em aberto, sendo que o pós-modernismo assume a forma de aceitação total porque
reconhece o pluralismo a todos os níveis. Condição que o pd encena a uma escala
menor, já que se por um lado a relação hierárquica que mantêm como o pós-
modernismo, implica que o pd exista no seu interior, e por isso seja pluralista. No
outro lado como procura ser uma estrutura de diferenciação, no campo específico da
tecnologia, nunca é tão pluralista como pós-modernismo. O funcionamento directo
do pd, aquele que escapa à ‘interpassivity’, tem necessariamente de se reconfigurar para
responder aos diferentes avanços tecnológicos, e nessa medida é sempre um conceito
aberto. Esta abertura é também o que ajuda a explicar a sua ligação com o pós-
modernismo“ mais como um movimento não terminado, como um movimento inacabado de cinco
décadas que ainda é contencioso, e os críticos discordam quanto ao seu significado”. 126

Mais, o pd coaduna-se perfeitamente com a noção de “différence” de Derrida,


que implica que“ o significado de qualquer coisa, seja deferido infinitamente porque nunca é total
nem está terminado”.127 Apesar de Charles Jencks apelidar esta evolução contínua que

123- “layering of cultures where it makes no sense to deny either past, and conventional beuty or the presente and current techincal and social reality”
Ibidem; p. 125
124- A double take is a delayed reaction to something surprising or significant after an initial failure to notice anything unusual. These
photographs seem unusual and require a second glance, because there is estrangement between the object and its qualities, (i.e. a
mask) in https://dangerousminds.net/comments/oh_you_pretty_thing_polaroid_portraits_of_andy_warhol_in_drag. Consultado a 25/09/2019

125- “the acknoweldgement of all diferences in all its wonderful and horrible richness“ op. cit p.24

126-  “moreove, as an unfinished movement of five decades post- modernism is still contencious, and critics disagree over it’s meaning”. Idem; p. 69

127-“différence” que assim difere o seu significado continuamente “the meaning of anything, endlessly because it is never total or finished”.
Ibidem.; p. 69
o conceito pressupõe de “ uma noção romântica com alguma verdade
“,128 esta é uma noção fundamental para o pd, pelo modo como
permite uma revisão contínua dos seus niveis de operação, que
assim difere continuamente o seu significado. Assim o pd não é
um conceito fechado, mesmo depois de tudo o que escrevemos
ainda só esta vagamente definido, e isto deve-se precisamente a
essa forma como parece adiar constantemente a sua definição,
sempre num jogo de reacção a inovação.

A semelhança que existe entre denominações não é um


acidente, nem uma coincidência, uma vez que o pd é uma posição
que só pode existir dentro do pós-modernismo, porque precisa
da reconceptulização que este opera para se definir. Da mesma
forma que esta reconceptualização do pós-modernismo, no seu
estágio mais avançado, é ainda uma forma de modernismo “ para
dizer outra vez, o pós-modernismo é ainda uma forma de modernismo”,129
também no seu ponto mais avançado o pd não procura
ultrapassar o digital.

“ Cada presente é determinado pelas suas imagens sincrónicas; cada agora é um


ponto categórico de referência”130

128- “is obviously a very romantic notation with something truth in it” Ibidem; p. 69

129- “to say it again , pm is still a form of modernism”. Ibidem; p. 236


130- “Each presente is determined by its synchoronous images;each now is a categorical reference.” Lamas, Salomé
entrevistada por Mónica Savirón. “Theater of the World “.Telling. Issue V (Fevereiro 2017)
Imagens
3
trabalho de
Campo
as figuras do pós-digital

84

Fig.37
Helena Almeida, Sem Título #1, 2010

Sobre as imagens 85

O que se associa com mais facilidade ao pd são imagens que enquanto forma
de produção cultural arquitectónica, têm multiplicado a sua presença nos últimos anos.
Como trabalho de campo sobre o pd, reunimos uma selecção destas imagens. As
razões da sua escolha e as condições de análise, desenvolvem-se em seguida.
Normalmente o que se conecta ao pd é uma estética visual própria, e
poderíamos dizer que é essa estética que se procurou mobilizar quando desenvolvemos
a selecção.

No entanto, a situação não é assim tão transparente. Primeiro, porque uma


imagem pode enquadrar-se numa corrente estética e ser omissa em relação a qualquer
forma de posicionamento, como acontece com o pd.“ Temos que admitir uma elipse no
pensamento. Provavelmente os arquitectos não percebem as ciências pós-modernas da complexidade
mais do que os arquitectos do gótico entendiam a filosofia aquininiana”.131 Assim, não é possivél
a exclusão dessas imagens omissas quanto ao seu posicionamento, já que mesmo nesta
condição, a sua forma de produção, pela utilização específica que faz da tecnologia pela

131- “ But one must admit an ellipsis in thought . Probably no more architects understand the post-modern sciences of complexity than gothic
architects understood the aquininian philosophy” Jencks, Charles. The Story of Post-Modernism.: Five Decades of the Ironic, Iconic and Critical in
Architecture. John Wiley & Sons, 2012 p.236
as figuras do pós-digital

86

Fig.38
Exemplo de estranhamento
maneira como participa na reorganização da produção cultural, o que é também uma
forma de gerir o seu conteúdo visual e transforma nas numa parte integral do pd.

Num segundo momento, não foi necessariamente uma corrente estética que
fundamentou a escolha, já que isso implicaria a repetição por oposição à diversidade
que se procurou reunir. O que se procurou fazer, pelo contrário, foi procurar as
imagens que tivessem sido capazes de absorver a estética do pd, de entender o seu
funcionamento e de lhe acresentar algo. Um reconhecimento visual das formas por si
só não é suficiente, da mesma forma que sobrepor um filtro haftone sob uma fotografia
não é a mesma coisa que fazer uma serigrafia do Roy Lichtenstein.
Esta adenda permite-nos, assim, não só olhar para estas imagens como uma
continuação da posição pd, mas como o seu produto directo.

O que se pretende com a análise desta selecção é entender o modo de actuar


destas imagens, traçar particularidades da sua produção e deslindar o funcionamento
da narrativa que as suporta e gere:“ toda a percepção é também pensamento, todo o raciocinio
é intuição, toda a observação é invenção”. 132 Este olhar procura explorar o que é diferente
nestas imagens que justifique o seu aparecimento e proliferação. Foi justamente para
fazer face a essa proliferação, aparentemente infinita, que tivemos de nos posicionar:
“Para estudar o irracional, é necessário de alguma forma assumir uma posição racional. De outra
forma a observação – e eventual participação – dão azo à desordem.”133
87

De uma forma semelhante, tivemos que encontrar uma posição racional, para
fazer face ao número irracional que existe destas imagens, para sermos, assim, capazes
de participar nesta discussão. Definimos, por isso, uma selecção, enquanto forma de
circunscrever e reunir o que é relevante, o que é também uma forma de colocar a parte
a falar pelo todo. Decisão que assim acarreta o risco de silenciar porções relevantes,
mas julgamos ser a única forma de 'ter pé' em relação ao número praticamente infinito
de imagens. Por serem uma amostra apurada desta multiplicidade, têm a obrigação de
falar por todas as outras que ficaram de fora, dando azo a que o que digam, seja mais
expressivo e, por isso, mais relevante.

Como forma de minimizar o risco inerente a esta selecção, recorremos ao


poder comunicativo da imagem como critério de base. Este poder comunicativo pode
traduzir-se em visibilidade. Legitimamos, por isso, a escolha, apoiando-nos na estrutura
das bienais, que são um palco onde essa produção contemporânea mais visível se
pode expressar. Desta forma, consultámos os participantes da bienal mais antiga e
consolidade, a de Veneza, e da sua concorrente mais recente, do outro lado do oceano,
Chicago. Dado o cariz recente do trabalho, consultamos as duas últimas edições de

132- “all perceving is also thinking, all reasoning is also intuition, all observation is also invention”. Arnheim R. Art and Visual Perception: A
Psychology of the Creative Eye. 1974 . p. 5

133-  “In order to study the irrational, it’s necessary somehow to take up a rational position. ”. Rossi, Aldo. “An Analogical Architecture.” A+
U-ARCHITECTURE AND URBANISM, no. 365 (2001) p.14
as figuras do pós-digital

88

Fig.39
Algumas das imagem que ficaram de fora da selecção
cada uma.

Trabalhando do geral para o particular, partimos de uma seleção base com


quase 2000 imagens, num processo moroso de avanços e recuos, que se foi apurando
em sucessivas fases de trabalho. Excluindo o redundante e o repetitivo, procurámos
as imagens que fossem mais expressivas. Como forma de triagem, excluíram-se os
gabinetes nos quais o uso deste tipo de imagens não fosse relevante, e descartáram-
se as imagens que fossem filhas únicas, produzidas só esporadicamente. Demos
preferência a práticas com uma produção consolidade e constante, em que estas
imagens, pela sua insistência, nos obrigassem a considerá-las como uma peça
fundamental no decorrer do projeto, ou na sua comunicação.

Considerámos apenas imagens produzidas por gabinetes de arquitectura e que


estivessem disponíveis nos próprios websites, numa dupla condição que garante a autoria e
a integração destas imagens numa prática arquitectónica estabelecida. Abrimos o campo
e incluímos imagens que não fossem referentes a obras construídas, mas de projetos
que nunca avançaram e principalmente de concursos. Considerou-se que estas imagens,
mesmo sem um significante material direto, são produzidas no contexto da prática e
andam a par e passo com processos de licenciamento ou reuniões com clientes. Numa
tentativa em dar primazia à afirmação, por oposição, à repetição, selecionando imagens
concisas que caracterizem diferentes modos de produção e abordagens. Fomos moldando
a amostra para que esta fosse grande o suficiente para ser representativa, mas restrita para 89
que tolerasse ser manuseada. Chegamos, assim, a uma selecção de 40 imagens.

Se já temos o ‘quê’, não temos o ‘como’. O olhar que lançamos a esta imagens
procurou descrever o banal, o que é ou aparentemente seria, mais ou menos, evidente.
Isto sucede, não por um desserviço ao leitor, mas porque esta foi a forma encontrada
para produzir um estranhamento134 sobre a amostra que temos. A multiplicação destas
imagens significa também que a percepção que temos, já se tornou habitual. Estamos
habituados a vê-las e olhamo-las sempre da mesma forma.”Se começarmos a examinar
as leis gerais da percepção, vemos que a percepção se transforma num hábito, transforma-se num
automatismo”.135 É, esta reacção automática que se pretende ultrapassar, como forma
de contrapor a ideia de que “A habituação devora o trabalho, a roupa, a móbilia, a esposa, o
medo da guerra” .136 Ao estranhar o que se vê, ao partir de um lugar de desfamiliarização
podemos“criar uma ‘visão’ do objecto em vez de funcionar como um meio para o conhecer“.137

134- Por estranhamento entende-se “is the artistic technique of presenting to audiences common things in an unfamiliar or strange way in order
to enhance perception of the familiar. According to the Russian formalists who coined the term, it is the central concept of art and poetry.” in https://
en.wikipedia.org/wiki/Defamiliarization. Consultado em 14/08/2019

135-  “if we start to examine the general laws of percption we see that perception becomes habitual, it becomes automatic”. Adams, Hazard. Critical
Theory since Plato. Harcourt Brace Jovanovich College Publishers New York, 1992. p. 799

136- “habituation devours the work, cloths furniture, one’s wife, the fear of war”. Idem p. 800

137- ““it creats a” vision “ of the object instead of serving as a means for knowing it “ Ibidem p. 802
as figuras do pós-digital

90

Fig.40
Echo Pavilion Pezo von Ellrichshausen Milão 2019
É a partir da descrição do ordinário, que somos capazes de produzir um
estranhamento, e é este que nos permite olhar para estas imagens de novo e desmontá-
-las, analisando os seus constituintes, estabelecendo modos de pensar e de produzir
mensagens visuais, encontrando e distinguindo elementos comuns e díspares no
processo criativo. Este caminho permite perceber o que está por de trás da imagem, o
que se procura mostrar ou esconder e como o faz.“ Tive de especular onde não pude provar, e
usar os meus olhos onde não pude usar os de outros.”138

Se desmontarmos a imagem, fazemo-lo para depois podermos percorrer o


caminho inverso e voltar a unir o que se separou, por termos noção que este processo
não resulta numa remontagem, mas numa assemblage. Criando assim uma composição
diferente da original, mas que mantém os mesmo elementos. É esta assemblage que
justifica o caminho que a análise minunciosa das imagens precorre, e que nos permite
num momento posterior voltar a olhar para esta amostra como um elemento uno,
traçando nexos de causualidade que serão a base para entender o seu funcionamento.

A par disto, procurou-se clarificar as condições de produção destas imagens a


um nível individual. Mais do que um conjunto de instruções para ser usado, o que se
procurou desenvolver foi uma série de notas que clarifiquem determinados aspectos
da sua produção. Ao mesmo tempo que se justifica o que nestas imagens depende
directamente dela, procurou-se de igual forma, explicar como é construído este espaço 91
de agenciamento dentro do digital.
De qualquer forma, é conveniente ressalvar que existem sempre várias formas
possíveis de produzir uma imagem; que variam em função dos programas utilizados
e da capacidade técnica de os utilizar. No entanto, existe um tronco comum a que
a produção destas imagens necessariamente obedece, que se procurou descrever. É
possível que o tipo de programas usados, os processos ou seu encadeamento variem,
mas o processo que produz um determinado resultado é sempre semelhante.

Para poder dar mais um passo na organização da amostra, estabeleceram-se categorias


como forma de organizar o conhecimento, de formar um sistema de pensamento,
que opera segundo um processo de semelhança. Quando se estabelecem categorias,
evidencia-se um aspecto comum: o que se nomeia, é um formato, que ao iluminar
alguns elementos, põe em sombra os restantes. Funciona sempre como um trabalho de
tacto que procura pré-determinar o que é mais importante.

Organizar as imagens em categorias implica aceitar que uma imagem está


sempre mal categorizada desde logo porque pertence a uma só categoria e depois por
pertencer a essa categoria.
“ (…) os nossos pensamentos carregam a marca do nosso tempo e geografia -
deslocando os planos e as superfícies que costumamos usar para dominar a profusão
de coisas existentes, e continuando depois a perturbar e ameaçar com o colapso na

138- “ I had to speculate where I could not prove, and to use my own eyes where I could not rely on those of others”. Arnheim, R. “Art and Visual
Perception: A Psychology of the Creative Eye.”. (1974). p. 7
as figuras do pós-digital

Desenho de linha

3D

92
91

Colagem

Fig.41.1
Possibilidades de selecção
CAD

Illustrator

93

Photoshop

Fig.41.2
Possibilidades de selecção
nossa era - dourada de distinção entre o mesmo e o outro. Esta passagem cita ‘uma
certa enciclopédia chinesa’ na qual está escrito que os animais são dividos: (a) como
pertencentes ao Imperador, (b) embalsamados, (c) domesticados, (d) leitões, (e) sirenes,
(f) fabulosos, (g) cães vadios, (h) incluídos na presente classificação, (i) frenéticos,
(j) inumeráveis, (k) desenhados com um pincel fino, (l) et cetera,(m) que acabaram
de partir o jarro de água, (n) que de longe parecem moscas. Na admiração desta
taxionomia, o que aprendemos com um salto, é que por meios da fábula é demonstrado
como o charme exótico de outro sistema de pensamento, é a limitação do nosso próprio
pensamanto, e a impossibilidade rígida de pensar isso ”.139

Ainda assim, a utilidade de estabelecer categorias é bastante óbvia, porque


permite estabelecer taxionomias que localizam o individual dentro do conjunto, e que
suportem ser continuamente escaladas até chegar ao que é transversal à amostra.
Uma forma óbvia de categorizar estas imagens teria sido através de uma
taxionomia de figuras como: alçado, planta, corte, secção ou 3D - o que provaria que
apesar do aspeto díspar estas imagens não fogem à taxionomia base de figuras de
arquitectura [Fig.41] ou através da sua forma de produção: como colagem, desenho de
linha, 3D ou montagem - o que determina que o modo de produção é semelhante ao
analógico [Fig.41.1]; e ainda, seria igualmente possível, organizá-las de acordo com os
programas utilizados na sua produção como CAD (computer assisted design), Photoshop, 94
Illustrator, ou Rhinoceros [Fig.41.2] - o que seria uma forma de traçar particularidades
do funcionamento de cada um destes programas.

No entanto, como forma de traçar um corte o mais longitudinal possível,


optou-se por categorizar as imagens de acordo com um processo de analogia.
Procourou não se incluir o mais aparente, mas que a categorização fosse já um passo
dado para desmontar a selecção. Desenvolveu-se, assim, um processo que procurou
traçar analogias entre a imagem e o seu modo de funcionamento, que é: “sentido mas
irreal, imaginado mas silencioso; não é um discurso sobre, mas uma meditação a propósito de”.140

Assim a categorização tem por base a estratégia compositiva, que é sempre mais
imaginada e silenciosa do que outros aspectos, à partida mais evidentes. Resulta que,
dentro da mesma categoria, existam imagens com resultados visuais diferentes já que a
mesma estratégia compositiva não garante, a priori, resultados visuais semelhantes.

139-“our thought that bears the stamp of our age and our geography—breaking up all the ordered surfaces and all the planes with which we are
accustomed to tame the wild profusion of existing things, and continuing long afterwards to disturb and threaten with collapse our age-old distinction
between the Same and the Other. This passage quotes a ‘certain Chinese encyclopaedia’ in which it is written that ‘animals are divided into: (a) belonging
to the Emperor, (b) embalmed, (c) tame, (d) suckling pigs, (e) sirens, (f) fabulous, (g) stray dogs, (h) included in the present classification, (i) frenzied, (j)
innumerable, (k) drawn with a very fine camelhair brush, (l) et cetera, (m) having just broken the water pitcher, (n) that from a long way off look like
flies’. In the wonderment of this taxonomy, the thing we apprehend in one great leap, the thing that, by means of the fable, is demonstrated as the exotic
charm of another system of thought, is the limitation of our own, the stark impossibility of thinking that.”. Foucault, Michel. The Order of Things.
Routledge, 2005. p. xvi

140 - “sensed yet unreal, imaganed yet silent; it is not a discurse but rather a meditation, on them”. Rossi, Aldo. “An Analogical Architecture.” A+
U-ARCHITECTURE AND URBANISM, no. 365 (2001) p.13
95
Cada uma das imagens que vai ser analisa no
presente texto pode ser vista com mais detalhe
no segundo volume, que se organiza segundo a
mesma ordem do texto.
Quadro 1
A -Francesca Torzo. N16 - podere la pianella. Procchio, Itália. 2017.
Construido

B-Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha. 2013.


Construido

C -FALA atelier. Casa na rua do Paraiso. Porto, Portugal. 2017. Construido

D- Opere Varie drawing for De Vylder Vinck Taillieu. Karel de Grote.


Antwerpen, Bélgica. 2016. Concurso

E- Kola. La Base. Chapel of San Filippo Neri. Turin, Itália. Concurso

F- Monadnock. Atlas House. Eindhoven, Holanda. 2016. Construido

H-Pezo Von Ellrichshausen. Guna House. San Pedro de la Paz, Chile.


2010-14. Construido

97
(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

“nem tudo é visível e tangível - para ser explícito - sob o visual está o invisivel e o incompreensível” .141
Foi este invisivél que está sobre o visível que se procurou localizar.

A desconstrução que se faz a par e passo, no próximo sub-capítulo serve


para entender o propósito das diferentes estratégias, que se encontram num território
comum – o set de características centrais que gere esta tendência pós-digital e irá servir
de base para determinar o seu propósito.

Textura
98

A textura é uma característica da superfície. É uma sensação visual táctil e no


caso destas imagens, nunca se materializará directamente, já que, normalmente, não
procura mimetizar a realidade e quando o faz não é de uma forma directa.
“ 1. A textura pode ser paralela aos elementos e assim suporta-os de uma forma primária,
ou é utilizada 2. De acordo com os princípios de contraste; assim funciona por oposição externa
aos elementos e suporta-os interiormente “.142 Assim, a textura funciona para suportar a
composição da imagem.

O poder que a textura pode ter está bem explícito na planta (A), na qual
julgalmos ser capazes de tocar. O desenho da planta é composto exclusivamente
por planos de cor, aos quais é sobreposta a mesma textura para marcar os diferentes
espaços: os quartos: a vermelho, o espaço comum: a verde-claro, etc. A cor acentua a
simetria que compõe o projecto, presente quer a um nível macro - entre as divisões -
quer a um nível micro - dentro das próprias divisões. A sobreposição de uma textura
vincada não só ajuda a esconder os momentos em que a simetria é quebrada (canto
inferior esquerdo), como contribui também para formar uma ideia muito presente

141-” not everything is visible and tangible – to be explicit – under the visual and comprehensible lies the invisible and incomprehensible” idem;

142 - “1. Texture takes a road parallel to that of the elements and thereby supports them in a manner primarily, or i tis used
2. In accordance with the principles of contrast; that is, it stands in external opposition to the elements and supports them inwardly”. Kandinsky,
Wassily, . Point and Line to Plane. Courier Corporation, 1979. p. 145
as figuras do pós-digital

97 99

Fig.42
Construção de uma imagem no photoshop a partir de
um modelo 3D básico que se completa com elemen-
tos retirados da internet muitas vezes sem relação
expressa com o projecto em questão.
Quadro 1
A -Francesca Torzo. N16 - podere la pianella. Procchio,
Itália. 2017. Construido
B-Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013. Construido
C -FALA atelier. Casa na rua do Paraiso. Porto, Portugal.
2017. Construido
D- Opere Varie drawing for De Vylder Vinck Taillieu.
Karel de Grote. Antwerpen, Bélgica. 2016. Concurso
E- Kola. La Base. Chapel of San Filippo Neri. Turin,
Itália. Concurso
F- Monadnock. Atlas House. Eindhoven, Holanda. 2016.

100 (G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


sobre a plasticidade do espaço, como se fôssemos capazes de montar uma percepção
do espaço, sem nunca o ver, com base na impressão que a textura deixa. A produção
desta imagem parte de uma planta desenhada em CAD que, depois é importada para
um ambiente de Photoshop, onde se atribui uma cor à cada espaço e posteriormente se
sobrepõe uma camada em opacidade que permite impor a textura sobre a totalidade da
imagem.

A imagem dos MAIO (B) em que um conjunto de formas geométricas se


precipitam verticalmente, justapondo-se ou deixando espaço livre, cria uma composição
equilibrada. Recorre a uma textura forte que parece imitar mármore, criando dúvidas
em relação à escala do que se pretende mostrar e funcionado como um desenho de
conceito e não de (re)apresentação. O uso de textura, neste caso, parece exagerado e
não materializável e actuando como uma medida de distanciamento da realidade. A sua
produção é, em tudo idêntica, à de (A).

Este efeito de irrealidade que a textura pode ter é escalado na imagem dos
FALA (C), que pela sua sobreposição a uma fotografia, aumenta o contraste entre
partes, entre o real fotográfico e os restantes elementos, notoriamente falsos, como as
figuras de Edward Hopper ou a textura da mármore. O que é mais paradoxal aqui é
esta vontade de afastar o desenho do real, de criar uma imagem que não procura ser
verdadeira.
Os Opera Varie (D) especializaram-se na produção deste tipo de imagens
nomeadamente para outros arquitectos. Aqui, somos confrontados com o espaço
interior totalmente caracterizado, sabemos o número de pilares, vigas, janelas, 101
os caixilhos,o lugar dos candeeiros ou dascortinas. No entanto, a imagem é
eminentemente simples, todas as superfícies são detalhadas por manchas de cor – o
chão e o tecto a azul claro, as vigas e as paredes a branco e as umbreiras das janelas
num tom avermelhado, para criar contraste. Esta condição é interdependente da
forma de produção, que parte de um modelo 3D simples que é depois importado
para o espaço do Photoshop, onde se atribui uma cor a cada camada e cada camada a
uma superfície, como o tecto [ver Fig. 42.] O método de produção é simples já que
não exige o ajuste cuidado de texturas materiais, mas utiliza o que esta disponivél na
internet ajustando-as o melhor possível a dimensão da superfície, mesmo os objectos
representados exigem pouco trabalho, visto que são também, rapidamente, importados
da internet, recortados e escalados para serem coincidentes com o projecto.

O essencial a perceber sobre o funcionamento do Photoshop é que:“ as camadas


funcionam como folhas de papel de acetato. Pode-se ver atrvés das áreas transparentes para as camadas
em baixo”. 143 É isto que permite uma facilidade de produção que é inerente à maior
parte destas imagens. Estas importam o 3D com canais de alfa [ver Fig.43] que definem
diferentes superfície e são automaticamente selecionados dentro do Photoshop, onde
lhes é atribuída uma cor ou textura, e por ai fora até todos os elementos da imagem
estarem caracterizados. Quando não tem como base o 3D desenham directamente
no espaço do photoshop, aproveitando de igual forma o funcionamento em camadas.
O resultado, em ambos os casos, seria talvez demasiado simples sem a sobreposição

143- “layers are like sheets of acetat paper. You can see through transparente áreas to the layers bellow”. Manovich, Lev. Software Takes Command.
Vol. 5: A&C Black, 2013. p. 145
We will never be post-digital

as figuras do pós-digital

[using VRay, Maxwell], post-


assign materials to surfaces.
PNG is produced, depicting
tion, rather than material
y not include a simulated sun

s the tonal range. A savvy


sure to save Render ID and
Render ID JPG includes
white rendering, no sun
e surface. The Alpha Channel
and transparency.

ned in Photoshop, the Render


pened in the same canvas
By using the Polygonal Lasso

or Range on the Render


dered image can be easily
tly. This capability facilitates
99 102
on or mask in a photographic
white rendering, with sun

ngages in a phase of
s to fill up the image canvas.

ource. A search of “concrete


ants,” or “Herman Miller
of JPGs and PNGs. Limiting
ges is useful but not required,
desired.
Render ID

Lane Raffaldini Rubin


Fig.43 07
Exemplo de como se importa uma imagem de um
ambiente de render com canais Alfa
Quadro 1
A -Francesca Torzo. N16 - podere la pianella. Procchio,
Itália. 2017. Construido
B-Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013. Construido
C -FALA atelier. Casa na rua do Paraiso. Porto, Portugal.
2017. Construido
D- Opere Varie drawing for De Vylder Vinck Taillieu.
Karel de Grote. Antwerpen, Bélgica. 2016. Concurso
E- Kola. La Base. Chapel of San Filippo Neri. Turin,
Itália. Concurso
F- Monadnock. Atlas House. Eindhoven, Holanda. 2016.

103
(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


da textura que unifica a imagem dando-lhe uma aparência completa, apelando a uma
sensação que não existe e que nunca se pode materializar. Esta condição é variável:
“as vezes as camadas não contém nenhum conteúdo aparente. Por exemplo, uma
camada de ajuste só tem informação sobre a cor ou o tom que afeta a camada em
baixo. Em vez de editar pixels diretamente, pode se ajustar uma camada e deixar os
pixels subjacentes intocados “.144
Ao mesmo tempo, esta facilidade é o que permite que estas imagens sejam
produzidas rapidamente e assim tenham uma utilidade maior, já que o tempo empregue
na sua produção é reduzido e a qualidade do resultado, mesmo de uma imagem em
processo, é elevada.

Este efeito que a textura é capaz de gerar é responsável pela impressão


marcada que se observa na imagem dos KOLA (E), mesmo quando as qualidades
formais do espaço estão práticamente ausentes. Uma torção na parede, uma abertura,
o plano do chão e a pequenez da figura fazem com que o espaço pareça desabitado, a
luz cria a impressão de um espaço monumental, as paredes rugosas contrastam com
o plano do chão, tão polido que temos a impressão de nos vermos reflectidos. Aqui
a textura procura ter um significante material directo, que é exagerado para transmitir
a atmosfera do espaço, dando-lhe um cariz monumental. A produção desta imagem
é mais cuidadosa e demorada, sendo praticamente toda produzida dentro de um
ambiente de renderização que permite gerar gradientes de luz que o Photoshop não é capaz
de produzir, obersevavél na forma como a luz se reflete na parede. De certa forma, esta
imagem parece responder em absoluto aos propósitos do software de renderização, mas
o conteúdo visual da imagem faz tudo contrariar esta perceção. 104

Uma posição intermédia, entre a realidade e a irrealidade da textura, é a dos


Monadock (F) que não parecendo, com o seu céu amarelo é bastante mimética
da realidade. Usam-se diferentes texturas para produzir diferentes efeitos: se ao
céu se confere um certo grau de abstracção, o tijolo é perfeitamente texturado e
ajustado à escala. A entrada da casa, com o jardim, o caminho, o pórtico e as janelas,
está perfeitamente desenhadas e, no entanto, a imagem não parece ser capaz de
nos convencer de que o projecto é materializável e o plano do alçado ao qual falta
profundidade, assemelha-se a um billboard publicitário que cria esta indeterminação.
Esta discrepância é muito comum e parece ser usada para criar dúvida quanto à
materialização do projecto, um espécie de véu de indeterminação que procura
simultaneamente esconder e afirmar a arquitectura.

Um caso particular na produção de imagens é o dos Pezo Von Ellrichshausen


(G). A imagem é enigmática, mas a construção é simples: uma axonometria divide-
-se em duas metades permitindo ver o alçado e o pátio interior a par dos diferentes
compartimentos; a variação de tons permite entender os diferentes planos e criar
profundidade, o fundo negro faz com que o desenho sobressaia. Este modo de
desenho atribui uma cor a cada superfície, distinguindo entre tons mais claros ou mais
escuros quando a superfície muda de direcção. O aspeto mais bizarro é a textura de
quadro a óleo que envolve toda a imagem. Apesar da utilização de texturas que não são

144-  “sometimes layers don’t contain any apparent contente. For exemple, na adjustment layer holds color or tonal adjustment that affect the layer bellow.
Rather then edit pixels directly, you can edit na ajustment layer and leave the underlying pixels unchanged”. Idem; p. 142
Quadro 2
A-Gaaga architecten. Leiden Pearls. Holanda. 2018. Em curso

B-Charles Holland Architects e Piers Taylor of Invisible Studio. A


House in Holland. Almere, Holanda

C - OFFICE KGDVS. Library Sint-Martens-latem. Bélgica. 2017

D-OFFICE KGDVS e Dogma. Cité de refuge. Rotterdam Architecture


.
Biennale Ceuta, Espanha. 2007

E-FAT Architecture. Hoogvliet Park. Roterdão, Holanda. 2008-9.


Construido

F- Other architects e LCLA Office. Veiled landscapes. Green square


aquatic centre and Guyama Park. Sydney, Austrália. 2014. Concurso

G- OMA. Venice Biennal. 2014. construido

105

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

coincidentes com a materialidade do projecto ser, mais ou menos comum, este caso
é bastante mais incompreensível. O que existe aqui é uma vontade de distanciamento
da restante produção de imagens, toma-se uma posição dissonante que se refugia num
suposto passado. É difícil de perceber a forma da sua produção porque este gabinete
é conhecido por contratar pintores e por se apresentar em exposições, muitas vezes,
com desenhos à mão, normalmente aguarelas. No entanto, não deixa de ser complicado
conciliar os tempo de produção de um quadro a óleo com os da arquitectura, mas
é justamente esta indeterminação que estas imagens procuram, como forma de se
afirmarem.

A condição da textura é o que permite a estas imagens terem uma índole final. A
imagem tem uma complexidade visual que nos permite encará-la como o resultado final
de um processo. A textura pode funcionar de várias formas, movendo-se entre o irreal e
o real. Quando não é utilizada de uma forma literal que procura mimetizar os materiais
constituintes, funciona como uma forma a amplificar as qualidades plásticas do espaço.
E, mesmo nas imagens em que é utilizada de uma forma realista, não o faz de uma forma
explícita, mas implícita, contribuíndo sempre para a sensação transversal de irrealidade
nestas imagens. Simultaneamente, é uma forma de defesa contra um tipo de desenho que
é iminentemente simples, assentando em manchas opacas ou simples desenhos de linha, a
textuea acrescenta, assim, uma camada de complexidade visual a estas imagens.

106
Colagem

A colagem é, simultaneamente, uma categoria e uma forma de produção. Uma


grande parte das imagens que se encontram noutras categorias podiam estar aqui
incluídas. A utilização de diferentes programas para produzir uma imagem funciona
efectivamente como uma forma de colagem, em que cada fase corresponde a um
tipo diferente de software. Porém, enquanto categoria aqui considerada, tem-se em
vista unicamente o resultado visual - parecer e ser uma colagem. O digital permite
suprimir juntas e gerar diferentes formas de associar elementos, algumas mais evidentes
visualmente do que outras.

Às vezes, a colagem é muito evidente. Num projecto que incluía a realização


de diversas obras de reabilitação num mesmo bairro, o gabinete Gagga (A) recorre
a um método rápido, mas eficiente, para produzir uma série de representações. A
sobreposição directa do projecto a uma fotografia do local aqui modelado dentro
do próprio photoshop, observável pela ausência de profundidade e pela falta de
correcção perspéctica (particularmente no volume ao fundo) - grandezas dificilmente
domináveis dentro daquele interface. A produção da imagem é intuitivamente simples
e assenta num contraste forte entre o real (da fotografia) e o irreal do projecto, que
dá uma ênfase muito forte ao que se pretende construir, permitindo que a imagem se
liberte do excesso de informação que a fotografia necessariamente tem. Este tipo de
imagens funciona de forma a caracterizar o projecto formalmente (altura, volumetria,
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107

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

materialidade, desenho do alçado, etc…), sublinhando a sua interação com o contexto


pré-existente, já que, ao acentuar a dicotomia entre partes constituintes, coloca
em evidência a sua forma de produção e disjunção entre elementos, mais do que a
manualidade das juntas do papel o faria.

Pode ser difícil olhar para a figura do gabinete de Charles Holland (B) e
reconhecer de imediato uma colagem. A imagem é homogénea, não se identificam
elementos dissonantes. E é precisamente aí que está o seu poder. Numa imagem de
fundo, que neste caso parece ser uma pintura neorromântica, semelhante ao trabalho
de John Constable, adiciona-se uma vista exterior do projecto e inserem-se elementos
específicos ao contexto, como os moinhos (o projecto é na Holanda), elementos
de escala (as figuras humanas ou as árvores de fruto) que ajudam a pormenorizar
completar o desenho.
Esta imagem é um bom exemplo de como o desenho se pode transformar num
acto curatorial, apropriando-se de fragmentos e até de imagens inteiras, como a de
fundo, e juntando-os de tal forma que o projecto e só mais um elemento, já que tudo
está igualmente detalhado. A imagem é capaz de manter a sua aparência análoga pela
concordância entre a luz, textura e escala, produzidas delicadamente num contigente
digital e que permite, por exemplo, manipulaveis pela utilização e sobreposição de
diferentes camadas dentro do photoshop. No entanto, a figura da casa ocupa uma
porção reduzida face à totalidade da cena e não é particularmente reveladora das
suas características formais (quantos pisos tem a casa exactamente ? 2 ou 3 ?). Essa
108 carência não impede a imagem de cumprir a sua função, já que o poder destas colagens
seamlless é o de serem capazes de se associar perfeitamente com o fundo. Estas
colagens funcionam justamente por associação. Ao inserir o projecto num sistema
de representação já estabelecido, como um quadro, automaticamente este adquire as
mesmas qualidades que o sistema já revelava, e é uma forma de qualificar a atmosfera
mais do que o material. Este tipo de desenho é mais complexo de produzir e requer a
produção de uma modelo 3D detalhado (as janelas, os caixilhos, o zinco no telhado),
ao qual se vai depois sobrepor texturas num ambiente de Photoshop, onde também se
juntam e atestam os diferentes elementos constituintes.

A forma mais comum de colagem é aqui representada pela imagem dos


OFFICE KGDVS (C) para a biblioteca de Sint-Martens-Latem outras podiam ter
tomado o seu lugar. A imagem é informativa, ainda que relativamente crua. Os
diferentes planos sobrepõem-se algo abruptamente, com diferenças marcadas entre
tons e texturas, sendo, ainda assim, possível de compor uma cena complexa do
ambiente interior da biblioteca.

Nenhum elemento na imagem é realista, e, no entanto, esta parece verosímil.


Este tipo de imagem é muito dependente da sua forma de produção, e segue princípios
semelhantes aos expostos no caso dos Opera Varie ( Quando 1 fig (D)). Começa
por recorre a planos de diferentes cores ou texturas dispostos e sobrepostos de
forma a dar a ideia da perspectiva. A novidade que o digital traz é a capacidade de
importar elementos determinantes para o espaço como as estantes, que contrapõem
a simplicidade do desenho que recorre, só a manchas de cor às quais foi sobreposta
uma textura. São os fragmentos retirados da internet como os livros que emprestam
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109

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

verosimilhança a imagem. O poder destas imagens advém de uma composição muito


precisa que assenta num jogo, que não é facilmente replicável, de saber o que desenhar
e o que não desenhar. A par disso, é necessário equilibrar as texturas e as cores, as
árvores, por exemplo, têm exactamente o mesmo tom e os livros estão a preto e
branco, não captando demasiada atenção.

Aqui, o funcionamento por camadas é particularmente útil porque permite


esta uniformização que não perturba o resto da imagem. Este tipo de imagens denota
um certo facilitismo de produção pela forma irreal como se apresentam não é preciso
estar a controlar, por exemplo, a textura metálica das estantes, uma macha é suficiente.
São imagens que resultam de uma grande economia de esforço, mas que requerem um
know-how técnico especifico, um conhecimento mais visual do que técnico. O que é
importante é a totalidade da imagem e não o pormenor: “ Podemos afirmar, por exemplo,
que devem funcionar segundo um processo de campo. Em que o que acontece num local é determinado
pela interacção entre as partes e o todo”.145

Outro exemplo semelhante é também o dos OFFICE KGDVS. A imagem


(D) compõe-se segundo diferentes seguementos horizontais. Uma faixa escura, remata
o topo superior de um edifício em colunata, que conforma talvez no seu interior
um espaço de praça. Esta encerra-se por uma texturada mancha cinzenta, onde é
sobreposta uma entrada para carros, que parece flutuar, e um conjunto de habitações
desconexas do contexto.

110 As diferentes camadas estão protegidas sobre o preto e branco. Apesar do


seu aspecto duro, nada nesta imagem é acidental e o que se pretende fazer através da
colagem é criar dúvida em quem vê relativamente ao nível de realidade ou irrealidade
que a imagem contém, criando um ponto intermédio em que nem tudo é real, mas nem
tudo é falso. Se as casas à esquerda são verdadeiras e retiradas directamente de uma
fotografia, a sua diferença de tom em relação ao restante marca-as como um elemento
dissonante. Se a colunata do edifício segue a recessão perspética, a sua materialidade
esconde-se atrás de uma mancha branca elusiva. Esta imagem funciona também
como uma enumeração de diferentes formas, como é possível fazer numa colagem: o
desenho de manchas de cor que se recortam e sobrepõem para gerar profundidade, a
sobreposição directa de elementos ou a possibilidade de recortar e colar de uma forma
seamless como o caso do edíficio que se desenha atrás da colunata.

O recurso à colagem tem a capacidade de ser tão abstracto ou tão realista


quanto se pretenda, dependendo do tipo de elementos que se usam e da forma como
são sobrepostos. No caso dos já extintos FAT (E), somos confrontados com uma
profusão de elementos tão grande que quase parece o resultado de uma explosão:
um carro, um coberto, várias árvores de cores garridas, uma tabela de basquetebol,
candeeiros, troncos de árvore, algo que parece ser o sinal de Hollywood, um edifício,
etc…. Estes elementos são retirados da internet, uniformizados sob a mesma patine de

145- “We can assert, for instance, that they must be field processes. This means that whatever happens at any place is determined by the interaction
between the parts and the whole” Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. University of California Press. (1974)
p. 17
Quadro 2
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111

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

cores garridas que se junta às manchas que desenham o terreno e o edifício (cinzento,
à esquerda), criando uma imagem com cores fortes, mas que é capaz de manter
harmonia. A perspectiva e a escala dos elementos está ajustada de forma correcta.
No entanto, esta imagem é ostensivamente falsa, nomeadamente pelas cores
que se sobrepõem, mas mantém um grau de conexão com a realidade grande. Esta é
uma vantagem do digital: é possível utilizar só uma fotografia que se esconde atrás de
uma camada de cor, já não é preciso desenhar os elementos. Ao mesmo tempo, permite
ter um rigor maior no desenho.

Apesar de poderem parecer muito diferentes, esta imagem funciona de uma


forma semelhante à (B) só que neste caso não importa o ambiente, ele é montado
segundo um processo de copy paste. A forma de produção desta imagem é complexa
e exige a articulação de diferentes softwares. Pelo rigor do desenho, este deve ter
começado como um modelo 3D, importado posteriormente para o Illustrator programa
da mesma família que o Photoshop, que permite adicionar e controlar elementos de linha,
compondo a vista perspectiva que é depois finalizada no Photoshop, onde se adicionam
elementos que não são desenhados, e se uniformizam tons e texturas.

A representação dos Other architects (F), apesar de parecer radicalmente


diferente das anteriores, não o é. Trabalham também no campo da irrealidade, mas
112 fazem-lo de uma forma diferente. Neste caso não parece haver nada de descaradamente
falso, pelo menos à primeira vista. Uma observação mais cuidada nota incongruências:
a vista frontal do mar enquadra um ponto de vista que está simultaneamente dentro
e fora da água; o rosto perfeitamente colocado à direita é inverosímil mais do que
irrealista, tal como as figuras em coindizentes coletes amarelos. Mais importante é
o facto de o próprio edifício parecer que se esta a desvanecer (por detrás de uma
nuvem?), tendo uma aparência etérea que contribui para a desmaterialização do
volume e para o carácter baço da imagem. Desta forma, mesmo quando as colagens
só sobrepõem elementos realistas, podem dar um carácter falso à imagem. Esta
permite aferir mais a ambiência do projecto do que as suas qualidades formais. Em
termo de produção a grande diferença, neste caso, é que a base desta imagem é uma
renderização que calibra a luz e materialidade do edifício de uma forma realista e
depois, no Photoshop, um trabalho cuidadoso equilibra a escala dos diferentes elementos,
sobrepondo camadas que, inclusive, escondem parte do trabalho que se levou a cabo na
renderização.

Um exemplo paradigmático é o caso dos OMA (G) com uma imagem


produzida no âmbito da curadoria da bienal de Veneza na qual se sobrepõem
elementos realistas – o pano cronológico à esquerda – com elementos marcadamente
falsos – o lado direito da imagem que parece representar uma cena do séc. XVIII, pela
forma como as pessoas estão vestidas. No entanto, o espaço é mais ou menos real, as
colunas estão lá e o pano aquando da exposição estava nesta mesma posição. O que é
estranho é a criação de um ambiente anacrónico que remonta ao tempo de construção
original do edifício. Talvez seja essa a intenção, a de fingir que o tempo não passou
e que a inauguração do edifício e da exposição são, mais ou menos, simultâneas. É
interessante esta capacidade de fugir do presente. Em termos de produção, a imagem
parece ter sobreposto a uma fotografia antiga elementos com a mesma patine vintage,
Quadro 3
A - Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003. Construido

B- Edifício com três apartamentos. FALA atelier. Construido

C-Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de investigação

D- 2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016

E- OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016

113

(D) (E)

(F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

contrapondo o desenho com as cores do pano.

A colagem funciona sempre na condição da associação entre elementos, que


pela sobreposição ou afastamento desenham a cena, podendo também operar por
associação a um sistema de representação pré-existente. Expressa, de uma forma muito
vocal, uma vontade de trabalhar com o que é falso, mesmo quando a base é verdadeira.
Na generalidade, as imagens aqui presentes são abstractas em relação à sua realidade
material e encontram uma facilidade de expressão no desenho directo, que recorre a
planos de cor ou outros artifícios semelhantes.

Superfície
114

Matematicamente, uma superfície é definida como um plano que sofreu uma


deformação alterando assim a sua direção, num ou em vários pontos. Desta forma:
“Nunca mais do que uma coisa pode ser directamente visível em qualquer parte da superfície ”.146 A
imagem abstracta de uma superfície implica a existência de uma continuidade entre os
elementos, que só se podem desdobrar e não sobrepôr, constituindo um espaço, que
por normal é bidimensional.
Apesar disso, esta deformação não significa que a imagem não seja capaz
de gerar profundidade, que por norma implica a existência de mais do que de um
plano, recorrendo-se nesse no caso, a outros artifícios. Como a utilização de uma
superficie continua que no seu desdobramento forma um espaço aparentemente
tridimensional.“Uma deformação dá sempre a impressão que algum impulso mecânico foi aplicado
ao objecto, como se tivesse sido comprido ou esticado, torcido ou dobrado”.147 Estes dois princípios:
bidimensionalidade e continuidade são os que regem a inclusão de imagens nesta
categoria. Assim sendo, a condição da superfície não é autoexplicativa e é tanto mais
forte quanto a capacidade de desconstruir mentalmente a direção da deformação, que à
primeira vista pode não ser evidente.

146-“No more than one thing at a time can ever be directly visible in any one spot of the surface” Arnheim, R. Art and Visual Perception: A
Psychology of the Creative Eye. University of California Press (1974). p. 164

147-“A deformation always conveys the impression that some mechanical push or pull has been applied to the object, as though it had been stretch or
compressed, twisted or bent”. Idem; p. 259
as figuras do pós-digital

115
111

Fig.44
Comparação da Imagem dos FALA, de como seria o
resultado se fossem dadas sombras.
Quadro 3
A - Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003. Construido
B- Edifício com três apartamentos. FALA atelier. Construido
C-Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de investigação
D- 2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016
E- OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016

116

(D) (E)

(F)

(A) (B) (C)


Na famosa imagem dos Caruso St John da praça Stortorget (A) o que mais
depressa salta a vista é a textura da planta que define os vários tipos de pavimentos:
do passeio, do palco ou do vazio central ocupado pela catedral barroca (que gere o
desenho da praça) ou vincando os pontos de atravessamento. O rebatimento, que
é uma forma de gerar deformação, dos alçados sobre a planta da praça, cria uma
superfície contínua. Essa forma de simplificação permite entender o projeto: os
percursos unem as ruas, os espaços de palco (mancha mais clara) estão juntos ao
edificado, criando um pano de fundo, a linha fina que rodeia a praça identifica o
passeio que assim corre junto aos limites. Neste caso, representar a praça como uma
superfície é uma forma de simplificar a visão do espaço e permite entender a totalidade
do projecto. No que toca à produção, este desenho é um híbrido que utiliza um
desenho vectorial do qual ainda mantém algumas marcas, no desenho do alçado, mas
foi trabalhado posteriormente no Photoshop onde se criam e ajustam as texturas que
desenham o pavimento, e se compõem o resultado final.

No caso dos FALA atelier (B) somos confrontados com um espaço interior
desenhado de forma pormenorizada um quarto com um cobertura em duas águas,
duas janelas e duas figuras ocupam o espaço. A vista em perspectiva, algo acelerada,
é trabalhada através da sobreposição de planos texturados que procuram representar
materiais. Os objetos que animam o espaço estão unificados sobre cores opacas.
Apesar de não haver nenhum elemento que seja iminentemente falso, a imagem
transporta um sentido de irrealidade, de desconexão com a realidade material muito
grande. A figura que se senta na cama é retirada de um quadro de David Hockney ‘Peter 117
getting out of nick’s pool’ (1966) o que não é uma coincidência já que imagem e quadro
têm algo de semelhante.
“ São o inicio da pesquisa de Hockney: para a sua apaixonada e obsessiva tentativa
de transformar o sólido, o temperamental, o mundo fugaz em duas dimensões. Como
é que as coisas se parecem, realmente, ao olho estereoscópico, que está conectado ao
coração e ao cérebro? Esquece a camâra e a sua rígida visão ciclópica. Há uma
maneira melhor de ver, mas pode demorar uma vida inteira a dominar. ” 148

Existe na obra de Hockney, principalmente nos quadros da fase naturalistas
de Los Angeles, uma luminosidade constante e diáfana. Esta pode ser uma forma
de integrar a procura de “ a questão central foi de que forma de retratar os corpos no espaço
capturando simultaneamente algo da relação entre eles, da emoção presente ”.149A ausência de uma
fonte de luz direcionada cria ambiguidade espacial porque renega a profundidade,
uniformizando a imagem, este efeito, o mesmo que é capturado FALA, que o ampliam
ainda mais negando a sombra própria aos objetos, optando por nunca representar
o plano de sombra, da escada, da cama ou mesmo da luz que entra pela janela o
que funciona para desmaterializar a volumetria [ ver Fig.44]. A luz quando existe é
representada como uma mancha branca que não tem qualquer efeito no espaço em
volta. A par, a esbelteza exagerada dos objetos, como a escada que é representada só

148- “Instead, they are staging posts in Hockney’s great quest: his passionate, obsessive attempt to remake the solid, moody, fleeting world in two
dimensions. What do things look like, really, to stereoscopic human eyes, connected to a human heart and brain? Never mind the camera, with
its rigid Cyclopean vision. There is a better way of seeing, though it might take a lifetime to master.” in https://www.theguardian.com/
artanddesign/2017/jan/13/los-angeles-lovers-and-light-david-hockney-at-80. Consultado em 04/04/2019

149- “the central question was how to depict bodies in space while simultaneously capturing something of the relationship, the currents of emotion between
them.” Idem;
Quadro 3
A - Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003. Construido

B- Edifício com três apartamentos. FALA atelier. Construido

C-Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de investigação

D- 2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016

E- OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016

118

(D) (E)

(F)

(A) (B) (C)


como uma linha, projetam uma imagem 3D numa superfície, que quase parece negar o
desenho perspectico que a gerou.

A imagem é totalmente produzida no Photoshop, desenhando a perspectiva de


uma forma mais intuitiva do que rigorosa, semelhante a um desenho a mão, já que o
programa não comporta medidas só linhas de referência que ajudam a marcar o espaço.
O uso de superfícies de textura é também produzido em Photoshop e depende de um
jogo de ajuste da opacidade das diferentes camadas que conjugam o espaço e são
normalmente acentuadas por uma linha fina que marca os seus limites. Os objectos são
retirados do catálogo infinito da internet e homogenizados através da sobreposição de
uma camada de textura, que permite assim animar o espaço e contribui para este efeito
diáfano. “ A luz cria espaço ” 150, lembra-nos Arnheim e o que os FALA fazem na maior
parte das suas imagens é o oposto do chiaro-escuro – que utiliza o contraste entre a luz e
a sombra para reforçar a perspectiva.“todos os gradientes tem o poder de criar profunidade e os
gradientes de luz são os mais eficientes”.151

A perspectiva está bem desenhada como é observável pelas linhas do chão


ou do tecto, mas a falta de contraste, de gradiente de luz, transformam este desenho
perspectico numa superfície, dando lhe um aspecto falso mesmo quando esta é
rigorosa. “ mas as fontes de luz também podem interferir umas com as outras aumentando
parcialmente ou revertendo os efeitos das outras. O resultado final pode transmitir desordem visual”152
Neste caso, o efeito é de deformar a imagem numa superfície, uma escolha que serve
para acentuar o cariz falso da imagem, mas ao mesmo tempo, confere lhe um rigor útil 119
enquanto teste de ideias.

Um exemplo paradoxal desta capacidade de colapsar a imagem sob a forma


de uma superfície é o projecto dos Point Supreme, onde tudo se parece alinhar. Em
(C) vemos um alçado que se divide em duas porções ladeados por uma estrutura
metálica. A imagem é detalhada, a porta (a roxo), os degraus para aceder, uma varanda
com um toldo cor de laranja, uma longa janela horizontal que deixa ver o espaço
interior as luzes no topo e até à copa da árvore à espreitar, á esquerda. Ainda assim a
profundidade de campo é inexistente, mesmo a tentativa de produzir-la com a rede
laranja ou a vista do interior da janela, saem furadas na ausência de sombras que
ditem alternância. Mais a falta de uma linha de horizonte ou de chão impossibilitam à
localização do alçado. O efeito é particularmente útil para o programa, que enquanto,
um projecto de investigação se propunha a desenhar uma Villa Romana clássica. Optou
por desenhar a reinterpretação da Villa Romana escondida atrás de um billboard que
anúncia um desenho clássico da Villa escondendo o projecto que vemos.
Este tipo de imagem depende em grande medida da sua forma de produção
feita totalmente num ambiente de Photoshop que se gere, como já vimos, por associação

150-” light creates space” . Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. University of California Press Berkele
(1974) p.311

151- “ all gradients have the power to create depth and gradients of brightness are among the most efficient”. Idem;

152-  “but the light sources may also interfere with one another by partial increasing or reversing the other’s effects. The overall result can convey visual
disorder”. Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. University of California Press (1974) p. 315
Quadro 3
A - Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003. Construido

B- Edifício com três apartamentos. FALA atelier. Construido

C-Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de investigação

D- 2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016

E- OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016

120

(D) (E)

(A) (B) (C)


de camadas – cada camada contém um elemento como o rectângulo branco ou a
janela, os elementos são depois associados em proximidade ou sobrepostos. A ordem
das camadas controla a cadeia de visibilidade, as camadas superiores sobrepõem-se as
inferiores, continuamente.

Esta forma de produção sem mais elementos que a suportem gera este
aspecto que associamos à colagem mesmo sem juntas. Este trabalho com camadas é
económico de produzir porque permite a replicação imediata de elementos como a
da estrutura metálica, que é recortada do seu contexto original e escalada uma vez e
depois é espelhada, o mesmo acontece com as luzes em cima que são distorcidas para
informarem a variação da direção e matizadas para criar a sombra, partindo sempre
do mesmo elemento original. O que faz com que os objectos percam a sua sombra
própria. A superfície, neste caso, funciona como uma base semelhante ao papel onde se
recortaram e colaram elementos, a facilidade do digital é a de unir a sua escala, mas sem
outros artifícios a suportar a imagem, cria-se uma superfície flutuante, que neste caso,
era o efeito pretendido, mas este nem sempre é o caso.

As duas últimas imagens, dos 2APA (D) e dos OMMX (E) são semelhantes
porque utilizam o mesmo princípio de construção: um desenho axonométrico em
que dois dos eixos tem direcções coincidentes, normalmente o X e Z, cria uma forma
particular de deformação que acontece porque a planta e a profundidade passam a
existir no mesmo plano, numa superfície aparentemente contínua,” o que faz com que a
imagem se vire para o observador como uma parede, expondo generosamente todo o seu conteudo para
a sua exploração ao mesmo tempo que o exclui “ .153 Estas duas imagens têm esse efeito não 121
somos capazes de nos localizarmos face a elas, só podemos olhar.
No caso dos 2APA (D), a planta de coberturas é simultânea à profundidade,
criando a tal superfície contínua, aqui com o plano frontal, que serve para estabelecer
um efeito inquietante. A disposição de elementos como o carro e as árvores é feita
verticalmente e não em planta – nunca somos exactamente capazes de determinar a
direcção da imagem. Este efeito é amplificado pela forma redonda da imagem que
suprime os vértices, criando a impressão de ser uma vista parcial para outro lugar,
como quando se espreita por um períscopio.

No exemplo da axonometria dos OMMX (E) que, apesar de marcar à


profundidade através do plano lateral direito, desenha também uma superfície única
entre alçado e a planta. O detalhe que a imagem tem gera a sensação de que tudo está
a cair, como um frame de um filme parado no momento certo. A profundidade que
une os objectos ao chão só existe no plano frontal, o mesmo plano que contém a
vista da planta e que é ainda o mesmo onde o edifício existe. O resultado, neste caso,
é particularmente útil porque permite caracterizar o projecto quase todo: os espaços
interiores, a fachada, à função, distribuição do espaço interno, a forma. O efeito de
deslocalizar o espectador é particularmente forte, neste caso, e não é um acidente que
a única figura que habita a imagem seja vista só longuínquamente da janela, numa vista
de exceção que se afasta do resto do desenho. Em termos de produção estas imagens
são semelhantes e partem as duas de um modelo 3D, do qual se retira à vista se que

153-”makes the picture face the viewer like a flat wall, generously exposing all od its content to his exploration but at the same time excluding
him“Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. University of California Press (1974); p. 294
Quadro 4
A -Motoproprio. House in Volterra. Itália. Investigação. 2015

B- False mirror office. Europan 13.Trondheim, Noruega. 2015. Concurso

C - Dogma. After Hilberseimer. Proposal for the transformation of


Hilberseimer’s Marquette Park,.Chicago, Estados Unidos da América.
2014

D- Pascal Flammer. House in Liguria. Itália. 2009. Construido

122

(D)

(A) (B) (C)


pretende e que será depois trabalhada em Photoshop sobrepondo texturas e distorcendo
os objectos aqui construidos por planos de cor para os tornar concordantes com o
contexto.

Desenhar com uma superfície é uma forma de adicionar dimensões onde


estas não deviam existir (alçados, altura) ou de as suprimir onde deviam estar (sombra,
profundidade, volume), o que permite condensar ou libertar informação. “a deformação
é um factor chave na percepção da profundidade porque diminui a simplicidade e aumenta a tensão
no campo visual”.154Ambas as escolhas reproduzem imagens bidimensionais, que nunca
procuram mimetizar a realidade e, nessa medida, selecionaram o que representam de
acordo com os propósitos próprios de cada projecto e funcionam como uma forma de
abstracção que põe em evidência ou esconde determinados aspectos.

Enquadramento
123

A vantagem que muitas vezes se atribui ao digital reside na capacidade de


desenhar o projecto na sua totalidade, com uma facilidade e rapidez maior do que
o que se faria à mão. O desenho é produzido de acordo com medidas reais e depois
é escalado quantas vezes se precisar. Um desenho cria vários, transformando a
composição do enquadramento numa decisão formal que determina como o projecto
é apresentado. Há um pressuposto base, do que aqui se reúne, que corresponde à
seguinte questão: “este exemplo lembra-nos que por alguma razão especial, quem desenha pode
deliberadamente escolher uma vista que induz em erro ou esconde em vez de informar”155

O enquadramento pode ser tão amplo ou tão focado quanto se pretenda.


Dificilmente um enquadramento será mais sucinto do que em (A): uma janela redonda
ocupa a maior parte da imagem, enquadrando, lá fora, uma paisagem genérica; cá
dentro, a presença de um gato, em baixo algo que parece ser uma estante, dá-nos
alguma noção de escala. Quase tudo está escondido: não sabemos a dimensão do
projecto, o programa, a implantação ou a volumetria; o que sabemos é só que tem uma
janela redonda. Apesar disso, a imagem funciona neste fechamento que esconde mais
do que aquilo que mostra, procurando o pormenor face à totalidade, para captar a
atenção de quem vê e para testar determinados aspectos do projecto.

154-  “deformation is the key factor in depth perception because it decrease simplicity and increases tension in the visual field” Idem; p. 259
155- “this example reminds us that for some special purpose, the draftsman may deliberately choose a view that misleads and hides rather than informs”
Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the Creative Eye. University of California Press (1974); p. 109
Quadro 4
A -Motoproprio. House in Volterra. Itália. Investigação. 2015

B- False mirror office. Europan 13.Trondheim, Noruega. 2015. Concurso

C - Dogma. After Hilberseimer. Proposal for the transformation of


Hilberseimer’s Marquette Park,.Chicago, Estados Unidos da América.
2014

D- Pascal Flammer. House in Liguria. Itália. 2009. Construido

124

(D)

(A) (B) (C)


Num outro extremo estão os false mirror (B), com uma imagem que é a
narrativa total do projecto e não deixa nada por mostar. Uma paisagem pouco
detalhada transforma-se progressivamente numa vista axonométrica texturada; uma
quebra abrupta põe-nos perante a planta mas antes, ainda deixa ver o corte; a imagem
desdobra-se novamente para terminar com uma vista perspéctica. A união entre escalas
e tipos de desenho, é mantida pelas linhas de cor avermelhada que acompanham as
quebras e direccionam o olhar. Apesar do conteúdo visual distinto, estas duas imagens
são semelhantes, na medida em que se constroem através de representações parcelares
e que, no caso dos false mirror, se associam para formar uma imagem muito complexa.

O enquadramento também é, de certa forma, responsável por ampliar ou
diminuir as qualidades que atribuímos ou que queremos que sejam atribuídas ao
projecto. A imagem dos Dogma (C) tem um formato quadrangular, ocupado em
grande parte por um plano azul de céu; ao fundo surge uma pequena tira cortada
horizontalmente com o projecto. A imagem é detalhada: vemos cortinas, estantes,
candeeiros e figuras que ocupam o espaço. Uma finíssima linha verde remata e localiza
o edifício. Este enquadramento cria a sensação de que o projecto é mais longitudinal
e baixo, levando a nossa atenção a focar-se de tal forma no plano do céu que quase
somos surpreendidos com a presença do projecto.
Um caso particular desta condição do enquadramento são as imagens do
arquitecto Suíço Pascal Flammer (D), onde se sobrepõem desenhos vectoriais a
quadros clássicos. À direita, as duas figuram marcam os limites verticais da planta que,
parece acompanhar a pose da figura nua, sendo que o limite inferior da planta corre 125
paralelamente ao seu centro de gravidade. À esquerda, o fim das escadas e a abertura do
corte estão perfeitamente alinhados com a cabeça da figura: o corte está posicionado de
tal forma que contrabalança a composição da imagem, criando um elemento horizontal
secundário, em tensão com os restantes. A utilização de camadas permite manipular a
escala de cada constituinte individualmente, criando um equilíbrio muito preciso e que
gera um efeito visual muito forte. A imagem, construída com base numa representação
parcelar do projecto (Será o edifício à direita o volume principal?), quase parece um
postal. A materialidade do projecto é elusiva. Apesar de associarmos os seus diferentes
volumes à pose da figura, a imagem é uma comparação visual que se torna explícita na
sobreposição. Ao criar um enquadramento dentro de outro, torna-se difícil de perceber
se é o quadro que enquadra o projecto ou se é o projecto que utiliza o enquadramento
do quadro.

A forma como estas imagens expõem o seu enquadramento é uma resposta


à totalidade do digital e às imagem muito ‘compostas’ que procuram apresentar o
projecto todo numa só imagem. Na sua parcialidade, estas imagens têm uma qualidade
muito específica dentro do processo de desenho, uma vez que permitem explorar e
pensar o pormenor, a associação entre diferentes elementos ou mesmo todo o projecto.
A forma como o fazem, no entanto, nunca é realista.
Quadro 5
A -Jean-Benoît Vétillard. University island. Campus universitário para a
ilha de Poveglia. Veneza, Itália. 2016. Concurso

B-Francesca Torzo. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky,


Finland. 2014. Concurso

C- Fosbury architecture. Anamosphosis. Bienal de arquitectura de


Tallin. Estónia. 2013. Concurso

D - Dérive lab. La Bema. Querétaro, México. Construido

E- OFFICE KGDVS. Church. Hatlehol, Noruega. 2008. Concurso.

126

(D) (E)

(A) (B) (C)


Linha
127

De uma forma, mais ou menos, óbvia esta categoria reúne imagens em que
o uso de elementos de linha é a principal meio de construção da imagem. A linha é a
forma mais escorreita e comum na representação arquitetónica e mesmo no ambiente
digital continua a ser a dimensão base dos desenhos. A linha continua a ser a mãe de
todas as possibilidades “ Esta é a linha recta cuja tensão representa a forma mais concisa de
potencial de movimento infinito”156 , podendo ter diferentes encarnações: “aguçada e activa”,
“atabalhoada e passiva”, “fria e controlada”.157O uso da linha parece ser agora mais irónico,
servindo-se da vontade ideográfica da imagem para a utilizar de uma forma nostálgica
que evoca os desenhos a mão, expondo a sua forma de produção digital ao mesmo
tempo que a contrariam.

A imagem do atelier Jean-Benoît Vétillard (A) tem algo de banda desenhada.


Mostra o interior de uma casa de banho. A imagem é simples e consegue, com poucos
traços, representar toda a cena. A linha central tanto pode caracterizar a forma do
tecto como desenhar o fim do lavatório e ainda acompanha a mudança de pavimento
do chão, num jogo preciso de escolha entre o que mostrar e o que omitir. A falta de
elementos que caracterizem o plano do tecto não impede a sua perceção volumétrica,

156- “this is the straight line whose tension represents the most consise form of the potentiality from endless movement”. Kandinsky, Wassily, . Point
and Line to Plane. Courier Corporation, 1979. p. 57

157- “Sharp and highly active”, “ clumsy weak passive”, “ cold and controlled”. Idem; p. 72
as figuras do pós-digital

123
128

Fig.45

Exemplo do funcionamento da vista wireframe. Um


clique é a única diferença entre estas imagens
Quadro 5
A -Jean-Benoît Vétillard. University island. Campus universitário para a
ilha de Poveglia. Veneza, Itália. 2016. Concurso

B-Francesca Torzo. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky,


Finland. 2014. Concurso

C- Fosbury architecture. Anamosphosis. Bienal de arquitectura de


Tallin. Estónia. 2013. Concurso

D - Dérive lab. La Bema. Querétaro, México. Construido

E- OFFICE KGDVS. Church. Hatlehol, Noruega. 2008. Concurso.

129

(D) (E)

(A) (B) (C)


assim como sucede com os restantes elementos. A imagem recorre, quase unicamente a
uma espessura de linha, semelhante nos azulejos ao fundo e no plano frontal. Serve--se
de três planos texturados para diferenciar superfícies; ocasionalmente uma linha com
mais espessura para detalhar elementos chave, como a cabeça do chuveiro. A linha,
apesar da sua simplicidade, atesta aqui a sua capacidade de informar todo o espaços.
A sua produção é algo contraintuitiva e serve-se do Illustrator, para desenhar a cena
utilizando como base um planta ou alçado que permitem manter o rigor do desenho.
Mas, a produção, é mais ou menos intuitiva, dentro dessse ambiente, e vai ajustando o
desenho manualmente, sem grandes medidas.

A utilização da linha também tem a capacidade de criar um efeito de


indeterminação sobre a proveniência do desenho, como no caso de (B), da Francesca
Torzo. Uma linha escura desenha o volume no primeiro plano; a variação entre
horizontais e verticais é apoiada pelos minuciosos segmentos deixados em branco que
permitem diferenciar os vários volumes e as torções do alçado. A repetição da linha
deixa antever a massa do edifício, a sua composição e o jogo de volumes. Apesar de se
poder dizer que o desenho é construído com base num só elemento, este consegue ser
muito claro.
A linguagem segue para o plano de fundo, onde um tom mais claro, é usado
para desenhar o que parece ser uma igreja e o resto do alçado. O que denuncia o
desenho como digital é a textura que o alçado retêm, a par do pontilhado equidistante,
irreproduzível à mão. Mais, ao consultar a secção do contexto (em baixo), o detalhe
dos edifícios em volta deixa transparecer que se trata de um desenho digital. Apesar
da ferramenta ser digital, a instrumentação mental é manual. Procura-se empurrar o 130
software para fora do seu uso predefinido, ao mesmo tempo que este é utilizado pela
possibilidade de conferir um rigor e detalhe maior ao desenho.

Num outro extremo, temos o desenho dos Fosbury (C), no qual tudo é
representado com um nível de detalhe minucioso – os quadros na parede, o maço de
tabaco aberto, o ecrã do computador etc…À esquerda, uma criança brinca, com o que
parece ser um icosaedro. A vista da janela, tem alguma coisa de estranho e os prédios
mais próximos estão menos detalhados que os elementos mais afastados, o que cria
uma percepção inversa da profundidade de campo. Utiliza-se uma linha mais grossa
para criar profundidade no caixilho; a alternância entre detalhe e construção geral dá
a profundidade de campo no interior, a sobreposição de tramas cria a impressão de
volume (o candeeiro). Aqui, a mudança não está na instrução mental que foi preciso
localizar, mas na capacidade de transposição da forma de fazer manual para um
ambiente digital, ainda mais que no exemplo anterior.

O funcionamento desta imagem é algo paradoxal, já que o enunciado para a


bienal de arquitectura de Talinn, propunha pensar o futuro do distrito de Oismae Vaike;
não parece ser claro se o que se propõe passa por um re-desenho do espaço interior ou
por uma reconversão do exterior. A maior promenorização de um objecto no centro
e um outro à esquerda da imagem parecem dar a enteder que esse seria o trabalho
do arquitecto, mas é ambíguo. O seu desenho segue um processo incerto, já que a
forma de funcionamento dos softwares não procura imitar o que se fazia à mão, mas
criar novas formas de funcionamento. Os programas de CAD ou semelhantes, onde
provavelmente este desenho foi produzido, possibilitam através do zoom quase infinito,
desenhar a uma escala cada vez mais pormenorizada, efeito esse que esta imagem
Quadro 5
A -Jean-Benoît Vétillard. University island. Campus universitário para a
ilha de Poveglia. Veneza, Itália. 2016. Concurso

B-Francesca Torzo. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky,


Finland. 2014. Concurso

C- Fosbury architecture. Anamosphosis. Bienal de arquitectura de


Tallin. Estónia. 2013. Concurso

D - Dérive lab. La Bema. Querétaro, México. Construido

E- OFFICE KGDVS. Church. Hatlehol, Noruega. 2008. Concurso.

131

(D) (E)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

espelha muito bem, mas não deixa de ser necessario também um trabalho técnico não
necessecariamente conivente com o set up do software.

A imagem dos Derivé (D) destaca-se por uma dificuldade de leitura. O


espaço axnométrico é apresentado numa vista chamada de Wireframe, que permite
ver todos os elementos à transparência, representando todas as linhas mesmo as que
ficaram invisíveis atrás dos planos de parede [ver Fig. 45]. A acentuar a sensação de
desordem, vemos uma figura entrecortada pelas aberturas, um efeito estranho quando
conseguimos ver através da parede. Esta vista é normalmente utilizada em modelos
3D, já que, ao desenhar à transparência, possibilita a detecção de incongruências.
Nessa medida, a imagem parece pôr em causa o próprio software que a gera, expondo
na totalidade o seu funcionamento. O efeito de confusão que gera é propositado para
expressar uma complexidade espacial: vemos vários compartimentos e ligações de uma
espaço grande numa vista relativamente pequena, o que seria difícil de mostrar de outra
forma.

Por oposição, (E) dos OFFICE KGDVS, parece ser de extrema clareza, mas
não o é. Uma vista axnométrica localiza o observador num ponto no chão e o volume
desenvolve-se numa linha praticamente continua à sua volta. Uma linha mais escura
132 nos vértices expõem o ponto em que o edifício toca no chão. Um olhar mais atento aos
elementos mais finos que se dispõem ligeiramente a direita, vê um órgão, uns degraus
que serão o púlpito e o resto das linhas talvez bancos. Estes elementos impõem um
certo nível de complexidade na imagem, que se afigura difícil de ler, já que o programa
se desenvolve num vazio e não dentro da massa do edifício. Este surge suspenso e
esconde a simbólica cruz que facilitaria a identificação do espaço como uma igreja. A
sua forma de produção é também curiosa, já que parte de um modelo 3D ao qual se
aplica um comando chamado flattenshot que cria um desenho de linha. Por partir de um
3D é necessariamente uma tentativa de simplificar do que se começou a desenhar.

O uso da linha, neste contexto pd, parece necessariamente nostálgico e procura


imitar o desenho à mão, ao mesmo tempo que tira partido da facilidade de detalhar
o espaço através do desenho a várias escalas. A conjugação de elementos (como a
textura) cria uma espécie de híbrido, que só é possível dentro do digital, mas que
depende ainda de processo manuais enquanto instrumentação mental.
Quadro 6
A- kola. Simulacrum. Concurso

B-CXEMA. Clear house.Archives for the design of a modular home. Kaluga,


Rússia. 2017. Concurso

C- Yellow Office. Piaza Scala. Milão, Itália. 2015. Concurso

D- Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha. 2013-16. Construido

E- KWY e Yellow Office. Osumi Panoramas. Ilha de Osumi, Berat, Albânia.


Competição

F- Gosplan. Fisherman’s House. Génova, Itália 2016. Construido

G- Gosplan. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky, Finland. 2014

133

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

Exibição
134

“e·xi·bi·ção |z|
(latim exhibitio, -onis)
1.ato ou efeito de exibir(-se), de mostrar(-se) ou pôr(-se) à vista
2.apresentação ou exposição de algo perante um público
3.demonstração; patenteação
4.DESPORTO desempenho de um atleta ou de uma equipa numa determinada prova ou partida
5.alarde; ostentação”158

A condição de exibição implica, não só mostrar como também ser visto, dar a
ver. Neste caso, a associação que une estas imagens é a procura de dar a ver, de mostar.
Normalmente esta condição esta relacionada com a exposição do uso ou de possíveis
usos do espaço. Nessa medida, são imagens ostensivas que impõem a figura sob o
fundo e criam um desequilíbrio face ao que seria esperado. Por vezes, aproximam-se
mais de frames de filmes do que de desenhos de arquitectura.

Um plano fechado sobrepõe, horizontalmente, três imagens do gabinete


KOLA (A). Parecem fazer parte de um filme, de onde, por acaso, se capturou estes
três frames. Pela forma como as figuras estão dispostas e pelas acções que lhes estão
atribuídas, parecemos ser capazes de completar mentalmente a cena (o prato que volta

158- in https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/exibição. Consultado em 04/04/2019


Quadro 6
A- kola. Simulacrum. Concurso

B-CXEMA. Clear house.Archives for the design of a modular home. Kaluga,


Rússia. 2017. Concurso

C- Yellow Office. Piaza Scala. Milão, Itália. 2015. Concurso

D- Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha. 2013-16. Construido

E- KWY e Yellow Office. Osumi Panoramas. Ilha de Osumi, Berat, Albânia.


Competição

F- Gosplan. Fisherman’s House. Génova, Itália 2016. Construido

G- Gosplan. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky, Finland. 2014

135

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

para o armário, as tangerinas para cima da mesa) - existe uma condição de movimento
implícito. Apesar da sua dimensão exígua, as imagens são bastantes detalhadas, do
papel higiénico aos botões do fogão. Caracterizar o uso, desta forma detalhada, é quase
sempre uma forma de interpelar o espectador. Aqui, essa interpelação é deslocada
pelo anacronismo da imagem, que paradoxalmente funciona para dar mais força à
composição.

Na imagem (B) somos confrontados com duas figuras, no que parece ser um
estado de semi-transe, provocado pela luz zenital. No plano de fundo, uma textura
de madeira desenvolve-se em vários tons e desenha todo o espaço, do chão ao tecto.
A composição é equilibrada, as linhas do tecto asseguram a perspectiva, as figuras
estão perfeitamente centradas, o espaço que se detalha é simples, mas bem composto.
A imagem funciona no exagero, sobrecarrega a presença da luz e dá-lhe um ênfase
imenso através do posicionamento das figuras. Usa a sua retórica para exibir um
uso que se assume à partida como irrealista, mas que é capaz de marcar presença. A
imagem reconhece a simplificação na utilização constante da mesma textura, ajustada
cuidadosamente num programa de renderização. Depois, o desenho é terminado num
ambiente de pós-produção, onde se desenham as figuras e se pormenorizam a imagem
(as almofadas no banco).

Existe outro tipo de posição face a esta condição da exibição, e que consiste em
esgotar todas as suas encenações possíveis. O desenho dos Yellow Office (C) procura
esse efeito, através da aglutinação de várias imagens pequenas, compostas de forma
136
visualmente semelhante, dando a ideia de que é o observador se move em relação ao
projecto, apesar de nunca sair do lugar. A utilização de vistas picadas, mas que mantêm
a perspectiva, e de linhas de pavimento tão marcadas, permitem entender o movimento
e criar uma imagem de conjunto da totalidade do projecto. Cada imagem é em si
bastante simples, utilizando manchas azuis para caracterizar as pessoas e formas para os
objectos (o branco com linhas de sombra vincadas que dispõem na praça). Este efeito
serve para ilustrar as diferentes formas de apropriação que a inserção de diferentes
objectos, num espaço de praça, irá criar.

De uma forma semelhante, o gabinete espanhol Maio, (D) mostra sempre o


mesmo espaço: a axnometria desenhada 30 vezes, só mostra duas variações. O que
se modifica é a forma como se ocupa o espaço. Uma mesa de bilhar e uma estante
– uma sala; uma mesa com cadeiras – sala de jantar; uma cama e uma mesinha de
cabeceira - um quarto. O sentido destas imagens é tão mais forte quanto é capaz de
se ajustar ao foco do projecto, como acontece neste caso. 22 dwelings in 110 rooms,
consiste num projecto de habitação coletiva em que todos os espaços interiores
são semelhantes, libertando o habitante para os ocupar como pretende. A imagem
transmite a versatilidade do espaço, e aqui é fácil de entender a vantagem do catálogo
infinito disponível online, que permite encontrar com facilidade todos os objectos aqui
expostos. A cor garrida que recobre cada objecto assegura a harmonia é compõem a
imagem.

Esta condição de expor o uso é, às vezes, tão forte que se sobrepõe ao próprio
projecto, como no caso dos KWY (E) em que a massa de pessoas que nadam ocupa
¾ da imagem, minimizando a presença do que se pretende construir, no caso a estufa
Quadro 6 A- kola. Simulacrum. Concurso

B-CXEMA. Clear house.Archives for the design of a modular home. Kaluga,


Rússia. 2017. Concurso

C- Yellow Office. Piaza Scala. Milão, Itália. 2015. Concurso

D- Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha. 2013-16. Construido

E- KWY e Yellow Office. Osumi Panoramas. Ilha de Osumi, Berat, Albânia.


Competição

F- Gosplan. Fisherman’s House. Génova, Itália 2016. Construido

G- Gosplan. Guggenheim Helsinki Design Competition. Helsinky, Finland. 2014

137

(G)

(D) (E) (F)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

à esquerda, e que justificou a produção da imagem em primeiro lugar. No caso, o que


se parece estar a fazer é minimizar a intrusão que o projecto necessariamente cria, não
sendo fruto do acaso que este esteja levantado do chão, deixando a cota baixa livre.

Esta ideia de caracterizar o uso é também muito presente em (F), dos Gosplan
na qual duas coloridas figuras ocupam o interior de uma casa. A imagem tem um
ar cómico e é reminiscente de um cartoon: a sala, a cozinha, a mesa com uma só
cadeira, o gato na janela, as escadas demasiado finas, a figura da mãe, que nos interpela
directamente e parece ser incapaz de limpar o chão, apesar do número de frascos que
a rodeiam; ao lado uma criança indiferente lança bolhas de sabão. Esta personificação
excessiva agarra toda a nossa atenção, apesar de o fazer de uma forma estranha: ser
incapaz de limpar o chão não é a melhor publicidade para um projecto. Precisamos de
algum tempo para perceber que a cozinha é bastante pequena e que dificilmente alguém
se conseguiria sentar no banco que apoia a mesa. A atmosfera tem mais força do que
as qualidades formais, mesmo quando estas estão a nossa frente. Cria-se um efeito
semelhante ao cartoon, uma cena semi-realista, exacerbada para propósitos cómicos
que aqui funciona como uma máscara, que dá interesse a um projecto que é em tudo
banal. A aceleração da perspectiva que suporta a imagem parece ter sido criada no
ambiente de Photoshop, que não sendo um programa de render permite uma maior
liberdade.
Um exemplo intermédio entre estas duas dialéticas é a imagem dos Gosplan
(G) para o concurso do Guggenheim de Helsínquia. A imagem divide-se em três
tiras verticais em que a justaposição vai tendo diferentes encenações, já que só pela
138 continuidade entre tiras se completa o desenho do edifício. A base é sempre a mesma:
uma vista do edifício tirada a partir de um ponto no rio. O que se modifica mais do
que a forma de desenhar o edifício, são os diferentes ambientes que se expõem. Na
secção direita a palavra glamour, o medalhão amarelo e o zeplim no topo do edifício
indicam um tipo de uso muito diferente, da porção central em que o dia se substitui à
noite e uma série de pessoas dispostas na fachada transparente, subtituem o ambiente
festivo da secção anterior. Na última secção, à esquerda, vários padrões emergem para
animar o alçado. Neste caso o desenho alinha-se com o conceito do projecto, onde se
pretendia desenhar um alçado relativamente simples, para suportar os diferentes usos
possíveis do museu. A produção é semelhante, ao descrito anteriormente, conjugando
desenho vectorias com o Photoshop.


Apesar do foco destas imagens parecer ser lateral à materialização da obra, isso
não é necessariamente verdade. Elas servem-se é de um efeito exacerbado que enfatiza
a condição do uso, de forma mais ou menos, realista, em benefício das qualidades
formais. Onde “ em vez de se voltarem para o observador perpendicularmente ou obliquamenteo,
o cone da perspectiva central abre-se como uma flor para o observador, aproximando se directamente
e, quando establecido perpendocularmente tornando o eixo da figura coincidente com a linha de visão
do observador (...) isto explica o reconhecimento do observador é ao mesmo tempo uma imposição do
Quadro 7
A- Other architects. Gully House. Sydney, Austrália. Em curso

B- NP2F. SoHo reinventer Paris. França. 2014. Concurso

C- ASSEMBLE. Laguna Viva. Veneza, Itália. 2017-19. Construido

D- Something fantastic. Sesonality house. Berlim, Alemanha. Em curso

E- OFFICE KGDVS. Crematorium. Ostend, Bélgica. 2014

139

(D) (E)

(A) (B) (C)


as figuras do pós-digital

mundo representado na imagem” .159

Procuram caracterizar formalmente o projecto pela exibição exarcebada do uso


ou pela ocupaçao do espaço. O que é também uma forma de criar uma identificação
entre a imagem e o espectador uma interpelação, mais ou menos, directa do espectador.

Verde
140

Por Verde entendemos as imagens onde estivesse presente uma vontade latente
em expor elementos naturais, como árvores, arbustos ou flores e outros elementos.
Não necessariamente tons de verde, mas um tipo especifico de uso. Por norma estes
elementos, rodeiam o projecto mas não fazem parte dele. São condições pré-existentes
a que se procura apelar, para caracterizar o projecto e consumar a imagem.

A imagem que talvez exponha melhor esta condição é (A) em que somente
conseguimos discernir o que parece ser uma janela adjacente a uma parede, distinta do
chão graças a uma mudança subtil de tons e o que pode eventualmente ser um caixilho
(a cinzento mais escuro). Da janela, o que se vê é o fragmento de uma paisagem de
Henri Rousseau, copiada e colada, directamente sofrendo apenas uma modificação –
o preto e branco - no que é de resto uma apropriação completa. A imagem gera um
contraste entre a calma interior e uma profusão de elementos no exterior que permitem
intuir a intenção do projecto, mas que nada revelam da sua composição.

Um exemplo igualmente óbvio desta condição é a imagem (B) dos NP2F, em


que um edifício em altura é caracterizado pela espessura das lajes e pilares, a cinzento,

159- “instead of facing the viewer perpendicularly or obliquely, the funnel of central perspective opens like a flower toward the observer, approaching him
directly and, when dired symmetrically, by making the picture’s central axis coincide with the viewer’s line of sight (…) this explicit acknowledgment of
the viewer is at the time a violent imposition upon the world represented in the picture”. Arnheim, R. Art and Visual Perception: A Psychology of the
Creative Eye. University of California Press (1974). p. 294
as figuras do pós-digital

135
141

Fig.46

Exemplo da construção de um desenho perspéctico


no Autocad.
Quadro 7
A- Other architects. Gully House. Sydney, Austrália. Em curso

B- NP2F. SoHo reinventer Paris. França. 2014. Concurso

C- ASSEMBLE. Laguna Viva. Veneza, Itália. 2017-19. Construido

D- Something fantastic. Sesonality house. Berlim, Alemanha. Em curso

E- OFFICE KGDVS. Crematorium. Ostend, Bélgica. 2014

142

(D) (E)

(A) (B) (C)


que parecem, no entanto, estar a flutuar. O que salta mais a vista é a profusão de
elementos verdes – desde palmeiras a vasos – mais presentes nos primeiros pisos e
que se tornam mais pontuais nos pisos superiores. Apesar da imagem representar,
em parte, o enunciado do projecto, um jardim semicoberto num edifício de habitação
plurifamiliar em Paris, distribuem-se elementos verdes pelas varandas dos restantes
pisos, para criar uma continuidade. Parece dificilmente justificável o desequilíbrio entre
as qualidades formais do projecto e o detalhe que é dado a este tipo de elementos.
Assim, parte-se de uma vontade de impor um uso específico ao projecto, que poderá
nunca se materializar, na realidade. Esta imagem também ilustra muito bem a facilidade
de produção do digital, que recorrendo aos mesmos 3 ou 4 elementos os escala e
espelha para conformar uma variedade maior.

Este ênfase nos elementos verdes está presente e é amplificado pelo desenho
do Assemble (C). Os tons quentes das paredes contrastam com o verde escuro
presente, tanto no interior, como no exterior. O modo de desenho procura imitar
a textura do pincel, condenando a imagem a um efeito que, apesar de expressivo, é
pouco conciso. Neste caso, o projecto é para um Jardim no exterior de um, palácio e
inclui, tanto espaços interiores, como exteriores. O que está ausente desta imagem é o
trabalho do arquitecto propriamente dito. Não há menção ao mobiliário urbano nem
a algum dos 1200 azulejos desenhados para o projecto. A ideia que sobressai é a da
função, um jardim. No entanto, a imagem serve para clarificar a atmosfera do projecto,
veiculando uma ideia precisa da sua atmosfera.

143

A imagem (D) mostra um detalhado num desenho de linha uma cena interior
em acelerada perspectiva. Revela, à direita uma espécie de palco, texturado a cinzento;
do lado oposto, duas entradas; no fundo uma janela aberta e uma cortina esvoaça (no
centro à direita). Uma profusão de diferentes tipos de folhas rodeiam a imagem, num
enquadramento semelhante a um quadro romântico que enquadra a imagem e cria um
foco central, reforçado pela abertura da cortina e pelas linhas do chão. A criação de
um foco tão preciso permite caracterizar formalmente, o espaço desde as texturas ao
desenho da cortina, ou à materialidade do tecto. A imagem é precisa na forma como
coloca o observador e depois compõe a cena a partir deste ponto de vista.

A produção deste tipo de imagens é um exemplo importante das formas


como é possível utilizar o digital. A forma mais imediata seria usar provavelmente o
Autocad, por permitir mais liberdade, capaz até de, neste tipo de desenho, suspender
momentaneamente a necessidade de escala. Esta, ajustada visualmente aproxima-
se da forma como seria feita manualmente. Definindo o ponto de fuga, e traçando
depois, linhas auxiliares que determinam a localização dos elementos, a que acresem
os restantes efeitos expressivos como as texturas e as linhas de sombra. A imagem
funciona também por causa do nível de detalhe, muito presente no desenho das folhas.
Provavelmente importadas em formato de imagem para o Autocad, posteriormente
redesenhadas com a linha, escaladas repetidas e ajustadas. [ver Fig.46]

Estes elementos, que definimos como verdes, podem também ser usados
como elementos compositivos como acontece em (E) dos OFFICE KGDVS.
Uma cuidadosa disposição de árvores secciona o alçado,
primeiro ao centro, e depois em fracções menores. O efeito é
estudado e ajustado na disposição de camadas num ambiente
de manipulação fotográfica, permitindo dividir o olhar sobre o
edifício. A distribuição longituidal do programa, cria uma grande
massa horizontal grande que as árvores, a presença do riacho,
os pássaros (no cimo) e a própria sectorização da imagem em
3 fracções (chão, edifício, céu), ajudam a dissolver de maneira
equilibrada.

O que podemos concluir é que o foco que nestas imagens


é dado aos elementos verdes funciona como uma figura retórica,
que suporta as imagens, mais do que as define. Estes elementos
procuram, de certa forma, substituir a presença, de carros, comum
em fotografias de edifícios modernistas. Servem, de igual forma,
para enfatizar uma ideia do projecto: se antes a casa era a máquina
de habitar, agora parecem denotar um preocupação ambiental ou
ecológica.
4
A rejeição do real
Uma experiência
conceptual
a rejeição do real

146
A leitura deste capítulo deve ser acompanhada
pelo argumento visual presente na segundo
volume - o caderno de imagens.
a rejeição do real

75

148

Fig.47
O digital tem uma capacidade imensa de tornar o real
em falso.
“Dá-se demasiado valor à realidade”.160

149

Declinações

Seleccionámos 40 imagens que dividimos em 7 categorias, que analisamos


individualmente. Sectorizamos a amostra para a podermos, agora, voltar a juntar. A
questão que se coloca é como fazê-lo? Qual a característica comum que é forte o
suficiente para unir estas 40 imagens?
Apesar do conteúdo visual destas imagens ser novo e bastante diferente do aspecto
típico que normalmente se associa aos desenhos de arquitectura, as figuras que
configuram, continuam a ser, grosso modo, as mesmas: a planta,o corte, o alçado ou a
axonometria.

E, já que o que é diferente é o conteúdo visual, uma forma plausível de


unir todas estas imagens seria colocando-o em evidência, afirmando que o pd é um
estilo. O que une estas imagens, antes de qualquer outra questão, é uma corrente

160- “Reality is overrated” in https://falaatelier.com/ consultado a 22/09/2019


a rejeição do real

150

Fig.48
Fala atelier Casa na rua do Paraiso.
visual, responsável pelas semelhanças que existem entre elas. São os limites dessa
verosimilitude que une a escolha das imagens aqui reunidas, e é também o que
as une sob o que pode ser considerado como trabalho de campo do pd. Podíamos
continuar, e dizer que este estilo se baseia no uso de cores primárias, no recorte directo
de fragmentos, na utilização de texturas vincadas e que se concentra em desenhar cenas
simétricas. Seria perfeitamente possível definir com exactidão o estilo pd. O que se
põe em causa é a operatividade desta montagem. O estilo é uma grandeza nominativa,
identifica o que vê com um nome. “há alguma coisa de imediato, em outras palavras, sobre a
percepção de estilo neste sentido formal”161. Apesar do pd ser um estilo, caracterizá-lo mesmo
de um modo claro e rigoroso, só permitiria traçar um série de normas para identificar
este tipo de imagens e, eventualmente, até produzi-las, nada que um olhar atento a estas
40 imagens, não permitisse fazer. O potencial desta montagem acabava aí. Uma vez,
definido o estilo, o nosso trabalho estaria feito, e teria sido, talvez, pouco útil.

Um caminho mais pertinente seria voltar a olhar para as categorias, agora


invertendo o olhar, não do tema para os constituintes, mas dos constituintes para
o tema, sumariando o resultado da análise. No fundo, falamos de uma forma de
começar a definir quais são as declinações que gerem o pd, enquanto um paradigma de
representação, como estabelecemos anteriormente.

Assim, podíamos começar por estabelecer que: o verde é uma figura retórica
a que se recorre, pontualmente, para conferir a estas imagens um sentido expressivo e
figurativo grande, uma forma de personificação de um interesse ecológico tão actual.
151
A textura, por sua vez, funciona como uma forma de dar profundidade a
estas imagens, que pela sua forma de produção e composição não teriam. É uma
máscara que se sobrepõe e lhes permite um nível de complexidade maior, na medida
em que se cobrem estas imagens sob um véu de indeterminação quanto à sua origem
e proveniência. A superfície, na forma como suprime dimensões e nivela a imagem,
exprime uma vontade de simplificação. Se esta simplificação tem em parte motivos
técnicos, já que de uma forma semelhante ao desenho à mão, quanto mais complexa a
imagem mais domínio técnico exige, não deixa também de ser uma escolha de quem
desenha para criar distanciamento em relação à realidade.
O uso da linha parece ser preponderadamente nostálgico, já que nesta nova
encenação, não se conforma a um novo uso, mas utiliza os mesmos mecanismos
do desenho à mão. Trabalhando, assim, por contraponto à configuração do próprio
software que utiliza, só para conferir mais rigor e precisão ao desenho. A exibição, na sua
condição dialética de mostrar e ser visto, procura criar uma vontade de identificação,
entre o objecto, quem o usa e o sujeito que vê a imagem. A colagem é uma espécie
de vontade de imperfeição, que amplia voluntariamente as diferenças entre elementos
constituintes, quer pela ênfase que dá as juntas, quer pela maneira como desloca a
imagem para outros sistemas de referência. O enquadramento, pela forma como se
processa dentro do digital, tem o propósito de ser parcial, de afirmar o desenho como
distante, como algo outro, na forma como monta a imagem.

Estas, enquanto conjugações de base do pd, ilustram a forma como as figuras

161- -”There is something immediate, in other words, about the perception of style in this formal sense” Alpers, Svetlana. Style Is What You Make It:
The Visual Arts Once Again. 1979. p. 138
a rejeição do real

152

Fig.49
Translations from Drawing to Building and Other
Essays
que lhes são coincidentes, codificam determinados aspectos. Podíamos resumir ainda
mais e definir da seguinte forma o modelo ou paradigma que o pd cria:
O verde é uma figura retórica.
A colagem serve para criar descontinuidades visuais.
A exibição é a vontade de identificação.
A linha é a nostalgia.
O enquadramento é a acumulação de representações parciais.
A textura é a máscara do digital.
A superficie é a vontade de simplificação.

É, a partir destas declinações maiores, que estas imagens desenvolvem a sua


narrativa e gerem o seu conteúdo visual. Mais que um reconhecimento visual, e por
isso, superficial dos elementos constituíntes, importa perceber e interpretar estas
formas de codificação, tanto para participar na sua produção, como para entender
o que lhes está subjacente, num plano maior do que o da identificação visual. As
declinações são uma forma de entender a que mecanismos estas imagens recorrem
para conformar a sua vontade ideográfica, ainda que não expliquem de que forma estes
mecanismos operam. Se se pautam por codificar determinados elementos visuais, de
que forma e com que propósito o fazem?

O verde enquanto figura retórica baseia-se no exagero que, pela forma que
assume, não é nem nunca procurou ser materializável. A colagem é uma forma de
impor descontinuidades visuais, de coloca em evidência os elementos constituintes
e por isso também a sua forma de produção. A linha é uma maneira de polarizar 153
informação, que ora a simplifica, ora a complexifica, distanciando-se sempre do real. A
exibição funciona como um truque que foge do que seria o espectável para um desenho
de arquitectura – a representação do uso ideal (realista) - e prefere descomprometer-
-se da realidade, mascarando o uso com outro tipo de atributos. A superfície é uma
mentira que se conta dentro do digital para se poder simplificar, de forma excessiva
ou pelo menos desnecessária, a imagem. A textura, ao mascarar o modo de produção
da imagem, funciona como uma forma de deslocar o conteúdo visual da imagem para
outros imaginários normalmente distantes do digital. Para outros modos de produção, o
seu exagero é uma forma de reafirmar a falsidade do representado. O enquadramento,
na forma como conjuga os diferentes elementos, é uma medida para completar estas
imagens, de lhes conferir um aspecto completo e complexo. E, apesar de ser bastante
eficiente na forma como actua, fa-lo sempre segundo uma condição irrealista, que tanto
se aproxima de um enquadramento fotográfico como se afasta para outros universos.

Todas estas estratégias servem para criar distância em relação à realidade,


para se moverem num espaço abstracto que nem responde à realidade material, nem
ao digital, um vez que o digital, foi configurado, dentro do campo da representação
arquitectónica, para ser o mais fidegno possível. Estas imagens podiam, com toda a
legitimidade, procurar imitar a realidade e aí inscrever-se-iam na corrente hiper-realista.
A realidade é que a sua forma de produção não seria assim tão diferente e utilizaria
muitos dos mesmo programas. Esta abstracção da realidade é uma escolha entre muitas
outras, que sempre existiram, mas que o digital ampliou. É uma decisão consciente de
virar as costas ao poder de processamento que qualquer computador hoje permite e
encontrar outros territórios de operação. Estas imagens partem do pressuposto de que
é impossível representar de forma verosímil, as complexidades materiais da realidade,
a rejeição do real

154

Fig.50
Stan Allen. Venice Biennale 2016 : A vertical botanic
garden.
e que o digital também não veio resolver esse problema. Escolhem, por isso, rejeitar a
realidade, e desenhar de uma forma descomprometida. Mais, na forma como acentuam
o seu carácter falso parecem querer evidenciar esta impossibilidade e jogar a seu favor.

155

O que permite

Se o que une esta seleção é a rejeição do real, a próxima questão que se coloca
é: o que é que esta rejeição permite fazer?
O desenho é o trabalho do arquitecto e o meio sobre o qual exercem o seu saber.
“Como regra os arquitectos não constroem. Desenham, escrevem, anotam, fazem diagramas,
maquetas, mapas, croquis, fotografias, animam e de outras formas visualizam objectos,
espaços e territórios; fazem apresentações visuais e verbais; compilam analises visuais, escritas e
relatórios; produzem instruções visuais e escritas”.162
Os arquitectos não trabalham directamente com o objecto final, mas sempre à
distância e o desenho é o processo que permite mediar e negociar o afastamento que existe
entre estas duas realidades a material e a do pensamento do arquitecto.

162-  “As a rule, architects do not build. They draw, write, annotate, diagram, model, map, sketch, photograph, animate, and otherwise visualize objects,
spaces, and territories; they make visual and verbal presentations; they compile visual and written analyses and reports; and they issue visual and writte
instructions”.Martin, Reinhold. Architectural Visualization since 1900 Fall 2016 p.1
a rejeição do real

156

Fig.51
San Rocco #10 ECOLOGY.
Historicamente, a reconversão do papel do arquitecto de constructor para
desenhador, estava dependente do desenho ser inequívoco, de ser um suporte preciso
que compilava instruções para a execução da obra independentemente da presença do
arquitecto no estaleiro.
Nesta medida, a invenção da projecção ortogonal, que marcou este afastamento
não é uma coincidência: “é o sonho do tradutor. Através dos seus axiomas as figuras mais
complexas podem ser deslocadas para uma formação perfeitamente congruente noutro lado”.163 Era
a verosimilhança que existia entre o objecto e o desenho que permitia ao desenho
transformar-se no locus do trabalho do arquitecto.

Se a perspectiva ortogonal é o primeiro passo para afirmar o desenho dentro


do processo arquitectónico, é também, o primeiro passo que o inscreve dentro da
doutrina do essencialismo, descrito por Robin Evans em ‘Traslations from drawing to
building’ na qual: “a arquitectura tem sido pensada como procura da preservação máxima, em que
tanto significado como semelhança são transportadas, através do desenho, da ideia para o edifício com
o minímo de perdas.”.164 Esta ideia de minimizar perdas de significado através de uma
presença inequívoca, continua presente e encontrou no digital uma expressão muito
forte. O poder de processamento, que ultrapassa necessariamente o rigor do desenho
à mão, é visto como a forma ideal de produzir o máximo de coerência possível. Nesta
medida, é possível pensar nos render hiper-realistas “como o passo final na conclusão do sistema
de representação que Alberti originou“.165
O que se pode transfornar num problema, pela forma como esgota o campo de
trabalho já que, a partir do momento em que “ um render de um edifício é bem conseguido na medida
em que se parece o suficiente com a fotografia de um edifício” .166 Formam um caminho que “não parte da 157
imagem para a realidade mas de imagem para a imagem”.167 Não trabalha para “tranformar a realidade,
antes para reproduzi-la”. 168 O desenho gere-se num paradoxo no qual quanto mais capaz
de imitar a realidade, menos operatividade tem dentro do processo arquitectónico porque
esta capacidade de mimese não se baseia, necessariamente, na complexidade da visão, mas
inscreve-se noconceito da visualidade Stan Allen define em “Practice: Architecture, Technique and
Representation” como uma forma de codificar a visão de acordo com determinados princípios,
nomeadamente os da fotografia. Assim, mostram sempre o esperado a quem desenha.

A visualidade e o essencialismo são interdependentes, havendo semelhanças


teóricas marcadas e assumidas entre as obras de ambos os autores. É possível pensar
na visualidade como a expressão, mais ou menos, directa do essencialismo. O que é
fundamental é a forma como tanto Allen, como Evans, põem em causa este modo de
pensamento e avançam outras hipóteses de trabalho para o desenho em arquitectura.

163-“ is the language translator dream. With its axioms the most complex figures may be moved into perfectly congruent formation elsewhere” Evans,
Robin. Translations from Drawing to Building and Other Essays. 1997 p.181

164- “architecture has nevertheless been thought of as na attemp at maximum preservation in which both meaning and likeness are transported from ideia
through drawing to building with minimum loss.” Idem; p.181
165- “The hyper-photorealist render is the final conclusion of a representational system that originates with Alberti’ Jacob, Sam. Rendering: The Cave
of the Digital e-flux journal. February 2, 2018

166-  “a render of a building is deemed successful if it looks sufficiently like a photograph of a building” Allen, Stan. Practice: Architecture, Technique
and Representation. 2012. p.74

167- “not form image to reality, but from image to image”, Idem; p.75

168- “to transform reality, only to reproduce it”Ibidem;


a rejeição do real

158

Fig.52
Frank van der Salm Nexus, 2004.
A crítica que se faz a este tipo de desenho, é primeiramente, a impossibilidade de
representar a complexidade da visão sob a forma de uma imagem. O que se vê nunca
é exactamente o mesmo que se desenha. A visão é infinitamente mais completa e
complexa que qualquer desenho. E aqui se entende a utilidade da projecção ortogonal,
que ao definir um ponto de fuga e estabilizar o horizonte, congela a visão e concentra o
desenho nesse ponto de vista.
Em segundo lugar, o desenho como forma de mediação, tem sempre uma
limitação de referências intrínseca e não é possível chegar a tudo através do desenho.
Nem todas as qualidades materiais de uma obra se processam através do desenho e
mesmo as que se processam necessariamente através do rigor do desenho.

Evans, usa o desenho da cúpula de Philibert de L’Orme para explicar algo


que, sendo específico ao projecto em questão, é verdadeiro para todos os desenhos
de arquitectura. O resultado material não depende da utilização rigorosa da técnica da
projecção. Pelo contrário, o produto final depende do desejo de desenhar o objecto
como é visto e não sob o rigor geométrico, já que a projecção ortogonal não é
capaz de mapear o desenho da cúpula “ A projecção rigorosa não liberta nada no sentido da
emancipação” .169

O desenho de arquitectura opera sob uma “direcionalidade invertida” 170 na qual o


significante material vai existir depois do desenho e não antes dele. Nessa medida, o seu
interesse é justamente o de não ser mimético e de ser um meio em que “o resultado nem
sempre corresponde ao que é definido à partida”.171
159
O poder do desenho reside nesta negociação entre a técnica e a tradução.
“transfiguração, transição, transmigração, transferência, transmissão, transmognização,
transmutação, transposição, transubstanciação, qualquer uma delas ocupa com prazer o
lugar do ângulo morto que existe entre o desenho e os seus objectos, uma vez que nunca
podemos estar certos, antes do acontecimento, de como as coisas viajarão e o que lhes
acontecerá pelo caminho. Podemos como faz L’Orme procurar tirar partido da situação
prolongando da sua jornada, mas mantém controlo suficiente para que se lhes alocarem
destinos mais remotos” .172

Esta possibilidade de perder algum controlo do desenho é o que permite criar


outro tipo de relações que não seja de imagem para imagem, conferindo ao desenho
um papel privilegiado dentro do processo arquitectónico. Chega-se, assim, a um
paradoxo chave: o que se pode pedir a uma teoria de representação não é o ajuste
direto entre desenho e objecto, mas “ Como conceber um sistema ao mesmo tempo altamente
abstracto e auto-referencial, que ao mesmo tempo tem como objectivo a transformação instrumental da

169- “rigorous projection does not free anything not in the sence of emancipation.” Ibidem; p.172

170- - “ reversed directionality” Evans, Robin. Translations from Drawing to Building and Other Essays. 1997 p. 165

171- “what comes out is not always the same as what goes in.” Idem; p.181

172-  “transfiguration, transition, transmigration, transfer, transmission, transmogrification, transmutation, transposition, transubstantiation, transcende,
any of which would sit happily over the blind spot between the drawing and its objects because we can never be quite certain, before the event how things
will travel and what will happened to them on the way. We may like de l’orme, try to take advantage of the situation by extending their journey,
maintaining sufficient control in transit so that more remote destinations may be reached” Evans, Robin; op cit p.182
a rejeição do real

160

Fig.53
Pier Vittorio Aureli 2014.
realidade?”.173

O que aqui está implícito é a necessidade de aceitar a abstracção, o


desconhecido, como meio condicional do desenho e não como um problema que deve
ser ultrapassado. A ideia que: “a abstracção é mais do que um expediente” 174 mas o ponto
a partir do qual se desenha. O risco de aceitar esta posição parece em parte estar na
premissa que “as coisas se deviam degradar na deslocação de ideia para objecto”.175 É, nessa
medidade, quanto maior e mais controlado fosse o processo de tradução, melhor. No
entanto, se um processo de tradução fidedigno é em si mesmo impossível, então é mais
útil ao processo de arquitectura não trabalhar contra esta impossibilidade, mas a partir
dela.
“reconhecer que o poder do desenho, enquanto meio é, inesperadamente, o
reconhecimento do seu carácter distinto e de dissimilitude em relação ao que é
representado, em vez de depender da sua semelhança, o que não é nem paradoxal nem
dissociativo como pode parecer ”.176

Esta condição de abstracção que gere o desenho também pode acontecer


dentro do computador, já que este processo da descoberta da inventiva própria, isto
é, da forma como se codifica a abstracção, é próprio de cada um e não há nada num
computador que exclua a hipótese de isso acontecer. Implica, no entanto, uma viragem
da visualidade do computador para outros territórios, sendo igualmente claro que esta
abstracção não é construída da mesma forma e envolve outros processos que se ligam
ao modo de funcionamento do computador. 161
“ A abstracção que produz é de uma ordem diferente, já que nao tende para o
universal, como sucedia no começo do século XX, mas é um espelho da cresente
abstracção de um mundo profundamente penetrado pela tecnologia”.177

Na maneira como utilizam a abastracção e se afastam do real, ou o procuram


fazer, o que pode ser o corolário máximo do desenho: “O desenho dá a conhecer o ser da
pessoa a própria pessoa naquilo que nela tende a esconder-se a ser negado como evidência“ .178 Este é
o propósito do desenho em arquitectura, aceitar a ambiguidade para que se possa ver
reflectido algo mais do que o ímpeto inicial.

É, no entanto, preciso fazer aqui uma ressalva, uma vez que não é o pd que
permite voltar a desenhar, pelo menos não o pd enquanto estilo de representação.
O afastamento da realidade pode ser um objectivo ensaiado e estudado, codificado
da mesma forma que a visualidade, e aí já não actua como condição sine qua non do

173-  “How to think a systema that is at once highly abstract and self-referential, and at the same time has its goal instrumental transformations of
existing reality?” Allen, Stan. Practice: Architecture, Technique and Representation.2012 p.46

174-  “but abstraction is more that na expidient” Idem; p.75

175- “things were supposed to degrade as thay moved from ideia to object” Evans, Robin; op cit ; p.183
176- -  “recognition of the drawing’s power as a medium turns out, unexpectedly, to be the recognition of the drawings distinctness from and unlikeness to
the thing that is represented, rather than it’s likeness to it, which is neither paradoxical nor as dissociative as it may seem” Idem; p. 181

177-  “The abstraction it produces are of a diferente order, no longer tending toward the universal, as in the early part of the twentieh century, but simply
a mirror of the increasingly abstraction of a world now fully penetrated by technology” Allen, Stan.op cit ; p.76
178- Carneiro, Alberto; Moreno, Joaquim, Desenho Projecto De Desenho. Edited by Instituto Arte Contemporânea. 2002; p.19
a rejeição do real

162

Fig.54
A mesma familia de progrmas: Adobe Suite.
desenho, mas como forma de se inscrever numa corrente visual. A abstracção ou a
rejeição do real, têm sempre de operar no sentido da inventiva pessoal. Ainda que esta
possa gerar códigos visuais semelhantes já que ninguém desenha do zero, o processo
precisa de ser figurativo e não literal, no sentido da rejeição pela rejeição.
Por outras palavras, há algo no pd que permite voltar a desenhar, ainda que nem
sempre ou em todas as imagens. É o seu manuseamento da abstracção que o faz
mover-se para o território do desenho.

163

o Funcionamento

Importa agora perceber como é que estas imagens encontram um espaço


de trabalho abstracto dentro do digital. Tal pode, à primeira vista, ser uma noção
contraintuitiva, uma vez que o digital procura sempre responder a necessidades
específicas e transformá-las em respostas formuladas e automatizadas. No entanto, é
sempre possível ter um uso lateral do digital. As características que atribuímos ao pd
na primeira parte deste texto resultam, em parte, da forma como estas imagens são
produzidas, fruto da combinação de vários softwares e processos (3º). Há lugar para à
aplicação tanto de processos de pensamento analógico ao digital – o uso de layers –
como de processos digitais ao analógico – o uso da linha (7º)– procurando muitas vezes
contrariar o uso para qual o software foi desenhado (9º). A produção segue sempre
caminhos diferentes (10º). [ver pg.56]

A transformação conceptual que o pd ensaia, e da qual as notas de produção


presentes no capítulo anterior são um exemplo directo, e que se ligam às características
base do pd, é a transformação da pós-produção em produção:“e apesar do nome ‘pós-
produção’ dar a impressão que é um suplemento à produção, a sua lógica inverteu-se para influenciar
a rejeição do real

164

Fig.55
Filip Dujardin “Impossible Architecture” 2012.
e estruturar a própria produção”.179 Esta transformação da pós-produção em produção
acontece quer a um nível técnico, na forma como os softwares são utilizados, quer a um
nível conceptual, na forma como se alteram as condições de produção.

Em termo técnicos esta mudança deve-se, em grande medida ao facto de “hoje


os mesmo espaços de trabalho digitais e a família de programas associados ser utilizada por fotógrafos,
cineastas, designers gráficos e artistas de todas as disciplinas”.180 O que isto quer dizer é que estes
programas não respondem às necessidades de nenhuma disciplina ou uso em específico,
mas na sua tentativa de serem abrangentes são o programa errado para qualquer tipo
de uso. A única hipótese é utilizá-los de uma forma abstracta, como um conjunto de
ferramentas prontas a serem apropriadas. Isto é, e dito de uma amneira muito directa uma
forma de transformar o arquitecto no bricoleur, numa referência directa à obra de Claude
Levi-Strauss ‘The Savage mind’ que é o modo mais adequado de exemplificar como é que
este uso lateral do digital se processa.

A forma como são utilizados elementos e processos que não têm uma relação
directa com o projecto, permite que estes funcionem como operadores que podem ser
utilizados em qualquer operação do mesmo tipo. Abre-se, assim, a porta para a fuga de
um processo pergunta-resposta, directo.

Ou seja:“ (…) o que contém não tem relação com projecto corrente, ou de facto com qualquer
projecto, mas o resultado contingente de todas as ocasiões que já existiram para renovar ou enriquecer o
stock, ou para o manter junto com as sobras de todos os constrangimentos anteriores”.181 165
Existe, ainda assim, uma troca que é feita quando o meio não é específico ao
trabalho, em que o leque de elementos e operações é mais limitado, e que justifica uma
certa repetição, por vezes excessiva, entre a amostra aqui presente revela.

A condição base do bricoleur é utilizar “o que está mais a mão.”.182 O que é uma
forma de justificar vários aspectos destas imagens, desde a sua economia de produção
que não requer meios externos até uma vontade de contrariar o uso específico do
software, que não é o indicado, mas o disponível.A qual podemos ainda acrescentar
a forma como retira elementos desconexos do contexto do projecto do catálogo
infinito da internet. “ Mais o bricoleur também, deriva a sua poesia do facto de não se confinar à
realização e execução ele fala não só com as coisas mas como já vimos, através do meio das coisas”.183
O bricoleur não opera segundo estruturas que pré-determinam processos e modos de
funcionar, e aqui não falamos do uso de software, mas da instrumentação mental que
é preciso localizar para realizar estas imagens. A grande mudança que a transformação

179- -”and even though the name ‘postproduction’ made it appear to be a supplement to production its logic flipped back to influence and structure
production itself ” Steyerl, Hito, The Wretched of the Screen. 2012. p. 182
180- - “today the same digital workspace and associated family of programs is used by photographs, filmakers, graphic desingers and artists of all
disciplines” Vassallo, Jesús. Seamless: Digital Collage and Dirty Realism in Contemporary Architecture. Park Books, 2016. p.171
181- “ (…) what it contains bears no relation to the current project, or indeed to any particular project, but in the contingent result of all the occasions
there have been to renew or enrich the stock or to maintain it with the remains of previous constraints” Levi-Strauss, Claude. The Savage Mind.
University of Chicago Press, 1966; p. 17
182-  “whatever is at hand” Idem; p.17
183-  “ further the bricoleur also, and indeed principally drives his poetry form the fact he does not confine himself to accomplishment and execution he
speaks not only with things as we have already seem, but also through the medium of things” Ibidem; p.21
a rejeição do real

166

Fig.56
Walker Evans Tenant Farmer Wife, 1835.

Sherrie Levine After Walker Evans, 1981.

A transformação da pós-produção em produção,


deve-se em grande medida a capacidade de
apropriação tipicamente pós-moderno e que já
existia antes do digital.
da pós-produção em produção inicia é que em vez de agregar processos específicos da
produção, funciona “juntando eventos ou destroços dos eventos”.184

A partir daí conforma uma estrutura sempre aberta um processo


continuamente revisto e aumentado, em tudo semelhante à forma como se aprende
a desenhar à mão. Opera, segundo um ‘ objective hazard’,185 que desvia o objectivo
inicial do resultado final, conseguindo assim responder à condição da abstracção que
estabelecemos como fundamental para o desenho em arquitectura, no sub-capítulo
anterior. O arquitecto como bricoleur é uma maneira de encontrar a inventiva pessoal,
dentro do digital.

A um nível conceptual, a viragem da pós-produção para a produção implica a


mudança da:
“temporalidade inerente ao termo pós-produção. O prefixo ‘pós’ que denota um estado
imóvel após a história é substituído pelo prerixo ‘-re’ que aponta para repetição ou
resposta. Não nos encontramos depois da produção. Mas, estamos num estado em que
a produção é continuamente reciclada, repetida, copiada e multiplicada, ainda que
potencialmente também transformada, tornando-se mais modesta e renovada”.186

O que esta reconceptualização permite é a possibilidade de combinações e de


recombinações infinitas do que já foi criado num ambiente de produção. De um modo
muito directo estes desenhos são compostos por peças que já existem, o projecto em 167
devir funciona só como mais uma e, em parte, é indiferente a sua condição de não
existência. A forma como se agrega todos estes elementos, e os assimila sob o mesmo
quadro, é o que lhes permite à um nível conceptual voltar a desenhar. Isto é, não vê
o projecto como um elemento a ser extraído do computador, mas como mais um
elemento entre vários outros que se associam de forma, mais ou menos, livre dentro do
ambiente digital, cobrindo todo o processo numa condição abstracta.
Assim:“podemos recompôr um corpo novo com estas peças recortadas, um corpo que combina
os ossos dos mortos e a folia dos vivos. Uma forma de vida que só existe na edição e através dela”.187

184- “by fitting toghether events, or rather the remains of events” Ibidem; p.22
185- -“Once it materializes the project it will therefore inevitably be at remove from the intial aim ( which was moreover a mere sketch ), a phenomenon
which the surrealists have felicitously called ‘ objective hazard’” Ibidem; p.21
186- -“this also shifts the temporality inherent in the term postproduction. The prefix ‘-post’ which denotes an immobile state past history, is replaced
by the prefix ‘-re’ which points at repetition or response. We are not after production. Rather, we are in a state in which production is endlessly recycled,
repeated, copied and multiplied, but potentially also displaced, humble and renewed.” Steyerl, Hito, The Wretched of the Screen. 2012; p.183
187- - “we can recompose a new body with these cut-off pieces, a body that combines the bones of the death and the folly of the natural bodies of the
living. A form of life that exists in editing and by editing” Steyerl, Hito, The Wretched of the Screen. 2012; p.187
a rejeição do real

168

Fig.57
Frame de “A Greve “ Sergei Eisenstein 1925.
que forma de desenhar

A forma de desenho que o pd permite acontece, tecnicamente, através da


passagem da pós-produção para a produção, mas não pode ser observada pelo mesmo
prisma do desenho à mão. Isto deve-se não só ao seu aspecto diferente, mas porque
este responde a outro tipo de questões – é outra forma de desenho.

O digital teve a capacidade de reorganizar um processo de desenho há


muito estabilizado. Ao inverter o processo, permitindo usar diretamente elementos
construídos, do real e, a partir daí, desenhar o que se pretende. Isto é, permite desenhar
de fora (usando o que já existe) para dentro (o que ainda vai existir) e não de dentro (da
prefiguração mental da ideia) para fora (do ajuste contínuo da forma). Aqui é particularmente
relevante a passagem da pós-produção para a produção. Esta questão, no entanto,
dá azo a uma outra condição igualmente determinante para estas imagens que é a da
montagem. Apesar da montagem ser, como já vimos a forma de produção genérica
destas imagens, aqui referimo-nós a montagem enquanto forma metafórica e simbólica
de como estas imagens tentam desenhar.
169

A montagem foi absorvida pela cultura pop, deixando de ser uma prática
avantgarde, mantendo-se assim como uma técnica cultural: “ só que nem a renovação
nem a rutura são suficientes para pensar nesta mistura estranha de continuidade e transformação
que expliquem a persistência da montagem e da colagem dentro da revolução digital”.188 Estas
imagens operam segundo uma estrutura interna de camadas e elementos que assim
se sobrepõem e se remontam continuamente a um nível simbólico, são constituidas
segundo“ sinais não isolados e que são montados para denotar um referente particular mas retirados
de diferentes fontes para formarem um bloco cognitivo.” .189 A forma como estas imagens actuam
significa que: ”os materiais significantes fazem parte e unem-se de maneiras que põem em causa a
nossa capacidade de retirar significado deles”.190 Se em parte esta dificuldade em retirar significados
A dificuldade em extrair significado deve-se a densidade com que a montagem é feita
ou aos elementos escolhidos. O que não é acidental jà que estas imagens utilizam a
montagem para encenar um conflito explícito que dita o seu desenvolvimento enquanto
figuras “ o conflito dentro da imagem é uma forma montagem polêmica, no desenvolvimento da
intensidade com que quebra as amarras do quadrilátero da imagem, um conflito explodido no impluso

188-“yet neither renewal nor rupture are sufficient to think the strange mixture of continuity and transformation that marks the persistence of montage
and collage amid the so-called digital turn”. Buckley, Craig. Graphic assembly: montage, media, and experimental architecture in the 1960s. 2018;
p.292
189- “signs are not isolated and mouted to denote a particular referente but taken form different sources to form a cognitive block” Buckley, Craig. “Re-
envisioning Assembly—Montage and Architecture in the Long 1960s”. Conferência em SVA MA Design Research. 2015
190- -  ”significant material are take up a part and put back together in ways that challenge our capacity to make meaning from them” Idem;
a rejeição do real

170

Fig.58
“Think Pink” em “Cinderela em Paris” Stanley Donen
1957.

Exemplo de estética Camp


da montagem entre peças”. 191
O seu conflito explode, asim, sob a forma de montagem.
“ Este conflito materializa-se, a um nível exterior de várias formas :
“Conflito entre direcções gráficas
(linhas - estáticas ou dinâmicas)
Conflito de escalas
Conflito de Volumes
(volumes com diferentes intensidades de luz)
Conflito de massas
Conflito de profundidade”192
A disputa que estas imagens ensaiam, inerente a todas as outras formas de
conflito aqui expostas em cima, é entre a irrealidade do que é representado e a realidade
que se pretende materializar. O poder destas imagens é tanto mais forte quanto a sua
capacidade de materializar, de tornar latente, este conflito.
A montagem, enquanto forma geral de produção permite “a construção de
hipóteses de trabalho de uma iconicidade superior à fase de definição da forma em que o projecto se
encontra ”.193 É uma forma de construir em intervalos, que permite a criação de um
espaço de inderterminação muito grande entre prefigurações muito completas ou 171
meros avanços de promenor, como cenas de um filme. Graças à sua forma, mais ou
menos, evidente de produção, montam-se e desmontam-se com muita facilidade,
como um filme, continuamente entre a analepse e a prolepse. O grande poder deste
desenho não parte necessariamente da sua capacidade de propriciar“uma multiplicidade
de verificações que prefiguram uma realidade em devir”.194 Não é que não o possam fazer, mas
para este efeito do teste rápido, o papel continua a ser o meio mais apropriado. Ainda
assim, estas imagens enquadram-se, mesmo na sua versão final, num processo de “ciclo
que abrange a previsão, o investimento, o encontro, a confirmação e a revisão construtiva, isto é, a
articulação/integração no processo criativo”.195
O defeito que, normalmente, se aponta ao digital é o de não permitir um teste
descomprometido de hipóteses, de exigir logo um grau de materialização final muito
grande, condição que depende do seu funcionamento que carece de um grau de rigor
superior para materializar o desenho no écrã. É algo que estas imagens aprenderam
a capitalizar, de uma forma paradoxal, ao utilizarem o poder de computação, não
para criar uma imagem o mais verossímil possível, mas para se afastarem da realidade
formando imagens que tem tanto de rigorosas como de abstractas. Servem-se do digital

191- ”Conflit within the shot is potencial montagem, is the devolpment of its intesety shattering the quadrital cage of the shoot and exploding it’s conflit
into montage impluses between the montage pieces” Eisenstein, Sergei. Montage is conflit.1929 em Campany, David. The Cinematic. 2007;p.30
192-  “Conflcit of graphic directions (lines – either static or dynamic) Conflict of scales. Conflict of volumes. Conflict of masses (volumes fitted with
various intensity of light) Conflict of depths” Idem; p.31
193-  Carneiro, Alberto; Moreno, Joaquim, Desenho Projecto De Desenho Edited by Instituto Arte Contemporânea. 2002; p.49
194 - Idem; p.16
195-  Ibidem; p.18
a rejeição do real

172

Fig.59
Tate Modern Herzog de Meuron.

Quando em junho de 2016 a extensão da Tate


Modern, desenhado pelo famoso duo Herzog de
Meuron, inaugurou, uma varanda que rodeia o
edifício em 260 grau no 10 piso, permite ver a vista
da cidade, mas também espiar nos apartamentos
próximos do Neo bank side development. Um
residente contou 87 fotografias tiradas directamente
ao seu apartamento num espaço de uma hora e meia,
com um media de 11 fotografias aparecerem na rede
por dia. Se algumas desta imagens desaparecem
outras acabam em contas de instagram com 1000
seguidores.
para compor uma proposição ideográfica o mais completa possível, mas não o mais
verossímil possível. Nessa medida não são “laranjas espremidas, aparentemente consumidas
pelo seu desígnio, são, no entanto, capazes de o contar e por isso cumpri-lo”.196 Procuram, porém,
ser algo em sí mesmas, não na medida em que permitem espelhar um processo de
trabalho, mas na sua afirmação como algo mais. Não depende, também de um processo
de materialização da obra. São imagens que pela sua completude e alteridade adquirem
um excesso de presença, que parece coloca-las depois do desenho, mas antes da obra.
Existe uma condição de desconfiança muito grande em relação a estas imagens,
que muitas vezes obscurecem o seu potencial como forma de desenhar. O excesso de
presença que estas ensaiam deve-se também a uma estética muito forte marcada por
um afastamento em relação aos moldes de representação mais convencionais. Estas
imagens expressam-se através da sua condição Camp, estabelecida por Susan Sontag,
em 1964.
Existe nestas imagens uma vontade de sobre-afirmarem a distância em relação
à realidade, valorizando o seu cariz estético de uma forma muito evidente, “em termos do
grau de artifício, de estilização. Todos os objectos e pessoas Camp contêm um elemento muito grande
artifício”.197 Polarizam “as coisas a serem o que não são” 198. Esta vontade de estetização
parece permitir, e até apoiar, o excesso de presença que estas imagens ensaiam.
Nessa medida, o Camp funciona como uma forma de sedução do espectador
que desfruta da imagem na condição desta nunca ser o que é o“camp é generoso, quer
apreciar”.199 Parece haver uma falta de seriedade nestas imagens, que tanto apropriam
quadros do David Hockney como candeeiros do Ikea. Mais parece existir um
173
descomprometimento quase total em relação a qualquer forma de materialização em
devir, o que lhe atribui uma frivolidade muito presente, como se esquecessem do seu
papel dentro do processo arquitectónico.Mas, dentro do Camp, “é possível ser sério sobre a
frivolidade, e frívolo sobre a seriedade”.200
Na sua completude encontram um carácter mais sério, como se fossem capazes
de levar uma preposição, por mais irrealista que seja, até, às últimas consequências. No
entanto, a desconfiança que estas imagens criam é que parece ser difícil de perdoar ou
de ver para além de, mais do que o papel talvés demasiado fundamental que atribuem à
imagem, que é muitas vezes posto em causa, num processo que relega a imagem como
secundária, face à materialização da obra. Fundamentalmente, é o facto de provocarem
o afastamento da produção cultural arquitetónica para fora do campo do que pode ser
considerado como ‘alta cultura’, mas é preciso lembrar que “um trai-se a si próprio, enquanto
ser humano, se só tem respeito pelo estilo da alta cultura, indenpendentemente do que um sente ou
faz interiormente”.201 Este é um ponto chave para entender estas imagens, e mesma a
relutância em enquadra-las como um forma pertinente de produção cultural dentro do
campo arquitectónico.

196-  Carneiro, Alberto; Moreno, Joaquim; op cit p.24


197-  “but in terms of degree of artífice, of stylizations. All camp objects and persons contain a large element of artifice” Sontag, Susan.“Notes on
Camp”, Partisan Review, vol. 31, no. 4 (Fall 1964); p.3
198-  “of-things-being-what-they-are-no”; Idem; p.3

199- “camp is generous it wants to enjoy”; Ibidem; p.13


200 - “one can be serious about the fivolous, frivolous about the serious”; Ibidem; p.10
201- “ and one cheats one self, as a human being, if one has respect only for the style of high culture, what even else one may do or feel on the sly”.
Sontag, Susan.“Notes on Camp”, Partisan Review, vol. 31, no. 4 (Fall 1964); p. 9
a rejeição do real

174

Fig.60
Exemplo de contextos que afectam a imagem.

Ora sobrecarregam o contexto subjacente a imagem,


ora a descontextualiza por completo
A imagem como coisa

É claro que o excesso de presença que estas imagens ensaiam não se deve só ao
seu papel dentro do processo arquitectónico, mas também ao contexto visual em que
estão inseridas, respondem a uma modificação global na condição da imagem.
“Alguma coisa mudou na natureza das imagens hoje. Parece que passaram a ter uma vida própria.
Em vez, de ficar na página ou no ecrã, de só nós mostrarem algo, parecem ter invadido cada parte das
nossas vidas e afetado não só o que vemos, mas como vemos”.202

Nunca comunicamos tanto através de imagens. A imagem banalizou-se e


actualmente vivemos numa cultura visual absolutamente saturada onde se estima que
seja feito o upload de 1,8 biliões de imagens por dia.
Ao mesmo tempo, o contexto no qual a imagem se insere é também diferente. 175
Se por um lado o contexto é cada vez mais abrasivo para a imagens, na absoluta
descontextualização forçada pela constante mudança de contexto e justaposição com
outros tipos de conteúdos. Por outro lado, a customização de conteúdos, em função do
utilizador, cria um universo temático – como pode ser a representação de arquitectura.
[ver fig. 60]

O catálogo infinito da internet, uma altura em que tudo tem uma representação
associada não é tão abrangente como se possa pensar num primeiro momento. Toda
esta possibilidade de escolha, apesar de transmitir uma sensação de controlo e mais do
que isso de auto-determinismo. Eu escolho o que quero pesquisar, onde pesquisar e
seleciono dentro dos resultados disponíveis o que quero. Este controlo é so aparente,
já que o que esta em causa é a abrangência da pré-selecção que de uma forma opaca
escolhe aquilo a que dá relevância e o que vai relegar para o fim. Existe uma lente
comum que pré-determina a partida o que vêmos, que justifica, a maneira como as
imagens precisam agora de adquirir uma relevância muito marcada, se não querem cair
no esquecimento. Ao mesmo tempo esta capacidade de tudo ver, coloca uma questão
muito espefica para o campo da representação arquitectónica, voltando a citar: “ O que
significa a representação quando tudo pode ser visto, em todos os lugares e a toda a hora ?”. 203

202 - “Something has changed in the nature of images today. They seem to have taken on a life of their own. Instead of staying on the page or the screen,
instead of just showing us something, they’re flowing into every part of our lives, and affecting not just what we see, but how we see.” Steyerl ,Hito
entrevistada em Bridle james, New ways of seeing ep 2. BBC4
203- “ what does representation mean when everything can be seen everywhere, all the time ?” Jacob, Sam. Rendering: The Cave of the Digital. e-flux
journal. February 2, 2018
a rejeição do real

176

Fig.61
Lubaina Himid Unwitting caricature Negative
Positives: The Guardian Archive, 2007-2015.

Esta série de obras procura tornar evidente a


associção entre texto e imagem.
O que nos aproxima do conceito de crise de representação, enquadrada no
ensaio de Hito Steyerl “The Spam of the Earth: Withdrawal from representation”. Onde se
defende que o que gerou esta crise foi a premissa de que um campo visual mais amplo,
em termos representativos, traria uma maior igualdade política e social, permissa que
falhou.

Os dois conceitos acabaram por não estar tão ligados como anteriormente se
pensou. “(…) quebrando o contrato social, que tinha prometido participação, resultou em futilidade,
vigilância, provas do crime e narcicismo em série”.204 As realidades tornaram-se, assim, mais
desiguais e a representação política caiu numa profunda crise, ofuscada por interesses
económicos. A relação entre o símbolo e o significado foi “ainda mais destabilizada pela
especulação e desregulação sistémica” .205
Mais do que considerações de fundo sobre a natureza da imagem, o que
importa ter em conta, é que esta “(...) cria uma situação que é muito diferente da forma como
costumávamos olhar para as imagens: como representações, mais ou menos, precisas de alguém ou de
alguma coisa em público. Numa era de pessoas irrepresentáveis e de uma soberpopulação de imagens,
esta relação é irrevogavelmente alterada”.206 A alteração da condição da representação
provocada por mudanças na natureza das imagens são fumentada, em parte, por
mudanças na cultura visual que extravassam a arquitectura, mas a qual esta responde.
É a partir deste ponto de mudança que podemos encarar uma outra ideia de Steyerl
exposta no ensaio “A thing like you and me”.

Onde se começa por traçar a dissolução da figura do herói, que se comodificou,


provocando a deslocação do sujeito-herói para fora do aspecto representativo da 177
imagem, “a imagem como uma coisa e como representação”. 207 Isto porque, anteriormente a
ideia era que a emancipação passava pela passagem de objecto a sujeito, “Ser um sujeito
era bom ser um objecto era mau”.208 A transformação em sujeito que prometia uma posição
de controlo em relação à representação, acabou por colapsar, tornando-se igualmente
numa forma de controlo. Uma vez que não existe uma imagem autêntica, o sujeito é
constantemente subjugado, transformando a imagem numa forma de controlo. Um
exemplo desta condição é a representação da mulher, muito marcada por essa luta da
transformação de objecto em sujeito, ao qual se confiava agenciamento, mas que se
dissolveu na não existência de uma imagem autêntica (que imagem seria esta?), e se
transformou numa forma de controlo e tipificação.
O que Steyerl propõe é uma retroversão radical :“mas e se a verdade for que nem
o representado nem a representação são verdade? E se a verdade for a sua configuração material?
E se o meio for mesmo a mens(s)agem”.209 A imagem está constantemente a cair no campo
subjectivo da autenticidade, o que pode ter interesse é a sua configuração material,

204- “(…) breaking of a social contract, having promised participation but delivered gossip, surveillance, evidence, serial narcissism(…)” Steyerl, Hito,
The Wretched of the Screen. Sternberg Press, 2012. p.170
205-   “ further destabilized by systematic speculation and deregulation” Idem; p.170
206-  “This creates a situation that is very diferente from how we used to look at images: as more or less accurate representations of something or someone
in public. In na age of unrepresentable people and na overpopulation of images, this relation is irrevocably altered.” ibidem; p.171
207- “with the image as a thing not as representation“ Ibidem; p. 50
208- - “ To be a subject was good to be na object was bad”; Ibidem; p.50
209- “but if the truth is neither the represented nor in the representation? What if the truth is in its material configuration? What if the medium is
really a massage?”; Steyerl, Hito, op. cit; p.51 Esta aqui presente também um trocadilho que o próprio Marshall Mcluhan gostava de
fazer entre a mass age e massage porque gostava do trocadilho visual in https://www.youtube.com/watch?v=Ko6J9v1C9zE
a rejeição do real

178

Fig.62
Point Supreme Archipelago Cities.
transformando a imagem de representação em objecto “A thing like you and me”. Esta
retroversão permite desmontar o que está para lá do objecto, pensando então“as coisas
não como objectos inertes, mas formados por tensões, forças, poderes escondidos que são constantemente
a ser permutados”.210

A transformação da imagem em objecto permite mudar a forma como olhamos


para as imagens “Assim a imagem é - para usar outra frase de Walter Bejaminn - sem expressão.
É um fragmento do mundo real. Uma coisa como qualquer outra - uma coisa como tu e eu”.211

Transformar a imagem num fragmento da realidade implica uma reconversão


completa, que se refugia num contexto material para fazer face às constantes
modificações do ambiente em que esta inserida. Pensar a imagem como uma coisa
funciona como um sumário que justifica muito do que dizemos anteriormente.
O excesso de presença que estas imagens ensaiam é fundamentalmente uma forma
de se protegerem de um contexto cada vez mais abrasivo para a própria condição da
imagem. Mas é também uma resposta a este desequilibrio entre a quantidade massiva de
representações e a falta de representatividade. Desta forma, as imagens sobre-exercem
a sua presença, afirma se face ao excesso e paradoxalmente, responder também à uma
ausência macular com a sua alteridade. O caminho que estas imagens percorrem para
se tornarem numa coisa faz-se pelo seu afastamento do real que estas materilizam na
sua completude, num excesso de presença que lhes permite transformarem-se numa
coisa. É a partir desta pressuposto das imagens serem um fragmento da realidade que
é possível entender o seu papel como algo mais do que um desenho e é sob este ponto
de vista que vale a pena considerá-las. 179

A PRODUÇÃO

Por permitir voltar a desenhar, o pd reorganiza, uma vez mais, depois da


introdução do digital, o papel do desenho e da imagem enquanto forma de produção
cultural que redescobre o seu interesse no afastamento da realidade. Dificilmente
alguém compraria uma imagem de um render hiper-realista para emoldurar e pôr na
parede. O poder dessas imagens concentra-se na sua iminente possibilidade de
materialização.
No entanto, é preciso ter conta que o PD só é capaz de reorganizar a produção
cultural de arquitectura e não a produção material, já que, como vimos anteriormente
não existe uma arquitectura PD. Apesar disso, o PD não existe num ambiente isolado e
como forma de produção cultural, tem efeitos na produção material. Da mesma forma
que:
“ (…) estes três trabalhos[ referência as sucessivas reconstruções do pavilhão de
Barcelona] descobriram que desenhar um edifício que já esta desenhado na sua
totalidade implica uma grande vantagem: permite que a discussão formal seja

210- -  “Things are not just inert objects they consist of tensions, forces, hidden powers, all being constantly exchanged” Idem; p.55
211- - “As such, the image is- to use yet another phrase of Walter Benjamin’s- without expression. It is a fragment of the real world. It is a thing just like
any other- thing like you and me”Ibidem; p.52
a rejeição do real

180

Fig.63
Pezo Von Ellrichashausen Nida House Chile 2014.
abandonada, para se focar em actualizar os mecanismos arquitectónicos que medeiam
entre as tecnologias de representação e o poder económico”.212

Podemos considerar o pd como um mecanismo arquitectónico que medeia,
de uma forma própria, as tecnologias de representação - o seu produto e a sua relação
com o poder económico - viabilizando, assim ou não a materialização, tendo efeitos
concretos na produção.

O que é transversal a estas imagens é a sua completude, são proposições


em si mesmas e transformam-se num fragmento da realidade. A grande vantagem
que esta completude representa é a de funcionar como um palco de testes, que tem
tanto de real como de irreal. Isto é, serve de igual forma, para pôr em teste o que se
pretende construir, ou gerar pré-figurações utópicas que se afirmam de igual forma na
alterioridade da imagem.
Na sua capacidade para actuar como palco de testes, na forma como se
permite criar preposições completas é uma forma de produção cultural arquitetónica
independente dos constrangimentos matériais, de cliente ou programáticos. Tem um
interesse muito particular e útil para alimentar a arquitectura de outros universos que
não o material, para especular sem restrições.
Um exemplo disso será o caso dos Point Supreme, que num projecto de
investigação começaram por analisar o tecido habitacional da cidade de Atenas,
propondo depois uma série de modificações, umas mais materializáveis que outras, mas
que procuravam responder a problemas concretos. Esta forma de trabalhar opera no
alocamento de encomendas por parte dos próprios arquitectos, com uma capacidade
de produzir desenhos com um custo marginal, mas com um poder de expressar ideias 181
muito forte. Nessa medida, a produção tem a capacidade de dar uma voz ao arquitecto
sem que esta dependa da encomenda para se expressar. Isto torna-se cada vez mais
evidente com o crescente número de projecto self- appointed ou de investigação que
dependem, unicamente, desta capacidade de gerar imagens.

Esta poder que a imagem tem para suportar todo o projecto funciona numa
dupla condição, em que num momento embrionário da prática, ainda não existe obra, e
as imagens tomam o seu lugar. Mas também acontece num momento posterior, em que
já existe obra, e esta afirmação parece continuar a existir, até por vontade dos próprios
arquitectos, que usufruem do mediatismo e da rapidez da imagem.


Esta capacidade de produção de imagens num ambiente relativamente skilless,
não quer dizer que não seja preciso técnica, mas que é mais fácil e rápido ser-se
especialista em Photoshop do que ser o Joseph Gandy. É, antes de mais uma forma de
roubar o sono aos arquitectos – referência explícita ao 24/7 de Jonathan Crary. A
imagem, pelo seu carácter expedito, procura concorrer com a aceleração do consumo e
sobrepôr-se aos longos tempos de obra.
Esta apropriação é uma forma de capturar a utilidade que o desenho pd
pode ter, para o interior do sistema capitalista apoiando a comodificação neo-liberal
da arquitectura. Apesar de partirem de um pressuposto diferente dos renders ou do
hiper-realismo, estas imagens actuam ou podem-no fazer de uma forma semelhante as

212-  “ (...) aquestes tres obres van descobrir que dissenyat un edific que ja està totalment dissenyat suposava un gran avantage: parmitia deixar de banda
discussions formals per centrar-se em les actualitzacions dels mecanismes arquitectònics existents entre tecnologies de representació i poder econòmic.” Grau,
Urtzi .‘Three replications of the German pavilion’. Quaderns #263 (s/d)
a rejeição do real

182

Fig.64
O desenho do Pascal Flammer apesar de útil esta a
venda em galerias que se especializam em vender
desenhos de arquitectura.
a rejeição do real

anteriores dentro do sistema neo-liberal.

Assim de um forma semelhante ao descrito em relação a posição pd na qual


a sua operatividade e a sua apropriação se encontram e momentos muito próximos.
O mesmo acontece com a produção, paradoxalmente, à grande vantagem do pd –
funcionar como um palco de teste, pode também ser sua falência, porque transformar-
se num objecto comodificado pelo sistema, que se serve do seu excesso de presença
para codificar um propósito ideográfico desejável.

No entanto, mesmo neste ponto em que a imagem opera como uma coisa, um
fragmento da realidade. Tal não é o mesmo, que dizer que estas imagens cumprem o
apogeu do pd, estabelecido por SJ, em “desenhos que até podem ser arquitectura”213. Para SJ,
toda a arquitectura é uma forma de ficção, do desenho ao edifício. Assim, estabelecer
esta equivalência é mais ou menos banal. Esta condição não deixa de implicar que o
processo de desenho é uma forma de adicionar conteúdo ao edifício e não uma forma
de libertar o que está escondido ou é opaco.
“o significado de um objecto reside na informação que lhe foi inscrita durante o processo
de desenho. O que implica uma teoria correspondente de interpretação que depende da
capacidade de quem vê para ler essa informação, inscrita durante o processo de desenho,
e ser capaz de reconstruir as operações de desenho a partir dessa informação”214.

Quer isto dizer que, esta capacidade tão apregoada por SJ de “Speak things into
existence”215 implica que exista alguém do outro lado a ouvir e descodificar.O que
paradoxalemnte é uma forma de reafirmar a distância entre a obra e a imagem. 183

Mas, voltando a olhar para a produção, as imagens do pd parecem dividir-se


em duas categorias: 1. A imagem rejeita o real e por isso permite voltar a desenhar, não
se relacionando com a obra de forma mimética. Ou 2. A imagem rejeita o real, mas a
obra é idêntica a imagem. Lembramo-nos do aviso de Manfredo Tafuri aos New York
5 216 “Quando acordarem, o mundo dos factos empíricos verá que o implacável muro se ergue entre a
imagem do distanciamento e a realidade das suas próprias leis”. 217 O que é paradoxal no pd é
que esta parede que se devia ter erguido entre a obra e a imagem não existe.

Esta condição que está presente em várias destas imagens, como as dos FALA,
Pezo Von Ellrichshausen ou dos Monadnock. E, se no caso dos PVE, ela parte de uma
vontade específica de impor a produção cultural arquitectónica sobre a materialização

213-  “drawings that might even be architecture”.  Jacob, Sam .Drawing As Project – Post Digital Representation In Architecture. Strangeharvest
(s.d.)

214-  “The meaningfulness of the object is understood to reside in information that has been inscribed through the process of design. This implies a
corresponding theory of interpretation that counts on the viewer’s ability to read the evidence inscribed in the course of the design process, and to reconstruct
the operations of design backward form that evidence” Allen, Stan. op cit; p.49

215- “Speak things into existence”. optou-se por não traduzir esta expressão idiomática por falta de equivalente .Jacob, Sam. Make It Real-
Architecture as Enactment. 2012; p.4
216-  Refere-se à um grupo de arquitectos de New York constituido por: Peter Eisenman, Michael Graves, Charles Gwathmey, John
Hejduk, Richard Meier.

217- “When they woke up, the world of hard facts will see to it that the ruthless wall is erected between the image of estrangement and the reality of its
own laws” Reichlin, Bruno. Interrelations between concept Representation an built architecture. Daidalos #1, 1981. p.60
a rejeição do real

184

Fig.65
Fala atelier Casa na rua do Paraiso.
da obra. Isto é, a obra pertence ao cliente, a imagem é do arquitecto, e este é livre de
continuar a trabalhá-la. Nessa medida este tipo de produção que acontece mesmo
depois da obra, funciona como um resíduo útil, que mostra o desconhecido a quem
desenha, e serve de igual forma para sobre-impor o papel do arquitecto coisa que aqui
se procura fazer de forma muito clara negando a própria fotográfia, no anacronismo da
representação. E, o caso dos Monadnock segue princípios semelhantes ao dos PVE.
O dos FALA é bastante mais paradoxal e envolve outro tipo de questões.
Um tipo de representação, aparentemente falso, podia indicar uma explicação, muito
simples, na inversão do processo de desenho, que assim se faria depois da obra. No
entanto, a facilidade que temos de fotografar hoje em dia, descarta esta hipótese: é mais
fácil tirar uma fotografia do que fazer um desenho.

Esta parecença é, também, uma forma de atestar o rigor que esta capacidade de
desenhar de fora para dentro, permite ter um nível de precisão muito maior que é aqui
rentabilizado. Há ,também, uma parte desta questão que se deve a um ressurgimento do
pós-modernismo, aqui ao nível do estilo, que permite um regresso a iconografia que na
sua forma mais literal é conteúdo adicionado ao edifício e por isso ao desenho.

No entanto, o que estas imagem parecem estar efectivamente a fazer é a


posicionar-se face ao próprio pd e aqui é conveninete lembrar que de uma forma
semelhante a qualquer corrente ou estilo de representação este gere se numa
acumulação de camadas que adicionam sucessivos elementos dentro de um sistema de
representação. Assim, o que os FALA fazem depende em grande medida das imagens
dos OFFICE KGDV, e outras práticas que surgiram primeiro. 185

O que parece ter acontecido é que o afastamento da realidade exponenciou-se


de tal forma que já não tem por onde fugir e por isso volta, de uma forma paradoxal,
a basear-se na mimese. As imagens dos FALA não limitam essa distância ao real,
eliminam-na. A partir, do momento em que se consegue habitar uma imagem, em que
nós podemos substituir a presença das figuras do Hockney, qualquer conflito inerente a
montagem é dissolvido. Assim, de uma forma irónica, as imagens dos FALA parecem
aproximar-se dos renders hiper-realistas, na ausência de distância que traçam entre a obra
e o desenho.
“ Mas enquanto para outros arquitectos esta autonomia da representação foi
aproveitada para libertar o discurso arquitetcónico da materialidade da obra
(explorando utopias e imaginários) nos Fala assumiu-se uma inquietante aproximação
das imagens à obra, ou melhor, da obra às imagens – numa inversão de sentido.
E se dizemos inquietante e não expectável (será este o sentido da representação) é
porque obra e representação no caso dos Fala tendem a confundir-se de modo quase
irrepreensível. As imagens do Fala não são desenhos codificados, não são veículos que
levam à materialidade da obra, são um lugar em si e é a obra que vai ao encontro das
imagens, é a obra que se desmaterializa para ser imagem, imitando-lhe a leveza. Neste
sentido, evoca-se a possibilidade da anulação da distância e do tempo entre imagem e
obra – a grande utopia da representação em si.”218

218-  Bandeira, Pedro. 2G issue #80 ( a data da tese inédito)


Todas estas formas de produção cultural arquitectónica que aqui descrevemos,
movem-se entre e servem tanto para pôr em causa o sistema capitalista, acelarado que
determina cada vez mais condicionantes, e aí estas refugiam-se no poder da imagem
para gerar outro tipo de impacto. Ao mesmo tempo que também é possivél que este
tipo de imagens, se mova de uma forma semelhante ao render e seja capitaliza para a
manutenção do sistema, em ambos os casos a imagem continua a ser um fragmento.

Tal não quer dizer que o pd não mantenha a sua operatividade dentro da
disciplina e que isto não tenha acontecido, em certa medida, sempre (e assim tao
diferente da mistificação dos esquissos do Siza?).

186

Conclusão

A rejeição do real que o pd ensaia é uma forma de desenhar dentro do digital.


Não pela corrente estética que este também cria, mas porque o posicionamento que o
ensaia pd face à tecnologia permitiu descobrir dentro do digital, um espaço abstracto
para desenhar. Só, a partir de uma posição pd, que vê a tecnologia pelo que ela é, com
os seus defeitos e qualidades, é que é possível construir esse espaço de abstracção.
É sempre necessário pôr a tecnologia em causa, usar o que se precisa e da forma
que se pretende, descartando o que não interessa. De outra forma é o digital que
simultaneamente cria a pergunta e lhe responde.

Estas imagens são abstractas tanto na forma como utilizam a tecnologia na


sua produção, como na forma como desenham. Se o desenho de arquitectura sempre
foi abstracto, a novidade aqui é a possibilidade de construir a abstracção dentro do
digital. A rejeição do real, ao partir, da aceitação de que qualquer verosimilhança
com a realidade lhe fica sempre aquém, permite abrir o campo de trabalho e pôr em
prática mecanismos que capturem o fortuito e o acidental. São estes mecanismos
que permitem criar um desfasamento entre o que se pretende desenhar e o que
efectivamente, aparece desenhado. É aqui que se: “dá a conhecer o ser da pessoa à própria
pessoa”,219 e este é o verdadeiro propósito do desenho.

Este tipo de desenho, que acontece dentro do digital, não é igual, nem pode
ser, ao tipo de desenho que a manualidade produz, mesmo quando entendemos
que estas imagens dependem tanto do uso que fazem da tecnologia como de uma
instrumentação mental, semelhante à da manualidade. O que é transversal, a estas
imagens é o seu excesso de presença. Pela forma vincada como rejeitam o real
e se servem do rigor que a tecnologia permite, são capazes de criar proposições
muito completas, de compor imagens inteiras. É esta completude que, de modo
semelhante ao que acontece com a posição pd, tanto pode servir para pôr em causa o
funcionamento do sistema capitalista, face à neo-liberalização da arquitectura, como é
capaz de ser resgatado para o seu interior e servir para a sua manutenção.

Este modo de desenhar pd cria um paradoxo importante, em que um bom


render é também pd. Quando um render é bem feito, imita a realidade que é analógica,
não enquanto uma versão ideal, como hiper-realismo faz, mas como ela é. Isto implica
representar o lixo no chão, as tomadas na parede, o pó nos vidros. É essa mesma
realidade que o PD, amplifica, para marcar o seu afastamento quer dos renders quer do
hiper-realismo. Ambos os pólos procuram, no entanto, essas marcas da realidade, que na
sua imperfeição se aproximam do real. Enquanto marcas de uma realidade imperfeita,
são mais verosímeis enquanto representação, do que o ideal inatingível do hiper-realismo.
A diferença é que o PD dá-lhes um ênfase excessivo, que é gerido por códigos visuais
próprios. Assim, o pd é uma forma de desenhar, entre outras.
É possível e até provável que estas images sejam, a curto prazo, substituídas 187
por outras. Os ciclos de alternância da cultura visual vão mudar o conteúdo visual desta
imagens, mudando a forma como estas codificam o seu afastamento da realidade.

O que fica é esta redescoberta da inventiva dentro do digital. Por muito que
o conteúdo visual destas imagens possa mudar, para elas continuarem a ter utilidade
dentro do processo de desenho, enquanto meio de trabalho do arquitecto, precisam de
se reger pelos mesmos dois princípios de sempre: um domínio próprio da técnica, e o
desenho enquanto tradução do pensamento, não enquanto forma de apresentação.
O PD enquanto posicionamento, como se associa à narrativa do desenvolvimento
tecnológico, vê a sua permanência continuamente assegurada.

Na forma como lida com o desenvolvimento tecnológico, o PD ambiciona


ser uma forma de contra-cultura que sempre existiu e não é diferente de movimentos
como o American Pictorialism ou a corrente da German New Vision. As formas de
contracultura, mesmo quando são pouco radicalizantes na sua definição como é o
caso do PD, têm sempre um interesse particular pela forma como permitem enquadrar
alternativas, e diferentes possibilidades de acção. No caso em estudo, isto afigura-se
como particularmente importante, por revelar um posicionamento contra a hegemonia
tecnológica, cada vez mais presente e de uma forma cada vez mais intrusiva. “Não
preciso de convencer ninguém do efeito transformativo que a internet, a rede e outras tecnologias tiveram
na cultura e sociedade”.220

219-  Carneiro, Alberto; Moreno, Joaquim, Desenho Projecto De Desenho. 2002; p.19


220-  “I do not need to convince anybody today about the transformative effect the internet, the web and other technological networks have already had on
human culture and society”. Manovich, Lev. Software Takes Command. Vol. 5: A&C Black, 2013 p. 147
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Imagem da autora

Fig.46
Imagem da autora

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Volume II - Caderno de imagens
A rejeição do real ou
o pós-digital como caso de estudo
Rita Sampaio Brandão de Sá
FACULDADE DE ARQUITETURA
Caderno de imagens

Volume II
íNdice

1.
Categorias

textuRA 4-13
colAgem 14-23
supeRfície 24-31
eNquAdRAmeNto 32-37

liNhA 38-45
exibição 46-55
veRde 56-63

2.
A rejeição do real 64-102
TEXTURA
as figuras do pós-digital textura

8 9

Fig.1
Francesca Torzo. N16 - podere la pianella. Procchio,
Itália. 2017. Construido

Fig.2
Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013. Construido
as figuras do pós-digital textura

10 11

Fig.4
Opere Varie drawing for De Vylder Vinck Taillieu.
Karel de Grote. Antwerpen, Bélgica. 2016. Concurso

Fig.3
FALA atelier. Casa na rua do Paraiso. Porto, Portugal.
2017. Construido
as figuras do pós-digital textura

12 13

Fig.5 Fig.6
Kola. La Base. Chapel of San Filippo Neri. Turin, Itália. Monadnock. Atlas House. Eindhoven, Holanda. 2016.
Concurso Construido
as figuras do pós-digital

14

Fig.7
Pezo Von Ellrichshausen. Guna House. San Pedro de la
Paz, Chile. 2010-14. Construido
cOLAGEM
as figuras do pós-digital colagem

18 19

Fig.9
Charles Holland Architects e Piers Taylor of Invisible
Studio. A House in Holland. Almere, Holanda

Fig.8
Gaaga architecten. Leiden Pearls. Holanda. 2018.
Em curso
as figuras do pós-digital colagem

20 21

Fig.11
OFFICE KGDVS e Dogma. Cité de refuge. Rotterdam
Architecture Biennale. Ceuta, Espanha. 2007
Fig.10
OFFICE KGDVS. Library Sint-Martens-latem. Bélgica.
2017
as figuras do pós-digital colagem

22 23

Fig.12 Fig.13
FAT Architecture. Hoogvliet Park. Roterdão, Holanda. Other architects e LCLA Office. Veiled landscapes.
2008-9. Construido Green square aquatic centre and Guyama Park.
Sydney, Austrália. 2014. Concurso
as figuras do pós-digital

24

Fig.14
OMA. Venice Biennal. 2014. construido
sUPERFÍCIE
as figuras do pós-digital superfície

28 29

Fig.16
FALA atelier. Edifício com três apartamentos.
Construido
Fig.15
Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003.
Construido
as figuras do pós-digital superfície

30 31

Fig.17
Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de
investigação

Fig.18
2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016
as figuras do pós-digital

32

Fig.19
OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016
eNQUADRAMENTO
as figuras do pós-digital enquadramento

36 37

Fig.20
Motoproprio. House in Volterra. Itália. 2015. Projecto
de investigação

Fig.21
False mirror office. Europan 13.Trondheim, Noruega.
2015. Concurso
as figuras do pós-digital enquadramento

38 39

Fig.23
Pascal Flammer. House in Liguria. Itália. 2009.
Construido

Fig.22
Dogma. After Hilberseimer. Proposal for the
transformation of Hilberseimer’s Marquette Park.
Chicago, Estados Unidos da América. 2014
lINHA
as figuras do pós-digital enquadramento

42 43

Fig.25
Francesca Torzo. Guggenheim Helsinki Design
Competition. Helsinky, Finland. 2014. Concurso
Fig.24
Jean-Benoît Vétillard. University Island. Campus
universitário para a ilha de Poveglia. Veneza, Itália.
2016. Concurso
as figuras do pós-digital enquadramento

44 45

Fig.26
Fosbury architecture. Anamosphosis. Bienal de
arquitectura de Tallin. Estónia. 2013. Concurso

Fig.27
Dérive lab. La Bema. Querétaro, México. Construido
as figuras do pós-digital

46

Fig.28
OFFICE KGDVS. Church. Hatlehol, Noruega. 2008.
Concurso.
Exibição
as figuras do pós-digital exibição

50 51

Fig.29
kola. Simulacrum. Concurso

Fig.30
CXEMA. Clear house. Archives for the design of a
modular home. Kaluga, Rússia. 2017. Concurso
as figuras do pós-digital exibição

52 53

Fig.32
Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013-16. Construido

Fig.31
Yellow Office. Piaza Scala. Milão, Itália. 2015.
Concurso
as figuras do pós-digital exibição

54 55

Fig.33
KWY e Yellow Office. Osumi Panoramas. Ilha de
Osumi, Berat, Albânia. Concurso

Fig.34
Gosplan. Fisherman’s House. Génova, Itália 2016.
Construido
as figuras do pós-digital

56

Fig.35
Gosplan. Guggenheim Helsinki Design Competition.
Helsinky, Finland. 2014. Concurso
vERDE
as figuras do pós-digital verde

60 61

Fig.36
Other architects. Gully House. Sydney, Austrália.
Em curso

Fig.37.
NP2F. SoHo reinventer Paris. França. 2014. Concurso
as figuras do pós-digital verde

62 63

Fig.38.
ASSEMBLE. Laguna Viva. Veneza, Itália. 2017-19.
Construido

Fig.39.
Something fantastic. Sesonality house. Berlim,
Alemanha. Em curso
as figuras do pós-digital

64

Fig.40
OFFICE KGDVS. Crematorium. Ostend, Bélgica. 2014
Nas páginas que se seguem comparam-se as imagens
analisadas com o seu significante material mais próximo, a REJEIÇÃO DO REAL
a obra quando existe ou desenhos de projecto que
sejam mais inequívocos quanto a materialização da obra.
a rejeição do real a rejeição do real

68 69

Fig.42
Pascal Flammer. House in Liguria. Itália. 2009.
Construido

Fig.41.
False mirror office. Europan 13.Trondheim, Noruega.
2015. Concurso
a rejeição do real a rejeição do real

70 71

Fig.43.
FALA atelier. Casa na rua do Paraiso. Porto, Portugal.
2017. Construido
a rejeição do real a rejeição do real

72 73

Fig.44
Other architects. Gully House. Sydney, Austrália.
Em curso
Fig.45
Other architects e LCLA Office. Veiled landscapes.
Green square aquatic centre and Guyama Park.
Sydney, Austrália. 2014. Concurso
a rejeição do real a rejeição do real

74 75

Fig.46 Fig.47.
Charles Holland Architects e Piers Taylor of Invisible FAT Architecture. Hoogvliet Park. Roterdão, Holanda.
Studio. A House in Holland. Almere, Holanda 2008-9. Construido
a rejeição do real a rejeição do real

76 77

Fig.48
CXEMA. Clear house.Archives for the design of a
modular home. Kaluga, Rússia. 2017. Concurso

Fig.49
Jean-Benoît Vétillard. University island.
Campus universitário para a ilha de Poveglia.
Veneza, Itália. 2016. Concurso
a rejeição do real a rejeição do real

78 79

Fig.51.
NP2F. SoHo reinventer Paris. França. 2014. Concurso
Fig.50.
Pezo Von Ellrichshausen. Guna House. San Pedro de la
Paz, Chile. 2010-14. Construido
a rejeição do real a rejeição do real

80 81

Fig.52. Fig.53.
Francesca Torzo. Guggenheim Helsinki Design Francesca Torzo. N16 - podere la pianella. Procchio,
Competition. Helsinky, Finland. 2014. Concurso Itália. 2017. Construido
a rejeição do real a rejeição do real

82 83

Fig.54.
Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013. Construido

Fig.55.
Maio. 22 dwelings housing block. Barcelona, Espanha.
2013. Construido
a rejeição do real a rejeição do real

84 85

Fig.56.
kola. Simulacrum. Concurso
Fig.57.
Kola. La Base. Chapel of San Filippo Neri. Turin, Itália.
Concurso
a rejeição do real a rejeição do real

86 87

Fig.58
OMA. Venice Biennal. 2014. Construido
Fig.59.
Point Supreme. Roman Villa. 2016. Projecto de
investigação
a rejeição do real a rejeição do real

88 89

Fig.60 Fig.61.
OFFICE KGDVS. Crematorium. Ostend, Bélgica. 2014 OFFICE KGDVS. Library Sint-Martens-latem. Bélgica.
2017.
a rejeição do real a rejeição do real

90 91

Fig.63
OFFICE KGDVS e Dogma. Cité de refuge. Rotterdam
Architecture Biennale. Ceuta, Espanha. 2007

Fig.62.
OFFICE KGDVS. Church. Hatlehol, Noruega. 2008.
Concurso
a rejeição do real a rejeição do real

92 93

Fig.64
Dogma. After Hilberseimer. Proposal for the
transformation of Hilberseimer’s Marquette Park.
Chicago, Estados Unidos da América. 2014

Fig.65
OMMX. Artist Live Work. Londres, Reino Unido. 2016
a rejeição do real a rejeição do real

94 95

Fig.67.
Fig.66 Yellow Office. Piaza Scala. Milão, Itália. 2015.
Monadnock. Atlas House. Eindhoven, Holanda. 2016. Concurso
Construido
a rejeição do real a rejeição do real

96 97

Fig.68.
ASSEMBLE. Laguna Viva. Veneza, Itália. 2017-19.
Construido

Fig.69.
Motoproprio. House in Volterra. Itália. Projecto de
investigação. 2015
a rejeição do real a rejeição do real

98 99

Fig.70
Caruso St. John. Stortorget, Kalmar. 1999–2003.
Construido
Fig.71.
Something fantastic. Sesonality house. Berlim,
Alemanha. Em curso
a rejeição do real a rejeição do real

100 101

Fig.73.
Gosplan. Fisherman’s House. Génova, Itália 2016.
Construido

Fig.72
Gosplan. Guggenheim Helsinki Design Competition.
Helsinky, Finland. 2014
a rejeição do real a rejeição do real

102 103

Fig.74
KWY e Yellow Office. Osumi Panoramas. Ilha de
Osumi,Berat, Albânia. Concurso

Fig.75.
2A+A/P e LGSMA. Museu di Lima. Peru. 2016
a rejeição do real

104

Fig.76
Dérive lab. La Bema. Querétaro, México. Construido

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