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ORAÇÃO DOS DESESPERADOS

SÉRGIO VAZ

Que a pele escura


Não seja escudo para os covardes,
Que habitam na senzala do silêncio,
Porque nascer negro é consequência
Ser
É consciência

Dói no povo a dor do universo


Chibata, faca e corte
Miséria, morte
Sob o olhar irônico
De um Deus inverso
Uma dor que tem cor
Escorre na pele e na boca se cala
Uma gente livre para o amor
Mas os pés fincados na senzala.
Dói na gente a dor que mata
Chaga que paralisa o mundo
E sob o olhar de um Deus de gravata...
Doença, fome, esgoto, inferno profundo.
Dor que humilha, alimenta cegueira
Trevas, violência, tiro no escuro
Pedaço de pau, lar sem muro
Paraíso do mal
Castelo de madeira.
Oh! Senhores
Deuses das máquinas,
Das teclas, das perdidas almas.
Do destino e do coração!
Escuta o homem que nasce das lágrimas
Do suor, do sangue e do pranto,
Escuta esse pranto
(Que lindo esse povo!)
(Quilombo esse povo!)
Que vem a galope com voz de trovão
Pois ele se apega nas armas
Quando se cansa das páginas
Do livro da oração.

O canto triste de Sérgio Vaz é denúncia de uma


periferia que luta contra o genocídio da população
negra e jovem, que pede espaços culturais em
vez de delegacias e unidades da Fundação Casa,
que grita por dignidade, que insiste em formar
leitores e que constrói “a Primavera de Praga da
periferia”, como o poeta define os últimos dez
anos de agitação cultural nas “quebradas”.
Este paulistano de Minas Gerais – “não fala
que sou mineiro que eu fico bravo” – gosta de
repetir que se soa triste, em sua obra, é por que
ele é triste. “Tenho uma tristeza que me visita até
nos dias de alegria”. Mas que esse sentimento
não se confunda com ceticismo. “Antes, deixa eu
só esclarecer uma coisa: não sou pessimista, sou
realista”, diz o poeta, com a convicção de quem
visita becos e vielas da zona sul de São Paulo há
45 anos.
Ao todo, é autor de sete livros que venderam,
somados, 30 mil exemplares. A obra do poeta o levou
a seis países, para participar de feiras literárias e
congressos. Das viagens, internacionais ou não,
Vaz sempre traz reproduções de Dom Quixote, o
personagem central da obra homônima de Miguel
de Cervantes. “Esse livro salvou minha vida”, diz o
poeta, que já possui mais de 30 reproduções do
herói da literatura espanhola, entre elas, uma de
2 metros, instalada no quintal de sua casa.

O texto “Oração dos desesperados”, de


Sérgio Vaz, aborda questões históricas: a dor
do negro, oprimido, desde os tempos em
que foram condenados ao serviço escravo.
Sendo assim, desde então, criou-se o culto ao
preconceito racial; por consequência; exclusão
social. Duas situações de grande relevância.
O autor faz uso de diferentes figuras de linguagem
para nos mostrar isso, como “senzala do silêncio”
(as pessoas que, apesar de discriminadas, não
se opõem a seus opressores); “nascer negro é
consequência - ser é consciência” (as pessoas
não podem escolher sua cor, mas têm consciência
de seus atos); “um deus de gravata” (o mundo é
dominado pelos mais afortunados); “Deus das
máquinas e teclas” (a influência da tecnologia no
meio social). Apesar da situação apresentada, o
homem se prende às preces, tendo motivos para,
em sua existência, buscar sentido para as coisas
enfrentadas no cotidiano. Um bom exemplo disso
são os desesperados da sociedade brasileira, que se
seguram em sua fé que ajuda o homem a encontrar
sentido para sua existência. O texto leva muito em
conta essa questão da exclusão que abre nossas
mentes para mais assuntos: Como a escravidão
fere o conceito de que o ser humano é importante.
Afinal, até mesmo perante a lei, devemos ser
tratados da mesma maneira, independente do
sexo, cor ou situação financeira. Não é isso que
vemos na nossa sociedade. Até hoje existe uma
relação de hierarquia entre as pessoas, como uma
pirâmide social, onde uns se submetem a outros,
afinal, a escravidão, nos dias de hoje, se dá por
meio da opressão e da diferença de classes.
Infelizmente, essa situação perdura no cenário
mundial, uma vez que é possível depreender
do texto também uma crítica à sociedade que
se submete, acomoda-se sob o poder daqueles
que são detentores do capital, conhecimento,
influência. Os três primeiros versos colaboram
para essa análise, pois neles o autor afirma que
os excluídos “habitam na senzala do silêncio”,
ou seja, aceitam com parcimônia, em silêncio, a
situação desfavorável pela qual são obrigados a
passar.
A ideia de que “nascer negro é consequência”
deixa claro que não se pode escolher a cor da
própria pele, isso, pois, é uma questão de herança
genética. A frase “SER é consciência” indica que as
pessoas têm consciência de seus atos. Essa pode
ser aplicada em diversos contextos, porque trata
da segregação de modo geral.
Nos versos: “dói no povo a dor do universo,
chibata, faca e corte, Miséria, morte sob o olhar
irônico de um Deus inverso”, alude-se à humilhação
pública pela qual passaram os escravos que eram
expostos a condições desumanas de trabalhos
não remunerados. Apanharam, diversas vezes, dos
seus senhores – chamados de “Deus do inverso”
– por promoverem exatamente o contrário do
que pregam o evangelho. Em decorrência disso,
à miséria e à morte eram condenados.
Em “uma dor que tem cor, escorre na pele e na
boca se cala”, há a reiteração ao sofrimento, em
silêncio, herdado, como uma herança genética dos
negros. Está, nesses versos, retratada a situação
dos que se encontram nas mazelas da sociedade,
os quais não possuem voz perante a civilização.
Mesmo em situação adversa, o homem se
prende às preces, que servem de motivação
na busca do sentido de sua existência sofrida.
Nessas, há uma menção irônica ao advento da
tecnologia, que favorece a um “Deus de gravata”.
Por sua vez, este observa passivamente situações
de “doença, fome, esgoto, inferno profundo” às
quais estão submetidos aqueles menos favorecidos
economicamente.

http://leandromeost.blogspot.com.br/2013/11/
analise-critica-da-obra-oracao-dos.html
com adaptações
“GREGÓRIO DE MATOS – POEMAS
SELECIONADOS”
No final do século XVII, Portugal estava em
decadência, sendo que o sistema escravocrata
não conseguia mais sustentar a economia da
Metrópole. Assim, Portugal impunha ao Brasil
uma série de restrições comerciais a fim de
conseguir vantagens. Por conta disso, os senhores
do engenho e proprietários rurais brasileiros
passaram a enfrentar uma forte crise econômica.
Em contrapartida à crise do mercado de escravos
e do engenho de açúcar, surge uma rica burguesia
composta por imigrantes vindos de Portugal e
que comandavam o comércio na colônia. Essa rica
burguesia dominou também o mercado de crédito
e outros contratos reais. Por conta do monopólio
gerado pelos imigrantes, agravou-se a crise dos
proprietários rurais brasileiros e a hostilidade
entre esses dois grupos foi crescendo ao longo
dos anos.
Gregório de Matos, filho de senhor de engenho
e bacharel em Direito, encontra-se em uma posição
central neste cenário, tendo condições de pensar
e analisar seu momento histórico sob diversas
perspectivas. Gregório de Matos, apesar de ter
tido diversos cargos de poder, resolve desligar-
se de tudo e viver à margem da sociedade como
um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo
baiano e frequentando festas e rodas boemias.
Porém, mesmo distanciado da sociedade hipócrita
a qual ele condena, ele também se insere nela,
pois Gregório ainda depende da nobreza e vive
à custa de favores deles. Ao mesmo tempo, ele
encara o papel do portador de uma “voz crítica”
sobre essa mesma sociedade na qual ele se insere.
Conforme explica José Wisnik, o poema
satírico de Gregório de Matos é marcado por essa
“briga” entre uma sociedade “normal” – que é a do
homem bem nascido” – e outra “absurda” – que é
composta por pessoas oportunistas, mas que estão
instaurados no poder. Porém, no caso de Gregório
de Matos a “sociedade absurda” é real, pois é a
Bahia onde ele vive; e a sociedade considerada
“normal”, que é a dos homens bem nascidos e
cultos, é absurda perante a realidade baiana. Assim,
ambas são consideradas absurdas uma perante
a outra. Esse impasse é o da realidade histórica
desse momento, coexistindo em um mesmo locas
duas Bahia: uma “normal”, que é vista com ar
nostálgico, e outra “absurda” e amaldiçoada.

Se de um lado existe a obra satírica de


Gregório de Matos, onde ele expõe e critica, sem
nenhum pudor, a sociedade da época, de outro
lado há também a poesia lírica produzida por ele.
Seus poemas líricos são comumente divididos em:
lírico-amorosos e burlescos/eróticos. Há ainda
uma vasta produção de poemas com temática
religiosa. Porém, há de se ressaltar que a ironia
e crítica social existentes nos poemas satíricos
não são deixados de lado em sua produção lírica
e religiosa.

Na poesia amorosa e erótica de Gregório de


Matos, o tema básico continua sendo o choque
de opostos: “espírito” e “matéria”, “ascetismo” e
“sensualismo”. Essa visão dualista também aparece
na figura da mulher desejada, sendo que esta
representa uma espécie de “anjo-demônio”. É
interessante notar que na obra de Gregório de
Matos o “outro lado” em um par de opostos sempre
irá conter um pedaço do seu par antagônico. Ou
seja, se tomarmos, por exemplo, a figura da mulher,
quando ela aparece como um ser angelical, ela
também terá uma parte demoníaca, e vice-versa.
Dessa forma, a poesia lírico-amorosa de Gregório
de Matos é construída em torno de contradições e
pares de opostos, utilizando figuras de linguagens
como o oximoro, que reforça essas contradições.
Porém, deve-se ter em mente que estas contradições
não se anulam e a mensagem final que o poeta
passa é de que “diferença é identidade”. Já a poesia
erótica de Gregório de Matos, na qual o poeta
utiliza uma linguagem mais direta e explícita do
que na lírico-amorosa, o amor carnal aparece como
forma de libertação do corpo e, por consequência,
do indivíduo também.

Por fim, tem-se a poesia religiosa de Gregório de


Matos, que também é trabalhada constantemente
por meio de pares de opostos. O ambiente
fortemente cristão do período barroco, faz-se
presente aqui, onde os pares antagônicos da vez
é a “culpa” versus “perdão”. Gregório de Matos
faz uso da poesia para se libertar e ela é a única
forma possível de salvação para o poeta. Esta
salvação não se dá somente entre o poeta e Deus,
mas também perante a sociedade e si mesmo.

POEMAS RELIGIOSOS
Ao braço do menino Jesus
Ao dia do Juízo
O poeta na última hora da sua vida
Inquietação salvacionista
A Jesus Cristo
Atos de arrependimento e suspiros de amor
A inconstância dos bens do mundo
A Maria Santíssima
POEMAS LÍRICOS
Formosura de D. Ângela
Expressão do silêncio do poeta
Labirinto de suas desconfianças
Impaciência do poeta
Envolver-se na confusão dos néscios para
passar melhor a vida
O poeta muda o soneto pela terceira vez
Expressão de amor, mandando perguntar como
passava
Desenganos da vida humana metaforicamente
Declara-se temendo perder por ousado
Chora o poeta por perdidas esperanças de
conseguir Ângela como esposa
Incentivo para recordar os males no fluxo e
refluxo da maré
A uma saudade
Pintura admirável de uma beleza
Resposta a um amigo em matéria amorosa

POEMAS SATÍRICOS
O poeta descreve a Bahia
Conselho para quem quiser viver na Bahia
estimado e procurado por todos
Queixa da plebe ignorante e perseguidora das
virtudes
Conselhos a qualquer tolo para parecer fidalgo,
rico e discreto
Benze-se o poeta de várias ações que observa na
sua pátria
À Bahia
Sátira a um desembargador que prendeu um
inocente e soltou um ladrão
Respostas a um amigo com novidades de Lisboa
em 1658

POESIA LÍRICA
DESENGANOS DA VIDA HUMANA,
METAFORICAMENTE

É a vaidade, Fábio, nesta vida,


Rosa, que da manhã lisonjeada,
Púrpuras mil, com ambição dourada,
Airosa rompe, arrasta presumida.

É planta, que de abril favorecida,


Por mares de soberba desatada,
Florida galeota empavesada,
Sulca ufana, navega destemida.

É nau enfim, que em breve ligeireza,


Com presunção de Fênix generosa,
Galhardias aprestas, alentos preza:

Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa


De que importa, se aguarda sem defesa
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa?

Exemplo do estilo cultista, seu tema é o


da precariedade de todas as coisas diante da
adversidade do tempo, que tudo arrasta para a
“tarde”, o crepúsculo final que se sucederá à “manhã”
de nossas vidas. Note-se o tratamento indireto da
“vaidade” (palavra que significa, originalmente,
“coisa vã, vazia”), à qual são associadas sucessivas
imagens (“rosa”, “planta”, “nau”), disseminadas
no poema e recolhidas em seu verso final, num
procedimento chamado Disseminação e Recolha
que é comum na poesia barroca.
Registre-se ainda a presença da mitologia antiga,
por meio da Fênix, o pássaro-deus egípcio, símbolo
da imortalidade, capaz de renascer das próprias
cinzas, e com o qual a vaidade presumidamente
se identifica. Note-se como, no verso final, há a
segunda recolha dos termos antes disseminados,
confrontados com seus contrários (“ferro” é a
lâmina que corta a planta; “penha”, o penhasco
que destrói a “nau”, e “tarde”, o momento em que
morre a “rosa”)

Esse soneto, ao organizar de forma complexa


e ornamentada um pensamento simples, parte da
ideia de que a vaidade, apesar de sua aparência, não
tem nenhuma substância na vida; desdobra esse
pensamento em três metáforas resplandecentes,
desdobradas em outras metáforas, que se
distribuem simetricamente pelas três primeiras
estrofes e são reunidas na quarta, acopladas aos
seus contrários.

Na primeira estrofe, entenda-se: ”da manhã


lisonjeada” como envaidecida pela juventude,
indicada pela metáfora “manhã; “airosa”, como
altiva e “presumida”, como “cheia de presunção”.

A vaidade é como uma rosa que abre


(“rompe”), altiva, a “púrpura” de suas
pétalas com “ambição dourada”, isto é, com
ambição de brilhar, de se comparar ao ouro.
Na segunda estrofe: “que de abril favorecida”, significa
animada pela primavera europeia, que acontece
em abril. Primavera também conota juventude;
“soberba desatada” como arrogância incontida;
“galeota empavesada” como uma embarcação
equipada com defesas ou, em outro sentido,
enfeitada e “sulca ufana” como navega orgulhosa.
Na terceira estrofe: “em breve ligeireza” refere-se ao
vento brando; “com presunção de Fênix generosa”
como pensando ser uma Fênix capaz de muitas
ressurreições, por isso generosa e “galhardias
apresta, alentos preza” como prepara valentias,
preza estímulos do vento.

Na quarta estrofe, o último verso é composto


da enumeração de três pares de elementos
antitéticos (contrapostos), recapitulando as três
metáforas anteriores em ordem inversa à de seu
aparecimento (nau, planta, rosa) e confrontando-
as com os elementos que as hão de destruir, em
três rápidas imagens da morte (penha, ferro, tarde).

POESIA RELIGIOSA
“A JESUS CRISTO NOSSO SENHOR” 

Pequei, Senhor; mas não por que hei pecado, 


Da vossa alta clemência me despido: 
Porque, quanto mais tenho delinquido, 
Vos tenho a perdoar mais empenhado. 

Se basta a vos irar tanto pecado, 


A abrandar-vos sobeja um só gemido: 
Que a mesma culpa que vos há ofendido, 
Vos tem para o perdão lisonjeado 

Se uma ovelha perdida e já cobrada 


Glória tal e prazer tão repentino 
Vos deu, como afirmais na sacra história, 

Eu sou, Senhor, ovelha desgarrada; 


Cobrai-a ; e não queirais, pastor divino, 
Perder na vossa ovelha a vossa glória. 

ANÁLISE

Esta é uma poesia religiosa que apresenta


uma regularidade formal (métrica e rítmica),
sendo que, questiona o mundo e os homens.
Abordando dessa forma os valores religiosos.
Apresenta versos decassílabos (versos com dez
sílabas poéticas), rimas regulares, ou seja, rimas
opostas ou interpoladas nos dois quartetos (ABBA/
ABBA) e rimas mistas nos dois tercetos (CDE/CDE).
Nos temas que abrange a religiosidade, Gregório
de Matos, destaca o medo da punição divina,
o desespero pela busca do perdão, sendo que
geralmente, associam-se esses princípios ao
arrependimento na hora da morte, pois isso
reflete, a vários fatores, um deles é o clero por
ter explorado as populações ingênuas com a
venda de indulgências, e prometendo ainda, que
quanto mais pagassem a igreja mais era garantido
seu lugar no céu. Vale ressaltar também, que o
homem barroco não era um homem feliz, pois
vivia dividido entre as conquistas do pensamento
renascentista e a necessidade de volta-se para
Deus, buscando o perdão de seus pecados. 
Gregório utiliza um vocabulário rico e
irreverente. E nesta poesia retrata justamente
a época que vivia, a culpa X perdão, denotando
dessa forma toda a angústia que sentia, /
pois Gregório tinha fé em Deus, só apenas era
inconformado com as hipocrisias das religiões de
sua época, como o tráfico de relíquias, século XVI.

No primeiro quarteto, o poeta invoca o senhor
dizendo ter pecado, mas não ter cometido
nenhuma desobediência ao pecar, despede-se
de Deus devido a algum ato que cometeu, sendo
que menciona que quanto mais comete delitos,
mas a divindade o ajuda, ou seja, o fato de ser
pecador deve garantir a ele o perdão de Deus, pois
se Deus lhe perdoa, Ele necessita do perdão do
pecador para poder exercitar seu atributo divino.
No verso “(...) quanto mais tenho delinquido,
vos tenho a perdoar (...)”, é possível destacar o
perdão e o pecado, utilizando-se de antítese. 
Na segunda estrofe, trata-se do arrependimento,
de tantos pecados cometidos, querendo abrandar
a Deus, por ter lhe ofendido mais também o
lisonjeado, pois sem o pecador como Deus poderia
perdoar, e na passagem do verso (Se basta a vos
irar tanto pecado), se tem à figura de linguagem,
anástrofe. E tanto na primeira quanto na segunda
estrofe tem a característica do Barroco, o cultismo
(jogos de palavras).

Já no primeiro e segundo tercetos, é possível


analisar que o poeta aborda a parábola da ovelha
perdida, em que Jesus fala do amor que o pastor
sente por suas ovelhas, principalmente a que está
perdida e então vai atrás e a devolve ao rebanho.
Com isso se percebe que o eu lírico se identifica
com uma ovelha merecendo a salvação, aí se tem
o conceptismo (jogo de ideias) e notada também
a figura de linguagem, como a metáfora (Eu sou,
senhor, a ovelha desgarrada), e utilizando-se
de uma linguagem rebuscada quando chama a
Bíblia de Sacra História e Jesus, de Pastor Divino.
É possível observar esta passagem na bíblia
do evangelho Lucas, no capítulo 15, versículos
2 a 7, na qual menciona a parábola da ovelha
perdida e diz ainda que “...haverá alegria no
céu por um pecador que se arrepende...”. 

POESIA SATÍRICA
A CIDADE DA BAHIA 

A Cidade da Bahia! Ó quão dessemelhante 


Estás e estou do nosso antigo estado, 
Pobre te vê a ti, tu a mi empenhado, 
Rica te vi eu já, tu a mi abundante. 

A ti trocou-te a máquina mercante, 


que em tua larga barra tem entrado, 
A mim foi-me trocando e tem trocado, 
Tanto negócio e tanto negociante. 

Deste em dar tanto açúcar excelente 


Pelas drogas inúteis, que abelhuda 
Simples aceitas do sagaz Brichote. 

Oh! se quisera Deus que de repente 


Um dia amanheceras tão sisuda 
que fora de algodão o teu capote! 

ANÁLISE

Foi com a produção satírica que Gregório


de Matos pôde retratar a sociedade brasileira,
principalmente a cidade de Bahia. Conhecido como
“Boca do inferno”, nada poupava, criticava tanto o
governador como o clero (os mais bem organizados
da sociedade portuguesa). É nesse tipo de poesia
que Gregório foge dos padrões linguísticos do
Barroco, utilizando-se de palavrões ou expressões
populares. Bahia era a maior produtora de açúcar,
mas devido ao excesso de produção, acabou tendo
que baixar o preço, sendo que o açúcar, assim
como o tabaco, serviam de remédios. E, nessa
época, Bahia foi devastada por uma cólera que
matou grande quantidade de pessoas. Uma doença
infectocontagiosa que espalhava terror de morte,
e além disso tendo a escassez de mercadorias e
preços altos, pois havia trocas com os estrangeiros.

A cidade da Bahia é uma poesia com versos


decassílabos, com rimas opostas nos dois primeiros
quartetos (ABBA/ABBA) e rimas mistas nos dois
últimos tercetos (CDE/CDE). Na primeira estrofe,
o eu lírico percebe as transformações ocorridas
no Estado, tendo um discurso de lamentação,
abordando, nos dois últimos versos, a questão
econômica, pois alega que viu Bahia rica, como
uma grande cidade e depois a tristeza de ter visto
a crise se espalhando, sua terra empobrecida.
São, na verdade, os dois tempos, o passado e o
presente (Pobre te vejo a ti.../ Rica te vi eu já...).

Na segunda estrofe, observa-se que, tanto o


homem quanto a sua terra natal, ambos se vendiam
como mercadorias, trocando-se com negociações
financeiras, com os franceses, holandeses e outros,
como se observa no verso “A ti trocou-te a máquina
mercante”, ou seja, navios estrangeiros chegavam. 
Assim, no primeiro terceto, percebe-se a crítica
presente na poesia, em que o poeta menciona a
questão do Estado da Bahia, com grandes riquezas
naturais, como o açúcar, que faz negociações de
pouco valor com estrangeiros. Na última estrofe,
o eu lírico invoca Deus, pois tem esperança que
“sua” Bahia volte a ser como ante e mais rica,
dando-lhe orgulho.

Pontos principais da obra de Gregório


Existem dois pontos principais na obra de
Gregório de Matos que devem ser observados
pelo estudante. O primeiro é o intenso conflito
de ordem espiritual, típico do período barroco:
de um lado, o Teocentrismo (teoria segundo a
qual Deus é o centro do universo) e, de outro, o
Antropocentrismo (segundo esta teoria, o homem
é o centro do universo e este deve ser analisado
de acordo com sua relação com o homem). Em
sua poesia religiosa, Gregório consegue filtrar com
maestria essa dualidade vivida pelo homem da
época. Já o segundo ponto a ser observado é a
linguagem do autor: assim como Gregório procura
utilizar um vocabulário mais formal nos poemas
líricos e religiosos, ele utiliza gírias e até termos
de baixo calão nos poemas satíricos. Quanto aos
temas tratados por Gregório de Matos, a temática
do “Carpe diem” (aproveitar o dia) está muito
presente em sua poesia lírica, e é geralmente
associada à ideia da efemeridade, um dos temas
mais caros aos artistas barrocos.

Sobre Gregório de Matos


Gregório de Matos Guerra nasceu no dia 7 de
abril de 1633, na cidade de Salvador (BA). Filho de
um fidalgo português que se tornou senhor de
engenho no Recôncavo baiano com uma brasileira,
Gregório de Matos recebeu educação formal e se
formou em Direito na Universidade de Coimbra,
Portugal. Embora não se saiba muito sobre sua
vida, acredita-se que ele tenha chegado a trabalhar
como juiz em Lisboa e tenha frequentado a Corte
Portuguesa, conhecendo inclusive o rei D. Pedro II.
Nesse período, ele também teria se casado, mas
ficou viúvo algum tempo depois e teria entrado em
decadência junto ao reinado de D. Pedro II. A certa
altura, casou-se com Maria dos Povos e vendeu as
terras que havia recebido como herança. Conforme
conta-se, Gregório de Matos guardou todo o dinheiro
conseguido com a venda em um saco dentro de
casa e gastava tudo sem economizar. Enquanto
isso, trabalhava também como advogado e ficou
famoso por escrever argumentações judiciais na
forma de versos.

Após um tempo, Gregório de Matos largou tudo


e tornou-se cantador itinerante pelo Recôncavo
baiano, frequentando festas populares e convi-
vendo com o povo. Nesse período, ele passa a
escrever cada vez mais poesias satíricas e eróti-
cas, o que lhe rendeu o apelido “Boca do Infer-
no”. Além disso, ele escreveu diversas poesias de
crítica política à corrupção e aos fidalgos locais,
o que contribuiu para que ele fosse deportado
para Angola.

Gregório de Matos só pode voltar ao Brasil em


1695, mas com a condição de que ele abandonas-
se os versos satíricos e fosse morar em Pernam-
buco. Nessa altura da vida, ele volta-se para a
religião e escreve diversos poemas pedindo per-
dão a Deus pelos pecados que cometeu. Falece
em data incerta no ano de 1696 em Recife (PE).
Este mundo da injustiça
globalizada
José Saramago

Filho e neto de camponeses, José Saramago nasceu


na aldeia de Azinhaga, província do Ribatejo, no
dia 16 de Novembro de 1922, se bem que o registro
oficial mencione como data de nascimento o dia
18. Os seus pais emigraram para Lisboa quando ele
não havia ainda completado dois anos. A maior
parte da sua vida decorreu, portanto, na capital,
embora até aos primeiros anos da idade adulta
fossem numerosas, e por vezes prolongadas, as
suas estadas na aldeia natal.

Fez estudos secundários que, por dificuldades


econômicas, não pôde prosseguir. O seu primeiro
emprego foi como serralheiro mecânico, tendo
exercido depois diversas profissões: desenhador,
funcionário da saúde e da previdência social,
tradutor, editor, jornalista. Publicou o seu primeiro
livro, um romance,  Terra do Pecado, em 1947,
tendo estado depois largo tempo sem publicar
(até 1966). Trabalhou durante doze anos numa
editora, onde exerceu funções de direção literária
e de produção. Colaborou como crítico literário
na revista  Seara Nova. Em 1972 e 1973 fez parte
da redação do jornal Diário de Lisboa, onde foi
comentador político, tendo também coordenado,
durante cerca de um ano, o suplemento cultural
daquele vespertino.

Pertenceu à primeira Direção da Associação


Portuguesa de Escritores e foi, de 1985 a 1994,
presidente da Assembleia Geral da Sociedade
Portuguesa de Autores. Entre Abril e Novembro de
1975 foi diretor-adjunto do jornal  Diário de Notícias.
A partir de 1976 passou a viver exclusivamente do
seu trabalho literário, primeiro como tradutor,
depois como autor. Casou com Pilar del Rio em
1988 e em Fevereiro de 1993 decidiu repartir o
seu tempo entre a sua residência habitual em
Lisboa e a ilha de Lanzarote, no arquipélago das
Canárias (Espanha). Em 1998 foi-lhe atribuído o
Prêmio Nobel de Literatura.
José Saramago faleceu a 18 de Junho de 2010.

“Este mundo da Injustiça Globalizada” é


um ensaio de José Saramago lido por ele no
encerramento do Fórum Social Mundial de 2002,
ocorrido em Porto Alegre, no Brasil. Esse gênero
textual é “um texto literário breve, situado entre
o poético e o didático, expondo ideias, críticas e
reflexões morais e filosóficas a respeito de certo
tema”. Saramago foi, até esta data, o único escritor
em Língua Portuguesa a ganhar o Prêmio Nobel
de Literatura, fato ocorrido em 1998. Saramago
lembra sal amargo, chamado pela IUPAC de sulfato
de magnésio, composto químico de indicações
agrárias e médicas, tem o sabor oscilante entre o
ácido e o amargo. Saramago tem o mesmo sabor,
pelo menos aos que ele chama de “esquerdistas,
alheios ou impotentes para enfrentar as realidades
brutais do mundo atual, fechando os olhos às
já evidentes e temíveis ameaças que o futuro
está a preparar contra aquela dignidade racional
e sensível que imaginávamos ser a suprema
aspiração dos seres humanos.” Em 1995, Saramago
publicara o romance “Ensaio sobre a cegueira” e,
em 2004, “Ensaio sobre a lucidez” ambos de caráter
sócio-político-econômico. Podemos estabelecer
intertextualidade entre esses romances e “Elogio
da Loucura”, publicado pelo holandês Erasmo de
Rotterdam, em 1509. Essa obra é considerada “um
dos mais influentes livros da civilização ocidental
e um dos catalizadores da Reforma Protestante”. A
propósito, o supracitado fórum ocorreu em 2002,
portanto entre os dois romances referenciados.
Nessa oportunidade, o autor abordou a dialética
situação em que se encontra o mundo dividido:
muita riqueza para poucos e muita miséria para
muitos. Ele ataca o processo de globalização,
contexto em que “o rato dos Direitos Humanos”
acabará devorado pelo “gato da globalização
econômica”. Somos ratos ou gatos nessa história? Se
compactuamos com a atual concentração desumana
de renda, cultura, saúde, educação, cidadania de
um modo geral, somos gatos; se badalamos o
“sino”, aquele mesmo que um camponês italiano
fez soar pela morte da Justiça no século XVI, somos
ratos... Camundongos crescidos, reforçados pela
indignação acumulada desde o início da “Idade
Moderna”: Renascimento cultural! Quem foram os
mecenas dos analfabetos, marginalizados sociais,
nossos ascendentes? Mercantilismo! Quanto ouro
o citado camponês de Florença conseguiu adquirir
em toda sua vida? No dicionário de símbolos, o
sino é descrito de maneira dicotômica: anuncia o
nascimento e a morte. Basta lembrar do sino como
símbolo de Natal... E da prática de se tocar o sino
quando morre alguém... Então, já que a Justiça está
morta, vamos tocar o sino pela sua ressurreição,em
âmbito globalizado assim como vive a Injustiça, por
quem também há de dobrar o sino, anunciando
seu fim! Ironicamente ele sugere que não adianta
vendar os olhos da Justiça e lhe viciarem os pesos
da balança... Saramago refere-se à Democracia
como um sistema político demagógico que não
tem nada de popular, cujas premissas precisam
ser reavaliadas com urgência. Ele desprestigia o
direito do voto, como uma prática inútil diante do
poder econômico, “única e real força que governa o
mundo”. Para finalizar, Saramago exalta a Declaração
Universal dos Direitos Humanos acima de qualquer
programa de governo ou metas sindicalistas, em
que o tão aclamado bem-comum não passa de
um chavão, clichê, lugar-comum apropriado em
discursos manipulatórios pré-eleitorais. 

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com adaptações
GIL VICENTE
Pouco se sabe sobre Gil Vicente: nasceu por volta
de 1465; encenou sua primeira peça, O Monólogo
do Vaqueiro ou, Auto de Visitação, em 1502. Suas
encenações alcançaram largo sucesso na corte
e são referidas por vários contemporâneos do
dramaturgo. Sua última peça, Floresta de Enganos,
foi encenada em 1536 e, posteriormente, a essa
data, nada mais se sabe de se autor. Supõe-se
que tenha morrido em 1537, mas não há provas
documentais.
Um de seus filhos, Luís Vicente, Copilaçam de
Todalas Obras de Gil Vicente, com muitas falhas
e omissões.

AS FARSAS
Retratam os tipos humanos e sociais, por meio
da exploração de efeitos cômicos, da caricatura e
do exagero. A farsa gilvicentina é uma poderosa
arma de combate a serviço dos valores morais que
defende. Por meio do riso, desnudam-se as mazelas
da sociedade pré-renascentista. Aproximam-se do
lema das comédias latinas de Plauto e Terêncio:
“Ridendo castigat mores” (Rindo, corrigem-se os
costumes).

O VELHO DA HORTA
Os protagonistas desta farsa são: um velho
muito rico e galanteador; uma moça bela, de
origem humilde, mas dotada de realismo sábio
das pessoas simples; a alcoviteira Branca Gil,
oportunista e inescrupulosa. O tema central é o amor
serôdio (tardio, extemporâneo), as consequências
desastrosas desse amor e o patético e ridículo do
assédio de um velho, que se julga irresistível, a
uma jovem esperta e prudente.
A ação inicia-se quando a Moça vai à horta
do Velho buscar hortaliças, e esse apaixona-se
perdidamente por ela. No diálogo entre ambos, no
início, estabelecem-se dois planos de linguagem:
A linguagem galanteadora do Velho,
estereotipada, repleta dos lugares comuns da poesia
palaciana do Cancioneiro Geral, cujo artificialismo
Gil Vicente parodia ironicamente, e a linguagem
zombeteira e às vezes mordaz da Moça, que não
se deixa enganar pelas palavras encantadoras do
pretendente e não se sente atraída nem por ele,
nem por sua fortuna, nem por sua lábia cortesã.
Suas duas visões opostas da realidade: a visão
idealizadora do Velho apaixonado e a visão realista
da Moça.
Uma alcoviteira, Branca Gil, promete ao
Velho a posse da jovem amada e, com isso, vai
extorquindo todo o seu dinheiro. Na cena final, o
Velho desenganado, só, e reduzido à pobreza, pois
gastara tudo o que tinha, deixando ao desamparo
as suas quatro filhas, reconhece o seu engano e
se arrepende. A Alcoviteira é açoitada, e a Moça
casa-se honestamente com um belo rapaz.

Estrutura da obra
Quatro versos em redondilhas maiores e um
quinto verso com três sílabas métricas. Os conceitos
formulados pelo Velho acerca da natureza do amor
são do formulário lírico dos poetas quinhentistas
(Petrarca). A interlocução do Velho apaixonado,
contagiado pelo gosto das antíteses e pelo conceito
do conflito entre a razão e o sentimento amoroso:
“que morrer é acabar
e amor não tem saída”
Temática
O tema central é o amor tardio, extemporâneo,
as consequências desastrosas desse amor e o
patético e ridículo do assédio de um velho, que se
julga irresistível, a uma jovem esperta e prudente.

Personagens
Parvo – criado do Velho com pouca cultura,
limitando-se a chamar-lhe às realidades primárias
da vida (o comer)  incapaz de compreender grandes
dramas.
Alcoviteira – figura pitoresca da baixa sociedade
peninsular astuciosa e mistificadora, cuja moral
independe de todas as leis da sensibilidade.
Alcaide – antigo oficial de Justiça.
Beleguins – agentes de polícia.
Mocinha – personagem que vai até a horta
comprar.
Mulher – espera do Velho.
Velho –  idoso, proprietário de uma horta,
apaixona-se subitamente por uma jovem
compradora.
Moça –  rapariga com certa experiência, já
balzaquiana, com resposta ao pé da letra, confiante
em si mesmo, disposta a zombar de um velho
inofensivo, sem quebra da sua dignidade pessoal.

Observamos no enredo a sequência magistral


de estados de espírito com que a moça acata ou
reage aos galanteios do velho.

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