Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CADERNADOR
A.DAVID
LISBOA
:
Bibliotheca Dramatica Campos & C.a
WILLIAM SHAKSPEARE
HAMLET
TRAGEDIA EM CINCO ACTOS
ESTUDO CRITICO
e versão portugueza
DE
JOSÉ ANTONIO DE FREITAS
Socio correspondente da Academia Real das Sciencias de Lisboa
1887
LIVRARIA PORTUGUEZA E FRANCEZA
DE CAMPOS & C. - EDITORES
86. Rua Augusta. 88
LISBOA
1
VA
ND
S
R.5NÓ60380
AI
MC
RA R
EON A
GD P
D.
ESTUDO CRITICO
*
*
*
*
*
HAMLET
76
HAMLET
marquez falla da sua tristeza tantas ve-
zes , e manifesta-a por tal fórma , que
podia exclamar como Jesus : « A minha
alma está triste até á morte » .
2.º A preoccupação de attrahir as at-
tenções .
Quem não vio ainda os hystericos
pergunta Legrand du Saulle - provocar
o espanto e admiração pelas theses mais
ou menos paradoxaes e extraordinarias ,
que sustentam com uma afouteza , só-
mente egual á sua falta de convicção ? »
-
Quem não vê — perguntamos nós
principe de Dinamarca deixar a todos
estupefactos com as excentricidades e
paradoxos , que profere constantemente ?
Quem o não vê dramatisar todos os actos
da sua vida, recitar como um actor, e
proceder em quanto se representa o As-
sassinio de Gonzaga de modo que as at-
tenções se voltem para elle?
3.º A credulidade.
Hamlet é um espirito esclarecido , um
pensador, cursou aulas em Wittemberg ,
ESTUDO CRITICO 89
OPHELIA
POLONIO
OPHELIA
OPHELIA
*
* *
8
ESTUDO CRITICO 97
vcowni
essec e illogicas dos possessos , ti-
Sa
has
kespea
t
, o Rubens do heatro,
estud re
ado as sua qual
s idades affectivas ,
as
Suas impulsões, as suas duvidas , as
perturbações da sua mentalidade ?
HAMLET
:
Não nos parece francamente que seja
fallar a esmo , dizer que o caracter de
Hamlet é fructo da observação de grande
numero de hystericos ; não só porque
tambem o foram as concepções artisticas
que mencionámos , mas tambem, e prin-
cipalmente, porque a applicação das mo-
dernas doctrinas scientificas dissipa a
escuridade, explana por um modo cabal
os trechos , sobre que se tem levantado
mais accesa controversia. Não sabemos
explicar - dizem alguns criticos - o des-
abrimento de Hamlet com Ophelia , a
quem escrevêra :
W. SHAKESPEARE
VERSÃO
DE
JOSÉ ANTONIO DE FREITAS
Personagens da peça
O ASSASSINIO DE GONZAGA
PROLOG
O FERREIRA
0 REI... TORRES
A RAINHA. LUIZA LOPES
LUCIAN
NO
COSTA
ACTO I
SCENA PRIMEIRA
ELSENOR
UMA PLATAFORMA DEFRONTE DO PALACIO
BERNARDO
Quem está ahi ?
FRANCISCO
Não ; responde-me tu ; faze alto, e dá-te a conhe-
cer.
BERNARDO
Viva o rei !
FRANCISCO
Bernardo ?
5
120 HAMLET
BERNARDO
O mesmo.
FRANCISCO
BERNARDO
Deram agora doze ; vae-te deitar, Francisco .
FRANCISCO
BERNARDO
FRANCISCO
Nem um rato bulio.
BERNARDO
Bem ; boa noite. Se encontrares Horacio e Mar-
cello, meus companheiros de guarda , dize-lhes que
andem depressa .
FRANCISCO
HORACIO
MARCELLO
Homens ligios do rei da Dinamarca.
FRANCISCO
Boa noite.
MARCELLO
Adeus, honesto soldado ; quem te rendeu?
FRANCISCO
Bernardo ficou em meu logar. Boa noite.
Francisco sahe.
MARCELLO
Olá! Bernardo !
BERNARDO
Dize-me : é Horacio quem está ahi ?
HORACIO
Um vulto d'elle ( 1 ) .
BERNARDO
BERNARDO
Nada vi.
MARCELLO
Horacio diz que é pura phantasia nossa , e não
quer deixar senhorear-se da crença na terrivel ap-
parição, que vimos duas vezes. Por isso instei com
elle para ficar de guarda esta noite comnosco, a fim
de que, se o espectro voltar, Horacio possa corro-
borar o testemunho dos nossos olhos, e fallar-lhe (2).
HORACIO
Qual ! Não apparece .
BERNARDO
MARCELLO
Silencio ! Não prosigas ! Olha, ahi vem .
Apparece a Sombra.
BERNARDO
Na mesma figura do defunto rei .
MARCELLO
BERNARDO
Não se parece com o rei ? Observa, Horacio.
HORACIO
MARCELLO
Falla-lhe, Horacio.
HORACIO
MARCELLO
Offendeu- se.
BERNARDO
HORACIO
Pára ; falla ; ordeno-te que falles.
A Sombra desapparece.
MARCELLO
BERNARDO I
HORACIO
Por Deus, que o não pudera accreditar sem o
testemunho sensivel e seguro dos meus proprios
olhos.
MARCELLO
HORACIO
MARCELLO
HORACIO
MARCELLO
Bem s
; entemo -nos , e diga-me quem souber , por
que
fa tigmotivo
am duraestasaguardas
noite osseveras
subdit e observantissimas
d D ?
Par nte os a inamarca
a quê est fus
a ão diaria de canhões de bronze , e
a compra no estra g
Par ngeiro de petrechos de uerra ?
a qu ta de carpint n
ê manha quantida eiros a-
vaes de
, cujo trabal rude não separa o domin d
ho go o
dia
que de semana? Qual a mira, a que se attende , para
fai
na odiaoperario
e noite ?coberto
Quem pde ódesuor
infojunte na mesma
rmar-me ?
126 HAMLET
HORACIO
MARCELLO
Bato-lhe com a minha partazaną ?
HORACIO
Se não quizer parar, bate-lhe.
BERNARDO
Eil-o !
HORACIO
Eil-o !
A Sombra desapparece.
MARCELLO
Partio ! Sendo tão majestoso de aspecto, offen-
demol-o em dar mostras de violencia ; elle é invul-
ACTO I, SCENA I 129
BERNARDO
HORACIO
HORACIO
MARCELLO
Façamos isso ; eu sei onde é mais provavel que
o encontremos esta manhã.
Sahem.
SCENA II
UMA SALA NO CASTELLO
REI
negocio
opinião , manifestada livremente no decurso d'este
. Agradeço -vos a todos. Cumpre-me agora
dizer-vos
estim que o joven Fortimbraz, tendo em baixa
ação
unid valor, suppondo o reino des-
dos alicerce oupor morte do nosso pre-
o e fóroa nosso
sado s
irmão -alliado unicamente com este sonho de
super
m ensaioridade – não cessou de importunar-nos com
gens sobr a rest
e ituição das terras perdidas
por
apo Seu pae, e de que o nosso valoroso irmão se
d erou com toda as form da lei . Pelo
s alidad
que es
respeita a elle, basta. Tratemos de nós, e da
Escrevemo
causa, ques nos tem aqui reunidos. É a seguinte .
do a presente carta ao rei da Noruega, tio
joven Fortimbraz, que sem vigor e prostrado no
132 HAMLET
VOLTIMANDO
REI
LAERTES
POLONIO
Senhor , arrancou-me a tardia licença pedindo
porfiadamente ; a final, condescendi com a sua von-
tade , pondo-lhe o sello do meu duro consentimento .
Peço- vos que o deixeis partir.
REI
HAMLET, ά
à parte.
Um
nos do pouco mais do que primo, e um pouco me-
que filho.
134 HAMLET
REI
RAINHA
HAMLET
tomar
cois a peito com a nossa pertinaz opposição uma
a,
tão que como sabemos -tem de ser, e que é
pressi ulgar como tudo o que vulgarmente nos im-
ona os sentidos ? Não ! Isso é peccado contra
t
• u
céo
rez , é offensa aos mortos, é crime contra a na-
a,
commum
é absurdo repugnantissimo
é a morte dos paes, eá que
razãodesde
, cujo thema
o pri-
meiro
cadaver até o homem que morreu hoje, nunca
136 . HAMLET
RAINHA
HAMLET
Senhora, em tudo vos obedecerei o melhor que
possa.
REI
HAMLET
Oh ! se esta carne por extrema solida pudesse
derreter-se, fundir-se, resolver-se em orvalho ! Ou
se a Eternidade não tivesse estatuido uma lei contra
o suicida! Ó Deus ! Ó Deus ! Como todos os go-
zos d'este mundo me parecem fastidiosos, gastos,
rasteiros, improficuos ! Apre ! que horrivel mundo !
É um campo
inculto que produz a seu sabor, e em
que unicamente brotam hervas damninhas e de baixa
qualidade . Aonde chegaram as coisas ! Ha dois me-
zes apenas que elle morreu ... não, nem tanto ...
ainda não ha dois mezes ... Um rei tão excellente !
Comparado
com o actual era um Appollo , e este
um satyro ; tão adorador de minha mãe , que nem
podia
consentir ao vento celestial que lhe soprasse
no rosto com aspereza. Ceo e terra ! Devo eu lem-
bral- o ? E ella debruçava-se-lhe nos braços, como se
o appetite lhe crescesse quando o saciava . E com-
tudo, dentro de um mez ... Não quero pensar em
Fragilidade
tal. ,
não estavam ainda velhosé os
teu nome mulher ! Um
sapatos breve
com de-;
que,mez
bulhad
a
de meu em pranto qual Niobe , acompanhou o corpo
pobre pae . E ella, ella mesma ? Oh ! ceo !
138 HAMLET
HORACIO
Deus vos salve, senhor !
HAMLET
Folgo de te ver bom. É Horacio, se me não
engano.
HORACIO
O mesmo, senhor ; e sempre vosso humilde servo.
HAMLET
HAMLET
Folgo muito de te ver.
A Bernardo.
Boa tarde, senhor.
Mas, francamente, que fazes tu longe de Wit-
temberg.
HORACIO
HAMLET
HORACIO
Senhor, vim assistir ao funeral de vosso pae .
HAMLET
P
eço-te que não zombes de mim, collega ; creio
que
foi para assistir ao casamento de minha mãe.
HORACIO
É verdade que foi logo em seguida.
140 HAMLET
HAMLET
HORACIO
Onde, senhor ?
HAMLET
Nos olhos da alma, Horacio .
HORACIO
Eu vi-o uma vez ; era um optimo rei.
HAMLET
Um homem tão completo em tudo, que não es-
pero ver outro como elle.
HORACIO
Senhor, creio que o vi a noite passada.
HAMLET
Viste ? Quem?
HORACIO
O rei, vosso pae.
ACTO I, SCENA II 141
HAMLET
O rei, meu pae ?
HORACIO
Reprimi a vossa admiração por algum tempo, e
prestae attenção, afim de que eu, com o testemu-
nho d'estes senhores, possa referir-vos o prodigio .
HAMLET
Pelo amor de Deus, conta- me.
HORACIO
Duas noites a fio, os bravos cavalleiros Marcello
e nBernardo
e contro , estando de guarda , tiveram o seguinte
em meio do mais profundo silencio e
escuridão . Uma figura similhante a vosso pae , ar-
mada de ponto em branco , appareceu - lhes na frente ,
e com andar solemne dirigio - se lenta e magestosa
para elles. Tres vezes passeiou por diante dos seus
olhos amedrontados á distancia do bastão , que em-
punhava
emudecera ;
em elles, quasi distillando gelo pelo susto,
e não lhe fallaram. Contaram-me o fa-
cto
como um segredo medonho, e eu na terceira
noite fiquei tambem de guarda . Á mesma hora, com
o mesmo aspecto , veio a apparição tal, qual tinham
descripto , fazendo boa e verdadeira cada palavra.
Reconheci
o vosso pae ; estas mãos não têem maior
similhança
uma com a outra.
142 HAMLET
HAMLET
MARCELLO
HAMLET
Não lhe fallastes ?
HORACIO
HORACIO
Meu venerado senhor, é tão certo como eu es-
tar vivo ; e julgámos que nos corria obrigação de
informar a Vossa Alteza.
HAMLET
Verdade verdade, senhores, isto perturba-me a
razão. Estaes de guarda esta noite ?
ACTO 1, SCENA II 143
TODOS
Estamos, senhor.
HAMLET
Armado , dissestes?
TODOS
Armado .
HAMLET
Da cabeça até os pés ?
TODOS
Da cabeça até os pés.
HAMLET
Então não lhe vistes a cara ?
HORACIO
Sim,
tada . meu senhor, vimos ; tinha a vizeira levan-
HAMLET
E o rosto era carregado ?
HORACIO
Um semblante mais de tristeza que de colera.
HAMLET
Pallido ou vermelho ?
*
144 HAMLET
HORACIO
Ah ! Muito pallido .
HAMLET
E fitou em vós o olhar?
HORACIO
Constantemente.
HAMLET
Quem me dera ter estado lá !
HORACIO
Terieis ficado cheio de pavor.
HAMLET
É provavel, muito provavel . Demorou-se muito ?
HORACIO
O tempo, em que se póde com moderada pres-
teza contar até cem.
BERNARDO E MARCELLO
Mais, mais .
HORACIO
HAMLET
A barba era grisalha, não ?
ACTO I, SCENA II 145
[HORACIO
Era de um negro prateado, como em vida.
HAMLET
Ficarei de guarda esta noite ; pode ser que elle
volte .
HORACIO
Eu afianço que volta.
HAMLET
Se revestir o aspecto de meu nobre pae, hei de
fallar-lhe, ainda que o proprio inferno escancare as
guellas
,
bristes e ordene que me calle. Se até agora enco-
o caso da apparição, continuae a tel-o em
silencio
, peço -vos a todos ; e qualquer coisa, que
HAMLET
Sêde meus amigos, como eu sou vosso . Adeus.
Sahem Horacio, Marcello e Bernardo.
istoOnão
espirito de meu pae vestido de armas ! Tudo
vae bem. Desconfio d'algum horrendo myste-
146 HAMLET
SCENA III
LAERTES
OPHELIA
Pões isso em duvida ?
LAERTES
Pelo que respeita a Hamlet e á frivolidade dos
seus galanteios, considera tudo isso moda passa-
geira, um divertimento sensual, uma violeta do abril
da existencia, precoce mas ephemera, suave mas não
duradoira ; o perfume e o deleite de um minuto,
nada mais.
ACTO I, SCENA III 147
OPHELIA
Nada mais ?
LAERTES
OPHELIA
Hei de reter na memoria o sentido d'esta boa
doctrina, como guarda do meu coração. Mas, que-
rido Laertes, não faças como prégador impio, que
mostra o caminho arduo e espinhoso do céo, e en-
tretanto- enfatuado e descuidoso libertino -pisa a
estrada viçosa dos deleites, e não lhe importa o
sermão.
LAERTES
Não te assustes por mim. Já me demorei de mais.
Ahi vem meu pae.
Entra Polonio.
POLONIO
Ainda aqui, Laertes ! Para bordo ! para bordo !
Que vergonha ! O vento sopra no flanco da tua
vella, e todos esperam por ti. Ora pois, eu te
abençôo (pondo a mão sobre a cabeça de Laertes) , e pro-
cura gravar na memoria estes preceitos : « Não dês
lingua aos teus pensamentos, nem ponhas por obra
ideia alguma irreflectida. Sê tratavel, porém vulgar
de modo nenhum. Os amigos, que tiveres de fide-
lidade experimentada, prende-os á tua alma com cir-
culos de aço ; mas não callejes a mão apertando a
de qualquer camarada que tiveres desencantado na
vespera. Guarda-te de entrar em questão ; mas en-
volvido n'ella, procede de maneira que o adversario
haja de temer-te . Presta ouvidos a todos, e confia
as tuas palavras a pouca gente . Acolhe a opinião de
cada um ; mas reserva o teu juizo. Traja com a ele-
gancia e a riqueza, que puder pagar a tua bolsa ;
o trajo porém não seja talhado pela phantasia - rico
sem ser ostentoso - porque o vestuario dá muitas
vezes a conhecer o homem, e em França os de me-
lhor estirpe e condição requintam principalmente em
pontos de elegancia. Não peças emprestado, nem
emprestes ; emprestar é muitas vezes perder o di-
nheiro e o amigo, pedir emprestado embota os fios
da economia (8). Uma coisa acima de tudo : sê ver-
dadeiro comtigo mesmo ; e d'ahi seguir-se-ha, como
150 HAMLET
POLONIO
OPHELIA
Permitti, senhor ... disse-me algumas cousas a
respeito de Hamlet.
POLONIO
OPHELIA
POLONIO
POLONIO
OPHELIA
OPHELIA
POLONIO
SCENA IV
A PLATAFORMA
HAMLET, HORACIO E MARCELLO
HAMLET
Está frigidissimo ; o ar corta .
HORACIO
Est
á um ar penet
rante e aspero .
HAMLET
Que horas são?
HORACIO
MARCELLO
Não, j d
á eram .
154 HAMLET
HORACIO
Devéras ? Não ouvi. Então aproxima-se a hora,
em que o espirito costuma a atravessar .
Ouvem-se tiros e musica dentro.
Que significa isto, meu senhor ?
HAMLET
HORACIO
Isso é costume ?
HAMLET
Entra a SOMBRA
HORACIO
HAMLET
HORACIO
HORACIO
HAMLET
HORACIO
HAMLET
HAMLET
Torna a fazer-me signaes. Vamos ; sigo-te.
158 HAMLET
MARCELLO
HAMLET
Tira as mãos !
HORACIO
HAMLET
Anda, sigo-te.
Sahem Hamlet e a Sombra.
HORACIO
A imaginação enfurece-o.
ACTO I, SCENA V 159
MARCELLO
Sigamol-o ; é contra o nosso dever obedecer-lhe
assim .
HORACIO
MARCELLO
Ha alguma coisa podre no reino de Dinamarca.
HORACIO
ceo determinará.
MARCELLO
Bem ; sigamol-o .
Sahem.
SCENA V
UMA PARTE MAIS REMOTA DA PLATAFORMA
Entram HAMLET e a SOMBRA
HAMLET
Para o
nde quere levar-me ? Falla ; eu não avanç
mais . s o
SOMBRA
Escuta-me .
160 HAMLET
HAMLET
Escuto .
SOMBRA
É quasi chegada a hora, em que devo restituir-
me ás chammas sulfureas e tormentosas.
HAMLET
Ah! pobre espirito !
SOMBRA
Não tenhas piedade de mim ; mas presta séria
attenção ao que te vou revelar .
HAMLET
SOMBRA
HAMLET
Ó céo !
SOMBRA
Vinga o seu assassinio horrivel e desnaturado .
HAMLET
Assassinio ?
SOMBRA
Um assassinio horribilissimo , como são todos,
ainda os menos criminosos ; porem este foi o mais
hediondo ,
o mais estranho, o mais repugnante á
natureza .
HAMLET
Apressae-vos em contar-m'o, para que eu possa
voar á minha vingança com azas tão ligeiras como
a meditação
ou como os pensamentos do amor ( 12).
162 HAMLET
SOMBRA
Vejo que estás disposto ; e se com isto não
ficasses commovido , serias mais inerte do que a
herva damninha que apodrece á vontade nas mar-
gens do Lethes. Agora, Hamlet, escuta : Espalhou-
se o boato de que uma serpente me picara estando
eu a dormir no meu jardim ; e d'esta fórma os ou-
vidos de toda a Dinamarca foram grosseiramente
escarnecidos com uma forjada explicação da minha
morte. Porem sabe tu, illustre joven : a serpente, que
mordeu teu pae e lhe tirou a vida, agora cinge-lhe
a coroa.
HAMLET
SOMBRA
MARCELLO, dentro
Senhor!
HORACIO, dentro
O ceo o defenda !
HAMLET
Assim seja !
MARCELLO, dentro
Olá ! olá ! oh ! senhor !
HAMLET
Olá ! oh ! oh ! rapaz ! Vem, meu falcão ! vem !
MARCELLO
Então, meu nobre senhor?
HORACIO
HAMLET
Oh ! uma novidade assombrosa !
HORACIO
Dizei, meu bom senhor.
HAMLET
Não ; que a ides revelar.
HORACIO
MARCELLO
Nem eu, meu senhor.
HAMLET
HAMLET
HORACIO
Para nos dizer isso não era preciso que um es-
pirito sahisse do tumulo.
HAMLET
HORACIO
HAMLET
Lamento de coração que te offendam ; sim, por
minha
fé, lamento de coração.
HORACIO
N'isso não ha offensa , senhor.
1
1
HAMLET
HAMLET
Nunca torneis conhecido o que esta noite pre-
senciastes.
AMBOS
Não tornaremos, senhor.
HAMLET
Bem ; mas jurae.
HORACIO
Por minha fé, senhor, nunca o hei de revelar.
MARCELLO
Nem eu, senhor, por minha fé .
HAMLET
Sobre a minha espada .
MARCELLO
HAMLET
Jurae a valer, sobre a minha espada, jurae.
Olá! olá! meu rapaz ! dizes isso? estás ahi, bom ho-
mem ? Aproximae-vos ; estaes ouvindo fallar aquelle
amigo lá em baixo, na adega ; consenti em jurar.
HORACIO
HAMLET
HAMLET
HORACIO
Oh ! Pelo dia e pela noite ! É um prodigio es-
tranho !
HAMLET
Por consequencia acolhei-o, como se faz a um
estranho ( 13 ) . Horacio, no ceo e na terra ha mais
coisas do que sonha a vossa philosophia. Mas va-
mos : Agora aqui jurae, como ha pouco fizestes, que
nunca― assim Deus vos ajude ! - por mais extrava-
gante e insolito que seja o meu procedimento (por-
que talvez se me affigure necessario affectar de hoje
em diante um caracter phantastico) jurae que ao
ver-me assim, nunca denotareis saber de mim al-
guma coisa, cruzando os braços d'este feitio, ou
abanando com a cabeça, ou pronunciando alguma
phrase duvidosa como: « Bem, bem, nós sabemos ;
ou : Nós podiamos se quizessemos ; ou : Se tivesse-
mos vontade de fallar ; ou : Ha gente, que, se pu-
desse ...» ou quaesquer palavras egualmente ambi-
guas . Jurae isso, e a graça e favor do ceo vos as-
sista nas vossas afflicções ! Jurae.
ACTO 1, SCENA V 171
ACTO II
SCENA PRIMEIRA
POLONIO
nalEntrega
do . -lhe este dinheiro e estas cartas, Rey-
REYNALDO
Sim,
meu senhor .
POLONIO
naldo
Serias de uma prudencia maravilhosa, bom Rey-
, se, antes de o procurar, te informasses do
seu
comportamento.
174 HAMLET
REYNALDO
É o que eu já pensava , senhor.
POLONIO
REYNALDO
Perfeitamente, meu senhor.
POLONIO
Tambem o conheço um pouco ; ainda que — podes
accrescentar · não muito bem; mas, se é de quem eu
fallo, é um extravagante dado a isto e a aquillo ...
E deita-lhe para cima das costas tudo o que te pa-
recer; porém nada tão baixo que o deshonre, toma
cuidado. Limita-te ás leviandades, aos extravios e
ACTO II, SCENA I 175
REYNALDO
POLONIO
REYNALDO
POLONIO
Não, po mi fé, se souberes doirar (1 ) a
accusa r nha
ção . Não deves calumnial-o apresentan -o
do
c
i somo naturalmente propenso á libertinagem ; não é
so
Com O que pretendo dizer. Mas aponta-lhe as faltas
liber dadesubtileza,
tanta que pareçam apenas desvios
da ,
den a faisca, o impulso de um espirito ar-
te ,
expe a braveza de um sangue indomito, que todos
rime
ntam na juventude.
REYNALDO
Mas, meu bo senh ...
m or
176 HAMLET
POLONIO
Com que intuito has de fazer isso ?
REYNALDO
É o que eu desejava saber.
POLONIO
REYNALDO
Muito bem, meu senhor.
POLONIO
E então elle ... então elle ... o que ia eu a di-
zer? ... Eu ia dizer alguma coisa ... onde fiquei eu?
REYNALDO
Acabará por dizer-te ...
ACTO II, SCENA I 177
POLONIO
REYNALDO
Entendi, meu senhor.
POLONIO
Deus seja comtigo . Adeus.
REYNALDO
Meu bom senhor ...
POLONIO
Observa tu mesmo as suas tendencias.
178 HAMLET
REYNALDO
POLONIO
Deixa-o cantar á vontade.
REYNALDO
Bem, meu senhor.
Sahe.
Entra OPHELIA
POLONIO
Adeus.
A Ophelia.
O que é Ophelia ? o que aconteceu ?
OPHELIA
POLONIO
OPHELIA
Estava eu a coser no meu quarto , e Hamlet
apresentou -se diante de mim com o gibão todo
aberto , sem chapeo na cabeça, meias enxovalhadas ,
ACTO II, SCENA I 179
OPHELIA
Não sei, senhor ; mas na verdade receio que sim .
POLONIO
Que disse elle ?
OPHELIA
Travou-me do pulso e prendeu-me com força ;
depois
afastou-se todo o comprimento do seu bra-
ço, e
cipi com a outra mão ... assim ... na testa, prin-
o
senh u a examinar-me o rosto, como se quizesse de-
al-0. Estev muito temp n'esta posi
e o ção . Afinal
-sacu
dindo um pouco o meu braço , e move
ndo
a cab
um eça tres vezes para baixo e para cima - emittio
faze Suspiro tão profundo e lastimoso, que pareceu
r
vida
a estremecer-lhe todo o corpo,
. Feito isto, deixou-me ; e com a cabeça com
e acabar-lhe vol-
tad a
Com por cima do hombro, dir-se-hia que atinava
o caminho, sem olhos, porque sahiu a porta
6*
180 HAMLET
SCENA II
REI
Bemvindos sejaes, meus caros Rosencrantz e
Guildenstern ! Alem do desejo, que ha muito expe-
rimentavamos, de vos tornar a ver , a necessidade ,
que
mand temo , de occupar-vos, deu causa a que vos
assesmos chamar com tanta pressa . Alguma
coisa
haveis de ter sabido sobre a transformação
de Hamlet ;
não e digo transformação , porque o homem
RAINHA
Elle tem fallado muito a vosso respeito, senhores ;
e estou certa de que não ha dois homens, a quem
seja mais affeiçoado. Se vos aprouver condescender
aos nossos rogos de tão boa vontade, que passeis
algum tempo comnosco em utilidade e proveito da
nossa esperança, a vossa visita será galardoada, como
cumpre ao reconhecimento de um rei.
ROSENCRANTZ
GUILDENSTERN
Ambos obedecemos, e aqui nos entregamos de
todo em todo, e livremente collocamos o nosso pres-
timo aos pés de Vossas Majestades, esperando as
suas ordens .
REI
Obrigado, Rosencrantz ; obrigado, amavel Guil-
denstern .
RAINHA
Obrigada, Guildenstern ; obrigada, amavel Rosen-
crantz. Ide já ver meu filho, tão mudado do que era !
peço-vos. -- Algum de vós acompanhe estes senhores
onde está Hamlet.
ACTO II, SCENA II 183
GUILDENSTERN
RAINHA
Amen !
Entra POLONIO
POLONIO
Meu bom senhor, os embaixadores voltaram da
Noruega satisfeitissimos.
REL
Tu sempre foste o pae das boas noticias.
POLONIO
Devéras, senhor ? Asseguro-vos, meu bom suze-
rano, que voto os meus serviços, voto a minha alma,
por egual ao meu Deus e ao meu gracioso rei . Ou
esta minha cabeça já não segue a marcha de um
negocio tão seguramente como costumava, ou então
julgo ter descoberto a verdadeira causa da loucura
de Hamlet.
REI
POLONIO
Dae primeiro audiencia aos embaixadores . As
minhas noticias serão a sobremeza d'esta grande
festa .
REI
Faze-lhes tu mesmo as honras, e introduze-os.
Polonio sahe.
RAINHA
REI
Bem, havemos de examinar isso . Bemvindos se-
jaes, meus bons amigos. Dizei, Voltimando, que res-
posta nos trazeis do nosso irmão da Noruega ?
VOLTIMANDO
RAINHA
Mais factos, e menos arte.
POLONIO
POLONIO
Minha boa senhora, esperae um pouco ; serei fiel :
(Le)
«
Duvida de que a estrella em fogo as nuvens fira,
De
que se mova o sol na cerula amplidão,
Duvida da verdade, e toma-a por mentira ,
Porem do meu amor nunca duvides, não.
REI
E ella, de que forma acolheu o seu amor ?
POLONIO
Que juizo fazeis de mim?
REI
Que sois homem leal e honrado .
POLONIO
REI
RAINHA
Pode ser, é muito provavel.
POLONIO
Já succedeu alguma vez - desejo muito sabel-o-
que tendo eu affirmado positivamente : a coisa é
assim, se provasse que era de outro modo ?
REI
Que eu saiba, não .
POLONIO
Separae isto d'isto, se não fôr como digo. Com-
tanto que as circumstancias me encaminhem, hei
de descobrir onde se occulta a verdade, ainda que
esteja escondida no centro da terra.
REI
POLONIO
POLONIO
REI
Havemos de fazer a experiencia .
RAINHA
POLONIO
Retirae-vos ; peço que vos retireis ambos. Vou
já fallar-lhe . Dae-me plena liberdade .
Sahem o Rei e a Rainha
Como ides, meu bom senhor?
ACTO 11, SCENA II 191
HAMLET
POLONIO
Conheceis-me, senhor?
HAMLET
POLONIO
HAMLET
HAMLET
POLONIO
É uma grande verdade, meu senhor.
7
192 HAMLET
HAMLET
HAMLET
POLONIO
POLONIO
De que se trata, meu senhor ?
ACTO II, SCENA II 193
HAMLET
Entre quem ?
POLONIO
HAMLET
POLONIO, aparte
Não obstante ser tudo loucura, ha methodo nas
suas palavras. (Alto) Não quereis passear fóra do ar,
senhor ?
HAMLET
Dentro do meu tumulo?
POLONIO
Effectivamente, lá não existe ar. (Aparte) Como são
ás vezes cheias de propriedade as suas respostas ! É
194 HAMLET
HAMLET
De mim nada podes tomar, de que eu prescinda
com mais gosto ... excepto a minha vida, excepto
a minha vida, excepto a minha vida.
POLONIO
Adeus, meu senhor.
HAMLET
Estes velhos enfadonhos e tolos!
POLONIO
Ides procurar Hamlet ? eil-o ali.
Polonio sahe.
ROSENCRANTZ, a Polonio
Deus vos salve !
ACTO II, SCENA II 195
GUILDENSTERN
Meu nobre senhor !
ROSENCRANTZ
Prezadissimo senhor!
HAMLET
Meus bons, meus excellentes amigos ! Como vaes,
Guildenstern ? Oh ! Rosencrantz ! Bellos rapazes , como
ides ambos ?
ROSENCRANTZ
GUILDENSTERN
HAMLET
Nem as solas dos seus sapatos?
ROSENCRANTZ
Tambem não, meu senhor.
HAMLET
Então viveis perto da cintura, ou no centro dos
seus favores?
196 HAMLET
GUILDENSTERN
HAMLET
ROSENCRANTZ
GUILDENSTERN
Prisão, senhor !
HAMLET
ROSENCRANTZ
HAMLET
HAMLET
GUILDENSTERN
HAMLET
HAMLET
AMBOS
Iremos na vossa comitiva.
HAMLET
ROSENCRANTZ
Visitar-vos, meu senhor ; nada mais .
ACTO II , SCENA II 199
HAMLET
Pobre de mim! Sou pobre até nos agradecimen-
tos; mas agradeço-vos, e com certeza, queridos ami-
gos, os meus agradecimentos são ainda muito caros
sendo pagos a meio penny. Não vos mandaram ?
Viestes por determinação propria ? É uma visita es-
pontanea? Vamos, vamos ; procedei lealmente comi-
go ; vamos, vamos, fallae .
GUILDENSTERN
HAMLET
Alguma coisa, mas que venha a proposito. Fos-
tes mandados ; ha uma especie de confissão nos
vossos olhares, que o pudor não tem artificio bas-
tante para disfarçar. Sei que fostes mandados pelo
bondoso rei e pela rainha.
ROSENCRANTZ
Para que fim, senhor ?
HAMLET
HAMLET, aparte
Estou a ler-lhes a resposta nos olhos. (Alto) Se
sois meus amigos, não me occulteis nada.
GUILDENSTERN
Senhor, fomos mandados .
HAMLET
Vou dizer-vos porquê ; d'este modo anteciparei
a vossa confidencia, e o segredo jurado ao rei e á
rainha não mudará sequer uma penna. Ha tempos
(ignoro a causa) perdi toda a alegria, abandonei
todos os meus habitos de exercicio ; e de facto,
sinto um pezo tão grande sobre o espirito, que esta
bella machina -a terra - affigura-se-me esteril pro-
montorio ; este soberbo docel - o ar - este bravo
firmamento que perde sobre nossas cabeças, este
tecto majestoso cravado de luzes de oiro, tudo isso
não me parece mais do que uma agglomeração im-
munda e pestilente de vapores. O homem é obra
ACTO II, SCENA II 201
HAMLET
HAMLET
O que faz de rei será bemvindo ; renderei a Sua
Majestade o meu tributo ; o aventuroso cavalleiro
manejará a espada e o broquel ; o amante não ha
de suspirar gratis ; o gracioso chegará em paz ao
BA
202 HAMLET
ROSENCRANTZ
Os mesmos, que tanto costumavam a deleitar-
vos ; os tragicos da cidade.
HAMLET
ROSENCRANTZ
HAMLET
Ainda são tidos na mesma estima, em que eram
quando eu estava na cidade ? São frequentados da
mesma forma ?
ROSENCRANTZ
HAMLET
ROSENCRANTZ
ROSENCRANTZ
HAMLET
É possivel?
GUILDENSTERN
HAMLET
ROSENCRANTZ
Sim, meu senhor, levam tudo ; até Hercules e a
sua carga (5).
HAMLET
GUILDENSTERN
São os comicos.
HAMLET
GUILDENSTERN
Em quê, meu senhor ?
HAMLET
POLONIO
Eu vos saudo, senhores !
HAMLET
Ouvi, Guildenstern ; e vós tambem, Rosencrantz ;
para cada ouvido um ouvinte. Esta creancinha (7) ,
que estaes vendo , ainda não largou os cueiros.
ROSENCRANTZ
HAMLET
POLONIO
HAMLET
POLONIO
Estão ahi os comicos, senhor.
HAMLET
Hum! hum! hum !
POLONIO
Por minha honra !
HAMLET
Montado cada actor em seu jumento (8).
POLONIO
Os melhores actores do mundo para a tragedia,
comedia, drama historico, pastoral, comico-pastoral,
ACTO II, SCENA II 207
POLONIO
Que thesouro possuia elle, senhor?
HAMLET
Que thesouro ?
POLONIO, ȧparte
HAMLET
Não tenho razão, velho Jephté ?
POLONIO
Se me chamaes Jephté, senhor, é porque tenho
uma filha, a quem amo extremosamente .
208 HAMLET
HAMLET
Não, não é isso o que se segue.
POLONIO
O que se segue então , senhor ?
HAMLET
Isto :
Deus decreta e determina
A sorte prospera e má;
E depois? sabeis ?
Se a sorte é ordem divina,
Tolhel-a quem ousará?
PRIMEIRO COMICO
HAMLET
POLONIO
PRIMEIRO COMICO
«Em seguida o descobre
A custo combatendo, expondo a vida nobre.
O ferro, obediente ao braço rijo outr'ora,
Refusa-se ao commando, hesita, cae agora.
Ao decrepito rei em desegual peleja
Lança-se o fero Pyrrho ; e logo que dardeja
E zune pelo ar a espada do tyrano,
Abate-se enervado o velho pae troyano.
Ilio, insensivel já, como se a morte indina
Por accaso sentisse, em chammas se arruina
Do tope ao alicerce. Horrivel estrugido
De Pyrrho a mão sustem, faz prisioneiro o ouvido.
Na mesma occasião attende ao que te conto
Em que o ferro do algoz insano estava a ponto
De mutilar a fronte encanecida e pura
Do longevo monarcha, a todos se figura
Vel-o no ar suspenso. E Pyrrho então parece
Um verdugo pintado a quem acção fallece.
212 HAMLET
POLONIO
É comprido de mais.
ACTO II, SCENA II 213
HAMLET
Ha de ir ao barbeiro com a tua barba. Peço-te
que continues. O que elle quer é uma giga ou uma
historia obscena ; senão, dorme. Continúa, vamos a
Hecuba.
PRIMEIRO COMICO
HAMLET
A rainha embuçada ?
POLONIO
É bom ; a rainha embuçada é bom .
PRIMEIRO COMICO
POLONIO
Olhem como elle mudou de côr ; e está com os
olhos cheios de lagrimas. Basta, peço eu.
HAMLET
POLONIO
Vinde, senhores.
Polonio sahe.
HAMLET
PRIMEIRO COMICO
Sim, meu senhor.
HAMLET
PRIMEIRO COMICO
Sim , meu senhor.
HAMLET
Muito bem. Segue aquelle senhor, e toma conta,
não zombes d'elle. (A Rosencrantz e Guildenstern) Meus
7*
216 HAMLET
HAMLET
SCENA PRIMEIRA
REI
E encaminhando convenientemente a conversação
não podeis arrancar-lhe o motivo da perturbação
d'animo, que afflige tão cruelmente o repouso dos
seus dias com uma doidice turbulenta e perigosa ?
ROSENCRANTZ
Elle confessa que se sente perturbado de juizo,
mas por nenhuma fórma diz a causa.
220 HAMLET
GUILDENSTERN
RAINHA
Recebeu-os bem?
ROSENCRANTZ
Como perfeito cavalheiro.
GUILDENSTERN
Mas contrafazendo-se bastante.
ROSENCRANTZ
RAINHA
Não o desafiastes para algum passatempo ?
ROSENCRANTZ
Succedeu que encontrámos no caminho uns cer-
tos comicos ; fallámos-lhe n'isso, e pareceu-nos que
elle, quando o ouvio, experimentou uma alegria tal
ou qual . Os comicos estão ahi, n'alguma parte do
ACTO III, SCENA I 221
POLONIO
REI
ROSENCRANTZ
Havemos de fazel- o , meu senhor.
Sahem Rosencrantz e Guildenstern.
REI
RAINHA
OPHELIA
POLONIO
Oiço-lhe os passos ; retiremo-nos, senhor.
Sahem o Rei e Polonio.
Entra HAMLET
HAMLET
OPHELIA
Meu bom Senhor, como tem Vossa Alteza pas-
sado, ha tantos dias ?
HAMLET
OPHELIA
HAMLET
OPHELIA
Meu nobre senhor, sabeis perfeitamente que sim;
e as prendas eram offerecidas com palavras de tão
doce alento, que augmentavam ás coisas o valor . Visto
que perderam o perfume, recebei-as de novo ; porque
para uma alma nobre tornam-se pobres as dadivas
mais ricas, quando quem as deu mostra não ter
affecto. Eil-as, senhor.
HAMLET
Ah ! ah ! és honesta ?
OPHELIA
Meu senhor?
HAMLET
És formosa ?
OPHELIA
Que pretendeis dizer ?
HAMLET
HAMLET
HAMLET
HAMLET
OPHELIA
Em casa, meu senhor.
HAMLET
Fechem-lhe bem as portas, para que não faça de
tolo senão em sua propria casa . Adeus.
OPHELIA
Céo piedoso, soccorrei-o !
HAMLET
HAMLET
OPHELIA
REI
POLONIO
Deve dar bom resultado ; mas eu ainda estou con-
vencido de que a origem e o começo da sua tristeza
provém de um amor não correspondido . Bem, Ophe-
lia ; não precisas de contar-nos o que te disse Ham-
let ; ouvimos tudo . Meu senhor, fazei o que enten-
derdes ; mas, se vos parecer bem, deixae que a rai-
nha, sua mãe , inste com elle a sós depois da repre-
sentação, para que lhe descubra a sua dor. A rainha
que lhe falle com franqueza ; e eu, se o permittirdes,
collocar-me-hei onde oiça a conversação. Se ella não
230 HAMLET
SCENA 11
UM SALÃO
Entram HAMLET e dois ou tres COMICOS
HAMLET
PRIMEIRO COMICO
Prometto a Vossa Alteza.
HAMLET
Não queiras tambem dominar-te em excesso;
deixa-te reger pelo teu discernimento ; accommoda
o gesto á palavra e a palavra ao gesto, com o cui-
dado especial de não ultrapassar a modestia da natu-
reza. Tudo o que se fizer além d'isso está fóra do
intento do theatro, cujo fim, tanto na sua origem
como agora, foi e é - digamos assim - fazer espelho
á natureza, mostrar á virtude os seus lineamentos ,
ao vicio a sua propria imagem, e a cada seculo ,
a cada incarnação do tempo a sua fórma , o seu
cunho (4). Pois bem ; se esta pintura ficar além ou
áquem dos limites razoaveis, ainda que faça rir os
ignorantes, só conseguirá entristecer os espectadores
sensatos ; e haveis de convir em que a censura de
um d'estes deve ter mais pezo , do que a de um
theatro cheio dos outros. Ha comicos, que tenho
visto representar -e a quem tenho ouvido tecer lou-
232 HAMLET
PRIMEIRO COMICO
Creio que estamos soffrivelmente emendados
d'esse defeito .
HAMLET
Oh ! emendae-vos de todo . É necessario que os
que fazem papeis de rusticos, digam só o que foi
escripto para elles ; pois alguns ha, que riem para
despertar o riso a um certo numero de especta-
dores estupidos , ainda que n'essa occasião se deva
estar attento a alguma passagem importante da peça.
Isto é baixo, e revela uma detestavel pretenção no
tolo , que o pratíca. Ide apromptar-vos.
Sahem os comicos.
POLONIO
HAMLET
HAMLET
Olá, Horacio !
Entra HORACIO
HORACIO
Eis-me ás vossas ordens, meu bom senhor.
HAMLET
És o mais justo dos homens, com quem tenho
tratado.
HORACIO
Oh! meu caro senhor !
234 HAMLET
HAMLET
Não, não penses que te lisonjeio. Que vantagens
posso esperar de ti, que para te alimentares e ves-
tires não tens outros rendimentos senão as prendas
do teu espirito ? De que serviria lisonjear o pobre ?
Não ; deixemos que as linguas encandiladas lambam
a parvoa magnificencia, e que os gonzos do joelho
se dobrem rapidos onde o lucro póde seguir- se á
adulação. Ouves ? Desde que a minha alma terna
foi senhora da sua escolha e poude fazer distincção
entre os homens, elegeu-te para si, porque tens sido
sempre um homem que soffre tudo, como se nada
soffresse ; um homem que com agradecimento egual
tem recebido os favores e repulsas do destino . Feli-
zes d'aquelles, cuja razão e cujo sangue se acham
tão bem combinados, que não servem de flauta, em
que o dedo da fortuna tire som pelo orificio que
The aprouver ! Apresenta-me o homem, que não seja
escravo das paixões, e hei de trazel-o no fundo do
meu coração ... sim ... no coração do meu coração,
como te trago sempre. Já fallei de mais a este res-
peito. Hoje á noite representa-se uma peça deante
do rei . Uma das scenas aproxima-se das circum-
stancias, que te referi, da morte de meu pae . Peço-
te que, quando vires chegar esse lance, observes
meu tio com a maior penetração da tua alma ; se
o seu occulto delicto não sahir do antro em certa
ACTO III, SCENA II 235
HORACIO
HAMLET
REI
Como está o nosso sobrinho Hamlet ?
HAMLET
Optimamente, por minha fé ! Vivo da comida do
camaleão : sustento-me do ar, engordo com promes-
sas. Não podieis com tal regimen engordar capões.
236 HAMLET
REI
HAMLET
POLONIO
HAMLET
Que papel fizestes?
POLONIO
HAMLET
ROSENCRANTZ
RAINHA
OPHELIA
Não, meu senhor.
HAMLET
Quero dizer : a cabeça no teu regaço ?
OPHELIA
Sim, meu senhor.
HAMLET
OPHELIA
HAMLET
É um lindo pensamento estar deitado no regaço
de uma donzella (8 ) .
OPHELIA
O quê, senhor?
HAMLET
Nada.
OPHELIA
Estaes contente.
HAMLET
Quem ? eu?
OPHELIA
Sim, meu senhor.
HAMLET
Oh ! Não sou mais do que o teu jogral. Que ha
de fazer um homem senão estar contente ? Vê o ar
satisfeito de minha mãe , e meu pae morreu ha duas
horas.
OPHELIA
HAMLET
Ha tanto ? N'esse caso , vista-se o diabo de preto,
que eu quero trajar-me de martas zibelinas (9) . Oh !
ACTO III, SCENA II 239
HAMLET
É uma perversidade occulta ; isto quer dizer :
crime.
240 HAMLET
OPHELIA
Provavelmente a pantomima indica o argumento
da peça .
Entra o PROLOGO
HAMLET
Vamos sabel- o já por este sujeito ; os comicos não
podem guardar segredo ; hão de contar tudo.
OPHELIA
Elle dir-nos-ha o que significava aquella panto-
mima?
HAMLET
OPHELIA
Sois muito máo ! muito máo ! Eu quero ouvir a
peça.
O PROLOGO
Para nós , para tragedia
Imploramos indulgencia.
Senhores, sêde benevolos,
Ouvi-nos com paciencia.
HAMLET
OPHELIA
É breve, meu senhor.
HAMLET
Como o amor da mulher. ·
O REI DA PEÇA
A RAINHA DA PEÇA
O REI DA PEÇA
É força que te eu deixe em breve, esposa minha ;
Devo dizer-te adeus ; sinto que se avisinha
A morte. Eu vou morrer ; e tu feliz, querida
Triumpharás a vida,
E quem sabe ?—ouvirás talvez phrases amigas
D'algum terno marido .
A RAINHA DA PEÇA
Oh ! não ! não ! não prosigas.
Não ! que esse amor seria um crime negro e feio !
Que Deos me amaldiçoe, se um dia no meu seio
Novo affecto brotar. Só ama outro consorte
A mulher, que ao primeiro esposo deu a morte.
HAMLET
Isto é absintho !
A RAINHA DA PEÇA
O sordido interesse, o vicio, a indignidade,
Porém nunca a paixão honesta persuade ,
ACTO III, SCENA II 243
O REI DA PEÇA
A RAINHA DA PEÇA
Não mais permitta o céo que eu possa ver a luz !
Prive-me a terra-mãe dos fructos, que produz !
Para longe de mim fuja todo o prazer!
Abandonada e só arraste o meu viver
Em constante penar, em martyrio cruel !
O deleite maior amargue como fel !
N'este, e lá n'outro mundo eu seja castigada ,
Se, viuva uma vez, tornar a ser casada !
ACTO III, SCENA II 245
HAMLET, a Ophelia.
O REI DA PEÇA
RAINHA
HAMLET
REI
Conheceis o enredo ? Não tem nada de offensivo ?
246 HAMLET
HAMLET
REI
HAMLET
HAMLET
OPHELIA
HAMLET
OPHELIA
Estaes muito afiado de espirito, senhor, estaes
muito afiado.
HAMLET
HAMLET
LUCIANO
HAMLET
Envenena-o no jardim para usurpar-lhe os esta-
dos. O seu nome é Gonzaga. A historia é verda--
deira, está escripta em castiço italiano . Ides já ver
como o assassino conquista o amor da mulher de
Gonzaga.
OPHELIA
O rei levanta-se !
HAMLET
RAINHA
O que tendes , senhor ?
POLONIO
Suspendei a peça.
REI
Tragam luzes ! Saiamos !
TODOS
Luzes! luzes ! luzes !
Sahem todos, ficando só Hamlet e Horacio.
ACTO III, SCENA II 249
HAMLET
HORACIO
HAMLET
HORACIO
HAMLET
HORACIO
Muito bem, meu senhor.
HAMLET
Quando se tratou de envenenamento?...
HORACIO
Notei perfeitamente .
HAMLET
Ah ! ah ! Um pouco de musica . Venham as cha-
ramelas !
GUILDENSTERN
Meu bom senhor, permitti que vos diga uma
palavra.
ACTO III, SCENA II 251
HAMLET
Uma historia inteira.
GUILDENSTERN
O rei, senhor...
HAMLET
O que lhe succedeu ?
GUILDENSTERN
Retirou-se aos seus aposentos, muito torvado.
HAMLET
Pela bebida ?
GUILDENSTERN
Não, meu senhor ; pela colera.
HAMLET
Andarieis melhor avisado participando isso ao
medico ; porque se eu intentasse purgal- o , talvez lhe
augmentasse a colera.
GUILDENSTERN
Senhor, ordenae as vossas respostas ; não salteis
assim fóra do meu assumpto .
HAMLET
Eis-me sereno, senhor ; dizei.
8*
252 HAMLET
GUILDENSTERN
HAMLET
Bemvindo sejaes.
GUILDENSTERN
Não, meu senhor ; esses requintes de cortezia
não são de boa lei. Se quereis dar-me uma res-
posta sã, cumprirei as ordens de vossa mãe ; sc
não, ponho fim ao meu encargo pedindo-vos li-
cença e retirando -me.
HAMLET
Senhor , não posso .
GUILDENSTERN
O quê, meu senhor ?
HAMLET
ROSENCRANTZ
Que o vosso procedimento causou-lhe estranheza
e maravilha.
HAMLET
Ó portentoso filho, que assim póde maravilhar
sua mãe ! Mas a esse espanto de mãe não se
segue alguma coisa ? Fallae .
ROSENCRANTZ
HAMLET
Obedeceremos ... Ainda que ella fosse dez vezes
nossa mãe. Tendes mais algum negocio a tratar
comnosco ?
ROSENCRANTZ
HAMLET
ROSENCRANTZ
HAMLET
ROSENCRANTZ
GUILDENSTERN
HAMLET
GUILDENSTERN
HAMLET
Peço eu.
GUILDENSTERN
HAMLET
Supplico.
GUILDENSTERN
Não sei como se toca esse instrumento, meu
senhor.
HAMLET
É tão facil como mentir. Ponde os dedos e o
pollegar sobre estes orificios ; soprae no instrumento
com a bocca, e elle emittirá a mais eloquente mu-
sica. Aqui tendes, os orificios são estes .
GUILDENSTERN
Mas não os posso obrigar a emittir nenhuma
sorte de harmonia ; não possuo essa arte.
HAMLET
Entra POLONIO
POLONIO
Meu senhor, a rainha pretende fallar-vos, e já !
HAMLET
POLONIO
Tem as costas como uma doninha.
ACTO III, SCENA II 257
HAMLET
Ou como uma baleia?
POLONIO
É exactamente uma baleia.
HAMLET
POLONIO
Dir-lh'o-hei.
Polonio sahe.
HAMLET
SCENA III
UM QUARTO NO PALACIO
Entram o REI, ROSENCRANTZ
e GUILDENSTERN
REI
GUILDENSTERN
Vamos apromptar-nos para partir. É sacratissima
e religiosissima a sollicitude, com que velaes pela
segurança de tantos e tantos corpos, que vivem e
se nutrem da vida de Vossa Magestade ( 18).
ACTO III, SCENA III 259
ROSENCRANTZ
AMBOS
Entra POLONIO
260 HAMLET
POLONIO
REI
HAMLET, aparte
Posso agora effeituar a obra ; está rezando ; e
agora
* devo executar ... Então vae elle para o ceo ...
e eu fico assim vingado ? Eis o que é preciso pon-
derar. Um villão mata meu pae ; e, por esse facto ,
eu -seu filho unico - envio para o ceo o mesmo
villão. Ah ! isso é uma recompensa, uma paga, não
uma vingança. Surprehendeu meu pae brutalmente,
cheio de pão ( 19) quando todos os seus delictos es-
tavam amplamente desabrochados, tão viçosos como
o mez de maio ... E quem sabe , senão Deus , as con-
tas que elle ha de prestar? Mas segundo a minha opi-
nião e as minhas conjecturas, a carga deve ser pesada.
E fico eu vingado surprehendendo este na occasião
de purificar a sua alma , quando está apercebido , e na
sazão propria para a viagem (20)? Não ! Alto, minha
espada ! Medita n'um golpe mais terrivel . Quando
elle estiver bebedo, a dormir, ou tomado de colera,
ou nos prazeres incestuosos do seu leito , jogando,
jurando, ou a ponto de praticar um acto, que não
tenha o mais leve sabor de salvação , então derru-
ba-o de forma que os seus calcanhares escoicinhem
ACTO III, SCENA IV 263
REI
SCENA IV
O GABINETE DA RAINHA
Entram RAINHA e POLONIO
POLONIO
HAMLET, dentro
Mãe ! mãe ! mãe !
9
264 HAMLET
RAINHA
Asseguro-vos que fallo ; não duvideis de mim.
Retirae-vos ; elle ahi vem, já o oiço .
Polonio esconde-se.
Entra HAMLET
HAMLET
O que pretendeis, minha mãe?
RAINHA
Hamlet, fizeste grave offensa a teu pae.
HAMLET
Mãe, fizestes grave offensa a meu pae.
RAINHA
HAMLET
Que quereis dizer?
ACTO III, SCENA IV 265
RAINHA
HAMLET
Pela santa cruz , não de certo ! Sois a rainha,
mulher do irmão de vosso marido , e- prouvera a
Deus que assim não fôra ! -sois minha mãe.
RAINHA
Visto isso, vou mandar quem possa fallar com-
tigo.
HAMLET
Então, então , sentae-vos ; não haveis de fallar
nem mover-vos ; não sahireis d'aqui, sem que vos eu
tenha apresentado um espelho, em que vejaes o in-
timo de vós mesma.
RAINHA
POLONIO, dentro
Olá ! soccorro ! soccorro !
HAMLET
Que é isto? Um rato?
Atravessa o reposteiro com a espada.
Morto ! Aposto um ducado que está morto !
266 HAMLET
POLONIO , dentro
Oh! Estou assassinado !
Cahe e morre.
RAINHA
HAMLET
Não sei, por minha fé. Seria o iei?
Levanta o reposteiro, e arrasta o corpo de Polonio .
RAINHA
HAMLET
Sanguinaria acção ! Quasi tão cruel, minha boa
mãe, como matar um rei e casar com o irmão.
RAINHA
Matar um rei ?
HAMLET
HAMLET
HAMLET
RAINHA
HAMLET
RAINHA
Oh ! não continues ! Essas palavras entram-me
nos ouvidos como punhaes. Basta, querido Hamlet,
basta!
270 HAMLET
HAMLET
Um assassino e um scelerado ! um biltre, que
não vale a vigesima parte de um decimo do vosso
primeiro senhor ! um rei de farça ! um gatuno do
Estado e da lei , que roubou de cima d'uma estante
um precioso diadema, e metteu-o na algibeira !
RAINHA
Basta !
Entra a SOMBRA
HAMLET
Um rei de andrajos e farrapos ! .... Salvae-me,
guardas celestiaes ! adejae sobre mim com as vos-
sas azas ! (A sombra.) Que pretendeis, graciosa appa-
rição?
RAINHA
Ah! está doido !
HAMLET
HAMLET
Que tendes, senhora ?
RAINHA
HAMLET
RAINHA
HAMLET
RAINHA
RAINHA
HAMLET
HAMLET
RAINHA
HAMLET
HAMLET
RAINHA
HAMLET
RAINHA
HAMLET
As cartas estão selladas ; e os meus dois condis-
cipulos em quem me fio tanto como em viboras
peçonhentas - são portadores do mandado ; devem
abrir-me caminho , e fazer-me cahir na cilada. Dei-
xal-os ! É um divertimento fazer ir pelos ares o
engenheiro com o seu proprio petardo . Só se a coisa
for muito difficil, é que eu não hei de cavar uma
jarda abaixo das suas minas, e atirar com elles para
a lua. É o cumulo do prazer que duas ciladas se
encontrem rosto a rosto.
A Polonio.
Este homem faz com que eu principie a arrumar
as trouxas ; vou levar estas entranhas (21 ) para o
quarto proximo. Boa noite, mãe. Na verdade este
conselheiro, que era em vida um tratante, nescio e
linguarudo, está agora muito socegado, muito dis-
creto e muito grave. Acabemos com isto , senhor.
Boa noite, mãe.
Sahe a Rainha por um lado, e pelo outro sahe Hamlet
arrastando o cadaver de Polonio.
ACTO IV
SCENA PRIMEIRA
REI
REI
O que foi, Gertrudes ? Como está Hamlet ?
RAINHA
RAINHA
SCENA II
UM QUARTO NO CASTELLO
Entra HAMLET
HAMLET
Ficou em logar seguro.
HAMLET
ROSENCRANTZ
Que fizestes do cadaver, senhor ?
HAMLET
Misturei-o com o pó, de que é parente .
ROSENCRANTZ
Dizei-nos onde está, a fim de que possamos ti-
ral-o, e transportal-o para a capella.
ACTO IV, SCENA II 281
HAMLET
Não accrediteis n'isso .
ROSENCRANTZ
HAMLET
HAMLET
ROSENCRANTZ
HAMLET
HAMLET
O corpo está com o rei, mas o rei não está com
o corpo. O rei é uma coisa ...
ROSENCRANTZ
Uma coisa, senhor ?
HAMLET
Uma coisa de nada (2 ). Levae-me á presença
d'elle. Esconde-te raposa, e todos atraz (3) .
SCENA III
OUTRO QUARTO
Entra o REI ·
REI
Ordenei que procurassem Hamlet e descobrissem
o corpo. Como é perigoso que este homem ande á
ACTO IV, SCENA III 283
Entra ROSENCRANTZ
ROSENCRANTZ
Não fomos capazes de conseguir que nos dis-
sesse onde está o cadaver.
REI
E elle, onde está ?
ROSENCRANTZ
ROSENCRANTZ
REI
HAMLET
Está a ceiar.
REI
A ceiar? onde ?
HAMLET
REI
Ai ! ai!
ACTO IV, SCENA III 285
HAMLET
Um homem pode pescar com o verme, que se
nutrio de um rei, e comer o peixe que se nutrio
d'esse verme .
REI
O que queres dizer com isso ?
HAMLET
REI
Onde está Polonio?
HAMLET
HAMLET
REI
REI
Sim , Hamlet .
HAMLET
Está bem.
REI
REI
Teu carinhoso pae, Hamlet.
ACTO IV, SCENA 111 287
HAMLET
ZO Minha mãe ; pae e mãe são marido e mulher ;
marido e mulher são uma e a mesma carne ; por
Por conseguinte, minha mãe. Vamos, para Inglaterra !
20 Sahe.
REI
Segui-o de perto ; instigae- o a ir já para bordo.
Nada de dilações ; quero-o d'aqui para fóra esta
noite. Ide ; tudo o que importa a este negocio está
despachado e sellado. Aviae-vos, peço eu .
Sahem Rosencrantz e Guildenstern.
E tu, Inglaterra, se tiveres em algum apreço a
minha amizade -e quanto ella vale ha de dizer-t'o
o meu grande poder, porque está ainda viva e ru-
bra a cicatriz, com que te marcou a espada dina-
marqueza, e porque me tributas homenagem por
um natural impulso de terror - tu , Inglaterra , não
receberás com frieza a minha mensagem soberana
que por meio de instantes cartas exige perempto-
riamente a morte immediata de Hamlet. Faze isso,
porque Hamlet é uma febre , que me abraza o san-
gue, e tu deves curar-me, ó Inglaterra ! Em quanto
eu não souber que foi cumprida esta ordem, não
haverá jubilo na minha alma, por mais que sorria
a fortuna.
Sahe.
9*
288 HAMLET
SCENA IV
FORTIMBRAZ
CAPITÃO
Obedecerei, senhor.
FORTIMBRAZ
Continuemos a marcha devagar.
Sahe Fortimbraz e o exercito.
HAMLET
CAPITÃO
Á Noruega.
HAMLET
CAPITÃO
HAMLET
CAPITÃO
O sobrinho do velho rei da Noruega, Fortimbraz .
HAMLET
CAPITÃO
Para fallar verdade , e sem exaggeração , vamos
conquistar uma nesga de terra, que nenhum valor
tem alem do nome. Eu não a tomava de renda por
cinco ducados, cinco ; e nem a Polonia nem a No-
290 HAMLET
CAPITÃO
HAMLET
Duas mil almas e vinte mil ducados não basta-
vam para resolver a questão d'aquella ninharia. É
como um abcesso proveniente da excessiva riqueza
e paz, que arrebenta no interior, e não mostra a
causa, que faz morrer o homem . Agradeço-vos hu-
mildemente, senhor.
CAPITÃO
Deus seja comvosco .
Sahe.
ROSENCRANTZ
Quereis partir, senhor ?
HAMLET
Dentro de um minuto estarei comvosco . Ide um
pouco adeante.
Sahem Rosencrantz e Guildenstern.
Como todas as circumstancias depõem contra
mim, e esporeiam a minha tarda vingança ! Que se-
ACTO IV, SCENA IV 291
al
SCENA V é
ELSENOR
UMA SALA NO CASTELLO
Entram a RAINHA e HORACIO
RAINHA
Não lhe quero fallar.
HORACIO
RAINHA
O que pretende?
Acro IV, SCENA V 293
HORACIO
Falla muito no pae ; diz que sabe que ha muita
maldade no mundo ; soluça , dá pancadas no peito ;
bate com o pé cheia de raiva por uma bagatella ;
não diz coisa com coisa . As suas phrases nada si-
gnificam , e todavia a forma estranha da linguagem
provoca os ouvintes á reflexão. Procuram o sentido
e sirzem as palavras segundo os seus proprios pen-
samentos ; e como ella acompanha-os com o piscar
dos olhos, o meneiar da cabeça e varios gestos,
qualquer poderia suppôr, que na verdade, existe
alli uma ideia, a qual, bem que não seja definida,
é comtudo muito sinistra.
RAINHA
OPHELIA
Onde está a formosa rainha da Dinamarca ?
RAINHA
O que é, Ophelia ?
OPHELIA, cantando.
Como é que d'amores perfidos
Se distingue o verdadeiro ?
Tem bordão ? usa sandalias ?
E conchas como um romeiro ?
RAINHA
OPHELIA
Dae attenção, peço- vos.
Canta.
Por sobre a mortalha nivea
Entra o REI
RAINHA
Ai! Vêde isto, senhor.
OPHELIA, continuando
Era um recamo de flores,
Orvalhadas por funereo
Pranto desfeito de dores.
REI
OPHELIA
OPHELIA
Nem mais palavra a esse respeito, por quem
sois ; mas, quando vos perguntarem o que isto signi-
fica, respondei :
O dia d'amanhã é de São Valentim ;
Para a tua janella a toda a pressa vim
Antes de rutilar a estrella matutina,
Porque desejo ser a tua Valentina (8).
O amante despertou , vestio-se, abrio a porta,
Faz protestos, jurou ; mas o que mais importa
É que ella entrou cingindo a virginal capella,
Depois, quando sahio ... já não sahio donzella.
REI
Encantadora Ophelia !
OPHELIA
Vou terminar sem dizer uma blasphemia.
REI
Ha quanto tempo está ella assim ?
OPHELIA
RAINHA
Ai! Que ruido é este ?
Entra UM CORTEZÃO
REI
Olá ! Onde estão os meus suissos ? Que fiquem
de guarda á porta ! ... De que se trata ?
ACTO IV, SCENA V 299
CORTEZÃO
RAINHA
REI
Arrombaram as portas.
'Ruido dentro do theatro.
LAERTES
Onde está esse rei ? ... Senhores, ficae todos fóra.
10 .
300 HAMLET
TODOS
Não ; entremos.
LAERTES
Peço que vos fieis em mim.
TODOS
Sim ! sim !
Retiram-se para fora da porta.
LAERTES
Obrigado. Ficae de guarda á porta. Ó tu, rei in-
fame, entrega-me meu pae.
RAINHA
Serenae-vos, bom Laertes.
LAERTES
REI
LAERTES
Onde está meu pae?
REI
Morreu.
RAINHA
Não por culpa do rei.
REI
Deixa-o perguntar quanto quizer.
LAERTES
REI
LAERTES
LAERTES
Só os inimigos.
REI
Queres então conhecel-os ?
LAERTES
REI
Ainda bem; agora fallaste como bom filho e
completo cavalheiro. Assim como a teus olhos ap-
parece clara a luz do dia , tambem ha de apparecer
á tua razão que estou innocente da morte de teu
pae, e com ella experimento uma dôr profunda.
ACTO IV, SCENA V 303
O POVO, dentro.
Deixae-a passar .
LAERTES
OPHELIA, cantando
Nem um veu sobre a fronte nobre e altiva !
Que lastima ! que pena sem egual !
Mas sobre a humilde campa se deriva
Uma fonte de lagrimas caudal.
LAERTES
Se estivesses em teu juizo, e quizesses persua-
dir-me á vingança, não me commoverias tanto como
assim.
OPHELIA
Deveis cantar :
Abaixo, abaixo
Deitae-o abaixo !
LAERTES
LAERTES
Um raciocinio no meio da loucura ! A coexis-
tencia do pensamento e da memoria.
OPHELIA, ao Rei.
Para vós, funcho e papoilas ( 13).
Á Rainha.
ACTO IV, SCENA V 305
LAERTES
OPHELIA, canta.
Elle virá outra vez ?
Elle virá outra vez?
Não vem que mofina sorte ! -
Jaz no seu leito de morte ,
Não, não.... não vem outra vez.
REI
LAERTES
REI
SCENA VI
OUTRA SALA
Entram HORACIO e um CREADO
HORACIO
CREADO -
São marinheiros, senhor ; dizem que vos trazem
cartas .
HORACIO
Manda-os entrar.
Sahe o creado.
Entram os MARINHEIROS
PRIMEIRO MARINHEIRO
HORACIO
E tambem a ti.
PRIMEIRO MARINHEIRO
SCENA VII
OUTRA SALA
Entram o REI e LAERTES
REI
LAERTES
É evidente ; mas dizei-me : porque não proce-
destes contra esses actos de natureza tão grave e
310 HAMLET
Entra UM MENSAGEIRO
MENSAGEIRO
Cartas de Hamlet, senhor. Esta para Vossa Ma-
gestade, e esta para a Rainha.
REI
De Hamlet ? Quem trouxe?
MENSAGEIRO
Uns marinheiros, segundo me disseram, senhor ;
eu não os vi . As cartas foram-me entregues por
Claudio, que as recebeu de quem as trouxe .
312 HAMLET
REI
REI
É lettra de Hamlet. Nu !.... E aqui, em post-
scriptum accrescenta : Só. Podes explicar-me isto?
LAERTES
Não atino com o sentido, meu senhor. Mas ....
que venha. Inflamma-se- me o coração enfermo com
a ideia de que hei de viver, e dizer-lhe na cara :
«Eis o que fizeste! »
ACTO IV, SCENA VII 313
REI
Se assim for Laertes.- como é possivel ser as-
sim ? .... mas como poderia ser de outra fórma ?
-deixas-te guiar por mim?
LAERTES
LAERTES
REL
LAERTES
REI
Uma simples fita no chapeo da mocidade, e que
todavia lhe é necessaria -pois não quadram menos
á juventude os trajos garridos e louçãos, com que
se veste, do que assentam á edade madura as rou-
pagens negras e as pelles, convenientes á saude e á
gravidade. Esteve aqui, ha dois mezes, um cava-
lheiro da Normandia - eu servi contra os francezes,
conheço-os de perto, montam bem a cavallo- ; mas
este bravo mancebo era uma verdadeira maravilha ;
arraigava-se na sella, e conseguia do cavallo mane-
jos tão admiraveis, como se estivesse encorporado
com o nobre animal. Excedia a tal ponto a minha
imaginação, que por mais que eu phantasiasse ma-
nejos e exercicios de destreza, ficava sempre abaixo
do que elle fazia.
LAERTES
Era um Normando ?
Um Normando.
ACTO IV, SCENA VII 315
LAERTES
É Lamond, por vida minha !
REI
O mesmo.
LAERTES
LAERTES
Em vista d'isso, o quê, meu senhor ?
REI
Laertes, amavas teu pae, ou és como que o re-
trato de uma dor - um rosto sem coração?
316 HAMLET
LAERTES
Porque o perguntaes, senhor ?
REI
LAERTES
REI
LAERTES
REI
RAINHA
LAERTES
Afogou-se ! oh ! onde ?
RAINHA
LAERTES
Ah ! Então afogou - se ?
RAINHA
Afogou-se !
LAERTES
Já tens agua de mais, pobre Ophelia ; quero pois
conter as lagrimas. Mas é sestro nosso : a natureza
conserva os seus habitos, diga a vergonha o que
quizer. Enxutas estas lagrimas, não ficará em mim
nada feminil. Adeus, senhor ! Tenho palavras de
fogo, que haviam de arder em chammas, se esta
dôr insensata não as afogasse !
Sahe.
REI
SCENA PRIMEIRA
UM CEMITERIO
PRIMEIRO RUSTICO
Deve enterrar-se em sagrado aquella, que por
sua vontade busca a propria salvação ?
SEGUNDO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Então ! decidiram elles que sim.
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Pois sim; mas ouve, compadre.
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Mas essa é a lei?
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Adão era nobre ?
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Qual ! Adão nunca teve armas.
10%
1
324 HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
Vá lá, dize .
PRIMEIRO RUSTICO
SEGUNDO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
Sim ; dize, e livra-te d'esse pezo .
SEGUNDO RUSTICO
Ah ! agora já sei.
PRIMEIRO RUSTICO
Dize lá !
SEGUNDO RUSTICO
Pela santa missa ! Não sei.
PRIMEIRO RUSTICO
Não quebres mais a cabeça ; um burro, quando
é ronceiro, não muda de passo por mais que lhe
batam. Quando te fizerem outra vez esta pergunta,
responde : o coveiro. As casas, que elle faz, duram
até o dia de juizo . Anda, vae a casa de Youghan, e
traze-me uma pinga d'agua ardente .
Sahe o segundo rustico; o primeiro começa a cavar e a
cantar.
Eu amei na juventude
Amei e achei que era doce ;
Porém tudo quanto fosse
Casar, pareceu-me rude (4).
326 HAMLET
HAMLET
HORACIO
O costume familiarisou-o com o officio.
HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
HAMLET
HORACIO
HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
Pá, enxada, picareta,
Branco lençol desdobrado,
Uma cova, em que se metta ...
E o morto fica hospedado.
Atira outra caveira.
328 HAMLET
HAMLET
HAMLET
HORACIO
Sim, meu senhor ; e tambem de pelle de bezerro.
HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
É minha, senhor.
Canta.
Uma cova em que se metta...
E o morto fica hospedado.
HAMLET
Effectivamente creio que é tua, porque estás lá
dentro.
PRIMEIRO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
PRIMEIRO RUSTICO
Não é para homem, senhor.
HAMLET
Então, para que mulher ?
PRIMEIRO RUSTICO
Tambem não é para mulher.
HAMLET
Quem vae ser enterrado ahi ?
PRIMEIRO RUSTICO
Alguem, que foi mulher ; porem -Deus lhe falle
n'alma ! -já morreu .
HAMLET
Como é rigoroso este maroto ! E preciso tomar
HAMLET
Quanto tempo haverá?
PRIMEIRO RUSTICO
Não o podeis dizer? Qualquer tolo sabe isso. Foi
no mesmo dia, em que nasceu o joven Hamlet ...
aquelle que está doido , e que mandaram para In-
glaterra.
HAMLET
HAMLET
Porquê?
332 HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
Não se torna reparado ; lá é tudo tão doido, como
elle.
HAMLET
Como endoideceu Hamlet ?
PRIMEIRO RUSTICO
Dizem que d'um modo muito extraordinario.
HAMLET
Extraordinario ? como ?
PRIMEIRO RUSTICO
Perdendo o juizo.
HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
Em que logar ? Aqui, na Dinamarca. Ha trinta
annos que sou coveiro aqui.
HAMLET
ho-
Quanto tempo poderá estar enterrado um
mem sem se corromper?
ACTO V, SCENA I 333
PRIMEIRO RUSTICO
Se já não estiver corrompido antes de morrer
(hoje em dia temos muitos cadaveres cheios de ve-
nerio que mal podem supportar o enterramento)
dura ahi ... oito ou nove annos. Um cortidor dura
nove annos.
HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
HAMLET
De quem era ?
PRIMEIRO RUSTICO
D'um estupor d'um doido ! De quem pensaes que
era?
HAMLET
Não sei, homem.
PRIMEIRO RUSTICO
Diabo de maluco ! Raios o partam ! Uma vez
despejou-me na cabeça um frasco de vinho do Rhe-
334 HAMLET
PRIMEIRO RUSTICO
Esta mesma.
HAMLET
HORACIO
HAMLET
Julgas que Alexandre era d'este feitio debaixo da
terra ?
HORACIO
Sem tirar nem pôr.
HAMLET
E que cheirava assim ? Puh !
Atira a caveira.
HORACIO
Exactamente assim, meu senhor.
HAMLET
A que abjectos serviços podemos ser aviltados,
Horacio ! Porque não será dado á imaginação ir na
pista das nobres cinzas de Alexandre, até encontral-as
tapando o batoque d'um tonel ?
HORACIO
Examinar assim as coisas fora um exame dema-
siadamente forçado .
HAMLET
Não, por minha fé ; nem por sombras. Podemos
seguil-o até esse ponto com bastante moderação, e
guiar-nos pelo que for yerosimil. Por exemplo : Ale-
xandre morreu ; Alexandre foi enterrado ; Alexandre
tornou-se em pó ; o pó é terra ; com a terra faze-
II
336 HAMLET
HAMLET, continuando.
A rainha ! Os cortezãos ! Quem virão elles acom-
panhar? E com um ritual tão mutilado? Quer dizer
que o cadaver, que conduzem, destruiu a propria
vida com mão desesperada. Era pessoa de elevada
condição. Escondamo-nos um instante , e observe-
mos.
Retira-se com Horacio.
LAERTES
Que ceremonia falta ainda ?
HAMLET
É Laertes, mancebo muito nobre. Attenção !
ACTO V, SCENA I 337
LAERTES
Que ceremonia falta ?
PADRE
LAERTES
Não ha mais nada a fazer ?
PADRE
HAMLET
LAERTES
HAMLET
REI
Separae-os!
RAINHA
Hamlet ! Hamlet !
TODOS
Senhores!
HORACIO
HAMLET
RAINHA
Oh ! meu filho ! Por esta causa ? qual causa ?
HAMLET
RAINHA
Deixae-o, pelo amor de Deos !
HAMLET
RAINHA
HAMLET
Escutae, senhor. Porque razão me trataes assim ?
Fui sempre vosso amigo .... mas isso não importa !
Embora o proprio Hercules faça tudo o que puder,
o gato ha de miar, e o cão terá o seu dia.
Sahe.
REI
Peço-te que o acompanhes, bom Horacio.
Sahe Horacio.
REI, a Laertes.
Fortalece a tua paciencia com a nossa conver .
sação de hontem á noite . Vamos já pôr este nego-
cio a caminho . Boa Gertrudes, mandae vigiar o
vosso filho. (A parte.) Esta sepultura precisa de um
monumento vivo . Breve chegará para nós uma hora
de repouso. Até lá procedamos com paciencia.
Sahem.
342 HAMLET
SCENA II
UMA SALA NO PALACIO
Entram HAMLET e HORACIO
HAMLET
Basta d'este assumpto ; vejamos agora o outro.
Lembras-te de todas as circumstancias ?
HORACIO
Lembro-me, senhor.
HAMLET
HAMLET
HORACIO
É possivel?
HAMLET
HORACIO
Contae, peço-vos .
HAMLET
Enredado em traições (primeiro que eu pudesse
delinear um prologo no meu cerebro, já elle tinha
344 HAMLET
HORACIO
Sim, meu bom senhor.
HAMLET
HORACIO
E como foi sellado o despacho ?
ACTO V, SCENA II 345
HAMLET
Até n'isso foi providente o ceo. Eu tinha na
bolsa o sello de meu pae, que servira de modelo
ao da Dinamarca. Dobrei o escripto como o outro,
enderecei-o, sellei-o , colloquei - o cautamente no seu
logar, e nunca se percebeu a substituição . No outro
dia foi a batalha naval, e já sabes o que se seguio.
HORACIO
HAMLET
HAMLET
HORACIO
Silencio ! Quem vem ahi ?
Entra OSRICO
OSRICO
HAMLET
Agradeço-vos humildemente, senhor.
A Horacio.
Conheces este mosquito ?
HORACIO
Não, meu bom senhor.
HAMLET
OSRICO
Gracioso senhor, se Vossa Alteza tivesse lazer,
ser-me-hia grato fazer-lhe uma communicação da
parte de Sua Magestade.
HAMLET
Ouvil-a-hei com toda a attenção . Dae ao vosso
chapeo o uso , que lhe é proprio ; foi feito para
estar na cabeça.
OSRICO
HAMLET
HAMLET
OSRICO
OSRICO
Oh ! meu bom senhor ! Por minha fé, estou assim
mais commodamente . Senhor, temos um recem-che-
gado á côrte ; é Laertes. Accreditae no que vos
digo : é um perfeito cavalheiro, cheio das mais excel-
lentes qualidades, do mais fino trato, e de uma pre-
sença encantadora. Para fallar com a devida justiça,
é o calendario, a cartilha da galanterià ( 12), porque
ACTO V, SCENA II 349
HAMLET
HORACIO
Não haveria meio de nos entendermos n'outra lin-
gua ? Por certo que o podeis fazer, senhor.
HAMLET
HAMLET
HAMLET
OSRICO
HAMLET
Qual é a sua arma ?
OSRICO
Espada e adaga .
HAMLET
São duas armas ; porem, vamos.
OSRICO
HAMLET
HORACIO, a Hamlet
Eu já sabia que antes de chegar ao fim havieis
de recorrer ás notas marginaes ( 14 ).
OSRICO
HAMLET
OSRICO
OSRICO
OSRICO
Recommendo a minha dedicação a Vossa Alteza.
354 HAMLET
HAMLET
Todo vosso, todo vosso . Faz bem em recom-
mendar-se a si mesmo ; nenhuma outra lingua se
encarregaria de tal.
HORACIO
Entra um SENHOR
SENHOR
HAMLET
HAMLET
Em boa hora venham .
SENHOR
HAMLET
É um optimo conselho.
Sahe o Senhor.
HORACIO
Ides perder a aposta, meu senhor.
HAMLET
HAMLET
HORACIO
Se ao vosso espirito repugna alguma coisa, obe-
decei-lhe ; antecipar-me-hei á chegada do rei e da
côrte, e dir-lhes-hei que não estaes bem disposto .
HAMLET
REI
Vem, Hamlet, vem, e recebe de mim esta mão .
Põe a mão de Laertes na de Hamlet.
HAMLET
LAERTES
HAMLET
Acceito de bom grado a segurança, que me daes,
e quero entrar lealmente n'esta justa fraternal. Dae-
nos os floretes. Vamos.
LAERTES
Vamos . Um para mim.
HAMLET
LAERTES
Zombaes de mim, senhor.
HAMLET
REI
REI
Nada receio ; tenho- os visto a ambos; mas como
elle se tem aperfeiçoado, exigimos um partido.
HAMLET
Gósto d'este . São todos do mesmo comprimento?
Preparam-se para esgrimir.
OSRICO
Sim, meu bom senhor.
REI
Ponham sobre essa mesa os frascos de vinho.
Se Hamlet acertar o primeiro ou o segundo bote,
ou se rebater o terceiro golpe, façam fogo todas as
baterias ; o rei beberá á saude de Hamlet, e deitará
dentro da taça uma perola mais preciosa, do que as
II*
360 HAMLET
HAMLET
Vamos, senhor.
LAERTES
Vamos, meu senhor.
Principiam o combate.
HAMLET
Uma.
LAERTES
Não.
HAMLET
Decidam os juizes.
OSRICO
Uma estocada, uma estocada muito visivel.
LAERTES
Bem ... Outra vez.
ACTO V, SCENA II 361
REI
HAMLET
LAERTES
REI
RAINHA
HAMLET
Minha boa senhora ...
362 HAMLET
REI
Gertrudes, não bebas.
RAINHA
Hei de beber, senhor ; desculpae-me, peço-vos.
REI, á parte
A taça envenenada ; é tarde de mais.
HAMLET
Não me atrevo a beber ainda, senhora ; d'aqui a
nada.
RAINHA
Vem ; deixa-me limpar-te a cara.
LAERTES , ao Rei
Senhor, vou dar-lhe agora uma estocada.
REI
Não creio .
LAERTES , à parte
E comtudo é quasi contra a minha consciencia.
HAMLET
Vamos ao terceiro , Laertes. Tendes estado a
brincar ; peço-vos que attaqueis com toda a força ;
receio que me estejaes tratando como creança.
ACTO V, SCENA II 363
LAERTES
Dizeis isso? Vamos.
Esgrimem.
OSRICO
Nada ; nem d'um, nem d'outro lado.
LAERTES
Ahi tendes agora.
REI
Separae-os ; estão encolerisados.
HAMLET
HORACIO
Estão ambos a escorrer sangue. Como estaes,
meu senhor ?
OSRICO
Como estaes, Laertes?
364 HAMLET
LAERTES
HAMLET
O que tem a rainha ?
REI
Desmaiou quando viu sangue.
RAINHA
HAMLET
HAMLET
Ó incestuoso, assassino, maldito dinamarquez !
Acaba da engulir esta poção ! Está aqui dentro a
tua perola? Segue minha mãe !
O rei morre.
LAERTES
Déste-lhe o merecido castigo ; é um veneno pre-
parado por elle. Nobre Hamlet, perdoemo -nos um
ao outro . Não caiam sobre ti a minha morte e
a de meu pae, nem caia sobre mim a tua morte.
Morre.
HAMLET
HORACIO
OSRICO
HAMLET
Entram FORTIMBRAZ ,
OS EMBAIXADORES DE INGLATERRA, e outros.
FORTIMBRAZ
Onde está esse espectaculo ?
HORACIO
O que desejaes vêr ? Se é uma desgraça ou um
prodigio, não procureis mais longe.
368 HAMLET
FORTIMBRAZ
FORTIMBRAZ
PRIMEIRO ACTO
( 1)
(2 )
(3)
(4)
Did squeak and gibber.
Francisco Hugo diz : les morts en linceul allè-
rent, poussant des cris rauques.
Guizot : les morts en linceul s'en allaient criant
et gémissant.
To squeak no diccionario de Webster é to utter
a shrill sound, emittir um grito agudo, lamentoso .
Não precisamos da periphrase , a que recorreram
aquelles traductores, porque temos o verbo ulular,
que significa dar grandes gritos lamentosos, e que
se encontra a cada passo em Garrett, Camillo, La-
tino Coelho, e nos antigos classicos .
(5)
A truant disposition.
Francisco Hugo traduz : un caprice de vagabond.
Guizot : un naturel de vagabond.
Montégut : une envie de dissipation.
No diccionario de Webster truant quer dizer
idle, ocioso, desapplicado . Mandriar é fazer vida
de ocioso, desapplicado .
374 HAMLET
(6)
(7)
(8)
(9)
Francisco Hugo, traduzindo litteralmente, diz :
débauches ; mas, ainda que modernamente se em-
NOTAS 375
( 10)
(11)
(12)
( 13)
(1)
As you may season it in the charge.
Guizot e Francisco Hugo traduziram tempérer la
chose, e Montégut usa do verbo atténuer...
Em portuguez ha o verbo sazonar com a signi-
ficação de temperar, dar bom sabor ao comer ; e
no figurado diz- se : sazonar o discurso com boas
razões. Preferimos comtudo o verbo doirar por ser
hoje mais empregado. Bocage escreveu : « A cur-
vada lisonja os crimes doira. » É perfeitamente o
nosso caso .
(2)
(3 )
Na tragedia ingleza lê-se clown . Ora clown no
diccionario de Webster significa a rustic, a rude, un-
polished person. A isto corresponde em portuguez
um rustico, isto é, um homem inculto, sem arte,
um homem rude, grosseiro. Não nos parece que
clown se deva traduzir bôbo. Quando Shakespeare
quer dizer bôbo, não escreve clown, escreve jester
ou fool. No Rei Lear, por exemplo, ha um bôbo ,
e o auctor na lista dos personagens põe Fool. No
Hamlet, ao principiar o quinto acto, para dizer
que entram os dois coveiros diz : Enter two clowns,
que evidentemente significa dois rusticos, e não dois
bôbos ; e quando o primeiro rustico falla na caveira
de Yorick, bôbo do rei, não diz king's clown, diz
king's jester.
NOTAS 379
(4)
Diz o notavel commentador Steevens que não
era permittido aos actores uma residencia fixa por
causa do novo costume de introduzir nas comedias
allusões pessoaes.
( 5)
O theatro de Shakespeare , que se chamava thea-
tro do Globo, tinha por emblema Hercules transpor-
tando o mundo.
(6)
Era um antigo proverbio.
(7)
This great baby, diz o original. Os francezes
traduzem grand bambin, grand marmot, grand en-
fant. Nós traduzimos creancinha pela propriedade,
que tem a nossa lingua, de dar mais força á pala-
vra empregando-a no diminuitivo : Aquillo sempre .
é uma mulhersinha ! Sahiu-me um sujeitinho ! Cas-
tilho dizia : canalhinha, augmentativo de canalha.
Além disso, temos a expressão : É uma creancinha
para significar um finorio, um sujeito, que ninguem
embaça.
380 HAMLET
(8)
Parece ser o primeiro verso de uma ballada.
(9)
Dirige-se a um actor, que fazia papeis de mu-
lher.
(12)
Like John-a-dreams, umpregnant of my cause.
Francisco Hugo diz : Jeannot rêveur, impuissant
pour ma propre cause.
Guizot : Jeannot rêveur, mal imprégné de la fé-
condité de ma cause.
Pretende Guizot que este John-a-dreams seja
allusão ao personagem d'alguma historia popular ;
e dizendo que em França dava-se antigamente o
nome de Guillot le Songeur aos que passavam a
vida excogitando meios de acção, diz tambem que
esse nome deriva de um personagem do Amadis
chamado Guillan le Pensif.
Ora nós temos José sonhador, o que sonha a
miudo ; e no figurado, o devaneador, o scismador,
por allusão ao José do Egypto ..
Unpregnant of my cause, segundo um bom com-
mentador, significa not quickened with a new desire
NOTAS 381
(13)
(1)
(2)
(3)
(4)
(5)
(7)
A phrase ingleza é : do you think I meant coun-
try manners? O doctor Johnson diz que o sentido
é este : « do you imagine that I meant to sit in your
lap, with such rough gallantry as clowns use to
their lasses ?» Eis o motivo, pelo qual traduzimos :
cuidaes que eu fallava como um rustico ?
(8)
(9)
Shakespeare escreve : I'll have a suit of sables.
Sable quer dizer a pelle da marta zibelina , que
386 HAMLET
( 10)
(11 )
Still better, and worse.
Traduzimos de melhor a peior, seguindo a opi-
NOTAS 387
(13)
(14)
Os actores não tinham ordenados fixos. Eram
todos, como hoje se diz, societarios, e dividiam en-
tre si os lucros da empreza, segundo a parte, que
388 HAMLET
(15)
Hamlet diz : a very peacok. A rima devia ser a
very ass. Horacio entende que o rei da Dinamarca
era mais digno da qualificação de burro, do que
de pavão.
( 16)
(17)
O proverbio era : « Emquanto a herva cresce, o
cavallo faminto emmagrece ».
( 18)
(19)
(20)
(21)
(1)
Hanmer explicou esta phrase do seguinte modo :
«Os macacos, quando comem, guardam dentro da
bocca os primeiros pedaços de alimento, e só os
engolem no fim de tudo . >»
(2)
(3 )
(4)
Worms, escreveu Shakespeare. Foi na cidade de
Worms, que os imperadores da Allemanha reuni-
ram as mais celebres dietas. Vê-se portanto que
Hamlet n'este gracejo envolve o imperador, a dieta,
e os vermes.
( 5)
To fust in us unus'd.
Guizot e Francisco Hugo traduziram to fust por
moisir.
Diogo de Paiva de Andrade escreveu : « Enten-
dimentos que, se não exercitam, tomam bolor » . Ado-
ptámos a expressão por ser quasi traducção litteral
da phrase de Shakespeare.
(6)
É locução portuguezissima, que significa: por
coisa de nenhuma substancia ou momento. Encon-
tra-se a cada passo em bons auctores, como Jorge
Ferreira de Vasconcellos e outros, e é pelo menos
tão fiel como a traducção de Francisco Hugo : trou-
ver une querelle dans un brin de paille.
NOTAS 393
(7)
Conta uma legenda de Gloucestershire que Nosso
Senhor Jesus Christo entrou um dia na casa de um
padeiro, que tinha uma fornada a cozer, e pedio um
pedaço de pão . A mulher do padeiro metteu logo
no forno um bocado de massa ; porem a filha
começou a ralhar dizendo que era muito grande, e
tirou-lhe mais de metade. Apenas entrou no forno,
a massa principiou a crescer, e tornou- se um pão
enorme. Vendo isto , a rapariga desatou a gritar :
«hê! hê! hê! », o que deu a Jesus Christo a ideia de
a transformar em coruja para castigo da sua ava-
reza.
(8)
A festa de S. Valentim é a 14 de fevereiro. Em
alguns condados inglezes toda a rapariga devia ac-
ceitar por namorado o primeiro rapaz, que visse na
manhã d'aquelle dia, e vice-versa . Em outros con-
dados mettiam-se n'uma urna pequenos papeis com
os nomes dos rapazes , e as raparigas tiravam á
sorte uma por uma. Aquelle, cujo nome sahia, ficava
sendo o Velentim d'aquella que tirava a sorte, e
ella a sua Valentina.
Costumes identicos se observam entre nós pelas
festas de Santo Antonio , S. João e S. Pedro.
394 HAMLET
(9)
O verso inglez é : By Gis, and by Saint Charity.
Gis é corruptela de Jesus, e deriva das lettras
J. H. S. com que se escrevia o nome do Senhor
nos altares, nas capas dos livros etc. Santa Caridade
não é a virtude theologal ; mas uma santa invocada
frequentemente na antiga poesia ingleza, e que tem
logar no martyrologio no dia 1 d'agosto , por ter
padecido o martyrio em Roma, juntamente com
duas outras virgens chamadas Fé e Esperança , no
tempo do imperador Adriano.
( 10)
Traduzimos assim baseando -nos na seguinte in-
terpretação do doctor Johnson : « O amor ( diz Laer-
tes) é a paixão que. mais subtiliza e requinta a
natureza ; e assim como as substancias requintadas
e subtilizadas obedecem facilmente a qualquer im-
pulso ou seguem qualquer attracção, tambem qual-
quer parte da natureza subtilizada e requintada pelo
amor voa em seguimento do objecto amado .
( II )
No Primeiro Hamlet, escreveu Shakespeare a
seguinte rubrica : «Ophelia entra com os cabellos
NOTAS 395
(12 )
O rosmaninho, segundo affirmavam os medicos
arabes, tinha a propriedade de fortalecer o cerebro
e a memoria. Era o emblema da fidelidade , porque
está sempre verde, e por isso trazia-se sempre nas
bodas e nos funeraes. Os amores perfeitos eram a
flor do pensamento por causa do seu nome Pansies,
de Pensées.
(13)
Funcho era o symbolo da lisonja e da dissimu-
lação. A papoila a flor do esquecimento .
( 14)
A arruda era o emblema da tristeza, porque -
diz Steevens - rue (arruda) significava antigamente
o mesmo que ruth (tristeza) . Chamava-se a herva
santa dos domingos, porque os padres catholicos
deitavam arruda na bebida, que davam aos posses-
sos, quando os exorcisavam, e os exorcismos tinham
logar aos domingos.
12*
396 HAMLET
(15)
(16) .
(17)
(18 )
(19)
Unworthiest siege, que se lê na tragedia, é o
mesmo que of the lowest rank, segundo um com-
mentador. Por isso traduzimos de infima ordem .
(20)
( I)
O original diz : se offendendo .
(2)
Shakespeare ridiculisa as subtilezas da jurispru-
dencia do seu tempo .
(3 )
Agora ridiculisa a aristocracia.
(4)
As tres estancias cantadas pelo coveiro são ex-
trahidas de um pequeno poema The aged Lover
400 HAMLET
(6)
So picked, escreveu Shakespeare ; e Hanmer in-
terpreta so smart, so sharp, tão agudo, tão espiri-
tuoso ; mas o doctor Johnson diz que n'aquella epo-
cha era moda usar-se a picked shoe, a shoe with a
long pointed toe, um sapato de biqueira comprida
e aguda, a que a allusão parece referir-se .
(7)
Whoreson dead body, diz o texto .
(8)
Costumavam os namorados do tempo de Sha-
kespeare dar ás suas amadas as demonstrações de
affecto mais extravagantes . Uma era beber qualquer
liquido desagradavel.
NOTAS 401
(9)
( 10)
Mutines in the bilboes.
Traduzimos : marinheiros desobedientes ferrolha-
dos em cadeias pelas seguintes razões :
Mutines é um termo francez, que se applica aos
desobedientes ou revoltosos do exercito e da arma-
da.
Bilboes, diz Steevens, é uma barra de ferro, com
cadeias annexas, a que se prendiam antigamente os
marinheiros sublevados e desordeiros. Alem d'isso
na Chronica de D. João ш , citada por Moraes, lê-se :
"ferrolhou todos os marinheiros com cadeias ».
(11)
(12)
Allusão aos manuaes de boas maneiras, e de
estylo elegante, que serviam de norma aos euphuis-
tas e ás preciosas ridiculas.
(13)
No original lê-se carriages..
Francisco Hugo traduziu trains e Guizot équipa-
ges.
Nós traduzimos trens, porque a palavra trem si-
gnifica a reunião de moveis e utensilios precisos
para um certo serviço, destinados a um certo fim.
Mais abaixo Hamlet diz : « O termo seria mais pro-
prio, se trouxessemos ao lado uma peça de artilhe-
ria». Ora em portuguez chama-se trem d'artilheria
todo o aparelho d'ella .
(14)
(15)
O emprego, que fizemos, da palavra occas ba-
seia-se no seguinte exemplo citado pelo diccionario
NOTAS 403
( 16)
Esta passagem é extrahida do Evangelho de S.
Matheus, x, 29. « Por ventura não se vendem dois
passarinhos por um asse, e um d'elles não cahirá
sobre a terra sem vosso pae ?»
( 17)
O doctor Johnson commenta assim a phrase :
« Visto que nenhum homem sabe coisa alguma do
estado de vida que deixa, visto que não póde ima-
ginar o que lhe succederia, se vivesse mais tempo,
de que lhe serve ter medo de deixar cedo a vida ?...
Desprezo todo o agoiro e superstição, porque re-
pugnam ao intendimento e á piedade ; a minha con-
solação é que não posso morrer senão por um de-
creto da Providencia » .
(18)
Traduzimos alvo, por nos não atrevermos a
traduzir plastron, que é o termo technico de esgri-
ma, e que nos parece indispensavel adoptar.
404 HAMLET
( 19)
Querem alguns ver n'esta phrase uma allusão á
gordura do actor Burbage. Não accreditamos que o
seja. Shakespeare , que era um observador profun-
dissimo, e a quem não escapava a minima particu-
laridade, dotou o seu heroe com um dos caracteres
physicos, que geralmente acompanham a vida se-
dentaria. Alem d'isso , os nevroticos, como Hamlet,
são por via de regra homens robustos.
(20)
This fell serjeant.
Guizot traduz huissier, que é o meirinho .
Francisco traduz recors, que corresponde a be-
leguim.
São palavras differentes, mas significam ambas
um official de Justiça. O nosso riquissimo idioma
tem a palavra sargente que é tambem um official
de justiça, e que é traducção litteral de serjeant.
HA
Eau.
RC
DIPUTACIÓ DE BARCELONA
Biblioteca de Catalunya
Reg. 560.320
Sig. 841.6 16
Sba =6
Biblioteca
de Catalunya
# 84.8au
1106
CA DE CATALUNYA