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A literatura na história

Por J. P Mahaffy

RARAS vezes é inteiramente apreciado que grande parte da literatura do mundo é a


história, de qualquer espécie. O primitivo selvagem é provavelmente a única espécie de
homem que nela não toma interesse; deve notar-se que a memória dos mortos é muitas
vezes cuidadosamente obliterada por ele a os nomes ou ainda palavras sugerindo os
nomes dos seus antepassados, evitados nos seus discursos. Mas logo que uma centelha
de civilização ilumina esta treva primitiva, os homens começam a tomar interesse pelos
outros homens, não somente no que lhes diz respeito directo, mas além dos limites das
suas próprias gerações. O interesse pelo passado a previsão para o futuro, são talvez as
essenciais diferenças mentais entre o homem civilizado e o selvagem.
A medida que o cuidado pelo passado a pelo futuro aumenta, toda a literatura se
divide entre aquela que diz respeito às forças da natureza a aquela concernente à história
do homem. Quase toda a literatura de imaginação parte desta última. Os poemas épicos
pretendem cantar a história de heróis. Os poemas trágicos pretendem analisar as suas
emoções em algumas grandes crises das suas vidas. Os poemas liricos são
interessantes principalmente relatando-nos a história da alma do poeta. Até o romance
moderno, que é manifestamente fictício, tem que se basear sobre a história de homens
vulgares a buscar a maior parte dos seus enredos a ocorrências das suas vidas. O
romance histórico é corno que uma ponte entre as verdadeiras ocorrências do tempo
passado e u desejo de saber mais dos motivos, da espécie, do carácter elos atores, do
clue os conhecimentos transmitidos até aos nossos tempos por documentos
contemporâneos. Este género de romances, quando didático, como por exemplo nos
livros egípcios de Ebers, pode ser pouco mais do que um simples relatório de factos;
quando artístico, como nos livros de Walter Scott, pode ser uma obra de Aura fantasia.
Contudo, existe neles sempre o interesse histórico, e é ponto discutível se a história de
qualquer criatura inventada a formalmente divorciada dos anais dos homens conhecidos
poderá jamais despertar esse vívido a permanente interesse que inspirará sempre a
história de homens como Alexandre de Macedónia ou Napoleão. Todo o extenso
repertório de ficções aglomerado em volta do nome do primeiro pretende impor-se c:omo
história; a vasta biblioteca de livros napoleônicos contém muitíssima fantasia; porém a
ficção torna-se de pouco interesse se a compararmos com a história verdadeira dessa
extraordinária existência.
Assim, visto a história, na acepção mais ampla da palavra, abranger a maior pane da
literatura mundial, deveremos limitar-nos aqui a referir os esforços feitos por escritores
nos últimos 3.000 anos, para investigar a história de homens que os precederam na vida
ou passaram longe deles a existência, ou ainda para nos descrever a sociedade em que
eles próprios viveram. Enquanto imperou na imaginação do homem a crença em uma
idade de ouro, a em um heróico passado, os anais a os poemas épicos também se
ocuparam de um passado incerto a lendário.

A História de Heródoto, justamente considerada a obra-prima de uma nova escola,


tentou a narrativa de um formidável combate, cujos pormenores ainda se não haviam
apagado na memória dos velhos, e demonstrar ainda as causas que levaram a realizar-
se este combate. Assim, pela primeira vez se tornou importante a parte literária de urna
obra, em contraste com os anais secos e monótonos ou a simples relação de factos,
adoptada pelos escritores a fim de fugirem das fábulas dos contistas para entrar no
domínio dos factos. Porém o antagonismo manifestado nestes anais contra a maneira pó
ética e ornada, tornou-se demasiado forte.
Os homens graves de então enganaram-se como os de agora ainda se enganam;
julgaram que bastava investigar e narrar os factos cruamente, para haver a história
verídica do passado. É quimérica tal ideia; nunca se poderá obter a verdadeira história da
humanidade sem a descrição dos homens, das suas paixões e da lógica dos seus
sentimentos. O romance histórico aproxima-nos muito mais da verdade dos factos do que
poderá jamais consegui-lo um relatório cronológico. Eis a razão por que o génio de
Heródoto, como o génio dos historiadores do Velho Testamento, descobriu que os únicos
retratos verdadeiros são os que expressam o carácter do retrato e que a perfeição desse
retrato depende tanto do pintor como do assunto que ele tenta reproduzir. Os homens e
as mulheres de Heródoto e até os estados e cidades que ele descreve, vivem na nossa
imaginação. Ele, mais do que outro qualquer, conseguiu tornar a história da Grécia ein
assunto de eterno interesse. Neste sentido, Plutarco é o seu único rival. Se não
houvessem existido estes dois escritores o público educado de todas as nações
europeias teria há muito perdido o contacto com os Gregos, e apenas uma restrita
minoria de artistas e estudiosos se interessariam ainda pelas coisas da Grécia.
Se existe a ideia de que Heródoto conserva ainda a obscura tendência de fazer da
História um poema épico e que é demasiado pródigo em digressões e pontos de paragem
- todavia preciosos! - os gregos fornecem-nos um forte antídoto. Em virtude da curiosa lei
que não admite que apareça esporadicamente o gênio literário (como no caso
excepcional de Dante), mas antes surja em grupos (como na época de Péricles, Isabel e
Napoleão) - temos como grande rival contemporâneo de Heródoto, o historiador
Tucídides. Em intencional antagonismo com a livre e fácil palestra do viajante da escola
antiga, que se detém com frequência na marcha da sua epopéia imortal, a fim de deleitar
os seus leitores com ramilhetes colhidos nos campos da anedota, este outro gênio
literário ensina-nos claramente, sem se dignar dizê-lo mais do que uma vez e em uma
leve frase, que (na sua opinião) o valor permanente da história consiste, não na parte
social ou artística mas sim no progresso dos movimentos políticos, nos conflitos dos
grandes princípios em que se amoldam o caráter e as condições das nações. Para ele a
guerra entre Atenas e Espana, até nas suas mais insignificantes e monótonas
insurreições, é bem mais importante do que a escultura de Fídias, a poesia de Sófocles, a
arquitectura de Ictinos e de Mnesicles. Para ele, como para um grande número de
historiadores modernos - desde Macchiavelli até Seeley - a política domina o mundo e
portanto a história política excede a todas as outras em interesse e em valor.
Será possível, todavia, que algum pensador, vivendo em certo meio e tomando parte
nos debates políticos do seu tempo possa dar-nos uma relação objectiva do que em volta
dele se passe? É isto que Tucídides pretende fazer; e soube tão bem ocultar a sua
parcialidade, com a sua seriedade e afectada exactidão, que o seu gênio literário tem-se
imposto no mundo dos eruditos desde então até aos nossos dias. Sabemos agora que a
sua subjectividade não era menos dominadora do que a de Heródoto. Estava porém
disfarçada, como a subjectividade de um grande pintor se disfarça - para a maioria vulgar
- sob a fidelidade do retrato que executa. É provável que os contemporâneos de
Rembrandt insistissem na exactidão com que ele reproduzia os seus burgomeisters, as
suas velhas e os seus judeus. Nós, hoje em dia, avaliamos os seus quadros não como
retratos fiéis, mas como a expressão do gênio do pintor. Ora, o mesmo nos acontece com
a História de Tucídides. Se Heródoto é um Van Dick, que nos oferece uma galeria das
personagens da Hélada e da Ásia, Tucídides é o Rembrandt que representa o seu próprio
povo, embora seja rude e feio, com toda a energia e vigor do seu sombrio gênio.
Assim são eles dois protótipos imortais até entre os Gregos, nossos mestres, porque
ao lado deles todos os seus sucessores parecem fracos. Xenofonte possui toda a técnica
de um artista historiador: falta-lhe porém a energia de caráter, a subjectividade que
produz a harmonia de uma obra transcendente. Políbio é dotado da subjectividade e do
forte caráter de um historiador, mas é tão deficiente a sua técnica, que se encontra
esquecido por todos.
Não deixa de ser interessante inquirir até que ponto se manifestam estes eternos
contrastes nos grandes escritores que têm conservado aceso, em tempos modernos, o
luminoso facho da história artística; porém é demasiado vasto o assunto para que nos
seja aqui permitido fazer mais do que algumas ligeiras reflexões gerais. A solidariedade
da Europa, as miríades de relações dos grandes reinos em constante comunicação uns
com os outros, tornaram tão imensa a tarefa, que nenhum cérebro humano pode encher
a tela completa da história contemporânea, com um quadro adequado e harmonioso.
Assim a Europa de Alison tinha de ser um fracasso como grande obra de arte e nenhum
verdadeiro gênio histórico teria tentado escrevê-la. A única história contemporânea do
autor ocupando um elevado lugar na Arte é a que se publica sob a forma de Memórias,
como as de St. Simon ou de Boswell, que a reflectem dia a dia à superfície de uma
sociedade interessante. Aqueles que têm demonstrado verdadeiro talento como
historiadores em tempos modernos, escolheram épocas dos séculos passados, em que
existiram caracteres e factos de bastante importância, para não deixar de interessar ainda
hoje o espírito do mundo civilizado.
O primeiro entre os historiadores ingleses foi Gibbon, o Heródoto dos tempos
modernos pela amplitude do assunto, pela clareza da compreensão e pela riqueza da
fantasia. É porém inferior a Heródoto como artista, tornando-se tão excessiva a pompa
artificial do estilo, que chega frequentes vezes a distrair da narrativa a atenção do leitor;
enquanto o velho grego havia atingido o elevado grau em que a arte se assemelha à
natureza pela sua aparente simplicidade e total ausência de afectação. Apesar disto a
história de Gibbon é uma grande e permanente obra de arte, que nunca será excedida
pelas produções mais pragmáticas dos modernos escritores. Servia-lhe de lema o velho
princípio clássico que exige ao historiador imaginação rica e fácil eloquência.
Depois do Decline and Fall de Gibbon, entre as histórias escritas na língua inglesa deve
figurar, tia minha opinião, a História da Grécia, de Grote. Assemelhando-se a Tucídides,
na forma grave e sóbria, na exclusiva tendência para a política, no mal velado desejo de
refutar os pontos de vista dos seus predecessores, Grote carecia contudo de hábil
retórica e ainda mais daquela maravilhosa concisão, que torna tão impressionante a
narrativa de Tucídides.
É, de facto, na sua forma de parafrasear os seus antigos modelos, que Grote mais
brilha; mas, apesar de se haver chamado à sua história um enorme panfleto de
radicalismo filosófico, a sua latitude, a sua ciência, a conscienciosa forma por que procura
todas as fontes de informação, fazem destacar a sua História da Grécia, acima de muitas
outras histórias mais curtas produzidas por eruditos europeus. É que ele não foi apenas
erudito, foi também político; sabia como se podem evitar contradições teóricas em uma
constituição, por meio de transições práticas, e se cuidava pouco de arte, de arqueologia
e, em geral, da nota pitoresca do assunto de que tratava, pode contudo ainda ser
utilizado para corrigir a falta de conhecimentos políticos, tão frequentemente demonstrada
pelos historiadores profissionais de França e da Alemanha.
As investigações dos alemães e o espírito brilhante do franceses não produziram
qualquer obra de valor igual às de Gibbon e Grote, apesar de haverem contribuíd para a
história com excelentes e até grandiosos elemen tos. Entre as produções alemãs, na
minha opinião destacam-se duas: a História Romana de Mommsen e as histórias de
Atenas e de Roma, por Gregorovius. Ambas são tratadas com uma perfeição de estilo
geralmente desusada na Alemanha e são ambas monumentos de notável e exactíssima
erudição. No livro de Mommsen esta erudição acha-se - para assim dizer - encoberta pela
ausência de notas no fim da página e ainda mais por uma petulância de estilo que
parecia indicar um certo facciosismo sobre algumas questões políticas de capital
importância. Esta suspeita, originada pelo estilo desse livro notável, podia ser confirmada
fazendo-se uma cuidadosa investigarão acerca das autoridades em que ele se apoia. Por
outro lado, o conhecimento dos estudos especiais de Mommsen demonstra o gigantesco
poder de que dispunha na arte de coligir elementos para a história. Niebuhr, o mais
notável dos predecessores destes homens, apesar de ser autor de um método novo,
como escritor não soube ser grande bastante para manter a sua situação contra os
competidores modernos. Apesar disso os sucessores dele, exceptuando Mommsen,
serão pessoas muito respeitáveis, mas não são com certeza artistas de valor. Muitos
deles são eruditos de primeira ordem; porém isso aqui não vem ao caso.
Como seria de esperar da parte de uma nação que produz tão excelente prosa, a
França deu-nos uma série completa de eminentes historiadores, mas foi talvez devido ao
elevado nível do seu estilo que nenhum deles conseguiu obter supremacia sobre os
colegas. Guizot, Taine, Thiers, Renan, Montalembert, Henri Martin e muitos outros têm-
nos oferecido brilhantes exposições de várias épocas na história europeia; raras vezes,
porém, conseguem libertar-se dessa subjectividade que caracteriza os franceses e
prejudica a sua autoridade como juízes em assuntos históricos. Além disso, existe na
maioria deles a visível preocupação do estilo, o desejo de dizer coisas brilhantes que
tende mais a deslumbrar o espírito do leitor do que a iluminar o assunto de que tratam. É
de crer que qualquer deles seria mais facilmente substituído do que Tocqueville, cujos
estudos sobre a democracia são contudo antes exemplos de política do que de história.
Mas estas generalidades acerca de historiadores estrangeiros tornam-se pouco
valiosas sem mais amplas justificações. Ocupemo-nos novamente dos escritores ingleses
que tornaram célebre o século actual, e mesmo a presente geração, pelos seus estudos
históricos. Entre os que mais sobressaem há dois americanos - Motley, o historiador do
período mais notável da história holandesa, e Parkman que, numa tela de menores
dimensões, mas com pincel seguro, nos descreveu a prolongada contenda entre a
França e a Inglaterra, pela posse da América do Norte. Na nossa Inglaterra, acabam de
desaparecer dois homens eminentes, apresentando tais contrastes, que merecem ser
discutidos e comparados: estes homens chamaram-se Freeman e Froude.
Este último era um grande escritor, e possuindo ainda uma brilhante imaginação -
faculdade esta que pode ser censurável em um historiador mas que se torna
completamente indispensável para sua grandeza. Assim, apesar de haver sido acusado
de muitas inexactidões, a sua compreensão e perspicácia tornaram-no frequentes vezes
tão acertado nas considerações, que não posso deixar de o julgar um historiador muito
superior a Freeman, seu adversário e crítico. Este, embora possuísse em mais elevado
grau a ciência de investigar, e fosse muito mais exacto nos pormenores, serve-se de um
certo estilo grosseiro que afastará dele os leitores. Além de ostentar constantemente e
com pedantesco orgulho a sua erudição, ainda afirma ou dá a entender com insolência a
inferioridade dos que trabalham no mesmo campo. Desvia-se da sua História das
federações gregas a fim de escrever notas sobre Napoleão III, que poderiam ser escritas
por Vítor Hugo. Assim, apesar da sua grossa ciência, dos seus conhecimentos acerca da
história do mundo, das suas cuidadosas investigações, Freeman será esquecido, quando
ainda for lido o brilhante e gracioso Froude, que falará a milhares ele leitores, enquanto
aquele já apenas o escutam algumas dezenas de ouvintes. Assim, também, os mestres
do povo inglês na história são antes Shakespeare e Walter Scott do que o bispo Stubbs
ou sir John Seeley, porque é esta a forma extrema do contraste entre o escritor pitoresco
e o laborioso investigador. Sei que é regra entre os discípulos da escola de investigação
negar-se qualquer mérito ou valor como historiadores aos escritores imaginativos.
Todavia, sustento a opinião de que para cada pessoa que arranjou alguns conhecimentos
acerca de Luís XI, rebuscando-os entre crónicas contemporâneas, existem dez mil que
obtiveram dele uma ideia mais geral e verdadeira pela leitura de Qentin Durward ou de
Notre, Dame de Paris. Devo acrescentar que não é fácil tarefa interessar o público vulgar
na leitura histórica e havê-lo conseguido representa um grande passo na civilização
moderna.
Ocupando um lugar intermédio entre Froude e Freetnan, coloco os meus dois amigos
pessoais, Green e Lecky, os quais me aventuro a considerar como os mais populares
escritores de história que a Inglaterra produziu depois de Gibbon. Green faleceu antes de
poder dar a sua medida. Lecky é ainda hoje uma figura proeminente em Inglaterra; mas é
considerado mais político do que historiador, visto ter trocado o estudo pelo Senado, e
substituído a vida contemplativa pela actividade prática.
É pouco provável, portanto, que ele nos apresente um novo livro de história. Contudo,
os oito volumes da sua História de Inglaterra no Século XVIII, já apresentariam suficiente
e ampla confirmação do seu gênio, ainda que os não houvessem precedido esses outros
notáveis volumes sobre a história da cultura europeia, que tornaram conhecido e popular
o seu nome por todo o império britânico. Pode ser posto em dúvida se o estilo acabado e
leve de Lecky iguala o de Froude, ou se as suas investigações podem ser comparadas
pis de Freeman; contudo. ele reúne qualidades que eles não possuíam e portanto pode
ser classificado acima deles por tini crítico independente. Torna-se talvez impossível a
qualquer escritor escrever com o brilhantismo de Froude, se quiser escrever com
judiciosa serenidade, se for indulgente para com os seus adversários, esforçando-se pela
imparcialiJade em controvérsias políticas. A narrativa de Lecky não se assemelha ao
impetuoso Áufido, que arrasta homens e gado nas suas inesperadas cheias; parece-se
mais com o tranquilo Líris, que vai lentamente desgastando os outeiros com a sua mansa
corrente.
Mas, por muito bem que Lecky saiba avaliar quanto é necessária a eloquência na
confecção da história, sa igualmente subordiná-la aos seus propósitos. Nos últimos dois
volumes, que relatam a revolta irlandesa de 1798, ele, convencendo-se de que era pouco
provável que alguém tratasse novamente desses factos, pôs de parte beleza da sua obra,
a fim de nos fornecer uma compilação de todas as mais fidedignas notas
contemporâneas, transcritas com as próprias palavras das autoridades que cita. Assim,
estes valiosíssimos volumes dão-nos pouco mais do que um catálogo de extractos,
compilados e expresso com cuidado e perícia, aliadas a uma modéstia que o torna ainda
mais admiráveis. Podem, portanto, ser imparcialmente apreciados, mais como prova real
do seu espírito investigador, do que do seu estilo, além de demonstrar-nos que, longe de
ser o escravo deste, sabe subordiná-lo, a fim de atingir mais elevados fins. E contudo, se
o livro fosse todo escrito sob essa forma, teria sido apenas lido por estudiosos
especialistas e não por toda a gente.
João Ricardo Green foi um homem notável de outro tipo, e o seu único volume sobre
o progresso e a educação do povo inglês logo atingiu e conserva ainda uma excepcional
popularidade; mas assim como este livro não foi executado na larga escala do Século
XVIII de Lecky, também nos dá ideia de uma menos cuidada investigação. Por exemplo,
o relato de operações militares é manifestamente feito por forma tão superficial que não
elucida bem o leitor. Jamais saberia descrever uma batalha como sir G. Trevellyan (que
poderia figurar entre os nossos primeiros historiadores se não fossem as distracções de
política partidária) descreveu recentemente a de Bunker's Hill. Por outro lado, as suas
narrativas de movimentos populares, como por exemplo, a que trata da reacção do povo
abandonando o Protectorado para abraçar a antiga soberania, são das mais brilhantes
páginas que existem na literatura histórica inglesa.
Não há lugar neste estudo para a filosofia política -` para a história das ideias,
independentemente das realizações políticas, como as de Mr. Lecky, acima
mencionadas. Não deporei, contudo, a minha pena sem afirmar que em uma dessas
obras - o imenso fragmento da vasta concepção de Buckle sobre a civilização da Europa
-encontrei maior estímulo, mais sugestão, mais incitamento à reflexão e ao estudo do que
jamais encontrei em livro algum do nosso tempo. Não conheço tão pouco outra obra que
a possa substituir completamente na educação intelectual de um historiador. Esta
confissão é apenas pessoal; outros homens haverá que não aceitariam Buckle, levados
por outras considerações. Green começou a concentrar a sua atenção na história por
uma mera casualidade. Sendo ainda rapaz, foi felicitado, por ter ganho um prémio, por
um velho professor-mor do colégio da Madalena, que lhe disse: "Lembra-te que esta mão
que agora apertas, já foi apertada pela mão do grande dr. Johnson". E quantos outros
homens haverá a quem uma casualidade, muitas vezes trivial em aparência, desperta
faculdades dormentes? Se me for permitido citar o meu próprio caso, direi que a
libertação de trabalhos escolares, a falta de ocupações suficientes e o acaso que me
deparou um volume da Grécia de Grote, foram as causas determinantes que me
impeliram, aos quatorze anos, para o estudo da história clássica, não obstante faltarem a
Grote tanto a imaginação com eloquência tendentes a atraírem as atenções de uma
criança. Todavia ambas estas qualidades existem no livro: sob a forma de uma clareza
extrema, quando trate de descrições complicadas; em impressiva gravidade nas lições
políticas, e em um certo tom geral digno e ponderado, que só um escritor de mérito pode
atingir. Os homens variam nas suas predilecções e nos seus gostos mas a história
fornece uma galeria de tipos e de variedades suficientes para satisfazer todas as formas
de inteligência por muito elevadas que sejam; pois acaso não é ela, segundo as
eloquentes palavras de Cícero: Testis temporum, lux veritatis, vita memoriae, magistra
vitae, nintia vetustatis?

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