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genero de temeridade- bem sabemos -sahir á luz da publicidade.

com a nova interpretação de um


trabalho, como o Hamlet, discutido , ha tantos annos, com a maxima amplitude e erudição ; mas
contrastando as opiniões de alguns criticos inglezes, francezes e allemães para melhor
comprehendermos a tragedia shakespeareana, achámo-nos tambem com o nosso juizo formado
sobre o assumpto. Meditámol- o , escrevémol- o , e determinámos dal- o á estampa, não para diri- 6
HAMLET mir pleitos e desatar duvidas (que felizmente nos não move tal vaidade) , mas para prestar
a homenagem da nossa admiração a uma obra, em que muitos vêem o reflexo da alma d'esse claro
luzeiro, que teve por nome Shakespeare. Para nós, Hamlet não é o prototypo do animo nobre, da
virtude immaculavel, da pureza estreme, incapaz de sacudir o pezo, que o acabrunha, pela ausencia
completa de energia. Não vemos tambem que seja forte, confiado de si, tão resoluto em commetter,
como determinado a executar. Não nos parece que deixe de praticar um acto, só porque repugne ao
seu generoso coração. Não se nos afigura detido por um poder mysterioso, e por uma duvida sobre
a apparição do espectro. Nemjulgamos que um sublime sentimento - o horror do crime impune -o
tivesse levado ao pessimismo. Em nossa opinião Hamlet é um hysterico. ESTUDO CRITICO 7 Ao
escrevermos a palavra hysterico estamos ouvindo já distinctamente a costumada objecção de que
pela mente de Shakespeare nem por sombras passou a ideia de dar similhante feição ao tristonho
personagem. Pois quê ?! Além de trazer o Amleth do conto de Belleforest para os requintes de
polidez de uma côrte da Renascença ; além de enriquecer-lhe o espirito com uma vasta illustração
historica e philosophica ; além de attribuir-lhe um delicado sentimento artistico e litterario ; além de
o converter n'um digno coevo do Ariosto e do Ticiano, ainda havia de o brindar com uma nevrose, a
doença da moda do nosso tempo? É desejo de cahir no excesso, que notava em Hamlet o seu maior
amigo : é querer levar muito longe a investigação das coisas. Por mais que se esquadrinhe, e se
inquira, e se pesquize, não é possivel descobrir uma palavra, d'onde se collija que o poeta de
Stratford- on- HAMLET Avon tivesse qualquer noção, ainda a mais confusa, da hysteria. É verdade ;
mas o poeta de Stratford ignorava tambem as modernas doctrinas da ethnographia, e introduziu nos
seus dramas os caracteres das raças, que povoam a Europa. O poeta de Stratford não sonhava nos
triumphos , que as forças ordinarias do mundo inorganico alcançam com a cessação da vida sobre a
natureza organica, e referiu- se á transformação da materia com o rigor scientifico dos nossos dias. E
não foi só o poeta de Stratford. Buffon, por um esforço de inducção proprio de um engenho
privilegiado, lançou os lineamentos da geographia dos seres vivos , rastejou a influencia dos meios ,
lobrigou os phenomenos da selecção natural e da luta pela existencia, em que estriba o darwinismo ;
Virgilio -como diz Sainte Beuve -em uma hora decisiva do mundo adivinhou o que haviam de amar os
seculos futuros ; e Camões, ESTUDO CRITICO 9 cantando nos Lusiadas a batalha de Aljubarrota, n'um
rasgo de intuição genial previo a circulação do sangue : É Quantos rostos alli se vêem sem côr, Que
ao coração acode o sangue amigo !

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