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Mais uma vez a Esaf não deixou por menos!

As provas do concurso de AFRF assustaram muita gente, pois em certas disciplinas a banca conseguiu fugir completamente
do padrão que vinha sendo seguido nos últimos certames.

Após uma rápida olhada nas provas de algumas disciplinas, fiquei mais triste com as provas de Estatística e Matemática Financeira e Direito Tributário, nessa ordem.

A prova de Estatística e Matemática Financeira certamente será a que mais eliminará candidatos nesse certame, questões dificílimas, fugindo completamente à tradição
média-moda-mediana das provas anteriores. Disseram-me que para responder a uma das questões era necessário fazer cálculo até a 6ª (sexta) casa decimal. Que
vergonha uma coisa dessas! Pelos comentários que tenho ouvido, haverá anulação de algumas questões.

No tocante à prova de Direito Tributário, achei lamentável a mania da Esaf de cobrar questões envolvendo legislação específica dos tributos federais (IPI,
Contribuições, Imposto de Renda etc.). Situação difícil essa, muito difícil. Difícil porque se o candidato se aventurar a estudar toda a legislação específica dos tributos
federais (IPI, Imposto de Renda, COFINS, PIS etc.), ele certamente levará mais de um ano só para isso. Se algum professor tentar ministrar um curso completo sobre
toda essa legislação dos tributos federais, certamente esse curso terá dezenas e dezenas de aulas. Mas, o fato é que essas questões têm se repetido nas últimas
provas de Direito Tributário da Esaf, e temos que pensar em alguma alternativa, pois o acerto delas numa prova faria muita diferença para o candidato em termos de
pontuação. Acho que não podemos ir para um prova sabendo que será cobrado certo conteúdo, que é certa a cobrança desse conteúdo, sem fazermos nada a respeito.
Conversarei com o Marcelo Alexandrino a respeito, para tentarmos encontrar uma alternativa de estudo para os próximos concursos...

Bem, vamos à prova de Direito Constitucional.

A prova de Constitucional não foi uma maravilha, mas também não foi “horrorosa”, como alguns candidatos me escreveram. Acho que dava para fazer o mínimo, sem
maiores problemas. É evidente que não estou aqui criticando quem não conseguiu fazer o mínimo, pois sei muito bem o que é o “momento de prova”. Muito fácil eu
resolver a prova em casa, tranqüilamente, sem a tensão e a ansiedade próprias de um dia de prova, e dizer que as questões estão boas! Sei o que é “dia de prova”, e
o quanto o nervosismo atrapalha.

Conforme eu havia comentado aqui no site, só com as questões sobre direitos fundamentais e controle de constitucionalidade era possível assegurar a pontuação
mínima da prova. Foram quatro questões de controle de constitucionalidade e quatro sobre direitos fundamentais. Houve, ainda, uma questão sobre os princípios
constitucionais da Administração Pública, tema exaustivamente estudado em Direito Administrativo. Só com essas questões, convenhamos, era possível ao candidato
assegurar a pontuação mínima (40%) para não ser eliminado em Direito Constitucional.

O chato mesmo foi a cobrança de quatro questões envolvendo literalidade da Constituição Federal sobre “Saúde” e “Previdência Social”. No momento em que foi
elaborada a prova, certamente o examinador estava contaminado pela idéia da tal “fusão dos fiscos”, da “Super Receita”! Aliás, tanto estava contaminado que no
caderno de prova da Esaf consta o nome “Receita Federal do Brasil” e “Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil”! E, cá entre nós, muito mal contaminado, porque
nem na idéia inicial da criação da “Super Receita” (com a Medida Provisória nº 258), nem no atual projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional com o
mesmo fim, vislumbrou-se a outorga de qualquer competência ao novo órgão relacionada à “saúde”!

Bem, deixando as críticas de lado, passemos ao exame das questões da prova de Direito Constitucional que, em tese, poderiam ser objeto de recurso.

A numeração das questões apresentada a seguir está de acordo com o GABARITO 1 da Esaf (portanto, se você fez prova com outro gabarito, por favor, faça a devida
adequação, acessando as provas no site da Esaf).

Na questão nº 42 (Gabarito 1), alguns candidatos afirmaram que ela possuiria mais de uma resposta, por também considerarem corretas, além da assertiva “a”, as
assertivas “b” e “e”, a seguir reproduzidas:

b) A existência de cláusulas pétreas, na Constituição brasileira de 1988, está relacionada com a característica de condicionado do poder constituinte derivado.

e) O poder constituinte originário é inicial porque não sofre restrição de nenhuma limitação imposta por norma de direito positivo anterior.

Bem, nessas duas assertivas a Esaf partiu para o preciosismo conceitual no tocante às características do poder constituinte.

Nessa linha de preciosismo, a assertiva “b” está errada porque a natureza de “condicionado” do poder constituinte derivado não está relacionada com a presença (ou
não) de cláusulas pétreas, mas sim com o fato de o seu exercício dever seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição. A presença de cláusulas
pétreas estaria relacionada ao caráter de “subordinado” do poder constituinte derivado.

Por sua vez, a assertiva “e” também está errada porque a natureza inicial do poder constituinte originário está relacionada com o fato de ser ele o instaurador de uma
nova ordem jurídica (ao criar uma nova Constituição, ele cria um novo Estado, inaugurando uma nova ordem jurídica), e não com o fato se não sofrer restrição de
limitação imposta por norma do direito positivo anterior. O fato de não estar sujeito a limitações do direito positivo anterior marca o caráter ilimitado (e não “inicial”,
como diz a assertiva) do poder constituinte originário.

Muito triste esse preciosismo conceitual, mas difícil de ser afastado em eventual recurso. Portanto, não acredito em recurso contra essa questão.

Na questão nº 46 (Gabarito 1), alguns candidatos afirmaram que ela possuiria mais de uma resposta, por também considerarem correta, além da assertiva “b”, a
assertiva “c”, a seguir reproduzida:

c) A forma republicana de governo, como princípio fundamental do Estado brasileiro, tem expressa proteção no texto constitucional contra alterações por parte do
poder constituinte derivado.

Não concordo com a alegação de que essa assertiva está CERTA. A forma republicana de governo não foi expressamente gravada como cláusula pétrea na vigente
Constituição Federal de 1988. O que foi gravado como cláusula pétrea foi a forma federativa de Estado (CF, art. 60, § 4º, I). A forma republicana de governo foi
cláusula pétrea na vigência da Constituição pretérita (CF/1969), mas na vigente Constituição Federal de 1988 é apontada, apenas, como princípio sensível da ordem
federativa, dando azo, no caso de desrespeito, à intervenção federal, a partir de representação interventiva do Procurador-Geral da República perante o Supremo
Tribunal Federal (CF, art. 34, VII, “b” c/c art. 36, III).

Na questão nº 53 (Gabarito 1), alguns candidatos afirmaram que a assertiva “a” também estaria CERTA. É o seguinte o enunciado da assertiva “a”:

a) Cumpridas as demais condições de elegibilidade, previstas na Constituição Federal, todos os que tiverem feito alistamento eleitoral são elegíveis.

Diz o § 3º do art. 14 da Constituição Federal que são condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

Acontece, porém, que o indivíduo pode cumprir todas essas condições de elegibilidade e ainda não ser elegível. Por que? Porque ele poderá cumprir todas essas
condições de elegibilidade do § 3º e incorrer em alguma das situações de inelegibilidade previstas nos §§ 4º ao 7º da Constituição Federal.

Portanto, também nessa questão eu não vejo muitas chances de êxito em eventual recurso (embora se possa alegar que ao se referir às “demais condições de
elegibilidade previstas na Constituição Federal”, o enunciado está englobando todas as condições previstas nos §§ 3º ao 7º do art. 14 da Constituição Federal, e não
somente as condições do § 3º).

Agora, apresentarei algumas questões que, na minha opinião, poderão ser atacadas mediante recurso (em algumas questões, os argumentos são fortes; em outras,
nem tanto; mas, não custa nada tentar, ninguém sabe o que passa pela cabeça de examinador!).

A primeira é a questão nº 44, que apresentou como gabarito a assertiva “b”, que tem o seguinte enunciado:

b) O Supremo Tribunal Federal não aceita a inconstitucionalidade superveniente por entender que a norma incompatível com o novo texto constitucional foi por ele
derrogada.

Alguns candidatos me enviaram e-mail afirmando que essa assertiva está errada porque depois da criação da argüição de descumprimento de preceito fundamental –
ADPF (Lei nº 9.882/1999), que admite a fiscalização do direito pré-constitucional, o STF passou a admitir a tese da inconstitucionalidade superveniente.

Esse raciocínio, porém, não prospera. Mesmo depois da criação da ADPF, o STF já deixou assente, em diversas ocasiões, que continua a não admitir a idéia da
inconstitucionalidade do direito pré-constitucional em face de Constituição futura. Ao apreciar uma ADPF impugnando direito pré-constitucional frente à Constituição de
1988, o STF simplesmente decidirá se a norma foi revogada pela nova Constituição (no caso de incompatibilidade material), ou se foi por ela recepcionada (no caso de
compatibilidade material). Não haverá, em hipótese alguma, pronúncia da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do direito pré-constitucional.

Enfim, mesmo com a criação da ADPF, a jurisprudência do STF não se modificou: o Tribunal continua não aceitando a tese da inconstitucionalidade superveniente do
direito pré-constitucional, em razão da promulgação de um novo texto constitucional em sentido contrário; esse direito pré-constitucional simplesmente será revogado
pela nova Constituição (no caso de incompatibilidade material) ou por ela recepcionado (no caso de compatibilidade material).

Para aqueles que gostam de preciosismo, há um detalhe nesse enunciado: o examinador, para ser preciso, deveria ter utilizado o termo “revogação”, e não
“derrogação”, porque esta é espécie daquela. Com efeito, se a revogação é total, temos a chamada ab-rogação; se a revogação é parcial, temos a derrogação. Ora,
como a nova Constituição pode revogar total ou parcialmente uma lei pré-constitucional, o correto seria o examinador referir-se, genericamente, à revogação, e não
somente à derrogação.

Portanto, não vejo sucesso em eventual recurso contra essa questão 44, com a alegação de erro na divulgação do gabarito da sua assertiva “b”.

Porém, a assertiva “d” dessa questão 44 pode ser atacada. Ela foi considerada ERRADA, e eu não concordo com isso. O seu enunciado diz o seguinte:

d) Os órgãos fracionários de Tribunais, onde houver, podem declarar, por maioria absoluta de seus membros, a inconstitucionalidade de uma lei.

Esse enunciado nos remete ao art. 97 da Constituição Federal, que trata da chamada “reserva de plenário”, segundo a qual somente pelo voto da maioria absoluta de
seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.

Por força dessa regra, portanto, os órgãos fracionários dos tribunais (Câmaras, Turmas, Seções) não podem declarar a inconstitucionalidade das leis. Somente a
maioria absoluta do Tribunal Pleno (Plenário) ou do Órgão Especial poderá declarar a inconstitucionalidade de uma lei.

Portanto, em regra, os órgãos fracionários não podem mesmo declarar a inconstitucionalidade das leis, por força do art. 97 da Constituição Federal. Acontece, porém,
que essa regra não é absoluta. Ela só é exigida no primeiro julgamento que envolve a aplicação da lei ou ato normativo. Nos julgamentos futuros, quando já existir
decisão precedente do Órgão Especial ou do Plenário do tribunal, ou do Supremo Tribunal Federal, os próprios órgãos fracionários declararão a inconstitucionalidade
nos casos concretos a ele submetidos, sem necessidade de submissão da matéria novamente à reserva de plenário.

Portanto, nessa situação – se já houver precedente do Plenário, do Órgão Especial ou do STF -, os órgãos fracionários têm competência para declarar a
inconstitucionalidade de uma lei. Nos julgamentos futuros sobre a mesma matéria, os próprios órgãos fracionários declararão a inconstitucionalidade da lei e afastarão
a sua aplicação aos casos concretos.

Essa orientação, há muito consagrada na jurisprudência do STF, atualmente encontra-se positivada, isto é, consta do nosso Código de Processo Civil – CPC (art. 481,
parágrafo único), nos termos seguintes:

“Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes
ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão.”

Ora, se os órgãos fracionários “não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial”, é porque eles próprios declararão, nesse caso, a inconstitucionalidade da lei.

Essa argumentação eu considero forte, bem forte, para uma anulação dessa questão nº 44, pelo fato de apresentar duas assertivas CERTAS.

A segunda é a questão nº 48, que apresentou como gabarito a assertiva “d” (que, de fato, está CERTA, por força do art. 87, parágrafo único, I, da Constituição
Federal).

Porém, entendo que a assertiva “a” também está CERTA, pela razão expendida a seguir.

Diz a assertiva “a” que:

“a) Na eleição para presidente da República, será considerado eleito em primeiro turno de votação o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria
absoluta do total de votos apurados na eleição”.

A Esaf considerou essa assertiva ERRADA porque para o candidato a presidente da República considerar-se eleito no primeiro turno é necessária, tão-somente, a
obtenção de maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos (CF, art. 77, § 2º).

Acontece, porém, que essa regra constitucional representa o número mínimo de votos para que o candidato eleja-se no primeiro turno. Obviamente, se ele conseguir
mais votos, como a maioria absoluta do total de votos apurados na eleição (computados os votos nulos e em branco), ele também será considerado eleito. Enfim, a
maioria absoluta dos votos válidos (desconsiderando-se os em branco e os nulos) é o NÚMERO MÍNIMO de votos necessário à eleição do Presidente da República no
primeiro turno; nada impede que o candidato consiga mais votos (por exemplo: maioria absoluta do total de votos apurados na eleição, computados os nulos e os em
branco), hipótese em que também será considerado eleito no primeiro turno.

Para clarear o raciocínio, vejamos um exemplo numérico (hipotético):

- Total de votos apurados na eleição: 100.000

- Total de votos nulos: 10.000

- Total de votos em branco: 10.000

Nessa situação, teríamos o seguinte:

a) o candidato que obtiver 41.000 votos no primeiro turno é considerado eleito (maioria absoluta dos votos, não computados os em branco e os nulos);

b) da mesma forma, o candidato que obtivesse 51.000 votos no primeiro turno seria considerado eleito (maioria absoluta do total de votos apurados na eleição,
computados os em branco e os nulos).

Portanto, a assertiva “a” está CERTA, porque aquele candidato que obtiver no primeiro turno a maioria absoluta do total de votos apurados na eleição terá cumprido a
exigência constitucional (art. 77, § 2º) e, logo, será considerado eleito.

Na minha modesta opinião, seriam essas as questões passíveis de recurso na prova de Direito Constitucional do AFRF/2005.

Fiquem bem.

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