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19 de Setembro 2002

Parque de Exposições de Braga

Organização:

UNIVERSIDADE
DO MINHO
Construção Sustentável
Parque de Exposições de Braga

Braga, Portugal
19 de Setembro de 2002

Editado por:

Saíd Jalali
Bruno Joel Silva

ii
(c) 2002 Universidade do Minho, Portugal
ISBN

iii
ÍNDICE

Construção Sustentável:
Novo Paradigma da Indústria da Construção……………………………….. 1
Saíd Jalali

Sustainable Construction In The Past And today…………………………… 3


Peter Schmid

Sustainable Construction Today And In The Future………………………... 5


Peter Schmid

Recuperação de Habitações Rurais Como Contributo Para a Construção


Sustentável………………………………………………………………....... 8
J.P. Castro-Gomes; J.C. Gonçalves Lanzinha

Reabilitação de Estruturas de Betão Armado….……………………………. 22


J.B. Aguiar

O Betão Hidráulico e o Ambiente…………………………………………... 39


Ana Maria Esteves; Manuel João Ferreira

Betão de Desempenho Melhorado Com Recurso a Cinzas Volantes……….. 49


Aires Camões

Geopolímeros – O Betão do Futuro Para Construção Sustentável …………. 60


Teixeira Pinto, A; Cardão, R.

Reciclagem de Resíduos de Construção e Demolição


Investigação no I.S.T……………………………………..……………….… 71
Jorge de Brito

Betão Eco-Eficiente Utilizando Metacaulino……………………………….. 108


José Miguel Fernandes; Said Jalali; Elvira Torres; Luís Oliveira

iv
PREFÁCIO

As Jornadas Técnicas da Construnor têm sido um espaço para apresentação


das inovações desenvolvidas e divulgação dos resultados das investigações e
desenvolvimentos no domínio da construção civil.

Considerou-se de interesse nacional o tema geral de “Construção Sustentável”


para a edição deste ano. O programa previsto cobre as múltiplas dimensões do tema
com a presença e contribuições dos investigadores de quatro Universidades
Portuguesas, do Laboratório Nacional da Engenharia Civil (LNEC) e da
Universidade de Eindhoven (Holanda).

Espera-se que a iniciativa venha a servir os interesses da indústria da


construção civil e que seja um contributo positivo para o progresso na direcção de
uma construção verdadeiramente sustentável.

Este Seminário foi realizado graças aos esforços e a colaboração do Parque de


Exposições de Braga, Idite-Minho e Universidade do Minho.

Braga, Setembro de 2002

v
Construção Sustentável:
Novo Paradigma da Indústria da Construção

Saíd Jalali1

Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil


Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal

Desenvolvimento Sustentável entrou progressivamente no vocabulário e na consciência


dos povos do mundo a partir da Cimeira da Terra no Rio que teve lugar há dez anos atrás.
Desde então começou o processo de interiorização e estudo das implicações deste conceito
nas diversas actividades económicas e sociais. As implicações deste conceito começaram a
desvendar à medida que o tema se transformou no tema de debate e discussão das
Organizações Não Governamentais (ONGs) e passou a ser o objecto de reflexão nos centros
de tomada de decisão e de ensino e investigação.

Alguns países formaram comissões específicas para avaliar a aplicabilidade deste


princípio às decisões estratégicas dos diversos departamentos do estado. O progresso,
contudo, parece lento e as aplicações aparentemente são escassas e por vezes inconsequentes.
As avaliações feitas durante a Cimeira de Joanesburgo, realizada em Agosto deste ano,
parecem confirmar, pelo menos, um progresso demasiado lento em muitos sectores da
actividade humana na direcção do Desenvolvimento Sustentável.

A indústria de construção não tem sido uma excepção. O conceito de Construção


Sustentável entrou no vocabulário dos meios ligados à indústria de construção relativamente
tarde. Só agora, e após uma década, constata-se o interesse do sector por este tema. Os
estudos já realizados começaram por desvendar progressivamente as vertentes das
implicações deste conceito para o sector.

As dimensões e consequências do conceito de Construção Sustentável parecem


abranger e implicar áreas de saber como:

! A durabilidade dos materiais e construções com o objectivo de aumentar o ciclo de


vida das obras de engenharia civil. O tema atraiu maior atenção dos investigadores
devido a deterioração precoce das obras de betão armado.
! Avaliação de custos verdadeiros das obras no ciclo de vida dos materiais e
produtos, bem como, a avaliação dos custos ambientais desde o berço ao túmulo.
! Construções “saudáveis” que garantem a saúde dos operários na fase de construção
e dos utilizadores durante a vida útil da obra.
! Utilização de materiais eco-eficientes, implicando a redução dos materiais não
renováveis, a reciclagem e reutilização dos materiais no fim do ciclo de vida,
substituição dos materiais por outros amigo do ambiente, utilização de resíduos
industriais e resíduos de construção e demolição, procura de novos materiais com
melhores desempenhos funcionais e ambientais.
! Reabilitação e reutilização das construções a fim de reduzir as demolições e as
novas construções.

1
Professor Associado, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho

1
! Projectar para a desconstrução e reutilização de materiais e produtos no fim de
ciclo de vida da obra.
! Projectos mais flexíveis a fim de permitir novas utilizações sem a necessidade de
demolições e construções novas,
! Projectos e construções que incorporam o objectivo de sustentabilidade na
construção, substituindo progressivamente os projectos que somente visam a
segurança estrutural e estética.
! Projectar e construir com o objectivo de reduzir drasticamente o uso da energia na
utilização das construções.

De certo, à medida que o conceito de construção sustentável é assimilado pelos


intervenientes directos do projecto e construção, e pelo público em geral, as aplicações
consequentes aumentam progressivamente. Contudo, não se deve esperar um progresso
demasiado rápido num sector de actividade que tem tradições bem estabelecidas numa área
que as vantagens económicas imediatas não estão claras.

Um esforço combinado de todos os intervenientes é necessário para poder optimizar


uma combinação adequada da totalidade ou maior número dos factores contribuintes à
sustentabilidade acima indicados. Por um lado o Estado e organismos oficiais devem
promover medidas para traduzir os custos reais das construções nos preços do mercado. O
conceito de icebergue tem sido frequentemente sugerido para indicar que a maior parte dos
custos não são evidentes e são ocultados dos consumidores. Por outro lado, os centros de
ensino e investigação devem enfatizar os princípios aplicáveis da construção sustentável no
curriculum dos cursos.

A imensidão da tarefa exige um esforço amplo, persistente e comum. Os progressos


atingidos devem servir como estímulo para esforços ainda maiores. O facto de se terem
juntado os chefes dos estados do mundo inteiro para decidirem e terem levantado tanto
interesse e entusiasmo por parte de muitos, por si só significa um progresso enorme. À
medida que o tema é debatido nos meios de comunicação em massa a adesão do público e
empresas irá aumentar e a consciência irá traduzir-se em iniciativas em prol da Construção
Sustentável.

2
Sustainable Construction In The Past And Today

Peter Schmid 1; Gabriella Pa'L – Schmid

Tu/e Eindhoven University Of Technology


Red Research Education Design – The Netherlands

In the introduction, we briefly look to Nature as an Architect of Sustainability as well


as to the global disastrous Sate of Art of nowadays building construction in relation to
sustainable development.

Animal architecture
2

In traditional vernacular Architecture and


in the heritage of High Cultures of the
past many examples of environmentally
conscious and healthy building
approaches can be found.

1
Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Eindhoven

3
3

A short view on some of characteristic misfits including Sick Building Syndrome in


architecture and construction underlines the necessity of a new and proper approach in the
field.

(Re)new(ed) applications of
ecologically friendly and healthy
building materials actually show
opportunities and possibilities of a
new building culture. In spite of a
material reduction, there is an
architectural enrichment in
development. A few realised projects
of the author will be discussed.

We can conclude that there are


realistic, technical possibilities to
realize sustainable construction.
However, cooperation will be
necessary to reach this goal. By the
Method Holistic Participation – MHP
– it is possible to support a path
towards a whole in new
constructions.

4
Sustainable Construction Today And In The Future

Peter Schmid 1; Gabriella Pa'L – Schmid

Tu/e Eindhoven University Of Technology


Red Research Education Design – The Netherlands

Much intentional work is already done in order to construct sustainable. In the field of
research and policy, we find a lot of codices and rules to overcome or to help to overcome the
Housing Construction problem, which belongs to one of the world problems.

There si already a theoretical base, which makes possible to work on Sustainable


construction systematically: The Building Knot Model, The Iceberg Theory and
Environmental and Health Impact assessment… Rules of Thumb support sustainability
further more.
1
Professor Catedrático Jubilado da Universidade de Eindhoven

5
Building Knot model

Research and development as well as Education have to focus on sustainability, if we


would like to reach again a healthy and vital environment for our survival.

Some new proposals for sustainable constructions will be briefly shown to prove the
possibilities and opportunities, what we have already. To inspire the further development and
the work and creativity of committed nonprofessionals and responsible experts, some
futuristic ideas will be presented.

National and international cooperation will be needed to realize sustainable


development and sustainable construction. It should be our common aim to build a heaven on
Earth. This is our challenge.

6
ABOUT THE AUTHOR

Peter Schmid (1935) was born in Rome/Italy, but became an Austrian as well as
Dutchman. He followed most of his education in Vienna (Prof. Clemens Holzmeister) and
Salzburg (Prof. Konrad Wachsmann), later also in Germany (various planning methods) and
India (Paramahansa Yogeshwarananda).
Peter Schmid is amongst other positions in Peace Movements, the chairman/advisor of
the Executive Committee Peace Centre of his university. He co-founded the European and the
Global Network of Organisations for Environmentally-Sound and Healthy Building ECOHB,
the Association Integral Bio-logical Architecture (VIBA); he co-founded the Association of
Environmental Awareness and is a member of the International Association for Housing
Sciences IAHS, USA, and the International Association for Ecological Design (IAED),
Sweden/Hungary, and the Spiritual World Peace Congress in India. He gives lectures and
workshops on "Healthy and Environmental-Sound Building" and "Building on Peace" as well
as the MHP- “Method Holistic Participation” all over the world, mostly in combination with
research journeys.
Prof. Schmid received the Austrian "Ehrenkreuz für Wissenschaft und Kunst, 1.
Klasse" because of his efforts for Healthy and Ecological Building.
He was nominated on the list, independent of any party, for the European Parliament
in 1994. His biographical data appeared many times in various European’s and World’s Who
is Who’s and he has been proclaimed, and recognized as an Internationally Leading
Intellectual by the International Biographical Centre of Cambridge, England and the
American Biographical Institute. In 1998 he was designated as Distinguished World Citizen
by the Institute of Global Education at Portland, USA.
In 2000 he received a Dutch Royal Medal of Officer in the Order of Oranje Nassau for
his work on Sustainable Architecture and Peace in mondial context.
Together with his wife Gabriella Pa’l he runs a consultancy Research, Education,
Design in Science, Technology, Art for Sustainable Development and Peace.

7
Recuperação de Habitações Rurais Como Contributo
Para a Construção Sustentável

João P. Castro-Gomes1; João C. Gonçalves Lanzinha2

Departamento de Engenharia Civil


Universidade da Beira Interior, 6200-001Covilhã, Portugal

RESUMO

Apresentam-se, neste artigo, alguns dados relevantes sobre o parque habitacional em


Portugal, de acordo com os Censos 2001 e o IV Recenseamento Geral da Habitação, em
particular na Região Centro, Beira Interior (Norte e Sul) e Cova da Beira. Estes dados
mostram que a percentagem de habitações com apenas um alojamento, em Portugal, é muito
relevante. O índice de envelhecimento dos edifícios, por outro lado, indica que a situação é
preocupante se não se apostar na manutenção e reabilitação.
Apresentam-se também os trabalhos de caracterização, avaliação e propostas de
intervenção imediata de um conjunto de habitações localizadas em núcleos habitacionais de
carácter iminentemente rural, de um concelho do interior centro de Portugal, na cova da Beira.
Avaliaram-se as condições da envolvente exterior, a situação estrutural e as condições de
habitabilidade/utilização. Indicaram-se as necessidades de intervenção imediata e estabeleceu-
se uma lista graduada do estado de conservação dos edifícios.
Finalmente, discutem-se os resultados obtidos e apresentam-se propostas de
intervenção e reabilitação para as habitações rurais, bem como, algumas ideias de
investigação, de modo a que as intervenções tenham como objectivo a promoção da
Construção Sustentável.

1. INTRODUÇÃO

De acordo com o Relatório Europarc publicado em Dezembro de 1998, o mercado da


manutenção e reabilitação representa cerca de 50% de volume de negócios das empresas
europeias de construção. Paradoxalmente, as informações disponibilizadas pelos meios de
comunicação e pelos boletins oficiais das associações das indústrias da construção continuam
a dar amplo destaque à construção nova, negligenciando metade das actividades do sector e de
aproximadamente dois terços dos sectores de fornecimentos e serviços industriais. As
estatísticas são muito deficientes mas estima-se que o parque edificado existente seja 50 a 100
vezes superior ao número de edifícios construídos anualmente. Referindo apenas o sector de
construção residencial, existem cerca de 145 milhões de alojamentos na Europa Ocidental
mas apenas são construídos anualmente cerca de 2 milhões de novos alojamentos.
Estes factos indicam que deve ser dada especial ao sector da manutenção e
reabilitação, fundamental, em termos europeus, nomeadamente na definição de estratégias de
desenvolvimento do sector da construção. Para o efeito é necessário conhecer detalhadamente

1
Professor Auxiliar, Departamento de Engenharia Civil da Universidade da Beira Interior
2
Assistente Convidado, Departamento de Engenharia Civil da Universidade da Beira Interior

8
o sector devendo a informação para os decisores contemplar o conhecimento de indicadores
estatísticos relevantes, nomeadamente:

i. os metros quadrados de construção do parque habitacional existente


ii. a área construída em percentagem da área do território; (por exemplo em Espanha
este valor é de 20%, na Suécia e Finlândia de 40%, em França de 75% e em Portugal
de 180%);
iii. a área construída em percentagem do número de habitantes (ha / habitantes); (por
exemplo em Espanha para as unidades (ha / 1000 habitantes) é de 15%, em França
de 70% e em Portugal de 160%);
iv. a importância das habitações unifamiliares em Portugal, em especial nas zonas
rurais.
v. a idade e o estado geral das edificações,
vi. de modo a assegurar a coerência entre os investimentos em construção nova e os
investimentos em edifícios existentes.

Em Portugal prevê-se, nos próximos anos uma acentuada expansão do mercado da


reabilitação dos edifícios da habitação pelas seguintes razões:

i. o parque habitacional envelhecido começa a ser relevante;


ii. os “prédios de rendimento”, de iniciativa privada, construídas nas décadas de 50 e
60, apresentam-se degradados;
iii. a necessidade de canalizar recursos para a reabilitação dos edifícios existentes como
consequência indirecta das limitações ao crescimento indiscriminado dos
aglomerados urbanos previstas nos Planos Directores Municipais;
iv. a necessidade de contrariar o despovoamento dos núcleos urbanos antigos da cidade,
como são exemplo a Baixa Pombalina de Lisboa e a Baixa do Porto, em favor do
sector terciário e uma maior atenção na recuperação do património e dos centros
históricos das cidades portuguesas;
v. a existência de problemas de funcionamento e de patologias precoces em edifícios
recentes;
vi. e a necessidade de reabilitar habitações unifamiliares, em particular em zonas rurais.

Os indicadores estatísticos revelam que a percentagem de habitações unifamiliares é


muito importante nos países europeus e especialmente na Grã-Bretanha e em Portugal. Por
exemplo, na Alemanha é de 56%, em Espanha de 33.3%, na Itália de 45.5%, em França
69.1% e em Portugal atinge os 86.9% [1] (ver Figura 1).
No caso do Interior centro de Portugal a percentagem chega a atingir o valor de 94%.
Há zonas de tratamento estatístico como seja o Pinhal Interior Sul, desta região, onde a
percentagem atinge mesmo os 97.1%. Verifica-se, pois, que é necessária uma atenção especial
à habitação individual.
Por outro lado, considerando a idade dos edifícios, verifica-se que a situação em
Portugal começa a ser preocupante. De acordo com os Censos 2001 e o IV Recenseamento
Geral da Habitação a percentagem de edifícios com mais de 31 anos em Portugal é de 43.2 %,
sendo quase de 20 % a percentagem de edifícios com mais de 56 anos e consequentemente
que ultrapassaram a vida útil geralmente definida para os edifícios de habitação (ver Figura
2).
Trata-se de um património valioso que resultou essencialmente do esforço financeiro
das famílias e a que os poderes públicos têm dado pouco atenção. Fala-se muito da construção
nova, de programas de habitação social, de realojamento, mas as construções unifamiliares

9
estão degradadas e a manutenção deste Património Cultural Particular deve ser considerado
como prioridade nacional.

Figura 1 – Dimensão média dos edifícios em Portugal, Censos 2001. [1]

No caso da Beira Interior de Portugal a situação ainda é mais grave chegando a atingir
os 46% de edifícios com mais de 31 anos e os 23.4% com mais de 56 anos. O número de
edifícios que ultrapassaram a vida útil previsível chega a ser superior a 25%.

Figura 2 – Índice de envelhecimento dos edifícios em Portugal, Censos 2001. [1]

10
Numa perspectiva mais global verifica-se que o índice de envelhecimento dos edifícios
de habitação portugueses apresenta valores preocupantes e são especialmente elevados na
faixa interior do país (ver Figura 3). É uma realidade estatística mas basta observar
atentamente o estado geral das povoações do interior e das zonas históricas das grandes
cidades para confirmar esta triste realidade.

2. O PARQUE HABITACIONAL NA REGIÃO CENTRO

De acordo com os Censos 2001 e o IV Recenseamento Geral da Habitação, existem na


Região Centro 757.476 edifícios, cerca de 24% do total Nacional (3.149.973). Do total de
edifícios existente em 2001, na Região Centro, 18% foram construídos na última década (após
1991) e 19% são bastante antigos, evidenciando bem o envelhecimento das habitações da
Região. A maioria dos edifícios foi construída entre 1971 e 1990 – cerca de 39%. [2]
A Região Centro possui, em média, um parque habitacional um pouco mais
envelhecido que a média nacional. O índice de envelhecimento da Região Centro é de 104,3
edifícios construídos antes de 1945 por cada 100 construídos após 1991. Este índice, a nível
nacional é de 104. Os Concelhos de Castanheira de Pêra, Vila Velha de Ródão, Celorico da
Beira e Castelo Branco são aqueles cujo parque habitacional se encontra mais envelhecido.
Aqueles que revelam maior incidência de construções novas são os Concelhos de Sátão,
Marinha Grande, Vagos, Viseu e Leiria (ver Figura 3).
A Região Centro caracteriza-se em termos de edificação por dispor
predominantemente de edifícios com apenas um alojamento (designados por edifícios
unifamiliares). Os edifícios com apenas um alojamento representam 95% do total de edifícios
da Região Centro, sendo a média nacional de 87%. O número de edifícios com 7 ou mais
alojamentos representa 1,3% do total de edifícios desta Região, sendo a média nacional para
este parâmetro de 3,6%. Os Concelhos do Sabugal, Penamacor, Idanha-a-Nova e Vila de Rei
têm os valores mais baixos, sendo apenas de 1,02 alojamentos por edifício. Dos 78 concelhos
que compõem a Região Centro, 65 apresentam valores inferiores à média regional. Dos
Concelhos que mais se destacam pela dimensão média dos edifícios aparece em primeiro
lugar Coimbra com 1,92 alojamentos por edifícios, logo de seguida surgem Figueira da Foz
(1,67), Aveiro (1,63), Covilhã (1,53), Castelo Branco (1,5), Viseu (1,43), Marinha Grande
(1,4), Leiria, Ovar, Guarda e Ílhavo (todos com 1,39) e Murtosa (1,26). No entanto, estes 13
concelhos são os únicos com valores acima da média regional. [2]

Figura 3 – Índice de envelhecimento dos edifícios na Região Centro, Censos 2001. [2]

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3. A HABITAÇÃO NA BEIRA INTERIOR (Norte e Sul) E COVA DA BEIRA

Nas Regiões da Beira Interior Norte (Concelhos de Almeida, Celorico da Beira,


Figueira de Castelo Rodrigo, Guarda, Manteigas, Meda, Pinhel, Sabugal e Trancoso) Beira
Interior Sul (Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor e Vila Velha de Ródão) e Cova da
Beira (Belmonte, Covilhã e Fundão) o panorama do parque habitacional é de igual modo
preocupante no que diz respeito ao seu envelhecimento. Nestas três Regiões, que estão no
interior da Região Centro de Portugal, existem 154.352 edifícios de acordo com os Censos
2001, dos quais 36.288 foram construídos antes de 1995 e 23.884 após 1991. O índice médio
de envelhecimento dos edifícios nestas três Regiões é de 152, sendo 92,5% dos edifícios
constituídos apenas por um único alojamento.
Nestas três Regiões existem apenas 1441 edifícios que têm entre 7 e 12 alojamentos e
446 edifícios com mais de 13 alojamentos, que se concentram nos Concelhos da Guarda,
Covilhã e Castelo Branco. Do número total de edifícios que têm entre 7 e 12 alojamentos 70%
localizam-se nestes três concelhos que têm as maiores cidades; 338 estão na Guarda (23,5%),
133 na Covilhã (9,2%) e 528 localizam-se em Castelo Branco (36,6%). O mesmo acontece
com os 446 edifícios com mais de 13 alojamentos, 76 foram construídos na Guarda (17%),
133 estão na Covilhã (29,8%) e 195 em Castelo Branco (43,7%). [2]
Considerando que estas três regiões são marcadamente rurais e atendendo também ao
índice de envelhecimento das habitações, estima-se que das 142.764 habitações unifamiliares
aí existentes a sua grande maioria sejam habitações rurais (ou tenham sido construídas em
zonas rurais). Existem já vários locais e aldeias históricas identificadas nestas Regiões, cujas
habitações rurais foram caracterizadas e algumas delas foram recuperadas dado o seu valor
cultural, histórico, arquitectónico e construtivo, como é o caso, por exemplo, das aldeias de
Sortelha, Almeida, Castelo Novo, Idanha-a-Velha, Monsanto, Piódão, entre outras.

4. CARACTERÍSTICAS DA HABITAÇÃO RURAL NA COVA DA BEIRA

A construção rural é normalmente muito diversificada, de Região para Região e dentro


de uma mesma Região. Varia nas suas características e materiais, bem como na sua qualidade.
Por exemplo, no Minho, Trás-os-Montes, Beira Baixa e Beira Alta é pratica usual o emprego
de pedra à vista (aparente), a construção de alpendradas (ou alpendres), telheiros ou de
beirados.

Figura 4 – Exemplos de habitação rural (isolada e numa aldeia) na Cova da Beira.

12
No Baixo Alentejo, Ribatejo e Algarve, predomina a aplicação do adobe, da taipa, do
tijolo (e mais tardiamente do bloco de cimento), da abobadilha, da caiação em paredes
exteriores, do revestimento dos tectos com caniço, do artístico rendilhado das chaminés, entre
outros aspectos. [3]

Na figura 4 apresentam-se dois exemplos de habitação rural na região da Cova da


Beira. Tratam-se de habitações simples, relativamente bonitas, muito embora não reúnam
condições exigidas para se poder viver com o mínimo de conforto termo-higrométrico. Nestas
habitações, na sua grande maioria degradadas, penetra a chuva e a humidade e a cozinha é
escura porque foi invadida pelo fumo da lareira. Alguns quartos podem não ter janelas e os
filhos dos habitantes (rapazes e raparigas) podem ter de compartilhar o mesmo quarto ou até a
mesma cama. Muitas destas casas não têm casa de banho, nem água quente. Muitas outras não
dispõem de abastecimento de energia eléctrica ou infra-estruturas de saneamento básico.

Quanto aos materiais utilizados e aspectos construtivos, neste tipo de habitações,


saliente-se que as fundações são de pedra, em geral muito superficiais, sendo constituídas
apenas por alguns blocos que servem de entrega das paredes ao solo. Este tipo de fundações,
de pouca altura, favorece o constante aparecimento de humidade que penetra por capilaridade
nas paredes da casa. As paredes são em geral constituídas por alvenaria ordinária (de pedra de
irregular) ou aparelhada (de pedra rectangular) e assente com argamassa de cal, cimento e
areia (pelo menos até ao primeiro piso). A pedra mais utilizada na Cova da Beira é o granito.
Normalmente são escolhidas pedras mais rijas e com melhor aspecto que se aparelham numa
das faces. Os cunhais são construídos com pedras maiores (perpianho ou pedras de cauda
comprida) para auxiliar o travamento das paredes. As paredes exteriores são muitas vezes
rebocadas com barro seguido de uma argamassa de cal e areia, podendo ser caiadas ou
pintadas no exterior. Também se utiliza a alvenaria de tijolo para a construção das paredes
exteriores do primeiro piso ou a parede em taipa, tanto para as paredes exteriores como para
as interiores. O outro material mais utilizado neste tipo de habitações é a madeira. Serve para
a construção dos pavimentos, em soalho apoiados em traves e barrotes, e dos sótãos e
coberturas que são depois revestidas com telha, predominantemente telha canudo.

13
Figura 4 – Exemplos de habitação rural na Cova da Beira – Casa Típica do Paúl.

No Paul, uma aldeia que se situa na Cova da Beira a 12km da Covilhã, encontram-se
habitações rurais em que não foi empregue o granito aparelhado como material principal para
a sua construção. Nas imediações do leito da ribeira que ali corre encontram-se calhaus
rolados de granito (godos), de forma esférica ou ovóide e de grande dureza. Estes serviram
para construir as paredes, calçadas com pequenas lascas de xisto e consolidadas com a terra
barrenta vermelha que ali abunda, das habitações desta aldeia. Fracturavam os calhaus para
alisar os paramentos das paredes, que adquirem finalmente um paramento original, acentuado
ainda pelo emprego de lajes inteiras de xisto ou de granito, a formar os panos de peito das
janelas. A telha utilizada é a telha portuguesa ou de canudo e a madeira que constitui os
pavimentos e cobertura é o castanho ou o pinho, materiais abundantes na região.
Já na aldeia de Casegas, a 20km da Covilhã (próxima da aldeia do Paul), o material de
eleição para a construção é o xisto, existente em abundância nesses locais onde, devido à sua
constituição geológica, predominam terrenos xistosos muito antigos. Nestas habitações, a
estabilidade das paredes de xisto reforça-se com o emprego de vergas e de cunhais de granito
endentadas na alvenaria corrente. Apenas em alguns locais privilegiados é possível extrair de
uma peça de xisto uma pedra para um vão de porta ou de janela. Esta dificuldade impôs aos
construtores a utilização nesta zona de granito de grão fino. Embora o uso de granito seja o
mais generalizado para os vãos de janelas e portas observa-se também o uso de madeira em
substituição deste. Os telhados são de telha de canudo, pregada ao alto sobre uma armação de
madeira, dispondo-se pedras sobre elas evitando assim que o vento as desloque ou arranque.

Figura 5 – Exemplos de habitação rural na Cova da Beira – Casa Típica de Casegas.

14
Um outro exemplo de habitação rural na Cova da Beira encontra-se na aldeia de
Sobral de São Miguel. Nesta, a maioria das construções é em alvenaria de xisto (dominante na
composição geológica deste local) sendo a cobertura com lajes de ardósia. O xisto substitui o
granito como material de mais fácil aprovisionamento local, sendo o granito utilizado só nas
casas mais ricas da aldeia. O xisto é utilizado quase exclusivamente nas formas naturais de
extracção, em paredes de alvenaria, muito menos estáveis que as de granito, ou em coberturas
simples dos edifícios humildes, dispostas as lascas maiores sobre um varedo tosco de madeira.
As padieiras das portas e janelas são feitas de madeira sólida e duradoira, quase sempre de
castanho, madeira que com o correr dos anos acaba por dar um aspecto muito parecido com o
próprio xisto.

5. UM ESTUDO SOBRE O ESTADO DE DEGRADAÇÃO DE UM CONJUNTO


HABITAÇÕES RURAIS LOCALIZADAS NA COVA DA BEIRA

Como resultado de uma parceria estabelecida entre a Universidade da Beira Interior e


a Santa Casa da Misericórdia do Fundão, tendo como objectivo o acompanhamento e
desenvolvimento de um Projecto Multidisciplinar de Intervenção Sócio-Habitacional em
algumas freguesias da Cova da Beira, realizou-se um estudo que serviu, entre outros, para
avaliar o estado de degradação de habitações rurais nesta Região. Estes projectos têm um
carácter vincadamente social e são exemplos dos Projectos de Luta Contra a Pobreza
implementados pelo governo português, com financiamento da Comunidade Europeia.

O projecto em causa envolveu um conjunto de 74 agregados familiares, especialmente


desfavorecidos distribuídos por 7 freguesias do Concelho do Fundão. Um dos eixos principais
do Projecto é a intervenção nos edifícios com o objectivo de melhorar as condições de
habitabilidade. Para cumprir tal objectivo pretendia-se o conhecimento aprofundado dos
edifícios objecto de estudo para definir as prioridades de intervenção. Desde logo se definiu
como prioridade dos estudos do Departamento de Engenharia Civil da Universidade da Beira
Interior (U.B.I.) o interesse da avaliação e caracterização dos edifícios e a possibilidade de
estabelecimento de um ranking que fundamentasse o estabelecimento de prioridades de
intervenção.

5.1 Metodologia Adoptada

5.1.1 Inspecção e Diagnóstico

Feita uma visita prévia aos locais objecto de estudo desde logo se verificou tratar-se de
um conjunto de edifícios muito diversificado, com um baixo nível de qualidade construtiva e
de habitabilidade e por essa razão se decidiu criar uma metodologia de recolha de dados
orientada para a amostra objecto de estudo.

Necessariamente muito diferente das metodologias conhecidas e geralmente adoptadas


para edifícios de habitação de qualidade média.[4,5] Verificou-se também que as habitações
em estudo eram na sua quase totalidade unifamiliares, tendo uma arquitectura marcadamente
rural, construídas com utilização de materiais de construção locais e que habitualmente não
são sujeitas a trabalhos de manutenção periódica.

15
Figura 5 – Exemplos de habitação rural na Cova da Beira – Casa Típica de Casegas.

No desenvolvimento da nova metodologia adoptada [6] estabeleceu-se a necessidade


de organizar a recolha de dados de forma a obter 3 níveis de informação:

a) INQUÉRITO HABITAÇÃO – Com este tipo de inquérito recolheu-se a informação


detalhada sobre o tipo de habitação. Recolheram-se elementos para caracterização da
habitação, regime de ocupação, infra-estruturas e equipamentos disponíveis e
principais anomalias interiores e exteriores. O objectivo principal deste inquérito era,
fundamentalmente, conhecer as habitações e proporcionar o tratamento estatístico da
informação recolhida.

b) INQUÉRITO DE OPINIÃO – Teve como objectivo recolher as opiniões dos


moradores relativamente à sua habitação. Pretendeu-se aferir o grau de exigência
relativamente às condições gerais de conforto e habitabilidade tecnicamente definidas
e detectar eventuais anomalias ou desconformidades sistemáticas. Conhecido o seu
grau de exigência poder-se-ia indirectamente avaliar as suas expectativas e
eventualmente definir prioridades de intervenção, tendo em conta o desejo
manifestado pelos residentes.

c) FICHA DE DIAGNÓSTICO – Pretendeu-se com este último instrumento uma


avaliação mais técnica da situação. Tendo como objectivo o estudo de forma
quantitativa da qualidade das habitações e do seu estado de conservação/degradação, a
ficha criada prevê a existência de 33 pontos de observação. A estruturação definida
permite conhecer o edifício em três vertentes principais: condições exteriores, situação
estrutural e condições do seu interior, nomeadamente as condições de habitabilidade.
Prevê-se assim a eventualidade de não ser possível avaliar a habitação na sua
globalidade, mantendo ainda assim a possibilidade de avaliação parcial. Nesta ficha de
diagnóstico, a avaliação exterior foi subdividida em 4 áreas principais: cobertura,
paredes, caixilharia e sistema de drenagem de águas pluviais, num conjunto de 14
pontos de observação. A avaliação da situação estrutural prevê 5 pontos de
observação. A avaliação da situação interior prevê a observação de 14 elementos,
desde o registo e avaliação das anomalias detectadas, à avaliação das condições de
segurança, de habitabilidade, de infra-estruturas de saneamento básico disponíveis e
de condições de ocupação (habitabilidade).

A ficha criada permite ainda graduação de todos os elementos inspeccionados em 4


níveis, sendo acompanhada de uma ficha auxiliar de graduação criada para o efeito,
descrevendo as condições de avaliação de cada um dos elementos e a respectiva pontuação.

16
Pretende-se com esta ficha auxiliar que a análise seja rigorosa e tecnicamente fundamentada,
evitando-se apreciações subjectivas. Trata-se, pois, de uma ficha essencialmente técnica e
como tal o seu preenchimento deve ser feito por pessoal qualificado e tecnicamente
informado.

5.1.2 Avaliação e Produção de Informação Complementar

Efectuada a recolha dos elementos necessários o tratamento dos dados foi sintetizado
em dois documentos principais: uma ficha de análise individual e uma ficha de análise global
do conjunto de habitações. Com a criação destas fichas, pretendeu-se, para o Projecto em
causa, fornecer aos responsáveis um documento de trabalho que permitisse a tomada de
decisões de intervenção.

5.1.3 Ficha de Análise Individual

A ficha de resultados relativa a cada um dos edifícios inspeccionados previa a


indicação do código de identificação e o registo fotográfico do edifício (ver Figura 6). Nesta
ficha, o tratamento dos dados foi organizado de forma a permitir dois tipos de análise:

i) 1ª Análise – Necessidade de Intervenção Imediata

Trata-se de uma 1ª triagem das anomalias detectadas como objectivo de ser efectuada
uma intervenção imediata, sempre que estiver em causa a segurança de pessoas e bens ou não
estiverem garantidas as condições mínimas de habitabilidade/utilização. Na sua concepção
estabeleceram-se de forma clara indicadores de alerta para os decisores. Estes indicadores de
alerta foram organizados em 4 níveis, que reflectem o grau de gravidade das condições
encontradas em cada edifício, por ordem decrescente de importância:

1. Nível 1 – Segurança estrutural (5 elementos de informação): Intervir sempre que a


ruína é eminente.
2. Nível 2 – Segurança de utilização (3 elementos de informação):Verificação de
condições de segurança de extracção de fumos e gases ou de anomalias graves no
sistema eléctrico.
3. Nível 3 – Penetração de água (1 elemento de informação): Resolver de imediato
problemas graves de infiltração de águas.
4. Nível 4 - Condições mínimas de habitabilidade (3 elementos de informação): Verificar
a existência de rede de abastecimento de água e de drenagem de esgotos domésticos e
instalações sanitárias, ou as condições de sobre ocupação da habitação.

Cada vez que é assinalado um campo relativo às necessidades de intervenção imediata


é disponibilizada imediatamente esta informação de alerta. Por exemplo, a indicação na ficha
de diagnóstico de um elemento estrutural em risco de ruína eminente fará “acender” o
indicador de alerta respectivo. Em complemento de cada um dos “indicadores de emergência”
descrevem-se as respectivas acções correctivas, a executar de imediato.

ii) 2ª Análise – Estado de Conservação do Edifício

Nesta segunda análise foi fornecida uma informação gráfica do estado de conservação
do edifício, de acordo com 3 tipos de avaliação: Nível de qualidade do exterior, Nível de
qualidade exterior e estrutural e Nível de qualidade global (exterior, estrutural e interior).

17
Os resultados apresentados resultaram da ponderação dos elementos recolhidos na fase
de inspecção e diagnóstico. Os factores de ponderação foram estabelecidos de forma
experimental, tendo em conta o número de elementos a inspeccionar e as consequências de
alguns problemas construtivos na evolução do estado de conservação e comportamento global
do edifício. Sublinha-se a importância e as consequências dos problemas da cobertura, da
drenagem de águas pluviais e das condições estruturais na evolução do estado de degradação
dos edifícios, como fundamento para a atribuição de maior peso relativo.
Como se pode verificar esta análise é progressiva, tem em conta os elementos
anteriormente recolhidos e depende da possibilidade ou não de visitar o interior do edifício.
Nesta impossibilidade analisa-se sempre a situação exterior do edifício.

5.1.4 Ficha de Análise Global

Como se referiu anteriormente pretendia-se que os decisores tomassem opções de


forma objectiva e baseados em documentos que, embora tenham um cariz essencialmente
técnicos sejam de fácil interpretação e utilização. Para cumprir este objectivo criou-se uma
ficha de análise global que permitiu retirar informação comparativa de todos os edifícios
objecto de estudo e a sua graduação relativa, para possibilitar a definição das prioridades de
intervenção (ver Figura 6). Na elaboração desta ficha, que estabelece igualmente o ranking
dos edifícios, têm-se em conta as prioridades de intervenção imediata referidas na descrição
da ficha individual e os níveis de qualidade calculados.

Figura 6 – Exemplo de uma ficha individual (esquerda) e da ficha global das 74


habitações(direita).

18
5.2 Resultados Obtidos

vii. Analisando o ficha global do conjunto de 74 habitações rurais inspeccionadas


verificar que 54 das mesmas (73% do total) tem necessidades de intervenção
imediata, o que revela o elevado estado de degradação do conjunto das habitações e
demonstra que os cuidados havidos na definição da metodologia mais adequada, em
face dos resultados esperados, foram adequados.
viii. Os principais problemas detectados na utilização das habitações dizem respeito à
inexistência de qualquer instalação sanitária (43% dos casos) e às deficiências
detectadas nas cozinhas (42% dos casos). No caso das cozinhas é comum a
inexistência de chaminés ou cúpulas para extracção de fumos e gases.
ix. O inquérito de opinião reflectiu como principais preocupações dos moradores as
questões da humidade, as condições de conforto térmico e, sobretudo, a não
eficiência de sistemas de aquecimento. Não se detectou sensibilidade relativamente a
problemas de ruído ou de maus cheiros.

6. A RECUPERAÇÃO DE HABITAÇÕES RURAIS COMO CONTRIBUTO PARA A


CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

Os resultados obtidos no estudo realizado indicam haver clara necessidade de se


reflectir sobre a situação global de conservação/degradação das construções construídas em
zonas rurais. Do total de habitações estudado, 73% têm graves problemas de segurança de
utilização (inexistência de extracção de gases e fumos e deficiente instalação eléctrica),
problemas de infiltração de água pela cobertura (beirado, remates, telhas partidas e chaminés)
e estando ainda, em muitos casos, sobrelotadas. Naturalmente que o número de casos
estudado é ainda reduzido e por isso este estudo tem um valor relativo, mas a metodologia
revelou se adequada para a amostra estudada.
Para além da degradação natural dos elementos construtivos, notaram-se também
grandes deficiências na utilização das habitações, sobretudo por falta de informação dos
residentes. Pelo que se pensa ser oportuno desenvolver algumas acções que complementem as
simples acções de requalificação construtiva, nomeadamente:

i. Criação de guia de utilização da habitação;


ii. Divulgação de noções básicas sobre utilização de cozinhas e instalações sanitárias;
iii. Divulgação das causas mais comuns de degradação das habitações;
iv. Realização de acções de sensibilização para a higiene;
v. Implementação de um programa piloto de construção de conjunto habitacional
integrado, destinado ao realojamento de populações rurais envelhecidas

Como foi demonstrado anteriormente em Portugal existe um número muito


significativo deste tipo de habitações, geralmente em mau estado de conservação e por essa
razão se entende ser do maior interesse desenvolver no futuro este tipo de acções que poderão
ter grande impacto nas populações.
A investigação no domínio da reabilitação de habitações rurais deve ser também uma
prioridade a concretizar. Esta deverá contemplar, entre outras, o estudo de novas soluções
para melhorar a qualidade deste tipo de construção e, em particular, aumentar o conforto
higrotérmico destas habitações.

19
Apresentam-se algumas ideias, como conclusão deste trabalho, para que a investigação
e intervenção na reabilitação das habitações rurais seja realizada numa perspectiva de
Construção Sustentável:

vi. Melhorar o conforto higrotérmico destas habitações deverá ser uma das principais
prioridades de investigação e intervenção.
vii. Dever-se-á estudar novas soluções para aumentar a resistência térmica de
pavimentos térreos, paredes de alvenaria e coberturas de madeira. Soluções que
naturalmente deverão ser económicas para serem adoptadas pela população rural e
adequadas ao tipo de construção. Estudar a combinação destas com os sistemas de
aquecimento tradicionais e com novas soluções de aquecimento, mais ecológicas e
de energia renovável (particularmente a energia geotérmica e solar).
viii. Estudar novas soluções construtivas e arquitectónicas para que as perdas de calor
tenham menor importância, por um lado e, por outro lado que a inércia térmica, e os
ganhos solares sejam melhorados, nomeadamente com maiores aberturas a Sul.
ix. Tirar partido da existência de árvores do ambiente rural para ventilar e arrefecer as
habitações deverá ser também um tema a estudar e desenvolver.
x. Estudar soluções para reabilitar as habitações de modo a impedir a penetração de
água através das coberturas, paredes e pavimentos, de forma durável, em particular
para eliminar a humidade ascensional e os problemas de infiltrações nas caixilharias
de janelas e portas, muito comuns neste tipo de habitações.
xi. Promover a utilização dos materiais tradicionais, tanto quanto possível, nas soluções
de reabilitação.
xii. Actuar com cuidado na demolição. Muitas habitações rurais poderão vir a ser
demolidas, dado o seu estado avançado de deterioração. Dever-se-á por este motivo
promover a existência de infra-estruturas adequadas, nestes Concelhos, para a
valorização dos resíduos gerados por estas demolições. [7]
xiii. Estudar soluções para separar os resíduos produzidos durante as demolições e
efectuar o seu armazenamento de acordo com a sua origem. Usar técnicas de
desconstrução e desmontagem em vez de efectuar demolições massivas. [7]
xiv. Proibir a incineração de resíduos de obra ou a deposição de substâncias
contaminantes nas redes gerais de saneamento e ainda controlar as emissões nocivas:
ruído, poeiras, água (fugas ou águas residuais), etc. para minimizar o impacto
ambiental na fase de demolição.[7]
xv. Executar obras de reabilitação com cumprimento de obrigações, regulamentos e leis
ambientais aplicáveis, garantir a tomada de medidas de segurança e saúde previstas
nas normativas aplicáveis e efectuar as acções de controlo de qualidade necessárias
para garantir uma boa qualidade final.
xvi. Dispor de pessoal especializado nos trabalhos de aplicação de sistemas construtivos
pré-fabricados ou industrializados para garantir o seu bom funcionamento e
durabilidade.
xvii. Planear e controlar a execução da obra de forma a evitar desperdício de produtos.
xviii. Aproveitar a existência de materiais de demolição e resíduos pétreos triturados para
realizar trabalhos de drenagem ou sub-base de pavimentos. Separar os resíduos
produzidos durante as demolições e efectuar o seu armazenamento em contentores
diferentes de acordo com a sua origem. [7]
xix. Respeitar o ambiente rural, obrigando os empreiteiros a declarar o volume de
resíduos produzidos e especificar o seu destino final, como forma indirecta de
promover nas empresas de construção a eliminação de desperdícios, a gestão

20
adequada dos resíduos produzidos em obra e evitar a deposição de resíduos em
vazadouros sem controle.
xx. Promover a utilização de equipamentos e elementos auxiliares de execução de obras
reutilizáveis com baixos níveis de emissão de gases ou ruído e controlar as emissões
nocivas: ruído, poeiras, água (fugas ou águas residuais), etc. para minimizar o
impacto ambiental na fase de execução de obras.
xxi. Evitar a aplicação ou produção de resíduos de materiais de obra potencialmente
perigosos: produtos de soldadura, mástiques à base de betume ou amianto,
preservantes de agentes biológicos (germicidas, antioxidantes, creosoto), pinturas e
vernizes (resíduos), pinturas à base de chumbo, produtos químicos diversos
(anticorrosivos, fungicidas, insecticidas, solventes, diluentes, ácidos, abrasivos,
detergentes, etc.). [7]

7. REFERÊNCIAS

[1] Instituto Nacional de Estatística, Censos 2001: Resultados Provisórios: XIV


recenseamento geral a população: IV recenseamento geral da habitação, Lisboa (2002).
[2] Gomes, A.M.; “População e Habitação na Região Centro – Uma Caracterização com base
nos resultados provisórios dos Censos 2001”, Cadernos Regionais, Direcção Regional do
Centro, Instituto Nacional de Estatística, (2001).
[3] Machado, J.L.P.; “Habitação Rural – Sugestões para a Renovação ou Construção –
Métodos Construtivos e Elementos Tradicionais”, 3ª Edição, Ed. Livraria Popular Francisco
Franco, (2002).
[4] Lanzinha, J.C.; Freitas, V.P. e Castro Gomes J.P. – “Metodologias de diagnóstico e
intervenção na reabilitação de edifícios”, Congresso Construção 2001 , IST, Lisboa, Portugal,
Dez. (2001).
[5] Lanzinha, J.C.; Freitas, V.P. e Castro Gomes J.P. – “Metodologias de diagnóstico e
intervenção na reabilitação de edifícios”, Engenharias 2001 - Investigação e inovação, UBI,
Covilhã , Portugal, Nov. (2001).
[6] Lanzinha, J.C.; Freitas, V.P. e Castro Gomes J.P. – “Desenvolvimento de metodologia de
diagnóstico exigencial aplicada à reabilitação de edifícios de habitação”, XXX IAHS World
Congress on Housing – An Interdisciplinary Task”, Coimbra, Portugal, Set. (2002).
[7] Guia de la edificacin sostenible:calidade energética y medioambiental en Edificación /
Dirección Genral de la Viviena, la Arquitectura de Fomento. Centro de Publicaciones, (1999).

21
Reabilitação de Estruturas de Betão Armado

J. B. Aguiar1
Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil
Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal

RESUMO

A reabilitação de estruturas bem executada contribui para uma construção sustentável.


Aspectos relacionados com a construção sustentável são a poupança de recursos naturais, a
preservação do ambiente e a diminuição da poluição atmosférica. A manutenção e a
reabilitação de estruturas de betão permite salvaguardar esses aspectos. A alternativa seria a
demolição, construindo-se em seguida de novo. Nesse caso haveria um gasto maior dos
recursos naturais. A necessidade de escoar os escombros da demolição criaria problemas
ambientais. A construção nova de estruturas de betão necessitaria de grandes quantidades de
cimento, material cuja produção para além de consumir muita energia, contribui para o
aumento da poluição atmosférica.
Com vista a executar uma boa reabilitação é importante a escolha da técnica mais
adequada. A escolha de materiais é igualmente fundamental. Nesta comunicação apresentam-
se as técnicas de reabilitação de estruturas de betão disponíveis. Dado que o sucesso de uma
reabilitação exige a utilização de materiais com boas características que se mantenham ao
longo dos anos, apresentamos os materiais existentes e as suas principais propriedades.
Um dos materiais mais utilizados em trabalhos de reabilitação de estruturas de betão
armado são as resinas epoxídicas. Apesar de possuírem boas propriedades para essa
utilização, existem alguns aspectos menos bons associados a estes materiais. A aderência a
betão húmido e a resistência a temperaturas elevadas, estão entre as propriedades menos boas.
Nesta comunicação apresentamos os resultados de dois trabalhos experimentais elaborados
com vista a conhecer um pouco melhor o comportamento das resinas epoxídicas nestas duas
situações. Em primeiro lugar, verificou-se que com uma formulação conveniente,
incorporando uma carga mineral no sistema epoxídico, se consegue boa aderência, mesmo
quando o betão está húmido no momento da colagem. Quanto à resistência térmica, os
resultados mostraram que para as temperaturas normalmente existentes numa construção as
resinas epoxídicas se comportam bem. Embora a partir de 100 ºC se tenha verificado redução
da aderência.

1. INTRODUÇÃO

Com vista a uma construção sustentável é importante ter presentes os seguintes


objectivos [1]:

! utilizar apenas matérias primas de que existam amplas reservas, extraindo-as e

1
Professor Associado, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho

22
processando-as sem impacto ambiental excessivo;
! utilizar a energia de forma económica no processo construtivo;
! tornar duráveis ou versáteis as estruturas de forma a poderem estar ao serviço
efectivamente 100 anos ou mais, ou quando o seu tempo de vida seja necessariamente
mais curto, possam ser consideradas como um elemento dentro de um plano de
utilização a longo prazo;
! adaptabilidade, de tal forma que os elementos de uma estrutura possam ser convertidos
ou ampliados para ter em conta futuras alterações de utilização e de tecnologia;
! facilidade de demolição, quando a estrutura finalmente se tornar redundante, de tal
forma que os materiais possam ser reciclados e que o local possa ser adaptado para
outra utilização ou devolvido a um estado semi-natural.

A reabilitação de estruturas bem executada contribui para uma construção sustentável.


A manutenção e a reabilitação de estruturas de betão permite salvaguardar aspectos como a
poupança de recursos naturais, a economia de energia e a preservação do ambiente. A
alternativa seria a demolição, construindo-se em seguida de novo. Nesse caso haveria um
gasto maior dos recursos naturais. A necessidade de escoar os escombros da demolição criaria
problemas ambientais. A construção nova de estruturas de betão necessitaria de grandes
quantidades de cimento, material cuja produção para além de consumir muita energia,
contribui para o aumento da poluição atmosférica.
O betão encontra-se entre os materiais de construção mais utilizados no decurso do
século passado. Este facto deve-se à facilidade de aplicação, possibilidade de se moldar,
resistência à compressão elevada e baixo custo. Estas razões, entre outras fizeram do betão
um material privilegiado para a construção de edifícios, pontes, barragens, pavimentos de
estradas, pistas de aeródromos, túneis, canais, etc.
As construções em betão que se foram fazendo, encontram-se, muitas delas,
degradadas. Necessitando, pois, de trabalhos de reparação. Mesmo algumas mais recentes
justificam, desde já, intervenções nesse sentido, devido, em grande parte, à acção da poluição
atmosférica sobre a aceleração do envelhecimento e da degradação.
Antes de se iniciar uma reparação deve efectuar-se um estudo completo de todas as
patologias. Este estudo deve ser constituído por três partes:

! identificação e extensão das patologias;


! identificação das causas das patologias;
! estabelecimento do projecto de reparação.

Nesta comunicação apresentam-se aspectos relativos à execução dos trabalhos de


reabilitação. Para estes trabalhos utilizam-se muitas vezes colas. A escolha da cola mais
adequada deve ser efectuada com todo o cuidado. A formulação da cola tem que ser a que
melhor se adapte às condições da obra. Apresentam-se os resultados de um trabalho de
investigação [2] em que se procurou a melhor formulação com vista à obtenção de uma boa
aderência quando o betão está húmido no momento da colagem.

Descrevem-se as técnicas de reabilitação existentes para os diferentes tipos de


trabalhos: reparação de superfícies e reconstituição parcial de elementos estruturais, colagens
e reforços estruturais, reparação de fissuras e ancoragens. A durabilidade dos trabalhos de
reabilitação é uma preocupação cada vez maior. Um trabalho de investigação recente [3]
avaliou o comportamento de colagens com resinas epoxídicas quando submetidas a
temperaturas elevadas.

23
2. MATERIAIS EXISTENTES

Os materiais existentes para a reabilitação de betões podem classificar-se em três


categorias, conforme o ligante que assegura a coesão do conjunto é de natureza hidráulica
(cimento), orgânica reactiva (resina sintética) ou mista, quer dizer ao mesmo tempo hidráulica
e orgânica reactiva.

! os materiais à base de ligantes hidráulicos podem subdividir-se se o ligante em


questão se modificar por um polímero orgânico;
! os materiais à base de resinas sintéticas são muito diferentes uns dos outros,
segundo as transformações físicas e químicas que ocorrem durante a sua colocação
em obra e segundo a estrutura do polímero obtido finalmente (linear ou reticulada);
! os materiais mistos em que o ligante activo é constituído ao mesmo tempo por
cimento e por resina sintética reactiva, fazem intervir simultaneamente a presa e o
endurecimento do ligante hidráulico e a reticulação do polímero orgânico.

Dentre os mais utilizados destacamos os materiais à base de ligantes hidráulicos


modificados por polímeros orgânicos (LHM) que utilizam o que se designa por “resinas
miscíveis” (ou seja em dispersão estável dentro de água). Algumas das resinas utilizadas são
as vinílicas e as acrílicas.
Os materiais apresentam-se da seguinte forma:

! monocompostos
- o polímero apresenta-se na forma de pó, misturado com o ligante hidráulico.
Junta-se no estaleiro a água necessária.
! bicompostos
- o componente A contém o polímero e a água necessária à hidratação do
cimento;
- o componente B contém o cimento, a areia e os inertes finos, assim como
adições eventuais: fibras, fumos de sílica, etc.

No estaleiro, o material é obtido a partir da mistura dos componentes A + B, sem


qualquer outra adição.
As resinas sintéticas mais utilizadas em reabilitação de betões são as epoxídicas e as
de poliuretano. Apresentam-se normalmente na forma de sistemas poliméricos bicompostos
(base e endurecedor) em embalagens prédoseadas. Os constituintes misturam-se no momento
da aplicação;
Em muitos casos, as resinas epoxídicas não são utilizadas puras, mas adicionadas de
diferentes produtos com vista a facilitar a aplicação ou para obter materiais finais possuindo
características bem definidas correspondentes a uma dada aplicação. Os aditivos utilizados
podem ser solventes, plastificantes, aceleradores e cargas minerais. Estas últimas utilizam-se
frequentemente porque para além de diminuírem o custo do produto final têm vantagens
técnicas tais como: diminuição da retracção e do coeficiente de dilatação linear, aumento da
viscosidade, da duração prática de utilização, das resistências mecânicas (excepto ao choque),
da resistência ao calor e da aderência quando o suporte está húmido como vamos ver à frente.
Os materiais mistos são representados essencialmente pelos sistemas epóxi-cimento
(EP-C). Estes produtos apresentam-se normalmente sob a forma de três constituintes
prédoseados, a misturar na altura da utilização. Os constituintes A e B são os constituintes do
sistema epoxídico (base e endurecedor em emulsão aquosa) e o constituinte C é a mistura

24
granular contendo o cimento e cargas finas. O cimento reage quando da mistura com a água
das emulsões A e B. Admite-se que os cristais formados quando da hidratação do cimento se
instalem ao longo da cadeia formada pela reacção do sistema epoxídico.
Dada a grande variedade de materiais existentes, o primeiro problema que se põe é o
da escolha do material ou materiais mais adequados. Para isso é necessário ter em
consideração por um lado as características dos materiais e as acções às quais está submetida
a zona da estrutura a reabilitar.
A escolha dos materiais depende principalmente do seguinte:

! características mecânicas e físico-químicas próprias do material que se apresentam no


Quadro 1 (aderência, efeito passivante, resistência à fissuração,...)
! indicações e condições de aplicação e de utilização que se indicam no Quadro 2
(aplicação vertical ou horizontal, idade do suporte, resistência às agressões químicas
ou às do ambiente, ...).

A análise dos Quadros 1 e 2 leva-nos a concluir que os produtos mistos epóxi-cimento


têm um desempenho interessante, porque é bastante equilibrado. Apresentam para a maioria
das características e condições de aplicação uma classificação média.

3. FORMULAÇÃO DE RESINAS EPOXÍDICAS

As resinas epoxídicas apresentam muitas vantagens relativamente a outros polímeros.


As principais propriedades das resinas epoxídicas são [4,5]:

! boa aderência ao betão (endurecido ou fresco);


! boa aderência a metais como por exemplo ao aço;
! baixa retracção;
! ausência de subprodutos durante a cura;
! possibilidade de endurecer tanto a baixas como a altas temperaturas;
! possibilidade de endurecer em ambiente húmido e mesmo debaixo de água;
! boa resistência química;
! possibilidade de serem formuladas com baixa ou elevada viscosidade.

No entanto, apresentam algumas propriedades negativas tais como o comportamento


térmico e a aderência a substratos húmidos. A diminuição da aderência neste último caso é
um problema [6,7]. Existe a possibilidade de formular resinas epoxídicas com aderência a
substratos húmidos, mas recomenda-se que o aplicador trabalhe em permanente contacto com
o fabricante, porque estes materiais são relativamente novos e não há grande experiência
quanto à sua utilização .

QUADRO 1 - Características mecânicas e físico-químicas dos


materiais mais utilizados

Características LHM (1) EP PUR EP-C


Aderência sobre suporte seco + +++ ++ (2) ++
Aderência sobre suporte húmido ++ + - (3) ++
Adaptação à fissuração do suporte + + ++/+++ +

25
Efeito passivante +++ 0 (4) 0 (4) ++/+++
Módulo de elasticidade Elevado médio baixo Médio
Compatibilidade térmica +++ (5) + (5) + (5) ++ (5)
Resistência à abrasão ++ (6) +++ (6) ++ (6) ++ (6)
Resistência à penetração de ++ +++ (7) +++ (7) ++
líquidos sob pressão
Fluência a 20 ºC Baixa média elevada Média
Fluência a 50 ºC baixa elevada elevada Média
Retracção média baixa baixa Média

LHM: material à base de ligantes hidráulicos modificado pela adição de um


polímero orgânico.
EP: material à base de resina epoxídica.
PUR: material à base de poliuretano.
EP-C: material misto à base de resina epoxídica e de cimento.
+++ : quanto maior o número de +, mais adaptado à característica é o material;
- : não recomendado;
0 : o material não apresenta a característica pretendida.

Notas:

1. Nas obras de arte, a maior parte dos materiais à base de ligantes hidráulicos
efectivamente utilizados são os LHM. Os LHA são, pelo contrário, muito
utilizados em edifícios.
2. Caso o suporte seja muito alcalino, pode ser necessário utilizar um primário
apropriado o que convém verificar junto do fabricante.
3. Os poliuretanos podem utilizar-se sobre suporte húmido com um primário
apropriado.
4. Para obter o efeito passivante, é necessário utilizar um primário (passivante).
5. A compatibilidade térmica é desejada no caso presente para argamassas com
espessura > 2 cm. Trata-se da capacidade de acompanhar as deformações térmicas
do betão.
6. A comparação da resistência à abrasão é indicada supondo que os inertes são
idênticos para todos os tipos de materiais.
7. A percentagem em peso de resina tem que ser pelo menos de 20 %.

QUADRO 2- Indicações e condições de aplicação dos materiais mais utilizados

Critérios LHM EP PUR EP-C


Duração prática de utilização A verificar junto do fornecedor e assegurar-
se da sua compatibilidade com as
exigências da obra
Temperatura do suporte (ºC) (1) 5-35 8-35 5-35 5-50
Temperatura ambiente (ºC) (1) 5-50 8-50 5-50 5-50
Humidade relativa ambiente (%) Até 100 (2) até 85 até 75 até 100
Preparação do suporte Indispensável em função do material e das
condições da obra
Idade do suporte indiferente > 28 d. > 28 d. indiferente
Capacidade de aplicação sem problema - de preferência produto
horizontal autonivelante

26
Capacidade de aplicação vertical para cada tipo utilizar materiais tixotrópicos
Facilidade de limpeza + +++ +++ ++
Compatibilidade com o material O problema deve ser estudado caso a caso
antigo
Resistência às agressões químicas + +++ ++ ++
Resistência aos UV +++ + ++/+++ ++
Resistência aos ciclos gelo- ++ +++ +++ ++
desgelo
Rapidez de colocação em serviço ++ +++ ++ ++
Baixo custo +++ + + ++

Notas:

1. Na proximidade das temperaturas extremas indicadas é necessário seguir cuidados


especiais;
2. Em ambiente seco é necessário utilizar um produto de cura.

No nosso estudo utilizámos resinas epoxídicas normais com cargas minerais.


Determinámos a sua aderência a betão húmido. A influência do tipo, da granulometria e da
quantidade de cargas minerais foi estudada.
Efectuámos ensaios de tracção de acordo com [8]. O betão tinha 90 dias no momento
das colagens e os ensaios de compressão que efectuámos mostraram que podia classificar-se
como um C25/30. Para minimizar, ou anular, o efeito de heterogeneidades pontuais na junta
de resina epoxídica, utilizámos prismas 14X9X30 cm3.
A aplicação das resinas epoxídicas efectuou-se nas superfícies de betão com 420 cm2
escovadas e húmidas. Utilizando outro prisma 14X9X30 cm3, obtivemos o prisma final
14X18X30 cm3 (Fig. 1). A espessura das juntas obteve-se com a ajuda de quatro placas
metálicas com as dimensões 10 X 50 X t mm3, colocadas nos cantos dos prismas.

14 cm

S istem a
epoxídico

9 cm

3 0 cm

Figura 1 – Provete prismático resultante da colagem


de dois prismas de betão.

Decorridos 28 dias após a colagem, carotaram-se do prisma, cilindros com 8 cm de


diâmetro e 16 cm de altura (Fig. 2), para os ensaios de tracção. Em seguida colaram-se peças
metálicas nos cilindros para possibilitar a ligação à máquina de tracção.
Duas resinas epoxídicas foram utilizadas, resina A (com um endurecedor à base de
poliamina alifática) e resina X (com um endurecedor à base de uma mistura de aminas cíclicas
e álcool benzílico). Estudámos a variação da aderência com o tipo, a granulometria e a

27
quantidade de carga mineral incorporada no sistema epoxídico. Utilizaram-se quatro
granulometrias diferentes de uma carga calcária e de uma carga siliciosa (Quadro 3).

Todos os provetes tinham uma junta com 0,6 mm de espessura. As figuras 3 e 4


apresentam gráficos com os resultados dos ensaios de tracção. Cada ponto dos gráficos
representa a média de três provetes. Analisando os resultados podemos dizer que a
quantidade, a natureza e a granulometria da carga mineral influenciam a aderência entre betão
húmido e sistema epoxídico. Para a resina A os melhores resultados obtêm-se com carga
calcária e em pequenas quantidades (entre 5 e 20%). A resina X apresenta um melhor
comportamento com maior quantidade de roturas coesivas no betão, com percentagens
óptimas da ordem dos 15 % (carga calcária) e 30 % (carga siliciosa).

Verifica-se (Figs. 3 e 4) que existe uma dosagem óptima de carga mineral que conduz
a um máximo de resistência e aderência. Este óptimo varia segundo a natureza da carga
mineral, a sua granulometria e o sistema epoxídico experimentado.

Peça metálica

Betão
e
(16 + e) cm Sistema epoxídico

Secção de colagem
2
S = 50,3 cm
Betão

8 cm

Figura 2 – Provete cilíndrico betão-sistema epoxídico-betão.

Quadro 3 - Superfícies específicas das cargas minerais.

Tipo de carga mineral Referência Superfície específica


(cm2/g)
Calcária Ultrafina 53000
Fina 44000
Siliciosa Ultrafina 16175
Fina 13619

28
4. TÉCNICAS DE REABILITAÇÃO

Relativamente a técnicas de reabilitação assumem particular relevância as seguintes:


dessalinização electroquímica (fig. 5 e 6), reconstituição com betão projectado (fig. 7 e 8),
aplicação de chapas de reforço (fig. 9 a 11) e reparação de fissuras (fig. 12 a 14).

Cargas ultrafinas

% de carga

Cargas finas

% de carga

Figura 3 - Variação da aderência com a percentagem de carga


mineral incorporada (Resina epoxídica A).

Cargas ultrafinas
% de carga

Cargas finas

% de carga

Figura 4 - Variação da aderência com a percentagem de carga


mineral incorporada (Resina epoxídica X).

29
Fig. 5 – Aplicação de pasta de celulose embebida para funcionar com electrólito num trabalho
de dessalinização electroquímica.

Fig. 6 – Unidades de controlo para aplicação de corrente eléctrica em


trabalhos de dessalinização electroquímica.

Fig. 7 – Aplicação de betão por projecção.

30
Fig. 8 – Reconstituição da secção da parede de um
silo com betão projectado.

Fig. 9 – Aplicação de chapas de reforço.

Fig. 10 – Aplicação de chapas de reforço numa viga de betão armado.

31
Fig. 11 – Reforço de uma viga de betão armado com chapas.

Fig. 12 – Injecção de fissuras.

Fig. 13 – Selagem de fissuras.

32
Fig. 14 – Cosimento de fissuras.

4. INFLUÊNCIA DE TEMPERATURAS ELEVADAS

A durabilidade das colagens com polímeros é muito influenciada pelo seu


comportamento térmico menos bom [9]. Por exemplo, as resinas epoxídicas têm um elevado
coeficiente de dilatação térmica quando comparado com o de outros materiais de construção
[5]. Esta diferença causa tensões na interface quando há variações de temperatura. A
resistência térmica das resinas epoxídicas é baixa. A diminuição da aderência quando se
submetem as colagens com resinas epoxídicas a temperaturas elevadas é bem conhecida. Por
esse motivo, normalmente fixa-se um limite baixo (cerca dos 50 ºC) para a sua utilização em
reparações e colagens [6].
No nosso estudo utilizámos dois tipos de resinas epoxídicas para efectuar colagens
argamassa endurecida/argamassa endurecida, argamassa endurecida/argamassa fresca e
argamassa endurecida/chapa de aço. Sete dias após as colagens expuseram-se os provetes a
temperaturas entre 20 e 200 ºC. Após esta exposição que durou sete dias, os provetes foram
ensaiados à flexão. Os resultados dos ensaios mostram a influência das temperaturas elevadas
na aderência de resinas epoxídicas aos materiais utilizados neste trabalho.
Utilizaram-se provetes de argamassa prismáticos com 4x4x16 cm3, fabricados de
acordo com [10]. Utilizou-se cimento do tipo I, classe 42,5, com o qual se preparou uma
argamassa normal. O seu traço, em massa, foi 1:3:0.5 e utilizou-se areia normal. A mistura e a
compactação efectuaram-se igualmente de acordo com a norma [10].
Os provetes permaneceram nos moldes 24 horas. Depois da desmoldagem
conservaram-se dentro de água a 20 ºC, até ao dia dos ensaios. Para as colagens argamassa
endurecida/argamassa endurecida e argamassa endurecida/argamassa fresca utilizaram-se as

33
metades dos provetes que resultaram dos ensaios de flexão três pontos (Fig.15), efectuados 28
dias após o fabrico da argamassa. A cola aplicou-se nas superfícies de rotura da argamassa.
Estas superfícies são boas para colar porque têm elevada rugosidade. Para as colagens
argamassa endurecida/chapa de aço utilizámos provetes inteiros.

4 cm

10 cm

Fig. 15 - Ensaios de flexão três pontos.

As duas resinas epoxídicas utilizadas possuem as propriedades mecânicas referidas no


Quadro 4. Ambas são fornecidas em dois componentes, um designado por resina ou base e o
outro designado por endurecedor. As proporções dos componentes na mistura, indicadas pelos
fabricantes, foram rigorosamente respeitadas. Procedeu-se à mistura com uma espátula até se
obter uma cor homogénea.

Quadro 4 - Propriedades mecânicas das resinas epoxídicas.

Identificação Resistência à Resistência à


compressão (MPa) flexão (MPa)
Resina 1 90 45
Resina 2 100 90

Tal como já referimos, efectuámos três tipos de colagens: argamassa


endurecida/argamassa endurecida (Fig. 16), argamassa endurecida/argamassa fresca (Fig. 17)
e argamassa endurecida/chapa de aço (Fig. 18). Foram utilizadas chapas de aço com 1,5 mm
de espessura. Para se obterem boas colagens é necessário prestar especial atenção à
preparação das superfícies. Seguiram-se os cuidados habituais para cada tipo de colagem com
vista a obter superfícies limpas e sem partículas soltas. Depois da preparação das superfícies,
colocámos resina epoxídica nas superfícies a colar. A resina epoxídica foi colocada com o
cuidado necessário para obter uma boa molhagem.

Resina
epoxídica

4 cm

Argamassa endurecida
16 cm

Fig. 16 - Provete argamassa endurecida/argamassa endurecida.

34
Resina
epoxídica

4 cm

Argamassa endurecida Argamassa fresca


16 cm

Fig. 17 - Provete argamassa endurecida/argamassa fresca.

Argamassa endurecida
Resina epoxídica

4 cm

Chapa de aço
10 cm

16 cm

Fig. 18 - Provete argamassa endurecida/chapa de aço.

Nas colagens argamassa endurecida/argamassa fresca, após a aplicação da resina


epoxídica, colocámos a metade de provete de argamassa endurecida no molde. A argamassa
fresca foi confeccionada de acordo com [10] e colocada no molde com cuidado para não
afectar a camada de cola. A argamassa fresca foi colocada no molde antes da cola epoxídica
endurecer. De seguida compactámos tal como é referido em [10].
Os provetes colados conservaram-se no laboratório fora de água, durante sete dias. De
seguida foram submetidos a diferentes temperaturas ambiente: 20, 50, 100, 150 ou 200 ºC.
Cada provete foi colocado dentro de uma estufa, onde uma das temperaturas acima indicadas
foi mantida constante durante sete dias. Pelo menos três provetes de cada tipo de colagem e de
cada resina epoxídica foram submetidos a uma dada temperatura. No final efectuámos os
ensaios de flexão à temperatura de 20 ºC.
Em primeiro lugar vamos apresentar os resultados dos ensaios de flexão efectuados
com os provetes de argamassa antes de colados (Quadro 5). As resistências à flexão
mencionadas na Quadro 5 correspondem à média de 15 resultados.

Quadro 5 - Resistência à flexão da argamassa antes das colagens.

Destino do provete Resistência à Coeficiente de


flexão (MPa) variação (%)
Argamassa 5.67 4.90
endurecida/argamassa
endurecida – Resina 1
Argamassa 6.48 3.54
endurecida/argamassa

35
endurecida – Resina 2
Argamassa 6.17 6.49
endurecida/argamassa fresca –
Resina 1
Argamassa 6.17 6.08
endurecida/argamassa fresca –
Resina 2

Para a análise da aderência é importante registar, para além da carga de rotura dos
provetes, o tipo de rotura. Os resultados dos ensaios apresentam-se nas figuras 19 a 21. A
tensão de aderência para cada temperatura é a média das resistências à flexão de três provetes.

Nas figuras 19 a 21 representa-se o limite entre roturas na argamassa e roturas


adesivas calculado, para cada colagem, como sendo a média das três roturas pela argamassa
com menores tensões de rotura, para provetes submetidos a 100 ºC. As roturas dos provetes
reforçados com chapa de aço ocorreram na sua maioria da forma que se pode observar na
figura 22.

10

8
Aderência (MPa)

6 Resina epoxídica 1
4 Resina epoxídica 2

0
0 50 100 150 200
Tem peratura (ºC)

Fig. 19 - Variação da aderência com a temperatura em colagens argamassa


endurecida/argamassa endurecida.

10

8
Aderência (MPa)

6 Resina epoxídica 1
4 Resina epoxídica 2

0
0 50 100 150 200
Tem peratura (ºC)

Fig. 20 - Variação da aderência com a temperatura em colagens


argamassa endurecida/argamassa fresca.

36
20

Aderência (MPa)
15
Resina epoxídica 1
10
Resina epoxídica 2
5

0
0 50 100 150 200
Tem peratura (ºC)

Fig. 21 - Variação da aderência com a temperatura em colagens


argamassa endurecida/chapa de aço.

4 cm

10 cm

16 cm

Fig. 22 - Rotura na argamassa de um provete


argamassa endurecida/chapa de aço.

5. CONCLUSÕES

Com vista à boa execução dos trabalhos de reabilitação de estruturas de betão armado
é importante a escolha da técnica mais adequada. As várias técnicas de reabilitação utilizam
materiais próprios cuja selecção cuidada é igualmente fundamental. Apresentaram-se alguns
dos materiais existentes, bem como as suas principais propriedades, por forma a auxiliar na
tarefa de escolha do material que melhor se adapta à reabilitação a efectuar. As principais
técnicas de reabilitação foram também apresentadas.
A importância da formulação das resinas epoxídicas foi destacada através da
apresentação de um estudo sobre a sua aderência a betão húmido. Para que a aderência entre
betão húmido e resinas epoxídicas seja boa é muito importante a incorporação de uma carga
siliciosa ou calcária. A quantidade e a granulometria da carga mineral influenciam a
aderência. Existe uma dosagem óptima de carga conduzindo a um máximo de aderência.
Uma das propriedades menos boas das resinas epoxídicas é a sua resistência a
temperaturas elevadas. Apresentámos um estudo em que diferentes colagens com resinas
epoxídicas foram submetidas a temperaturas até 200 ºC. Os resultados mostraram que as
resistências térmicas definidas como as temperaturas mais elevadas que as colagens suportam
mantendo a rotura na argamassa, variam entre 100 e 150 ºC. Apesar de os valores de
resistência térmica obtidos não serem muito elevados, são suficientes para as condições
normais existentes nas construções. Devem utilizar-se sistemas de protecção quando se

37
aplicam estas colas em locais com elevadas temperaturas ou em construções com risco
elevado de incêndio.

6. REFERÊNCIAS

[1] Carpenter, T. G. – Issues and options for construction. Environment, construction and
sustainable development, Vol. 2, Sustainable civil engineering, John Wiley & Sons,
Chichester, Inglaterra, 2001, pp. 311-322.
[2] Aguiar, J. B. – Aderência entre betão húmido e resinas epoxídicas, 43º Congresso
Brasileiro do Concreto, Foz do Iguáçu, Brasil, 18-23 Agosto 2001.
[3] Aguiar, J. B. e Pimenta, T. J. - Influência de temperaturas elevadas no desempenho de
colagens com resinas epoxídicas, Congresso Nacional da Construção, Construção 2001,
Lisboa, 17-19 Dezembro 2001, p. 391-397.
[4] Mendis, P. – Commercial applications and property requirements for epoxies in
construction. Repair and rehabilitation of concrete structures, ACI Seminar Course Manual
16, 1987, pp. 241-247.
[5] American Concrete Institure - Use of epoxy compounds with concrete. Reported by
Committee 503, ACI, Michigan, 1990.
[6] Laboratoire Central des Ponts et Chaussées - Choix et application des produits de
réparation et de protection des ouvrages en béton. Guide technique, Paris, 1996.
[7] Féderation Internationale de la Précontrainte, FIP - Repair and strengthening of concrete
structures. Reported by Commission on Practical Construction, Thomas Telford, London,
1991.
[8] Association Française de Normalisation, AFNOR - P 18-871, Produits spéciaux destinés
aux constructions en béton hydraulique. Produits pour collage structural entre deux éléments
en béton. Essai de traction directe sur cylindre scié et reconstitué. Paris, 1993.
[9] Kinloch A. J. - Durability of structural adhesives. Applied Science Publishers, London,
1983.
[10] European Committee for Standardisation, CEN - EN 196-1, Methods of testing cement;
Determination of strength. 1987.

38
O Betão Hidráulico e o Ambiente

Ana Maria Fernandes Esteves 1, Manuel João Esteves Ferreira 2

SUMÁRIO

Expõem-se (i) as formas como têm sido concretizadas as preocupações com o


ambiente nas normas europeias relativas a materiais de construção e nomeadamente nas
relativas ao betão de ligantes hidráulicos e aos seus constituintes e (ii) os estudos sobre
avaliação do ciclo de vida envolvendo estes materiais, visando a sua participação na
prossecução dos objectivos do desenvolvimento sustentável.

1. INTRODUÇÃO

A produção do betão de ligantes hidráulicos tem sido objecto em Portugal de


disposições legislativas próprias, a última das quais é o Decreto-lei nº 330/95 de 14 de
Dezembro, que revoga o Regulamento de Betão de Ligantes Hidráulicos e, em sua
substituição, torna obrigatória a norma portuguesa NP ENV 206 – “Betão. Comportamento,
produção, colocação e critérios de conformidade”, de 1993, constituída pela tradução da
norma europeia provisória ENV 206, aprovada em 1990, e pelo Anexo Nacional com as
normas portuguesas e especificações LNEC que a completam.
Foram aprovadas recentemente as normas europeias EN 206 – “Betão - Parte 1:
Especificações, desempenho, produção e conformidade”, que é a revisão da ENV 206, e ENV
13670 – “Execução de estruturas de betão – Parte 1: Regras gerais”, que contém as cláusulas
sobre a colocação, compactação, cura e protecção do betão que faziam parte da ENV 206 e
outras relativas à execução de estruturas de betão da ENV 1992: “Eurocódigo 2”. Assim,
aquele Decreto-Lei deverá ser oportunamente actualizado.
Qualquer destas normas diz respeito apenas ao método de fabricar betão e de controlar
o seu comportamento, mas nada é dito quanto à influência do betão sobre o ambiente, que se
tem vindo a exigir de forma muito insistente.
Refere-se neste trabalho como tem vindo a ser considerada esta influência.

2. ENQUADRAMENTO

As preocupações com o ambiente tiveram o seu marco inicial mais importante em


1987 no chamado Relatório Brundtland “Our Common Future” da Comissão Mundial sobre
Ambiente e Desenvolvimento, que defendia a necessidade de garantir que o consumo dos
recursos, as emissões para o ar e a água e a deposição dos resíduos se mantém dentro de
limites que não excedam a capacidade de auto-regeneração da natureza.

1
Engenheira Química, Investigadora Principal no Departamento de Materiais de Construção do LNEC;
2
Engenheiro Civil, Especialista em barragens de betão pelo LNEC;

39
Seguiu-se-lhe no Rio de Janeiro em 1992, a “Cimeira da Terra”, onde se assentou que
a degradação crescente do ambiente era devida ao tipo de produção e consumo não
sustentáveis e a reunião de Quioto, cujas conclusões estão ainda longe de ter
internacionalmente generalizada aplicação prática. Este ano sucede-lhes a reunião de
Joanesburgo.
Já em 1985 a Resolução do Conselho das Comunidades Europeias nº 85/C136/01 de 7
de Maio estabelecia uma “Nova Abordagem” na harmonização da normalização de produtos,
que consistia fundamentalmente no estabelecimento de exigências essenciais que os produtos
deviam satisfazer para poderem ser comercializados, a fixar em cada Directiva do Conselho
respeitante a produtos, referindo “exigências essenciais de segurança” e, duma forma menos
precisa, “outras exigências de interesse geral”.
Na sequência desta orientação, os produtos da construção foram objecto da Directiva
do Conselho nº 89/106/CEE de 21/12/1988, conhecida pela Directiva Produtos da Construção
(DPC), que estabelece que as obras de construção – e não os produtos – devem satisfazer as
seis Exigências Essenciais seguintes:

1. Resistência mecânica e estabilidade


2. Segurança em caso de incêndio
3. Higiene, saúde e ambiente
4. Segurança na utilização
5. Protecção contra o ruído
6. Economia de energia e isolamento térmico.

A DPC concretizou assim, para os produtos da construção, as “outras exigências de


interesse geral”.
Estabeleceu que estes produtos devem satisfazer especificações técnicas europeias
harmonizadas com um formato definido num Mandato da Comissão Europeia às organizações
europeias de normalização. Este formato contém os usos pretendidos para o produto, as
correspondentes propriedades relevantes com indicação dos métodos de ensaio, seus limites
ou classificação, e os sistemas de atestação da conformidade aplicáveis. Para tal previu que
Documentos Interpretativos deviam fazer a ligação entre, por um lado, as Exigências
Essenciais das obras e, por outro, os Mandatos e as especificações técnicas harmonizadas dos
produtos. Estes Documentos, um para cada Exigência Essencial, foram publicados no Jornal
Oficial só em 28 de Fevereiro de 1994, cerca de 5 anos depois da publicação da DPC.
A utilização nas obras de construção de produtos conformes com aquelas
especificações harmonizadas e, consequentemente, portadores da Marcação CE afixada pelo
fabricante, permitirá presumir que ficam satisfeitas as 6 Exigências Essenciais pelas obras se
estas forem convenientemente projectadas e construídas. A utilização de produtos com
Marcação CE é portanto uma condição necessária, mas não suficiente, para a satisfação
daquelas Exigências, cabendo aos Estados Membros tomar medidas quanto ao projecto e
execução das obras. Mas a Comissão Europeia não deixou de procurar uniformizar os
projectos das obras ao apoiar a execução dos Eurocódigos, que estão a ser ultimados.
No âmbito das preocupações ambientais, deve considerar-se especialmente o
Documento Interpretativo referente à Exigência Essencial 3 – “Higiene, saúde e ambiente”. A
definição que a DPC dá a esta Exigência é a seguinte:
“A obra deve ser projectada e construída de forma a não constituir uma ameaça à
higiene ou à saúde dos ocupantes ou dos seus vizinhos, resultante nomeadamente de:

! libertação de gases tóxicos


! presença no ar de partículas ou gases perigosos

40
! emissão de radiações perigosas
! poluição ou contaminação da água ou do solo
! defeitos de esgoto de águas, fumos ou dejectos sólidos ou líquidos
! presença de humidade em partes da obra ou sobre as superfícies interiores da obra”.

O Documento Interpretativo aborda esta Exigência Essencial 3 sob cinco aspectos


específicos – ambiente interior, abastecimento de água, eliminação de águas residuais,
eliminação de resíduos sólidos e ambiente exterior – analisando as propriedades que os
produtos envolvidos devem satisfazer para que as obras possam cumprir esta Exigência
Essencial.
Em dois pontos porém este Documento Interpretativo estabelece doutrina que se
reputa fundamental para a abordagem da relação produto da construção / ambiente:

1º - Quando estabelece que a exigência essencial deve ser cumprida com uma
probabilidade aceitável durante um período de vida útil economicamente razoável das
obras.

Tendo definido no Documento Interpretativo da Exigência Essencial 1 que a vida útil


economicamente razoável é o período durante o qual o desempenho das obras é mantido a um
nível compatível com o cumprimento das exigências essenciais, esclarece depois que a vida
útil pressupõe que são tidos em conta todos os aspectos pertinentes tais como:

! custos do projecto, construção e utilização;


! custos resultantes da impossibilidade de utilização;
! riscos e consequências da ruína das obras durante o seu período de vida útil e custos
dos seguros que cobrem tais riscos;
! renovação parcial planeada;
! custos da inspecção, manutenção, assistência e reparações;
! custos de exploração e administração;
! demolição;
! aspectos ambientais;

2º - Quando faz as seguintes considerações gerais ao estabelecer as propriedades dos


produtos envolvidos na preservação do ambiente exterior:
O efeito dos produtos da construção no ambiente é um dos aspectos importantes para a
harmonização das normas. Os produtos de construção não devem emitir poluentes e efluentes
capazes de se dispersarem no meio ambiente e de produzirem alterações na qualidade do
ambiente e de darem origem a riscos para a saúde dos seres humanos, dos animais e plantas,
ameaçando o equilíbrio dos ecossistemas. Deve ser considerado o impacte no ambiente em
todas as fases de ciclo de vida do material de construção, incluindo:

! o processo de extracção, produção e construção;


! as obras em utilização;
! a demolição, depósito de resíduos, incineração ou reutilização de resíduos.

De modo a evitar futuros danos no ambiente, deve ser tida em conta uma avaliação dos
produtos de construção para todo o ciclo de vida. De acordo com o âmbito de aplicação da
DPC, este Documento refere-se apenas “às obras em utilização”. Para as outras fases do ciclo
de vida, cabe aos Estados Membros, na inexistência de legislação comunitária e no respeito
pelo Tratado de Roma, terem em conta a DPC e, sempre que considerem necessário,

41
prescrever exigências relativas a produtos da construção com o objectivo de limitar a
deterioração do ambiente.

Pode assim deduzir-se que:

a) as especificações técnicas harmonizadas de produtos da construção conterão, na


medida em que o uso pretendido o exigir, as propriedades destes produtos que se
relacionem com a necessidade das obras onde estes ficam incorporados satisfazerem
durante a utilização esta Exigência Essencial 3. Tal é expressamente indicado nos
Mandatos emitidos pela Comissão Europeia ao Comité Europeu de Normalização
(CEN);
b) a análise da influência sobre o ambiente das outras fases do ciclo de vida destes
produtos passa assim por disposições legislativas dos Estados Membros quando
reconhecerem a necessidade de o fazer.

Expõe-se a seguir como estas disposições têm sido abordadas.

3. AS PROPRIEDADES DO BETÃO E DOS SEUS CONSTITUINTES RELATIVAS À


EXIGÊNCIA ESSENCIAL 3 DAS OBRAS

Os Mandatos para a produção das normas europeias harmonizadas relacionados com


betões e seus constituintes, envolvendo em particular a Exigência Essencial 3, são o M/125 –
Agregados, de 1998, e o M/128 – Produtos relacionados com os betões, argamassas e caldas
de injecção, de 1999, já que no M/115 – “Cimentos, cais de construção e outros ligantes
hidráulicos”, de 1997, se definem apenas as propriedades correspondentes à Exigência
Essencial 1. Recorde-se que desde Abril de 2002 que a norma portuguesa NP EN 197: 2001-
“Cimentos. Composição, especificações e critérios de conformidade para cimentos correntes”
obriga a que nos cimentos correntes esteja aposta, pelo fabricante, a Marcação CE.

3.1 – Constituintes do betão

Em relação aos agregados, o Mandato M/125 estabelece as seguintes propriedades de


desempenho relacionadas com a Exigência Essencial 3:

Agregados para: Propriedades


Betões, argamassas e caldas de Emissão de radioactividade (para
injecção para uso em edifícios, agregados provenientes de fontes
estradas e outras obras de engenharia radioactivas para o betão para edifícios)
civil Libertação de metais pesados
Libertação de compostos de carbono
Betão leve poliaromático
Libertação de outras substâncias perigosas
Misturas betuminosas e tratamentos Libertação de metais pesados
superficiais, para estradas Libertação de substâncias perigosas
Misturas incoerentes ou com ligantes Libertação de metais pesados
hidráulicos, para estradas e outras Libertação de compostos de carbono

42
obras de engenharia civil poliaromático
Libertação de outras substâncias perigosas
Enrocamentos para estruturas Libertação de substâncias perigosas
hidráulicas e outras obras de
engenharia civil
Balastro para caminho de ferro Libertação de substâncias perigosas
Fíleres para misturas betuminosas p/ Libertação de substâncias perigosas
estradas Fíleres para betões,
argamassas e caldas

Tabela 1

O Comité Técnico CEN/TC 154 – Agregados tem obtido consensos para as


propriedades correspondentes às Exigências Essenciais 1 e 4. Entre as normas de ensaio
conta-se apenas o prEN 1744 – “Métodos de ensaio para as propriedades químicas dos
agregados – Parte 3: Ensaio de lixiviação” , visando a determinação nos lixiviados de
substâncias orgânicas ou inorgânicas.
Encontra-se aprovada a EN 12620: 2002 – “Agregados para betão”, que em princípios
de 2004 será obrigatória em Portugal como NP EN 12620 e encontram-se em fase final de
aprovação:

! EN 13055 – “Agregados Leves – Parte 1: Agregados leves para betão, argamassas e


caldas de injecção”
! EN 13043 – “Agregados para misturas betuminosas e revestimentos para estradas,
pavimentos aeroportuários e outras áreas com tráfico;
! EN 13139 – Agregados para argamassas;
! EN 13383 – Enrocamentos. Parte 1: Especificações;
! EN 13450 – Agregados para balastro.

Estabelece-se nestas normas que a conformidade com as propriedades relacionadas


com o Exigência Essencial 3 é da responsabilidade do produtor ao executar o Controlo da
Produção em Fábrica.
Em relação aos adjuvantes, adições, fibras e produtos para a reparação e protecção do
betão, o Mandato M/128 estabelece as seguintes propriedades de desempenho da Exigência
Essencial 3:

Produtos Propriedades
Adjuvantes para betões, argamassas Libertação de substâncias perigosas
e caldas de injecção
Adições para betões, argamassas e Emissão de radioactividade
caldas de injecção Libertação de substâncias perigosas
Fibras para betões, argamassas e Libertação de substâncias perigosas
caldas de injecção
Produtos para a reparação e protecção Permeabilidade ao vapor de água
do betão Permeabilidade à água
Libertação de substâncias perigosas

Tabela 2

43
No caso da emissão de radioactividade, verificou-se [ 1 ] que as cinzas volantes
portuguesas continham um teor de rádio da ordem de 190 Bq/kg (outros autores referem
valores entre os 85 e 360 Bq/kg).

O CEN/TC 104 tem aprovadas as seguintes partes das normas harmonizadas para
adjuvantes:

! EN 934 – 2: Adjuvantes para betão, para argamassas, para caldas de injecção. Parte 2:
Adjuvantes para betão – Definições, requisitos, conformidade, marcação e
etiquetagem.
! EN 934 - 4: Adjuvantes para betão, para argamassas, para caldas de injecção. Parte 2:
Adjuvantes para injecções de armaduras pré-esforçadas – Definições, requisitos,
conformidade, marcação e etiquetagem.

Estão em revisão a EN 450 – “Cinzas volantes para betão” e em fase final de


preparação a EN 13263-1: “Sílica de fumo para betão. Parte 1: Definições, requisitos e
critérios de conformidade” e a EN 1504, com 10 Partes, referente a produtos de protecção
superficial, de reparação estrutural e não estrutural, de colagem estrutural e de injecção de
betão.
Verifica-se que a resposta à Exigência Essencial 3 está a ser abordada como nas
normas de agregados.
O CEN/TC 104 vai ainda produzir normas para o fíler calcário, a escória granulada
moída de alto forno e as fibras metálicas , pretendendo ulteriormente produzir normas de
fibras de plástico.

3.2 – Betão

Embora não haja ainda mandato para os betões, argamassa e caldas de injecção, foram
realizados, a coberto de um programa comunitário de investigação, ensaios interlaboratoriais
de lixiviação de betão endurecido[ 2 ] contendo cinzas volantes nas condições seguintes:

Cimento (kg/m3) 302 200 270


Cinzas volante (% do peso de cimento) 17 33 18
Razão água/cimento 0,55 0,75 0,55
Resistência à compressão simples aos 28 dias (MPa) 48 29,5 38,5
Data do ensaio de lixiviação dos betões (dias) 69 52 75
Duração do ensaio de lixiviação (dias) 7 14 14

Tabela 3

Concluiu-se que os lixiviados continham essencialmente cálcio, sódio, potássio e


sulfatos e que a concentração de metais pesados, como o zinco, tálio, chumbo, cobre, cobalto,
cádmio e arsénio era sempre inferior ao limite de detecção dos métodos instrumentais de
análise. Assim, pode assentar-se que betões com aquelas características contendo materiais
contaminados não prejudicam o ambiente, ficando a dúvida se tal conclusão se mantém se as
características dos betões forem inferiores.
A utilização de agregados reciclados no fabrico de betão não tem tido o
desenvolvimento que o desenvolvimento sustentável requer. Um estudo sobre a situação

44
actual neste campo foi recentemente publicado pela fib – Federação Internacional do betão
Estrutural, a propósito da reciclagem das plataformas marítimas de exploração petrolíferas [ 4 ]
e onde se põe a questão das grandes obras serem projectadas pensando na sua reciclagem
quando termina o seu tempo de vida útil.

3.3 O betão e a água potável

Em [ 5 ] é abordada a problemática da acção do betão sobre a água potável,


identificando as questões ainda não resolvidas satisfatoriamente. Alguns Estados têm
estabelecido disposições legislativas próprias para vários materiais, conducentes muitas vezes
ao banimento destes.
A Comissão Europeia, para harmonizar estas disposições legislativas, produziu em
1998 a Directiva n.º 98/83/CEE, conhecida por Directiva da Água Potável, que completa a
DPC no que respeita aos requisitos adicionais que os produtos da construção em contacto com
esta água (v.g., reservatórios, tubagens) devem satisfazer para cumprirem a Exigência
Essencial 3 da DPC. Emitiu assim o Mandato M/136 – “Produtos da construção em contacto
com agua potável” para que o CEN complete as normas harmonizadas ligadas a estes
produtos, estabelecendo os correspondentes sistemas de atestação da conformidade.

4. OUTRAS ABORDAGENS CO-NORMATIVAS

4.1 – O Documento Guia H da Comissão Europeia: Uma abordagem harmonizada


relacionada com as substâncias perigosas abrangidas pela DPC

Neste Documento Guia são definidas substâncias perigosas como as substâncias ou


misturas de substâncias que podem apresentar perigo para o homem e o ambiente durante o
uso normal dos produtos de construção quando instalados nas obras. À parte a protecção de
pessoas, é só o ambiente imediato, próximo, influenciado pelos efeitos directos resultante
duma utilização normal, que a DPC abrange e os requisitos dos produtos são expressos como
emissões ou migrações destas substâncias ou radiações, durante esse uso normal, podendo
ainda medir-se o seu teor como única solução prática.
Os passos previstos para uma formulação das normas harmonizadas no que respeita às
propriedades “emissão de radioactividade” e “libertação de substâncias perigosas” são:

1. Identificação das substâncias perigosas regulamentadas a nível europeu ou nacional.


Entre as substâncias mais comuns cita o asbesto, cádmio, substâncias radioactivas e
metais pesados (através da lixiviação), recomendando o Documento a consulta a uma
base de dados da Comissão na Internet
(http://europa.eu.int./common/dg03/directs/dg3d/3d/construct/Index.htm).
2. Verificação se a substância está abrangida pela DPC.
3. Determinação do estado dos conhecimentos para tratar com a substância.
4. Selecção do método para determinação da emissão ou do teor da substância.
5. Consideração da necessidade de classificação. Tal depende de haver disposições
nacionais com diferentes níveis de protecção, que podem ir até ao banimento da
substância.
6. Especificação da expressão que a presença da substância deve ter na Marcação CE.

45
Ao dar exemplos de alguns produtos, o Documento faz uma referência à
radioactividade nos produtos da construção, recomendando que a concentração de
radionuclidos seja medida e declarada na Marcação CE quando o valor for superior ao limite
estipulado (o que pode acontecer nas escórias granuladas de alto forno ou nos agregados
provenientes de fontes radioactivas, como minas de urânio). Este valor permitirá calcular a
dose anual efectiva de radiação para confronto com exigências regulamentares das obras.

Em Portugal, verificou-se[ 5 ] que esta questão tem alguma acuidade, com valores
médios da concentração de radão de 75 Bq/m3 a 125 Bq/m3 nas zonas graníticas da Beira
Interior e principalmente na Beira Alta, nomeadamente no Inverno devido á menor ventilação
das casas. No levantamento feito na década de 80 abrangendo 4200 habitações, mediram-se
valores entre cerca de 10 Bq/m3 a 3.000 Bq/m3 , os mais altos junto de minas de urânio.

4.2 – Uma abordagem do CEN – O projecto piloto Environmental Help-Desk

Em fins de 1999, foi aprovado no CEN um projecto piloto com a duração de 2 anos
visando estabelecer um guia orientador das disposições normativas ambientais, de forma que
estas concorressem para a diminuição do impacto que cada produto tem sobre o ambiente
durante todas as fases de vida (produção, distribuição, uso e fim de vida). Este projecto
respondia às preocupações do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu quando decidiram
“reforçar a integração dos aspectos ambientais na estrutura das normas industriais”.

O projecto, em fase de aplicação a ser avaliado em fins de 2001, está dividido em 4


passos:

1. Identificação dos aspectos ambientais do produto usando uma matriz, constituída por 9
aspectos ligados ao ambiente (uso dos recursos, consumo de energia, emissão para o
ar, emissão para a água, resíduos, ruído, migração de substâncias perigosas, impactos
no solo, riscos para o ambiente de acidentes ou uso incorrecto) e 4 aspectos ligados ao
ciclo de vida (produção, distribuição, uso e fim da vida) e considerando ainda que a
reciclagem e a durabilidade estão contidos no 1º, 2º e 5º aspectos;
2. Selecção dos aspectos que podem realisticamente ser influenciados pelas normas;
3. Incorporação de exigências normativas para considerar os aspectos seleccionados;
4. Documentação dos resultados da avaliação dos aspectos ambientais num anexo
informativo.

Não se conhece qualquer influência na normalização dos betões e seus constituintes


dada a fase avançada em que as respectivas normas se encontravam quando foi lançado.

4.3 – A abordagem ISSO

A International Standard Organisation produziu em 1997 o ISSO Guide 64: 1997


“Guide for inclusion of the environmental aspects in product standards”, para promover a
integração nas normas dos impactes ambientais dos produtos, adoptando um justo equilíbrio
entre estes impactes e o desempenho funcional, a saúde e a segurança, sugerindo a revisão
regular das normas para integrar as inovações respeitantes aos impactes e acrescentando
explicitamente a avaliação do ciclo de vida.

46
5. A AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA

Os produtos da construção são afectados pelo ambiente e afectam o ambiente. A


avaliação destas interacções faz-se através das propriedades ligadas à durabilidade e da
“avaliação do ciclo de vida”.
O desenvolvimento dos estudos relativos à durabilidade, nomeadamente no caso do
betão, influenciará a avaliação do ciclo de vida no sentido de dilatar no tempo a reparação e a
demolição das obras. A avaliação do ciclo de vida dos produtos da construção olha para um
produto como um sistema e avalia a saúde, o ambiente e o uso dos recursos deste sistema
através do ciclo de vida do produto[ 6 ].
Na realidade, o influência dos produtos da construção sobre o ambiente não resulta
apenas da extracção das matérias primas e da manufactura dos produtos, mas também do
projecto das obras, do uso que se lhes dá, da sua demolição e do depósito ou reutilização dos
resíduos.
Não será fácil a curto prazo ter informação fiável sobre todos os impactes possíveis
dos materiais de construção nem há ainda consenso sobre o valor relativo dos vários impactes,
pelo que a comunidade científica se tem continuado a debruçar sobre a avaliação do ciclo de
vida. As fases principais da vida de um produto da construção e alguns dos impactes
ambientais produzidos são apresentados no quadro seguinte [ 6 ]:

Fases do ciclo Impactes ambientais


de vida dum
produto
Extracção das Perda de recursos; ruído; poeira; efeitos hidro-geológicos;
matérias poluição do ar e da água (v.g., acidificação por emissão de SO2 e
primas NOx e eutrofização por emissão de NOx).
Produção Consumo de recursos; ruído; poeira; poluição do ar e da água;
consumo de energia; aquecimento global (por emissão de CO2);
emissões de gases ácidos; redução do ozono.
Distribuição Ruído; poeira; poluição do ar e da água; consumo de energia;
aquecimento global; emissões de gases ácidos.
Construção Ruído; poeira; poluição do ar e da água; emissão de substâncias
perigosas; embalagem; resíduos; redução do ozono.
Utilização Consumo de energia; aquecimento global; emissão de gases
ácidos; efluentes; redução do ozono; contaminação do solo;
exigências de manutenção.
Demolição e Ruído; poeira; consumo de energia; aquecimento global, emissão
reciclagem de gases ácidos; redução do ozono; reutilização

Tabela 4

Tradicionalmente, a escolha dos produtos tem sido dominada pelo preço inicial, mas
começa a considerar-se a importância do desempenho a longo prazo e os custos do uso e
manutenção durante a vida das construções. Dois aspectos têm merecido atenção especial – a
energia envolvida nesta visão global e o inventário dos impactes ambientais.
Assim, têm-se desenvolvido várias metodologias para abordagem da avaliação do
ciclo de vida dos produtos[ 4, 7 ]. Numa delas[ 7 ], aplicou-se a norma ISO 14040, 1996:

47
“Environmental Management – Life cycle assessment – Principles and guidelines” a 4
produtos da construção (dois deles para pavimentação, um em PVC e o outro em betão) com
vista a desenvolver um método para avaliação dos maiores impactes ambientais dos materiais
de construção. Concomitantemente, pretende-se fornecer um guia que ajude a industria a
desenvolver produtos mais amigos do ambiente e os projectistas a projectar edifícios com
iguais características, reduzindo os impactes dos produtos da construção sobre o ambiente em
todos as fases do seu ciclo de vida, desde “o berço à tumba”.
O Parlamento Europeu[ 8 ] incitou a Comissão Europeia a no 6º Programa de Acção
Ambiental com a duração de 10 anos “quebrar a ligação entre desenvolvimento económico e
impacto ambiental negativo”, prometendo a Comissão que iria enfatizar as metodologias de
avaliação do ciclo de vida, a Política Integrada dos Produtos e o desenvolvimento dos
“produtos amigos do ambiente”.

6. CONCLUSÃO

Pode concluir-se que dificilmente a influência sobre o ambiente dos materiais de


construção será devidamente considerada nesta primeira geração de normas harmonizadas dos
produtos da construção. Já a influência do ambiente sobre o betão, que tem sido abordada sob
a designação de durabilidade, não estando equacionada no CEN sob a forma mais correcta – a
das propriedades de desempenho face às condições ambientais – pode, no entanto, sê-lo a
nível nacional.
Em relação à influência do betão sobre o ambiente, a posição da Comissão Europeia é
a de continuar a estabelecer Directivas e Programas que dêem valor ambiental aos produtos e
às obras de construção. Do ponto de vista técnico, há que aprofundar os estudos relativos à
caracterização das substâncias perigosas, à utilização de materiais reciclados e à Avaliação do
Ciclo de Vida para suportar cientificamente a normalização e a regulamentação.

7. REFERÊNCIAS

[8] Esteves, A . M. F. – Utilização de cinzas volantes na descoloração de efluentes de


tingimento da indústria têxtil. Tese apresentada a concurso para obtenção do grau de
Especialista em Química pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Maio de 1992.
[9] CEN/TC 51 / CEN/TC 104 – A study of the characteristic leaching behaviour of hardened
concrete for use in the natural environment. CEN Report, 1999, 60 p.
[10] Neville, A. – Effect of cement paste on drinking water. Materials and Structures, V 34,
July 2002.
[11] Recycling of offshore concrete structures- A state of art report – fib Bulletin n.º 18,
April 2002.
[12] Faísca, M. C.; Teixeira, M. M. G. R. e Bettencourt, A. O. – Indoor radon
concentrations in Portugal – a national survey. V. 45, N1/4, pp 465-467, Nuclear Technology
Publishing, 1992.
[13] Sustainable use of materials – Proceedings of an International Seminar at Building
Research Establishment in association with RILEM on September 1996, edited by J W
Llewellyn and H. Davies, Garston, United Kingdom.
[14] Towards a framework for environmental assessment of building materials and
components. A Brite Euram Programm Report, edited by J W Llewellyn and S. Edwards,
British Research Establishment, Feb. 2000, 115 p, Garston, United Kingdom.
[15] European Council for Construction Material Producers (CEPMC) - Environmental
Update nº 11, April 2000.

48
Betão de Desempenho Melhorado Com Recurso a Cinzas Volantes
Aires Camões1

Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil


Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal

SUMÁRIO

O betão de elevado desempenho (BED) é geralmente produzido recorrendo a materiais


constituintes cuidadosamente seleccionados e de elevada qualidade. Estes materiais
aumentam significativamente o custo inicial dos BED, o que tem condicionado a sua
utilização. Neste trabalho pretende-se realçar a possibilidade de melhorar o desempenho dos
betões através do recurso à incorporação de cinzas volantes (CV), consideradas de baixa
qualidade, e de agregados britados, correntemente disponíveis no mercado nacional. Assim, a
concretizarem-se estes objectivos, poderão ser fabricados betões de desempenho melhorado
ou mesmo de elevado desempenho com custo reduzido e, também, diminuir
significativamente o consumo de cimento (C) e de recursos naturais não renováveis (areias
roladas), contribuindo para a necessária sustentabilidade da construção. O efeito da
substituição de C por CV (até 60%) no desempenho dos betões foi avaliado por intermédio do
estudo comparativo das características mecânicas e de durabilidade com as obtidas em
composições de controlo, sem adição de CV. Os resultados obtidos demonstram ser possível
produzir BED com os materiais seleccionados e com quantidades de substituição de C por CV
até 40% que atingiram resistências à compressão semelhantes às das misturas de controlo a
partir dos 56 dias de idade e cuja trabalhabilidade e durabilidade foi beneficiada com a adição
de CV.

1. INTRODUÇÃO

Actualmente o ecossistema mundial tem vindo a ser confrontado com um problema de


importância crescente (o aquecimento global) e que está associado aos elevados níveis de CO2
emitidos para a atmosfera. A indústria da construção é, também, responsável por uma parte
significativa dessas emissões: a produção de cimento é altamente consumidora de energia e
contribui com cerca de 7% do total de CO2 expelido para a atmosfera e cada tonelada de
cimento Portland fabricada provoca a libertação de cerca de uma tonelada de CO2. Com o
objectivo de reduzir os níveis de CO2 associados ao fabrico do cimento, urge reduzir o
consumo deste material, sem comprometer o necessário desempenho das estruturas de betão.
Outro dos problemas associados à indústria da construção está relacionado com o
elevado consumo de recursos naturais não renováveis. Os elevados volumes de construção
alcançados, principalmente nas últimas décadas, provocaram uma diminuição significativa
desses mesmos recursos, sendo necessário contribuir para a sua manutenção.

1
Assistente, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho

49
O BED tem demonstrado ser uma alternativa viável ao betão convencional,
especialmente em obras especiais. No entanto, os BED são, em geral, produzidos recorrendo a
materiais constituintes de elevada qualidade, o que provoca um aumento considerável do seu
custo inicial e impede a generalização da sua utilização.
Neste contexto, foi desenvolvido este trabalho experimental com o objectivo de avaliar
a possibilidade de produzir BED de custo reduzido recorrendo a quantidades substanciais de
substituição de C por CV e utilizando agregados britados, permitindo, assim, diminuir as
consequências adversas associadas a elevados consumos de C e à extracção de agregados,
designadamente de areias, do leito dos rios, estuários e costa marítima.

A utilização de CV não constitui novidade na indústria do betão e é geralmente


encarada como um meio de reduzir a quantidade de C incorporada na mistura. Desta forma, é
normal considerar o uso das CV fundamentalmente numa perspectiva de redução de custos do
produto final. Contudo, neste trabalho a adição de CV foi considerada como uma mais valia
que deve conduzir ao aumento da qualidade das misturas, esperando-se que seja responsável
por uma melhoria global do comportamento do betão, em particular a longo prazo, com
particular incidência na durabilidade.
Com o intuito de cumprir os objectivos descritos determinou-se a trabalhabilidade, as
características mecânicas e de durabilidade de composições de betão, que foram produzidas
com 400 kg/m3, 500 kg/m3 e 600 kg/m3 de ligante (L = C + CV) e com quantidades de
substituição de C por CV de 0%, 20%, 40% e 60%.
A durabilidade das misturas produzidas foi avaliada através da realização de ensaios
de migração de iões de cloro, resistividade eléctrica e absorção de água por capilaridade.

2. MATERIAIS, COMPOSIÇÕES, FABRICO E CONSERVAÇÃO:

2.1. Agregados

Todas as amassaduras foram realizadas recorrendo à mistura de três agregados


britados, provenientes da mesma pedreira granítica: areia fina (AF) (Dmáx = 2.38 mm;
η = 2.47); areia grossa (AG) (Dmáx = 4.76 mm; η = 4.54); brita (B) (Dmáx = 9.53 mm;
η = 5.93). Os agregados foram utilizados conforme recebidos, i.e., sem se proceder a qualquer
lavagem ou outro tipo de tratamento prévio.

2.2. Cimento e cinzas volantes

Os betões foram produzidos com um cimento Portland do tipo CEM I 42.5R. As CV


foram fornecidas pela Central Termoeléctrica do Pego e apresentavam um teor de
inqueimados elevado, entre 6% e 9%, o que excede o recomendado pela regulamentação
nacional e europeia NP EN450 [1]. Segundo esta norma, o valor máximo do teor de
inqueimados deve ser de 5% e pode alcançar o valor de 7% somente quando existam
normativas nacionais que o permitam. No entanto, estudos anteriores [2, 3] revelaram que a
aplicação deste tipo de CV permitiu alcançar níveis de desempenho similares aos obtidos com
as mesmas CV, mas melhoradas através de peneiração de modo a cumprirem os requisitos
impostos na NP EN450.

Na Tabela 1 apresentam-se as principais propriedades químicas e físicas do C e das


CV e na Tabela 2 indicam-se os componentes potenciais do C estimados de acordo com as
expressões propostas por Bogue [4].

50
Tabela 1 – Composição química e principais propriedades físicas do C e das CV

C CV
SiO2 (%) 19.71 42.16 – 58.46
Al2O3 (%) 5.41 21.04 – 32.65
Fe2O3 (%) 3.34 3.51 – 9.13
CaO total (%) 61.49 1.67 – 9.18
MgO (%) 2.58 0.65 – 2.59
SO3 (%) 3.22 0.22 – 1.04
cloretos (%) 0.01 0.00 – 0.06
CaO livre (%) 0.81 0.00 – 0.12
perda ao fogo (%) 2.52 5.60 – 9.28
resíduo insolúvel (%) 1.94 ––
massa específica (kg/m3) 3150 2360
superfície específica de Blaine (m2/kg) 358.4 387.9
finura (%) 1.7 (> 90 µm) 14.1 – 31.6 (> 45 µm)
exigência de água 28.0 29.7

Tabela 2 – Componentes potenciais do C

C3S (%) 61.61


C2S (%) 4.55
C3A (%) 8.69
C4AF (%) 10.15
C S (%) 5.47

2.3. Superplastificante

Nas amassaduras realizadas recorreu-se à adição de um superplastificante, dotado de


uma composição química à base de condensados de naftaleno formaldeído sulfonado. Em
trabalho prévio realizado [2], constatou-se que a quantidade óptima de superplastificante a
introduzir na mistura, expressa em partículas sólidas, situa-se no intervalo compreendido entre
0.5% e 1.0% da massa de ligante. Por razões económicas adoptou-se a dosagem de 0.5%.

2.4. Composições, fabrico e conservação

Foram fabricadas 12 composições diferentes correspondendo a 3 diferentes


quantidades de L (400 kg/m3, 500 kg/m3 e 600 kg/m3) e 4 níveis de substituição de C por CV
(0%, 20%, 40% e 60%). As relações A/L foram mantidas constantes para cada dosagem de L
e foram determinadas através de amassaduras experimentais dotadas de 40% de CV,
realizadas com o objectivo de atingir abaixamentos próximos de 200 mm. As dosagens dos
agregados foram estimadas por intermédio da aplicação do método de Faury [5]. As
composições dos betões produzidos apresentam-se na Tabela 3, bem como os resultados dos
ensaios de abaixamento (SL) e espalhamento (F).

51
Tabela 3 – Composição e trabalhabilidade dos betões

C CV AF AG B SL F
Betão A/L
(kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (kg/m3) (mm) (mm)
400CV0 400 0 613.56 233.55 857.45 105 450
400CV20 320 80 591.96 262.38 878.58 210 485
0.40
400CV40 240 160 552.99 284.75 875.65 180 550
400CV60 160 240 503.44 300.96 855.01 205 535
500CV0 500 0 502.92 308.43 865.61 25 315
500CV20 400 100 461.85 334.01 869.82 105 395
0.30
500CV40 300 200 406.91 349.01 847.11 205 474
500CV60 200 300 364.24 373.70 848.70 230 550
600CV0 600 0 377.30 367.85 850.73 35 350
600CV20 480 120 326.57 399.51 856.01 125 365
0.25
600CV40 360 240 271.28 407.93 832.76 200 510
600CV60 240 360 223.26 421.23 824.23 230 530

De cada uma das composições produzidas foram extraídos provetes, que foram
mantidos numa câmara húmida durante cerca de 24 horas a uma temperatura de 21ºC e 80%
de humidade relativa. Decorrido esse período de tempo, os provetes foram desmoldados e
conservados imersos em água até à data de realização dos ensaios.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS:

3.1. Resistência à compressão

A influência das CV nas propriedades mecânicas dos betões foi avaliada por
intermédio de ensaios de resistência à compressão uniaxial, realizados sob controlo de
deslocamentos, em provetes cúbicos de 100 mm de aresta e em 6 idades distintas. Nas Figuras
1 a 3 apresentam-se os valores médios obtidos (fcm,cubo) no ensaio de 3 provetes, bem como as
curvas representativas do ajuste pelo método dos mínimos quadráticos desses mesmos
resultados recorrendo à equação hiperbólica (1), proposta por Carino [6] e Knudsen [7].

k (t − t 0 )
f c = f máx (1)
1 + k (t − t 0 )

Em que:

fc: resistência à compressão prevista para uma determinada idade t;


t0: idade correspondente ao início do desenvolvimento da resistência (t0 = 0);
fmáx: resistência à compressão máxima, obtida quando t tende para infinito; e
k: constante válida para uma determinada temperatura de cura mantida estável e
expressa em dias-1.

52
90.0 90.0

80.0 80.0
500CV20
70.0 70.0
500CV0
60.0 60.0
400CV0
50.0 50.0
400CV20
500CV60
40.0 400CV40 40.0
500CV40
30.0 400CV60 30.0
CV=0 CV=0

f c m, c ubo ( MPa)
f c m, c ubo ( MPa)

20.0 CV=20% 20.0 CV=20%


CV=40% CV=40%
10.0 CV=60% 10.0 CV=60%

0.0 0.0
0 50 100 150 200 250 300 350 0 50 100 150 200 250 300 350
ida de (dias) ida de (dias)

Figura 1 – Resistência à compressão média Figura 2 – Resistência à compressão média


(L = 400 kg/m3) (L = 500 kg/m3)
90.0
600CV20
80.0 600CV0

600CV40
70.0

60.0
600CV60
50.0

40.0

30.0
CV=0
f c m, c ubo ( MPa)

20.0 CV=20%
CV=40%
10.0 CV=60%

0.0
0 50 100 150 200 250 300 350
ida de (dias)

Figura 3 – Resistência à compressão média


(L = 600 kg/m3)

Através da análise das Figuras 1 a 3 é possível apontar as seguintes observações:

! é possível produzir BED de custo reduzido incorporando materiais correntes com


fcm,cubo de cerca de 60 MPa aos 28 dias de idade e 65 MPa aos 56 dias de idade com L
= 500 kg/m3. Aumentando a quantidade de L para 600 kg/m3, o fcm,cubo sobe para cerca
de 70 MPa aos 28 dias de idade e 75 MPa aos 56 dias de idade;
! a utilização de L = 400 kg/m3 conduz a valores de fcm,cubo inferiores e os valores
máximos foram alcançados nas misturas de controlo (cerca de 45 MPa aos 28 dias de
idade e aproximadamente 50 MPa aos 56 dias de idade);
! em termos gerais, nas composições com L = 600 kg/m3 e idades superiores a cerca de
56 dias, percentagens de substituição de C por CV até 40% parecem resultar em
fcm,cubo com a mesma ordem de grandeza;
! apesar das reduzidas resistências verificadas nas idades mais jovens, as composições
com CV = 60%, obtiveram uma resistência à compressão apreciável em idades mais
avançadas, atendendo à reduzida quantidade de C presente na mistura: cerca de 50
MPa aos 90 dias de idade e L = 500 kg/m3 (C = 200 kg/m3); aproximadamente 65
MPa aos 90 dias com L = 600 kg/m3 (C = 240 kg/m3);

53
! a evolução ao longo do tempo da fcm,cubo, é tanto mais lenta quanto maior for a
quantidade de C substituída por CV, consequência da morosidade da reacção
pozolânica das CV;
! a composição 500CV40 apresentou um desenvolvimento de fcm,cubo ao longo do tempo
atípico, bastante aquém do esperado. Tal comportamento foi posteriormente
identificado como afecto a deficiências na amassadura ou na cura. Ensaios
complementares realizados em provetes cilíndricos comprovaram que a evolução
relativa da resistência à compressão ao longo do tempo de 500CV40 foi semelhante à
apresentada para a mistura 600CV40.

3.2. Migração de iões de cloro

A durabilidade das composições foi avaliada por intermédio da determinação dos


respectivos coeficientes de difusão de cloretos em estado não estacionário. O ensaio adoptado
foi baseado na metodologia proposta por Luping [8] (CTH rapid method) e, sumariamente,
consistiu em submeter os provetes a uma diferença de potencial de 40 V que forçou a
penetração dos iões de cloro através do betão. A duração da aplicação da diferença de
potencial foi fixa em função da intensidade de corrente inicial, cumprindo o disposto por
Luping [8]. A profundidade de penetração média foi determinada através de um processo
colorimétrico utilizando nitrato de prata.

O coeficiente de difusão em regime não estacionário (Dns) é calculado recorrendo à


seguinte expressão [8]:

R T L  x d − α x d 
D ns = (1)
Z F ∆E  t 

Sendo:

RTL  2c 
α=2 erf −1 1 − d  (2)
Z F ∆E  c0 

Onde:

R: constante dos gases perfeitos, R = 8.314 J/(mole.K);


T: temperatura absoluta da solução, K;
L: espessura do provete, m;
Z: valor absoluto do ião de valência; para iões de cloro, Z = 1.0;
F: constante de Faraday, F = 9.648 x 104 J/(mole.V);
∆E: valor absoluto da diferença de potencial, V;
xd: profundidade de penetração, m;
t: duração do ensaio, s;
erf-1: inverso da função de erro;
cd: concentração de cloro para a qual se verifica alteração colorimétrica do nitrato
de prata, cd ≈ 0.07 N;
c0: concentração de cloro na célula a montante, N.

54
Para cada composição foram sujeitos a ensaio 6 provetes com 100x100x50 mm3, com
uma idade de aproximadamente 1 ano. Os resultados médios obtidos (Dnsm) apresentam-se na
Figura 4.

20.0
3
L = 400 kg/m
18.0 3
L = 500 kg/m
3
16.0 L = 600 kg/m

14.0

12.0

10.0

8.0
m /s)

6.0
2
-12

4.0
D ns m (1 0

2.0

0.0
0 20 40 60
CV /L (%)

Figura 4 – Coeficiente de difusão de cloretos em regime não estacionário

Os Dnsm obtidos demonstram que a adição de CV tem um notório efeito favorável na


resistência dos betões à penetração de cloretos. É de salientar que mesmo para a composição
mais pobre em L e em C (400CV60: C = 160 kg/m3; CV = 240 kg/m3), o Dnsm obtido foi
inferior ao da mistura sem incorporação de CV e com 600 kg/m3 de cimento (600CV0).
Percentagens de substituição de C por CV de 20% foram responsáveis por uma substancial
redução do Dnsm das composições fabricadas com L = 400 kg/m3 e uma redução menos
marcante apesar de significativa para as restantes dosagens de L. Para quantidades superiores
de CV, as variação detectadas foram marginais, indiciando que, pelo menos, até 60% a adição
de CV não é prejudicial na resistência à penetração de cloretos. Relativamente à influência da
quantidade de L, parece não haver vantagens em proceder ao seu aumento de 500 kg/m3 para
600 kg/m3.
Com base na classificação proposta por Gjørv [9], que divide os betões relativamente à
resistência à penetração de cloretos em cinco categorias (de reduzida a ultra elevada) em
função do seu coeficiente de difusão de iões de cloro determinado recorrendo a um ensaio de
migração, semelhante ao efectuado, a substituição de 20% de C por CV nas composições
fabricadas com 400 kg/m3 de ligante permite melhorar consideravelmente a qualidade do
betão, aumentando a sua classificação de reduzida (Dns > 15 x 10-12 m2/s) para ultra elevada
(Dns < 2.5 x 10-12 m2/s). Para os restantes betões (L = 500 kg/m3 e L = 600 kg/m3) o
acréscimo qualitativo é menos pronunciado, passando os betões sem CV da classificação
muito elevada (2.5 x 10-12 m2/s < Dns < 5 x 10-12 m2/s) para ultra elevada, por intermédio da
adição de CV à mistura. É de salientar que a totalidade dos betões produzidos recorrendo à
incorporação de CV em quantidades de substituição de C de 20% a 60% são enquadrados na
classificação proposta pelo autor na categoria de melhor desempenho face ao ataque de iões
de cloro (resistência ultra elevada), comprovando a eficácia das CV face a este agente
agressivo.

3.3. Resistividade eléctrica

A resistividade eléctrica dos betões produzidos (ρ) foi aferida recorrendo aos valores
da intensidade de corrente inicial do ensaio CTH e por intermédio da utilização da lei de Ohm.

55
Os valores médios determinados (ρm), resultantes do ensaio de 6 provetes, apresentam-se na
Figura 5.

2000.0
3
L = 400 kg/m
3
L = 500 kg/m
3
1500.0 L = 600 kg/m

1000.0

500.0
ρ m (Ωm )

0.0
0 20 40 60
C V/L (%)

Figura 5 – Resistividade eléctrica

A Figura 5 permite evidenciar que a substituição de C por CV aumenta a ρm de todas


as composições estudadas e que este efeito é mais significativo para elevadas quantidades de
L. Nas composições com L = 500 kg/m3 e L = 600 kg/m3 verificou-se um acréscimo
substancial da ρm com o aumento da quantidade de CV até 40%, decrescendo quando
CV = 60%, mas para valores ainda superiores aos obtidos nas misturas de controlo. Os
resultados obtidos apontam para a existência de um valor óptimo de substituição de C por CV
igual a 40%, independentemente da dosagem de L.
Este ensaio, contrariamente ao verificado no CTH, não se mostrou sensível à
quantidade de C dos betões de controlo. No entanto, nas misturas com CV o ensaio de
resistividade eléctrica mostrou-se mais sensível e permitiu distinguir as diferentes
composições.

3.4. Absorção de água por capilaridade

As misturas realizadas foram, também, sujeitas ao ensaio de absorção de água por


capilaridade, realizado de acordo com o prescrito na especificação E393 do LNEC [10]. Com
base nos resultados deste ensaio determinou-se o coeficiente de absorção capilar (S) que é um
dos parâmetros correntemente empregues para caracterizar a durabilidade dos betões. O S
corresponde ao declive inicial da curva de absorção capilar, expressa pela quantidade de água
absorvida por unidade de área do betão em contacto com a água, em função da raiz quadrada
do tempo. Foram consideradas apenas as primeiras 4 horas de ensaio e os valores de S foram
determinados através do método dos mínimos quadráticos. Os resultados médios (Sm), obtidos
a partir do ensaio de 3 provetes, encontram-se representados na Figura 6.

56
0.18
3
L = 400 kg/m
3
L = 500 kg/m
3
0.16 L = 600 kg/m

0.14

0.12

)
0. 5
S m (kg/ m /m in 0.10
2

0.08
0 20 40 60
CV /L (%)

Figura 6 – Coeficiente de absorção de água por capilaridade

Conforme se pode constatar por intermédio da observação da Figura 6 a inclusão de


CV provoca a diminuição do Sm. Este efeito é mais pronunciado quando comparados os Sm
das composições de controlo com os correspondentes às misturas fabricadas com 20% de CV.
Para quantidades superiores de CV, a evolução do Sm apresenta-se menos clara, havendo
tendência para uma menor variação. Relativamente ao efeito afecto ao acréscimo da
quantidade de L associado à redução da respectiva razão A/L, a Figura 6 mostra que o Sm das
composições diminui de forma muito mais evidente até L = 500 kg/m3. Para quantidades de L
entre 500 kg/m3 e 600 kg/m3, os respectivos Sm variam pouco.
Recorrendo à classificação proposta por Browne [11], que permite avaliar a qualidade
do betão em função do seu coeficiente de absorção capilar (betão de qualidade elevada caso
S < 0.1 kg/m2/ min ; de qualidade baixa quando S > 0.2 kg/m2/ min ; e de qualidade média
para valores intermédios) é possível verificar que os betões produzidos com L = 400 kg/m3
podem ser considerados como de qualidade média e que aumentando a dosagem de L, desde
que adicionadas CV nas amassaduras, se conseguem betões de qualidade elevada.

4. CONCLUSÕES:

Os resultados obtidos nos ensaios de compressão uniaxial realizados indicam que é


possível produzir BED com 65 MPa de resistência aos 56 dias de idade com L = 500 kg/m3 e
CV = 20% ou com L = 600 kg/m3 e percentagens de substituição de C por CV até 40%. No
entanto, é de salientar que estes valores foram obtidos em provetes conservados imersos em
água logo após a desmoldagem e até à data de realização dos ensaios, o que potencia o
desenvolvimento das reacções pozolânicas do C com as CV. Como estas condições são
praticamente impossíveis de assegurar em condições práticas, é possível que, nestes casos, os
níveis de resistência não atinjam valores tão elevados.
A inclusão de CV reduz a resistência à compressão dos betões nas idades iniciais, mas
tende a recuperar ao longo do tempo. Em termos gerais, atingida a idade de cerca de 56 dias,
as diferenças na resistência à compressão entre as composições com 500 kg/m3 e 600 kg/m3
de L e fabricadas com quantidades de substituição de C por CV até 40% podem ser
consideradas pouco significativas. Os valores registados foram da mesma ordem de grandeza,
o que comprova o bom desempenho das CV, particularmente em idades mais avançadas.

57
O comportamento mecânico das composições com 60% de CV afastou-se do das
restantes. No entanto há que realçar a apreciável resistência à compressão obtida com esta
dosagem de CV nas idades mais avançadas. A composição 500CV60 (C = 200 kg/m3)
alcançou cerca de 60 MPa aos 90 dias de idade e a composição 600CV60 (C = 240 kg/m3)
aproximadamente 65 MPa, o que permite classificar estas composições como dotadas de bom
desempenho económico.
A durabilidade das composições estudadas foi avaliada através da realização de 3
ensaios distintos. Estes ensaios foram seleccionados devido à sua aceitação generalizada para
caracterizar a durabilidade dos betões. A totalidade dos ensaios aponta para uma melhoria do
desempenho das composições com CV. No entanto, a quantidade óptima de substituição de C
por CV dependeu do ensaio realizado. Enquanto que nos ensaios de resistividade eléctrica o
melhor desempenho foi obtido com CV = 40%, os restantes indicam uma tendência para a
melhoria da durabilidade com a adição de CV, mas não apontam claramente uma dosagem
óptima de CV.
O ensaio de migração de cloretos mostrou sensibilidade relativamente à qualidade dos
betões fabricados sem CV, mas os seus resultados foram praticamente independentes da
quantidade de C substituída por CV e mesmo da dosagem de L nas composições produzidas
com CV. Situação contrária foi detectada na resistividade eléctrica, cujo ensaio não se
mostrou capaz de distinguir as diferentes composições de controlo fabricadas. Contudo, este
ensaio reflectiu claramente a influência da quantidade de L empregue e da percentagem de
substituição de C por CV nas misturas onde esta adição mineral foi incluída.
Os resultados obtidos no ensaio de resistividade eléctrica indicam que a quantidade
óptima de substituição de C por CV deve ser próxima de 40%. Este aspecto pode ser
justificado devido ao facto de, para percentagens superiores de CV, a quantidade de hidróxido
de cálcio disponibilizado pela hidratação do C não ser suficiente para reagir com uma parte
significativa das CV que, assim, participam na mistura de forma semelhante à de uma areia
fina.
O ensaio de absorção de água por capilaridade mostrou-se dependente da dosagem de
L dos betões estudados e, também, evidenciou alguma sensibilidade relativamente à
quantidade de CV presente nas misturas.

5. AGRADECIMENTOS:

O autor manifesta os seus agradecimentos às empresas que gentilmente forneceram os


materiais usados nesta campanha experimental, nomeadamente à Cimpor, Indústria de
Cimentos, S.A, ao Departamento de Carvão e Cinzas da PEGOP, Energia Eléctrica, S.A, e à
Bettor MBT Portugal, Produtos Químicos para Construção, S.A.

6. REFERÊNCIAS:

[1] NP EN450 1995, Cinzas volantes para betão, definições, exigências e controlo da
qualidade, Instituto Português da Qualidade, Fevereiro de 1996;
[2] Camões, A. et al., Low cost high performance concrete using low quality fly ash,
ERMCO98, 12th European Ready Mixed Concrete Congress, Lisboa, Junho de 1998, p.478-
486;
[3] Rocha, P., Betões de elevado desempenho com recurso a materiais e processos correntes,
Tese de Mestrado, UM, Outubro de 1999;

58
[4] Bogue, R. H., Chemistry of Portland cement, Reinhold, Nova Iorque, 1955;
[5] Faury, J., Le Béton, Editions Dunod, Paris, 1958;
[6] Carino, N. J., The maturity method: theory and application, Cement, Concrete and
Aggregates, ASTM, Volume 6, Number 2, Winter 1984, p.61-67;
[7] Knudsen, T., On particle size distribution in cement hydration, Proceedings of the 7th
International Congress on the Chemistry of Cement, Editions Septima, Paris, Volume 2, 1980,
p.I-170-175;
[8] Luping, T., Chloride Transport in Concrete – Measurement and Prediction, Tese de
Doutoramento, Chalmers University of Technology, Gotemburgo, Suécia, 1996;
[9] Gjørv, Odd E., Service life of concrete structures and performance-based quality control,
International Workshop on Innovations in Concrete Materials, Whistler, Canada, Junho 2001;
[10] LNEC 393, Betões – determinação da absorção de água por capilaridade,
Documentação normativa, especificação LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil,
Lisboa, Maio de 1993;
[11] Browne, R. D., Field investigations: site & laboratory tests: maintenance repair and
rehabilitation of concrete structures, CEEC, Lisboa, 1991.

59
Geopolímeros

O Betão do Futuro Para Construção Sustentável

Teixeira Pinto, A1; Cardão, R.2

Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro, Departamento de Engenharia Civil


Quinta Codeçais, 5000 Vila Real, Portugal

RESUMO

O silício, Si, é um dos mais abundantes elementos do Universo, não só em termos da


sua massa total, como também do número de fases, da frequência com que ocorre e do
âmbito da sua distribuição. Exibe um enorme potencial de combinação, razão pela qual nunca
se encontra isolado, apresentando-se combinado com o oxigénio sob a forma de SiO2 ( a
chamada sílica) ou também sob a forma de SiO4 que constitui o ião-base de formação dos
silicatos. Estes representam só por si cerca de 95% dos compostos da crosta terrestre, sendo os
constituintes básicos dos solos e das rochas e formando também parte dos próprios seres
vivos.
O alumínio é um elemento também muito abundante, e como tem um elevado
potencial iónico de combinação, é natural que se encontre ligado ao silício, constituindo o
importante grupo dos alumino-silicatos, dos quais as argilas constituem seguramente o
subgrupo mais abundante. As argilas tratadas termicamente e depois submetidas a activação
alcalina, dão lugar à formação de sistemas ligantes totalmente distintos dos tradicionais
cimentos do tipo Portland, permitindo o fabrico de betões de elevado desempenho pois
combinam um excelente comportamento mecânico com uma durabilidade só comparável à
dos materiais cerâmicos.

1. INTRÓITO

Para promover a introdução da Geopolimerização e dos Geopolímeros, convém


começar por definir e explicar estes conceitos.
A Geopolimerização, também conhecida como Activação Alcalina, é uma reacção
química de hidratação que se processa entre os vários óxidos presentes nos alumino-silicatos
em ambiente fortemente alcalino. Ela dá origem, por exemplo, à formação de monómeros do
tipo Si-O-Al-O que se repetem indefinidamente, como nos polímeros orgânicos, e que
resultam da capacidade do alumínio induzir, em certas condições, alterações cristalográficas e
estruturais na matriz siliciosa [1].
Por outro lado os Geopolímeros são materiais alumino-silicatados de natureza amorfa
ou semi-cristalina, resultantes de uma reacção de Geopolimerização. Esta reacção pode
verificar-se sobre alumino-silicatos pela acção de:
! hidróxidos do tipo ROH, R(OH)2

1
Prof. Auxiliar Convidado, UTAD, Vila Real
2
Aluno de Engiª.Civil UTAD, Vila Real

60
! sais de ácidos fortes do tipo Na2SO4, CaSO4.2H2O
! sais de ácidos fracos do tipo R2CO3, R2S ou R2F
! e ainda sais silicatados de composição R2 (n)SiO2

Onde R é um ião do tipo Na+ ou K+ .

De um modo menos formal, poderá dizer-se que os Geopolímeros são os equivalentes


sintéticos de certos zeólitos naturais, e reproduzem artificialmente as reacções de síntese
que ocorrem na natureza e estão na base da formação de importantes grupos de rochas da
crosta terrestre [2]. Estes materiais combinam a elevada inércia da cerâmica com a tenacidade
que é reconhecida aos betões de cimento Portland, de certa forma também eles constituídos
por alumino-silicatos embora não activados alcalinamente [3] .

Fig. 1 – Formação dos zeólitos [4]

Em condições ambientais de temperatura e pressão, os geopolímeros endurecem muito


rapidamente, atingindo em poucas horas resistências de várias dezenas de MPa, promovendo
estruturas de aglutinação que permitem a obtenção de betões de elevado desempenho,
designação que como se sabe abrange não só o domínio das altas resistências mecânicas como
também um assinalável comportamento em termos da durabilidade.
Este tipo de materiais envolve um novo e mais promissor conceito de ligante.
Enquanto o cimento Portland funciona basicamente como uma cola que envolve numa matriz
mais ou menos rígida uma estrutura pétrea de elevada compacidade, mas com a qual não se
combina quimicamente (daí o nome genérico de inertes que se dá aos agregados), os ligantes
obtidos por activação alcalina de alumino-silicatos não vão buscar a resistência mecânica ao
esqueleto pétreo enquanto estrutura imbricada, mas vão reagir quimicamente com os
agregados [3], promovendo óptimas ligações na interface argamassa-agregado cuja resistência
ultrapassa com facilidade a própria resistência mecânica da pedra. Pode ver-se na Fig.2, que
as superfícies de fractura atravessaram o próprio agregado (granítico no caso) de um provete
de betão geopolimérico ensaiado à compressão simples, não se notando qualquer
‘‘descolamento’’ dos elementos de brita da matriz cimentícea envolvente.

61
Fig. 2 – Superfícies de fractura

Decorre do que fica dito, que enquanto os betões com ligantes do tipo Portland exigem
a selecção cuidada dos agregados, sujeitando-os a uma curva granulométrica apertada e
envolvendo condições de fabrico muito específicas, os betões alcalinos (geopoliméricos)
dependem pouco da composição granulométrica dos materiais, pois que reagindo com eles,
acabam por formar uma pasta mais uniforme, mais coesa e onde a matriz cimentícea constitui
o factor essencial do comportamento mecânico. É possível por isso trabalhar com materiais
“sujos”, com teores em argila ou pó de até 20% [5], o que abre consideravelmente o leque dos
materiais utilizáveis e atenua de modo muito significativo a pressão exercida sobre o ambiente
na exploração continuada de recursos pétreos em pedreiras.

Além do mais, como consequência natural da sua abundância e do carácter inorgânico


da sua constituição, os alumino-silicatos constituem a fracção mais importante dos resíduos de
queima de carvão, de nafta, e da incineração de lixos, e ainda são os componentes essenciais
de todo o tipo de escombros, restos de demolição, de tijolo e produtos cerâmicos bem como
de escórias de todos os tipos. Nestas condições os geopolímeros têm também como matéria
prima um tipo de materiais que está presente na maior parte dos dejectos sólidos que o
Homem produz, o que permite encarar a possibilidade de reintegração quase total dos lixos
que são produzidos [3]; de facto os componentes orgânicos ou se transformam em gás ou são
utilizados em compostagem e adubos, os elementos metálicos podem ser totalmente
reciclados, o vidro é reciclado sendo também activável alcalinamente, e o papel e os seus
derivados ou são reciclados ou uma vez incinerados podem ser activados.

De todos os tipos de alumino-silicatos, as argilas são os mais abundantes na medida


em que resultam directamente da alteração de grande parte das rochas. Sem deixar de
referir a importância que a utilização de lixos e escombreiras podem ter na formulação deste
novo tipo de ligantes e as enormes vantagens ambientais que daí advém, vamos todavia dar
particular atenção ao estudo das argilas, já que a optimização das propriedades mecânicas e de
durabilidade destes materiais pressupõe de alguma forma a utilização de materiais com
composição química mais homogénea.

2. ENQUADRAMENTO QUÍMICO E FORMAÇÃO DE ESTRUTURA

62
Do ponto de vista químico importa dar alguma atenção à constituição dos alumino-
silicatos.
Foi graças aos trabalhos de W.L.Bragg e M.Laue sobre a utilização dos Raios X e das
suas propriedades, que a partir de 1912 se começou a conhecer em pormenor a estrutura
interna dos minerais. Verificou-se então que na sua maioria os minerais são compostos
cristalinos, ou seja, à escala molecular estão formados por planos e faces muito bem definidas
que têm a propriedade de dispersar os raios X e produzir padrões de interferência que são
característicos de cada composto ou grupo químico.

Com o auxílio desta técnica e ainda da microscopia electrónica, desenvolvida por


E.Ruska em 1931, concluiu-se que os silicatos são constituídos por uma unidade básica: - um
tetraedro centrado num átomo de silício e rodeado em cada vértice por um oxigénio (Fig.3).
Diz-se que o silício (Si) está em coordenação 4 com o oxigénio (O) e esta unidade tetraédrica
dado o carácter muito forte da ligação Si-O (452 kJ/mol segundo Cottrell) é muito estável,
razão porque se encontra tão difundida [6] .

Um Si = 4+
Quatro O= 8-

Tetraedro Si - O

Fig.3 – O anião [SiO4]4-

Em consequência das ligações de carácter covalente entre o Silício e o Oxigénio, gera-


se um déficit de carga eléctrica (como se vê na figura) que tem de ser compensado com
catiões do tipo Na+, K+, Ca2+, Mg2+, etc (desde mono até heptavalente ).

Apesar de todos os estudos já feitos sobre a estrutura electrónica dos silicatos, ainda se
está longe de um conhecimento profundo da natureza da ligação Si-O [6]. Certos autores
atribuem a esta ligação um carácter simultaneamente iónico e covalente, tendo ambos os
modelos um particular interesse na explicação das propriedades químicas e estruturais dos
silicatos. Todavia a maioria dos autores confere a esta ligação um marcado carácter covalente.

O elemento fundamental na activação alcalina é o Alumínio (trivalente) que se


encontra estabilizado nas argilas em coordenação 6 (octaédrica) com o Oxigénio e grupos
hidroxilos OH. Esta forma estável pode ser contudo alterada por tratamento térmico que,
dando lugar à desidroxilação, ou seja à perda de água, modifica a coordenação do alumínio de
6 para 4 (tetraédrica) o que implica uma maior instabilidade ao ião e portanto uma maior
capacidade de combinação.

Num ambiente fortemente alcalino, que promove numa primeira fase a dissolução da
sílica por destruição das ligações covalentes e, digamos assim, a individualização dos aniões
tetraédricos [SiO4]4-, formam-se condições para uma coagulação muito rápida entre estes e os

63
aniões [AlO4]5- que passam a ligar-se alternadamente, compartilhando todos os oxigénios dos
vértices [7]. A abundância relativa da sílica e alumina presentes no precursor geopolimérico
dita o tipo de matriz espacial que é obtida. A Fig.4 mostra as três estruturas de repetição
(monómeros) que são obtidas consoante as razões atómicas Si/Al são de 1:1, 1:2 ou 1:3. É
visível no esquema representado (o de um poli-sialato siloxo) a presença de catiões de
potássio K+, cuja origem está no activador que promove o meio alcalino e que têm como
finalidade a compensação das cargas eléctricas do ião alumínico.

Fig.4 – Estruturas químicas [3]

3. PRECURSORES GEOPOLIMÉRICOS

Importa de alguma forma analisar agora os materiais de partida a que chamamos


precursores geopoliméricos.
Pelas razões já apontadas vamos dar especial ênfase nesta comunicação às argilas e em
particular aos caulinos. Mas insistimos, sem que isso possa significar alguma desvalorização
ou secundarização da importância que outros alumino-silicatos, especialmente os que
pertencem ao domínio dos dejectos industriais, podem ter em termos das aplicações
industriais.
Os caulinos, são como se sabe, argilas que resultam sobretudo da alteração dos
feldspatos que se encontram presentes na constituição dos granitos. O mineral de argila
principal é a caulinite, sendo o caulino tanto mais puro, mais branco e mais fino, quanto maior
o teor em caulinite. É na caulinite que vamos encontrar a sílica e alumina que são essenciais à
reacção de geopolimerização, e é por isso importante garantir, por lavagem (se o grau de
impurezas for elevado), que o teor em caulinite seja no mínimo de 80% [8] .

A caulinite pode ser directamente activável em condições de temperatura (~150ºC) e


pressão (20 bares) [1] que não sendo exageradas, fogem à comodidade do trabalho em
condições ambientais de pressão e temperatura. Porém, para que se possa trabalhar nestas

64
condições, é necessário sujeitar o caulino a uma fase prévia de tratamento térmico no sentido
de promover a desidroxilação e a alteração da coordenação do alumínio.
A desidroxilação inicia-se mal se eleva a temperatura, mas até cerca dos 400-450ºC ela
é reversível, isto é, se se juntar água, voltamos a ter novamente caulino com recuperação da
coordenação octaédrica por parte do alumínio. Porém, a partir dos 450-500ºC a perda dos
hidroxilos é irreversível e obtém-se entre essas temperaturas e os 950ºC um material de
estrutura amorfa ou semi-cristalina, de carácter vincadamente pozolânico a que chamamos
metacaulino. Este material é dotado de uma grande reactividade.
Depois dos 950ºC e nalguns casos mesmo um pouco antes, começam a verificar-se
fenómenos de recristalização, com formação de γ-alumina, espinela e mulite. A maiores
temperaturas dá-se a formação de cristobalite, que é um isomorfo da sílica. Nestas fases
cristalinas perde-se quase totalmente a capacidade reactiva do metacaulino.
A temperatura em que se obtém o maior grau de desorganização estrutural, ou seja a
mais elevada entropia, situa-se no intervalo 732º e 764ºC, tendo-se fixado por comodidade o
valor de 750ºC como a temperatura de referência [9]. Há já aqui um ganho substancial em
termos energéticos em comparação com a obtenção do clínquer do Portland onde são
necessárias temperaturas a rondar os 1500ºC.
O metacaulino é pois um material de partida, mas a reacção de Geopolimerização só se
verifica por acção de um activador alcalino: - normalmente um hidróxido alcalino (sódico ou
potássico) ou uma mistura de hidróxidos e silicatos alcalinos. Os mecanismos da reacção de
activação não são ainda perfeitamente conhecidos porque não se dispõe ainda de nenhum
processo de “congelar” a reacção em diferentes estádios, circunstância que permitiria
acompanhar o evoluir dos fenómenos reactivos. Assim, há um conjunto de teorias que
merecem algum consenso por parte dos principais investigadores e que se baseiam numa fase
inicial de dissolução da sílica por ataque do activador alcalino às ligações covalentes, seguida
de uma fase de coagulação iónica e a precipitação com poli-condensação dos monómeros já
formados. No final, o ião alcalino é recuperado, ainda que fique ligado à matriz para
compensar electricamente o déficit existente:

Si-O + R+ = Si-O-R
Si-O-R + OH- = Si-O-R-OH-
Si-O-R-OH- + Al3+ = Si-O-Al-O + H+ + R+

A mistura de metacaulino e activador alcalino processa-se em condições ambientes de


temperatura e pressão, usando para o efeito uma misturadora do tipo mistura forçada. A alta
viscosidade da pasta formada exclui totalmente a utilização de betoneiras do tipo gravítico [10].
Após a fase de formação da pasta, podem juntar-se os componentes pétreos do betão
(areia e brita) sem que contudo haja de proceder-se a qualquer selecção granulométrica
prévia. Não se põe de parte a possibilidade de recurso aos métodos tradicionais (Fuller,
Bolomey ou Faury) para obtenção de uma curva bem graduada com vista à máxima
compacidade. É bem possível de resto que com estas técnicas, que visam a maior
compacidade possível, se obtenha alguma economia no consumo de metacaulino. O que se
pretende muito simplesmente evidenciar é a maior abertura que este tipo de ligante admite em
termos da classificação granulométrica dos agregados.

A ordem de mistura é muito importante senão mesmo decisiva pois é importante


evitar a formação de grumos. Também as técnicas de compactação são mais específicas pois o
carácter gelatinoso dos activadores alcalinos coloca algumas dificuldades ao nível da expulsão
do ar incluso e ainda não se conhecem plastificantes adequados a este novo tipo de ligantes
[10]
.

65
Sem grandes dificuldades e uma vez que se dominem as técnicas de manipulação
destes materiais é possível obter pastas com boa trabalhabilidade, que permitem a obtenção de
betões compactos, densos e com excelente acabamento (Fig. 5).

Fig. 5 – Betão Geopolimérico

4. RESULTADOS E COMENTÁRIOS

4.1 Ensaios Convencionais de Resistência Mecânica

A composição dos betões a que se faz referência neste estudo não foi estudada, como
se disse, por qualquer dos métodos tradicionalmente empregues na tecnologia dos betões de
cimento Portland (Faury, Bolomey, etc). Dado que a reacção principal envolve a combinação
química entre a pasta e os agregados, foram usadas como referência de composição as
seguintes razões, que não têm qualquer objectivo de garantia de compacidade :

Metacaulino / Agregado - 0,50

Activador /Metacaulino - 0,91

Deve todavia insistir-se numa questão: - a compacidade não é um aspecto secundário


ou pouco importante na garantia de boas resistências mecânicas. É evidente que continua a ser
necessário expulsar o máximo de ar possível da mistura sob pena de se obterem betões
porosos com uma estrutura pouco compacta, condições em que obviamente as resistências
mecânicas não podem atingir valores elevados.
Os materiais utilizados no fabrico destes betões foram uma areia siliciosa muito fina,
proveniente das escombreiras das Minas de Jales∗ e uma granulometria extensa de
agregados graníticos de dimensão 0-9,5mm. Em geral, nenhum destes materiais é
aconselhável para o fabrico de betão com cimento Portland dado o elevado teor em
partículas finas e muito finas. Além disso e tendo em atenção que o agregado mais grosso se
apresenta como uma granulometria extensa, pode dizer-se que temos excesso de fracção fina,


A utilização de materiais residuais como o das escombreiras das Minas de Jales, que têm constituído séria
ameaça ao ambiente, constituem também parte integrante do nosso trabalho, embora não seja o assunto aqui
abordado em mais pormenor.

66
muito acima do que é admissível num betão corrente em que se pretende uma garantia de
obtenção de razoável resistência mecânica.

Os resultados obtidos em ensaio de compressão simples sobre provetes normalizados


com 4x4x16 cm3 são os seguintes:

Quadro 3 – Ensaios em compressão simples

Idade à data do ensaio Carga de Ruptura Tensão de Ruptura


1 dia 78.66 KN 49.16 MPa
2 dias 92.93 KN 58.08 MPa
7 dias 113.58 KN 70.99 MPa
14 dias 124.08 KN 77.55 MPa
21 dias 123.73 KN 77.33 MPa

Verifica-se de imediato que a curva de ganho de resistência mecânica com a idade é


consideravelmente diferente da que é característica do cimento Portland. Nos primeiros 7
dias, o betão geopolimérico adquiriu mais de 90% da resistência máxima de referência que se
obteve aos 14 dias, não evoluindo muito mais para além desta idade. Se bem que estes
resultados em várias idades não possam generalizar-se, é possível porém concluir, de acordo
com a experiência obtida, que o ganho de resistência dos geopolímeros (sem qualquer
aditivação específica) é muito mais rápido do que o de um betão de cimento em idênticas
condições.

É muito significativa a resistência mecânica que é possível obter em fases muito


precoces e sem recurso a qualquer tipo de acelerador ou aditivo. Eventualmente poderá
promover-se a obtenção de elevados níveis de comportamento mecânico ao fim de apenas 1
hora à temperatura de 65ºC. Os resultados já obtidos em argamassas apontam para valores
superiores a 35 MPa.

4.2 – Ensaios de ataque químico

Sob o ponto de vista do comportamento destes materiais debaixo de condições de


agressividade química e física muito severas, está a ser estudada a durabilidade de provetes
em imersão prolongada em soluções ácidas de H2SO4, HNO3 e HCl a 10% (estudo em curso).

Para comparação, são efectuados os mesmos ensaios sobre provetes de betão de iguais
dimensões. Os primeiros resultados feitos com ácido clorídrico a 37% de concentração
indicam que enquanto estes últimos se degradam significativamente (Fig.6), os betões
geopoliméricos registam perdas de peso da ordem de 12% .

67
a) b) c)

Fig.6 – Provetes após ataque por HCl


a) betão geopolimérico, b) argamassa geopolimérica c) betão de cimento Portland

Os provetes uma vez retirados dos recipientes sofreram uma lavagem uniforme com
jacto de água durante exactamente 20 segundos, para retirada do material alterado e pesados.
Não foi feita qualquer secagem em estufa para não introduzir eventualmente qualquer outro
factor perturbador da comportamento dos materiais.
Paralelamente estão em curso ensaios de choque térmico, molhagem/secagem e ataque
salino em câmaras de envelhecimento, que visam quantificar o comportamento destes
materiais em meios de agressividade física. Os resultados ainda não estão disponíveis.

4.3 – Ensaios em condições reais

Foram feitos também dois ensaios cruciais com vista a aplicações em betões de
fundação: - a presa debaixo de água e a presa em condições reais com provetes enterrados no
solo a cerca de 50 cm de profundidade, sendo o solo regado todos os dias.
Ao fim dos 7 dias de duração do ensaio, os provetes foram retirados da água e do solo
e imediatamente ensaiados.
Em relação aos provetes testemunha, curados a seco, à temperatura ambiente e
envolvidos em filme de polietileno, verifica-se uma diferença mínima (para mais e para
menos) que está com certeza dentro do intervalo de variação dos resultados

Quadro 4 – Ensaios para fundações


________________________________________________________
Provetes testemunho Debaixo de água Enterrado no solo

36.07 MPa 36.22 MPa 32.86 MPa


________________________________________________________

Estes valores, dadas as condições em que foram obtidos, são muito promissores em
termos da aplicação prática destes materiais em betões de fundação, domínio em que as
condições de durabilidade dos betões são mais exigentes. De facto, betões em contacto
permanente com solos, onde os teores em sulfatos, cloretos e outros agentes químicos podem

68
ser elevados, além da possibilidade de variações frequentes dos níveis freáticos, estão sujeitos
a condições de agressividade muito superiores às que são correntes nos betões das
superestruturas. E destes, temos bom conhecimento do seu comportamento e da sua
durabilidade, pela simples razão de estarem à vista.
Também a aderência dos betões geopoliméricos ao aço de construção é de uma
importância crucial para as aplicações. E por isso, usando provetes de betão convencional,
com as mesmas dimensões e o mesmo tipo de armaduras, foram desenvolvidos ensaios de
arranque por tracção (Fig. 7).

Fig. 7 – Ensaio de Tracção

Os resultados obtidos são os constantes do Quadro 5.

Quadro 5 – Tensões de Aderência


_______________________________________________________
Betão CP > 3.6 MPa > 3.35 MPa > 2.81 MPa

Betão Gpmero > 6.6 MPa > 6.75 MPa > 5.48 MPa
_______________________________________________________

Em todos os provetes (3 de cada material) a ruptura deu-se por tracção do provete,


circunstância que está ligada ao sistema de garras do aparelho. A figura 7 mostra bem o
dispositivo de ensaio. Não se verificou portanto, em nenhum caso, algum arranque da
armadura. Por este motivo, os cálculos foram efectuados tendo em atenção a secção
transversal dos provetes (por onde afinal se verificou a ruptura) e o valor da tensão registada
pela máquina, dotada de sensibilidade muito grande. Em todas as situações se verifica que a
tensão de aderência aço-betão é superior à própria resistência do betão em tracção, não
podendo para já estabelecer-se qualquer juízo de comparação entre os dois materiais
estudados.

69
5. CONCLUSÕES FINAIS

Os estudos e ensaios sobre betões geopoliméricos estão ainda entre nós numa fase
embrionária. Pode perspectivar-se um amplo desenvolvimento das suas aplicações em vários
domínios da Engenharia Civil, em que seja necessário o tipo de desempenho que estes
materiais parecem evidenciar.
Pensamos que de um modo imediato este material pode ser usado em muros de suporte
e em fundações de todo o tipo pois não há dificuldade em conseguir que este tipo de materiais
endureçam debaixo de água, não parecendo verificar-se quebras de resistência significativas.
De um modo geral, e dado que o ganho de resistência destes materiais é
substancialmente superior ao que é conseguido com os ligantes convencionais, estamos
perante um quadro de redução global dos prazos de desmoldagem e de entrada das estruturas
em serviço, o que permite concluir as obras num prazo mais curto. Verifica-se por
conseguinte, uma economia de tempo que poderá compensar largamente os eventuais maiores
custos que a utilização destes materiais possa comportar.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Comissão Organizadora do presente Seminário e em


particular ao sr. Prof. Dr. Said Jalali a oportunidade que lhes foi dada para a divulgação dos
seus trabalhos neste domínio.

7. REFERÊNCIAS

[1] Davidovits,J., - “Properties of Geopolymer Cements”, proceedings of Alkaline Cements


and Concretes Conference, Ukraine, 1994, pp 1-19
[2] Davidovits,J., - “Chemistry of Geopolymeric Systems, Terminology”, proceedings of the
Second International Conference Géopolymère ’99, França, 199, pp 9-40.
[3] Teixeira-Pinto,A., - “Novos Sistemas Ligantes Obtidos por Activação Alcalina –
Geopolimerização”, Construção Magazine, nº3, 2002, Porto, pp16-22.
[4] Costa,C., Lemos,F., Ramôa Ribeiro,F. – “Zeólitos, da Engenharia Química à Engenharia
Agronómica”, Ingenium, 2ªsérie, nº38, Junho99, pp 80-82.
[5] Glukhovsky,V. – “Ancient, Modern and Future Cements”, keynote paper, Alkaline
Cements and Concretes, First International Conference, Ukraine, 1994, pp 1-8.
[6] Liebau,F., - “Structural Chemistry of Silicates”, Ed.Springer-Verlag, Berlin, 1985.
[7] Krivenko,P., - “Alkaline Cements”, proceedings of Alkaline Cements and Concretes, First
International Conference, Ukraine, 1994, pp 11-130.
[8] Granizo, M., - “Activación Alcalina de Metacaolin: Desarrollo de Nuevos Materiales
Cementantes”, Tese de Doutoramento em Ciências Químicas, Universidade Autónoma de
Madrid, 1998.
[9] Bachiorrini, A., Murat,M., - “Chimie Minérale”, C.R.Académie des Sciences de Paris,
t.303, Série II, nº20, 1986, pp 1783-1786
[10] Teixeira-Pinto,A., Fernandes,P., Jalali,S. – “Geopolymer Manufacture and Apllication –
Main Problems When Using Concrete Technology”, Geopolymer Conference 2002,
Melbourne, Australia, (comunicação aceite).

70
Reciclagem De Resíduos Da Construção e Demolição
Investigação no IST
Jorge de Brito1

Instituto Superior Técnico – Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura


Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal

1. INTRODUÇÃO GERAL

Neste seminário sobre construção sustentável, dedica-se a presente sessão à reciclagem


dos Resíduos da Construção e Demolição (RCD), pretendendo-se ainda reportar o que tem
vindo a ser feito em termos de investigação nesta área no Instituto Superior Técnico.
A indústria da construção, uma das mais pujantes em Portugal e por isso mesmo uma
das mais responsáveis pela degradação do ambiente, precisa de estar ciente dos novos
desafios que os próximos anos lhe vão colocar: a procura de um desenvolvimento sustentado,
ou seja, continuar a criar riqueza mas sem colocar em causa o futuro das próximas gerações,
nomeadamente em termos de impactes ambientais.

Em Portugal, a extracção intensa de agregados naturais e a descarga desordenada a


vazadouro dos RCD têm originado diversos problemas ambientais (ou mesmo acidentes,
como em Entre-os-Rios) e já deveria ter levado à criação de legislação específica para
incentivo da reciclagem dos detritos da construção / demolição e utilização na construção civil
de agregados reciclados daqueles.

Para o desenvolvimento da reciclagem dos RCD dentro da indústria da construção, é


de extremo interesse a avaliação da actual produção de resíduos, das tendências evolutivas
existentes, das propriedades e campo de aplicação de agregados reciclados na construção, das
técnicas de demolição mais apropriadas para a reciclagem e de até onde e de que forma se
poderá chegar no consumo de agregados reciclados [1]. Estima-se que, no nosso país, a
produção de entulhos ronde as 10 Mt/ano. No que diz respeito a experiências de reciclagem
destes materiais, existem alguns casos pontuais como por exemplo a utilização de materiais
provenientes de demolições efectuadas na zona da Expo, para a constituição de sub-bases de
pavimentos rodoviários, e a reconstrução da base aérea de Monte Real [1].
A composição dos resíduos da construção civil é função da fonte que os originou e
também do momento em que foi colhida a amostra. Nesta composição, podem aparecer
componentes como: asfalto, betão simples, betão armado, pedra britada, cascalho, madeira,
tijolos hidráulicos, tijolos cerâmicos, vidros, papel e matéria orgânica, metais, tubos plásticos,
areia, etc..
Através de um processo de separação e tratamento, podem-se obter, a partir dos
resíduos da construção civil, agregados grossos (Fig. 1) ou finos a serem potencialmente
utilizados na produção de betões aplicados em estruturas, pavimentos rodoviários e elementos
pré-fabricados. A utilização de agregados reciclados para fins específicos depende de uma boa
caracterização física e química dos mesmos, por exemplo quanto à forma, textura,
granulometria, nível de impurezas, etc..
1
Professor Associado, Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico

71
Fig. 1 - Aspecto de agregados grossos obtidos após a trituração de elementos demolidos de
betão [1]

Uma vez que, à priori, os agregados reciclados têm características diferentes dos
naturais, como por exemplo uma certa quantidade de argamassa aderida à sua superfície, é de
extrema importância para a sua utilização a avaliação prévia das principais propriedades dos
produtos obtidos a partir de agregados reciclados.
É em dois campos principais que os impactes ambientais positivos do uso de
agregados provenientes da reciclagem dos RCD mais se fazem sentir:

! extracção de recursos naturais não renováveis;


! protecção da paisagem (em termos de aterros e pedreiras).

Ciente da carência de pesquisa no nosso país no âmbito da reciclagem dos RCD, o


grupo de Gestão e Tecnologia da Construção, do Departamento de Engenharia Civil do IST,
formou um grupo de trabalho para investigação nesta área que já conduziu a duas dissertações
de mestrado intituladas “Análise do Desempenho de Betões Produzidos a Partir de Inertes
Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção” [2] e “Utilização de Agregados Grossos
Reciclados na Produção de Betão” [3].
No âmbito deste tema, está também em curso um trabalho de investigação com vista à
elaboração de uma tese de doutoramento, abordando os seguintes aspectos:

! aspectos relacionados com a resistência (compressão, tracção e abrasão) e a


deformabilidade (módulo de elasticidade, retracção e fluência) de betões produzidos
com agregados grossos reciclados de betão;
! aspectos relacionados com a durabilidade (absorção de água, índice de vazios,
porosidade, resistividade, avanço da frente de carbonatação, reacção álcali-agregados
e penetração de cloretos) dos mesmos betões;
! variação das propriedades daqueles betões com a percentagem de agregados grossos
reciclados utilizada.

Vários outros trabalhos de investigação relacionados com esta temática estão em curso
no Instituto Superior Técnico, se bem que ainda não existam resultados definitivos dos
mesmos.

72
Retomando um pouco o objectivo principal desta apresentação, ela focará os seguintes
aspectos principais:

! uma proposta de organização da investigação necessária em Portugal neste sector;


! uma descrição da investigação já iniciada neste domínio em Portugal pelo Instituto
Superior Técnico.

Finalmente, deve ser referido que o presente documento se baseia de forma extensiva
nos seguintes:

! “A Investigação na Área da Reciclagem” de Jorge de Brito e José Roberto dos Santos,


Seminário “Betão para a Construção Sustentável”, APEB, Lisboa, Abril 2002;
! “Campanha Experimental Efectuada no IST” de José Roberto dos Santos, Jorge de
Brito, Ana Paula Gonçalves e Fernando Branco, Seminário “Betão para a Construção
Sustentável”, APEB, Lisboa, Abril 2002;
! “Análise da Viabilidade Económica da Reciclagem de Agregados” de Jorge de Brito e
Ana Paula Gonçalves, Seminário “Betão para a Construção Sustentável”, APEB,
Lisboa, Abril 2002;
! “Desempenho Mecânico de Betões Fabricados com Agregados Grossos Cerâmicos
Reciclados” de Ana Sofia Pereira, João Correia, Jorge de Brito e José Roberto dos
Santos, V Seminário “Desenvolvimento Sustentável e a Reciclagem na Construção
Civil”, IBRACON, São Paulo, Setembro 2002.

2. ORGANIZAÇÃO DA INVESTIGAÇÃO NO DOMÍNIO DA RECICLAGEM DOS


RCD

A investigação no âmbito da utilização de agregados reciclados para a produção de


betões e argamassas tem apenas alguns anos e, no caso do nosso país, quase tudo está ainda
por fazer ao nível da investigação. Por conseguinte, procurar-se-á neste capítulo da
apresentação descrever uma organização possível deste domínio da investigação, que será
composta pelos seguintes módulos principais:

! política geral de gestão de resíduos;


! técnicas de demolição e triagem de materiais;
! fabrico de betões e argamassas;
! durabilidade dos materiais;
! impactes ambientais;
! viabilidade económica.

Para cada um destes módulos, serão agora indicados objectivos, temáticas e estudos
parcelares necessários, sem haver a preocupação de os relacionar directamente com
investigação já em curso.

2.1. Política geral de gestão de resíduos

Como será demonstrado mais à frente, a viabilidade da reciclagem dos resíduos de


construção e demolição (RCD) no fabrico de betões e argamassas está fortemente dependente
do enquadramento legal que se consiga criar. Actualmente em Portugal não existe qualquer

73
legislação que permita tornar atractiva esta actividade. Por um lado, são inexistentes ou pouco
expressivas as taxas ambientais sobre a extracção de agregados naturais, o mesmo se
passando em relação à imposição da reposição da paisagem na exploração das pedreiras. Por
outro, as taxas ambientais impostas no depósito em vazadouro de materiais susceptíveis de ser
reciclados não são suficientemente desencorajadoras dessa mesma prática, do que resulta que
os custos desse depósito são de longe os mais baixos da União Europeia. Finalmente, as
coimas aplicadas aos prevaricadores, cuja assinatura é bem visível à beira das estradas sob a
forma de montes de entulho, são débeis e, sobretudo, raramente são efectivamente aplicadas.
Assim sendo, a investigação sobre a política geral de gestão de resíduos deverá ter
duas componentes: a nacional e a municipal. Na primeira, deverão ser analisadas as seguintes
matérias:

! classificação dos resíduos (com identificação clara dos perigosos, relativamente pouco
comuns entre os RCD, e da forma de os separar e escoar; os RCD são, de um modo
geral, inócuos do ponto de vista de contaminação do ar, água e solo, mas não deixam
por isso de ser muito volumosos e danosos para a paisagem);
! benchmarking em termos de legislação comunitária em termos de exploração de
recursos naturais, aterros e reaproveitamento / reciclagem (países como a Dinamarca,
a Bélgica, o Reino Unido e a Alemanha têm implementada legislação neste domínio
que poderá servir de inspiração para o caso Português);
! análise e melhoramento da legislação nacional existente em termos de exploração de
recursos naturais (os agregados naturais são um recurso potencialmente escasso, não
são renováveis e as pedreiras são frequentemente uma agressão na paisagem; as taxas
ambientais sobre as pedreiras deverão ser um pouco agravadas e deverão ser mais
exigentes os procedimentos relacionados com a reposição da paisagem; a fiscalização
deve ser melhorada e as coimas por incumprimento agravadas; em relação às minas
actualmente abandonadas ou que o venham a ser no futuro, deve ser criada legislação
no sentido de se recorrer a RCD e outro tipo de resíduos inócuos na sua recuperação
paisagística, desde forma desviando o seu escoamento dos aterros);
! análise e melhoramento da legislação nacional existente em termos de aterros (os RCD
não têm constituído uma prioridade mas, também por isso, têm contribuído para o
esgotamento precoce de aterros de resíduos sólidos urbanos - RSU; é urgente a
implementação de legislação específica para os RCD e a criação de aterros específicos
para os mesmos, que tenham em conta as suas características; nestes aterros, não será
permitido a preço nenhum o depósito de materiais com taxas de reaproveitamento
superiores a determinados limites, os materiais recicláveis serão objecto de taxas
ambientais elevadas e, ao invés, os materiais não recicláveis serão aceites a preços
muito razoáveis);
! análise e melhoramento da legislação nacional existente em termos de
reaproveitamento / reciclagem (quase inexistente, esta legislação deverá no futuro
prever no caderno de encargos quotas mínimas de materiais reciclados dos RCD em
obras públicas - estradas mas também estruturas de betão e revestimentos cimentícios;
poderão ser previstos incentivos à implementação de quotas similares em obras
particulares; deverá ser potenciada ao máximo a valorização energética dos RCD); o
objectivo principal desta matéria e das duas anteriores é a preparação de propostas
legislativas exequíveis com valores concretos que, simultaneamente, não aumentem
excessivamente os custos directos da construção, maximizem o reaproveitamento dos
RCD e minimizem o seu depósito a vazadouro;
! criação de legislação extremamente gravosa para os produtores / poluidores, com
coimas dissuasoras de práticas de vazadouros ilegais;

74
! criação de uma “polícia do ambiente”, com a missão de detectar e punir todo este tipo
de situações; será necessária uma análise de viabilidade económica para que esta nova
força se pague a si própria.

Ao nível municipal, poder-se-ia investigar as seguintes matérias:

! levantamento das origens, quantidades e composições dos RCD gerados e do seu


potencial de reaproveitamento / reciclagem;
! identificação dos potenciais destinos dos materiais reciclados a partir dos RCD (desde
os susceptíveis a ser escoados para indústrias existentes - madeiras, vidros, betumes,
borrachas, etc., para valorização arquitectónicas - determinadas madeiras, cantarias,
etc. ou para centrais de reciclagem a criar - betões, argamassas, alvenarias, etc.);
associada a este estudo, deverá ser verificada a viabilidade económica desde
escoamento;
! estudo da localização de centrais fixas de reciclagem (exploradas pela municipalidade
ou por privados) na periferia da malha urbana (com preços de recolha muito acessíveis
para os produtores dos RCD, sobretudo se comparados com os dos aterros de RCD);
! análise da política de preços dessas centrais (tanto de recolha como de venda dos
materiais triados, por forma a transformá-las num negócio viável ou, se tal não for
possível, conhecer qual o financiamento municipal, estatal ou comunitário de que
necessitarão);
! estudo das condições fiscais e técnicas para incentivar os privados a recorrer a centrais
móveis de reciclagem nos seus estaleiros de construção e/ou de demolição;
! implementação de um sistema de fiscalização destas práticas e de controlo de
qualidade dos materiais envolvidos;
! implementação de experiências piloto para determinação dos volumes e pesos
percentuais dos diversos materiais em termos dos RCD provenientes de diferentes
tipos de construção.

2.2. Técnicas de demolição e triagem de materiais

Para viabilizar a reciclagem dos RCD, não é possível manter as actuais práticas da
indústria da demolição em Portugal, a chamada demolição indiferenciada, em que, à excepção
de determinados materiais com valor de venda conhecido e rentável (madeiras exóticas, ferro-
velho, algum equipamento, cantarias e outros), os produtos da demolição se misturam de tal
forma que se torna inviável economicamente separá-los. A demolição terá de passar a ser
selectiva, mais cuidadosa para permitir uma pré-selecção dos materiais, devendo ser objecto
de investigação visando os seguintes objectivos:

! minimização dos custos (necessariamente superiores aos da demolição


indiferenciada);
! minimização do prazo de execução (superior ao da demolição indiferenciada);
! minimização do impacte ambiental;
! maximização dos níveis de segurança;
! minimização do desconforto dos cidadãos;
! maximização de produtos reciclados.

Assim, a investigação neste domínio deverá incidir sobre as seguintes matérias:

75
! análise das práticas correntes actuais em Portugal e no estrangeiro e das suas
perspectivas de evolução;
! análise das técnicas e equipamento de demolição existentes em Portugal e no
estrangeiro e da sua adequação à demolição selectiva em função do tipo e materiais de
construção mais correntes em Portugal;
! optimização da demolição para esses diversos tipos de construção (anterior ao betão e
posterior à implantação deste) nas várias vertentes: económica, ambiental, segurança,
prazo de execução, incómodo e taxa de reciclagem;
! elaboração de caderno de encargos tipo focando aspectos como: sequência de
demolição, equipamento a utilizar, práticas de obra, medidas de segurança e de
limitação de danos, ruídos e vibrações, técnicas de demolição preconizadas, local de
deposição dos RCD e seu escoamento, instalação ou não de central móvel de
reciclagem, remoção diferenciada de resíduos perigosos, etc.; em alternativa, pode
prever-se a elaboração de um guia para a demolição selectiva de edifícios;
! análise de casos de estudo (através de bibliografia ou de visualização directa);
! implementação de experiências piloto de demolição com o apoio das autoridades
municipais e de industriais do sector.

No domínio da triagem dos materiais, há também diversas matérias susceptíveis de


serem investigadas:

! levantamento dos equipamentos disponíveis para centrais de reciclagem, tanto fixas


como móveis, e do seu modo de funcionamento;
! levantamento dos equipamentos actualmente utilizados na indústria do ferro-velho
para separação e triagem dos diversos materiais - metais, plásticos, madeiras,
borracha, vidro, etc. - e do seu potencial de adaptação à reciclagem dos RCD;
! influência do tipo de triturador, da abertura das mandíbulas no caso de um triturador
de maxilas na curva granulométrica dos agregados e na sua taxa de reaproveitamento;
! análise técnica e teórica dos processos de separação in-situ de produtos metálicos
(técnicas magnéticas), componentes leves (por ventilação forçada ou por flutuação em
líquidos), pedra, areia e tijolo;
! construção de um protótipo para separação dos componentes leves, seu ensaio em
laboratório e confrontação com resultados obtidos pela indústria;
! construção de um tanque para separação de resíduos pesados com recurso a líquidos
densos e de uma mesa vibratória;
! implementação de experiências piloto em centrais de betão pronto de incorporação de
agregados reciclados, provenientes quer de desperdícios da sua própria produção quer
de RCD recolhidos no exterior, no fabrico de novo betão;
! implementação de experiências piloto em fábricas de produtos cerâmicos de uso de
material reciclado, a partir quer de desperdícios da sua própria produção quer de RCD
recolhidos no exterior, no fabrico de novos produtos cerâmicos ou na utilização como
agregados cerâmicos para fabrico de betões e argamassas;
! implementação de experiências piloto de triagem de materiais com o apoio das
autoridades municipais e de indústrias do sector; determinação de eficácias
conseguidas, taxas de reciclagem obtidas e qualidade dos produtos triados;
! neste último domínio, torna-se necessário definir métodos para caracterização dos
produtos (através de ensaios laboratoriais e in-situ simples e eficazes), classificação
das misturas obtidas (mais uma vez através de ensaios) e métodos de uniformização
das mesmas (com eventual adição de materiais de forma a obter características
normalizadas para posterior utilização no fabrico de betões e argamassas).

76
2.3. Fabrico de betões e argamassas

Os agregados reciclados a partir dos RCD podem apresentar-se, mesmo após alguma
triagem, sob diversas formas:

! finos e/ou grossos pétreos, resultantes da demolição de peças de betão não revestidas,
situação em que a sua utilização em vez de areia e brita natural fica mais facilitada;
! finos e/ou grossos resultantes da demolição de elementos de alvenaria cerâmica
(tijolos e telhas) não argamassados, semelhante à anterior ainda que com agregados
reciclados de diferente material;
! finos e/ou grossos resultantes da demolição de alvenaria cerâmica argamassada ou de
uma mistura de elementos de betão com elementos cerâmicos, semelhante às
anteriores mas em que os agregados reciclados são simultaneamente pétreos e
cerâmicos;
! finos e/ou grossos resultantes de resíduos de demolição mais ou menos
indiferenciados, em que aos agregados reciclados pétreos e cerâmicos se poderão
somar restos de outros materiais como madeira, plásticos, metais, vidro e outros,
conduzindo portanto a uma mistura de piores características ou, pelo menos, com
menor controlo de qualidade;
! finos e/ou grossos resultantes da demolição de peças de betão ele próprio já com
agregados reciclados (reciclagem cíclica ou repetitiva), em que naturalmente os
agregados reciclados poderão ser de vários tipos.

Por outro lado, ainda que o fabrico de betões e argamassas surja como a utilização
mais “nobre” dos agregados reciclados, essa não é a única forma de os escoar. Actualmente, e
não apenas em Portugal, estes materiais são mais utilizados na execução de bases e sub-bases
de estradas, na recuperação paisagística de pedreiras e minas abandonadas e ainda como
camadas de drenagem em aterros sanitários. Esta introdução serve apenas para que se entenda
que a investigação que a seguir vai ser exposta é apenas uma parte da necessária no vasto
campo dos RCD.
Naturalmente e à semelhança do que acontece com os agregados naturais, antes do
fabrico dos betões e argamassas, os agregados reciclados deverão ser alvos de um conjunto de
ensaios de caracterização para medir propriedades como: a absorção de água, o módulo de
finura, a massa volúmica, o índice de vazios, a resistência à abrasão (ensaio de Los Angeles),
conteúdo de contaminantes, reactividade aos sulfatos e aos álcalis, factor de forma, curva
granulométrica, etc..
A listagem de matérias a seguir apresentada diz respeito apenas ao comportamento a
curto prazo dos betões e argamassas fabricados com agregados reciclados, sendo que terá de
ser implementada para cada forma sob a qual esses agregados se apresentem conforme
referido acima:

! propriedades mecânicas (e sua evolução nos primeiros dias de idade) dos betões
produzidos com diferentes percentagens de agregados reciclados (em relação ao total):
resistência à compressão, à tracção por compressão diametral, à tracção por flexão e à
abrasão, relações constitutivas, aderência aço-betão, aderência de resinas e chapas
metálicas ou de FRC ao betão, módulo de elasticidade, retracção e fluência; repare-se
que a percentagem referida pode dizer respeito apenas à parcela de grossos (a hipótese
que tem vindo a ser mais analisada, por ser a que, em termos de absorção de água, a
que apresenta menos problemas potenciais), apenas à parcela de finos ou a ambas; o
mesmo se poderá dizer em relação às outras propriedades aqui referidas;

77
! propriedades mecânicas das argamassas produzidas com diferentes percentagens de
agregados finos reciclados;
! comportamento térmico e higrométrico dos betões e argamassas feitos com estes
agregados;
! comportamento acústico dos betões e argamassas feitos com estes agregados;
! comportamento mecânico, térmico, higrométrico e acústico de elementos não macro-
estruturais da construção (camadas de forma, placas de piso, pavés, painéis leves e
pesados de paredes, etc.);
! determinação dos factores críticos que poderão afectar o desempenho destes materiais
e dos elementos com eles fabricados: nível de resistência (classe) do material
pretendido, relação água / cimento; teor de cimento; tipo de cimento; granulometria e
factor de forma dos agregados (os reciclados e os naturais); quantidade de argamassa
de matriz cimentícia aderente aos agregados reciclados; condições de compactação e
cura; material dos agregados reciclados (pétreo, cerâmico ou indistinto); tipo e
quantidade de adjuvantes; tipo e quantidade de adições; posologia do betão /
argamassa;
! desempenho dos materiais e de componentes resultantes de reciclagem repetitiva
(envolvendo a maioria dos estudos referidos acima);
! desenvolvimento de ensaios específicos de laboratório para estes materiais e para os
elementos com eles fabricados;
! construção de protótipos (estruturais ou não) com estes materiais para ensaios à escala
real (estáticos ou dinâmicos; comportamento sísmico).

Directamente relacionada com esta parte da investigação, está a necessidade de


elaborar especificações técnicas para a utilização de agregados reciclados no fabrico de betões
e argamassas (mas também para recuperação paisagística e para a construção de estradas).
Para tal, contribuem os seguintes estudos:

! levantamento das especificações técnicas existentes (fundamentalmente no


estrangeiro), sua análise e síntese;
! preparação de textos adaptados para a realidade Portuguesa e que reflictam os aspectos
mais consensuais dessas mesmas especificações;
! elaboração de ensaios experimentais sobre os aspectos em que essas mesmas
especificações sejam contraditórias ou omissas.

2.4. Durabilidade dos materiais

Vários materiais que têm surgido ao longo do tempo acabaram por ser abandonados
por o seu comportamento ao longo do tempo não se ter revelado o mais adequado, não
obstante o comportamento a curto prazo fosse muito promissor. Se bem que feitos com
materiais há muito conhecidos, os betões e argamassas executados com agregados reciclados
deverão ser encarados com alguma prudência, já que a sua idade não permitiu ainda senão um
número limitado de estudos sobre a sua durabilidade. Daí que este seja porventura o domínio
de investigação relacionado com os RCD com maiores necessidades mas também com mais
potencial. Relembra-se que, também aqui, os estudos terão de ser repetidos quando os
agregados reciclados passam de pétreos a cerâmicos, quando se substitui os grossos naturais
em vez dos finos ou quando se altera essa mesma taxa de substituição. De entre os tópicos a
analisar, salientam-se os seguintes:

! absorção de água quer dos agregados reciclados, quer dos betões e argamassas com

78
eles fabricados; sua evolução ao longo do tempo;
! índice de vazios, permeabilidade e porosidade dos agregados, betões e argamassas;
! resistividade eléctrica dos betões e argamassas e sua evolução ao longo do tempo;
! avanço da frente de carbonatação no interior de betões e argamassas (ensaios em
tempo real e acelerados; ambiente interior e exterior, rural e urbano);
! potencialidade de reacção álcali - sílica em betões com agregados reciclados; formas
de prevenção da mesma;
! potencialidade de ataque de sulfatos em betões com agregados reciclados; formas de
prevenção da mesma;
! penetração de cloretos no interior de betões e argamassas (ensaios em tempo real e
acelerados; ambiente normal e marítimo);
! protecção adicional destes betões e argamassas (tintas, vernizes, betumes, etc.).

2.5. Impactes ambientais

À semelhança do que se passa com a durabilidade destes materiais, também os seus


impactes ambientais a longo prazo não são ainda conhecidos. Pelas razões já apontadas,
espera-se que esses impactes sejam extremamente positivos, mas interessa quantificá-los. Para
isso, são necessários estudos como os seguintes:

! quantidade anual de agregados naturais que poderá ser substituída por agregados
reciclados e sua evolução previsível; impacte daí resultante na indústria extractiva e na
paisagem natural;
! evolução da necessidade de aterros para RSU em geral e para RCD em particular;
análise de vários cenários em função do maior ou menor sucesso na implantação das
políticas de reciclagem dos RCD e das centrais de reciclagem fixas e móveis; análise a
nível nacional e a nível dos maiores municípios;
! impacte ambiental dos aterros específicos dos RCD no solo, água e ar dos seus locais
de implantação e nos habitantes;
! impacte ambiental previsível da implementação de uma política muito restritiva ao
nível do depósito em vazadouro e de uma fiscalização muito apertada sobre os
prevaricadores;
! havendo necessidade de recorrer a maiores teores em cimento e a plastificantes em
betões e argamassas com agregados reciclados, é preciso quantificar o impacte
energético daí decorrente;
! análises químicas em materiais reciclados dos RCD e do seu potencial de
contaminação em amostras não controladas.

2.6. Viabilidade económica

As melhores intenções ambientais, sociais ou outras estão condenadas ao fracasso se


não forem sustentáveis economicamente. Não é obrigatório que tenham uma repercussão
positiva ao nível dos custos directos, mas essa repercussão não poderá ser tão penalizante para
os sectores que criam riqueza que estes tenham uma reacção de rejeição. Por outras palavras,
os agentes económicos estão dispostos a pagar por algo que compreendam que traz vantagens
à sociedade em geral desde que esse custo não seja incomportável. Daí que a implementação
de uma política global de reaproveitamento / reciclagem dos RCD tenha de ser acompanhada
de estudos de viabilidade económica da mesma que analisem, entre outros os seguintes
pontos:

79
! Custos para a indústria de extracção e para a população que dela depende da
imposição de taxas ambientais à extracção de recursos naturais não renováveis e de
procedimentos mais exigentes ao nível da recuperação paisagística; custos para o
mesmo sector da previsível quebra de volume de negócios pela progressiva
substituição de agregados naturais por reciclados;
! redução de impostos recolhidos pelo Estado pela redução desse mesmo volume de
negócios das pedreiras, eventualmente compensada pelo acréscimo de receitas com a
taxa ambiental sobre a produção remanescente;
! custos de implantação e equipamento (do Estado ou dos municípios) dos aterros e
centrais fixas de reciclagem de RCD; receitas conseguidas com a recolha de RCD e
com a comercialização dos agregados reciclados a partir dos mesmos;
! custos dos eventuais subsídios a conceder a empresas que pretendam criar centrais
fixas de reciclagem e às construtoras que queiram adquirir / alugar e instalar nos seus
estaleiros centrais móveis de reciclagem;
! receitas recolhidas pelo Estado pela imposição de taxas ambientais pesadas para quem
pretende depositar em aterros sem reciclar os seus RCD e repercussão que esses custos
poderão ter nas empresas;
! comparação dos custos ou benefícios que resultam da passagem da demolição
indiferenciada para a demolição selectiva;
! custos ou benefícios para as construtoras e para as centrais de betão pronto do fabrico
de betão com agregados reciclados;
! quantificação em termos económicos dos impactes ambientais referidos no tópico
anterior.

Esta listagem, sem ser exaustiva, pretende fundamentalmente servir como ponto de
partida para uma investigação concertada das diversas instituições Portuguesas já actualmente
envolvidas nesta vasta tarefa.

3. INVESTIGAÇÃO REALIZADA OU EM CURSO NO IST

3.1. Considerações preliminares

O grupo de Gestão e Tecnologia da Construção (GESTEC), do Departamento de


Engenharia Civil e Arquitectura do IST, formou um grupo de trabalho para investigação na
área da reciclagem dos RCD que já conduziu a duas dissertações de Mestrado e a um trabalho
final de curso, estando a ser elaborados actualmente um outro trabalho final de curso, quatro
dissertações de Mestrado e uma tese de Doutoramento. Regista-se ainda a candidatura a três
projectos de investigação, um europeu e dois nacionais (um dos quais recentemente aprovado)
e a conclusão de uma outra dissertação de Mestrado fora do grupo acima referido, mas no
mesmo Departamento do IST.

3.2. Desempenho de betões com agregados grossos reciclados de betão

Apresentam-se de seguida os resultados iniciais de uma investigação em curso há


cerca de dois anos com vista à elaboração da tese de Doutoramento em Engenharia Civil do
Eng.º José Roberto dos Santos, no âmbito das propriedades de betões produzidos com
agregados grossos reciclados de betão. Para a produção de dois diferentes tipos de agregados
grossos reciclados (AGR1 e AGR2), trituraram-se duas séries de cubos e cilindros de betão
(betões originais), tendo sido as mesmas moldadas no laboratório com composições distintas.

80
Foram realizados ensaios de caracterização quer para os AGR, quer para os agregados grossos
naturais (AGN), comparando-se os resultados obtidos. Posteriormente, cada um dos grupos de
AGR foi utilizado na produção de dois diferentes tipos de betão, substituindo totalmente a
proporção de AGN da dosagem. Avaliaram-se, através de ensaios, a resistência à compressão,
o módulo de elasticidade e a retracção destes betões e de um betão convencional de
referência, comparando-se os resultados.

3.2.1. Materiais utilizados na investigação

3.2.1.1. Agregados

Neste trabalho, foram produzidos dois tipos de betão original com o intuito de
verificar a influência das características destes quer nas características dos AGR, quer nas
propriedades de novos betões produzidos com os mesmos. Na produção dos betões originais,
utilizou-se cimento do tipo II, com resistência de 32.5 MPa, de acordo com a NP 2064. Em
relação aos agregados naturais, optou-se por britas de origem calcária (normalmente utilizadas
na zona de Lisboa), com granulometria 4.76/19 mm, para os grossos e areia do rio para os
finos. A seguir apresenta-se a composição e resistência à compressão dos betões originais:

Para a produção de AGR1 - cimento = 410 kg/m3, agregado grosso = 1266 kg/m3,
agregado fino = 545 kg/m3, relação água / cimento = 0.4, resistência à compressão aos
29 dias = 56 MPa;
Para a produção de AGR2 - cimento = 350 kg/m3, agregado grosso = 1117 kg/m3,
agregado fino = 743 kg/m3, relação água / cimento = 0.49, resistência à compressão
aos 29 dias = 45 MPa.

O AGR1 e AGR2 foram ambos obtidos através da trituração de cubos e cilindros


moldados no laboratório com as dosagens acima descritas. O triturador de maxilas utilizado
apresenta-se na Fig. 2.

Fig. 2 - Triturador de maxilas usado na produção dos agregados grossos reciclados de


betão

3.2.1.2. Betões

O objectivo deste trabalho era comparar propriedades mecânicas, tais como a


resistência à compressão, o módulo de elasticidade e a retracção de secagem, de betões
convencionais produzidos com AGN com as de betões com mesma composição mas contendo
na mesma AGR, substituindo a 100% os AGN. Quer a composição dos betões AGR1 e

81
AGR2, quer a do betão AGN, foram estabelecidas segundo um procedimento prático descrito
em [6]. Decidiu-se manter a trabalhabilidade (determinada através do valor do abaixamento
do cone de Abrams) constante em todas as amassaduras.
Saliente-se que os agregados grossos e finos usados na amassadura do betão AGN
tinham a mesma procedência e granulometria que aqueles utilizados nas amassaduras dos
betões originais. Utilizou-se para o betão AGN a seguinte composição:

Betão AGN - cimento = 361 kg/m3, agregado grosso = 1072.17 kg/m3, agregado fino =
696.73 kg/m3, relação água / cimento = 0.56.

Nos betões AGR1 e AGR2, as quantidades de agregado grosso foram ajustadas de


modo a manter-se o volume de agregados grossos do betão AGN, e o agregado fino utilizado
nestas amassaduras foi a mesma areia do rio usada para o betão AGN. Para limitar o número
de variáveis aquando da análise dos resultados dos ensaios, optou-se por utilizar os AGR com
a mesma distribuição granulométrica dos AGN. As composições usadas para os betões AGR1
e AGR 2 foram:

Betão AGR1 - cimento = 361 kg/m3, agregado grosso = 981.03 kg/m3, agregado fino =
696.73 kg/m3, relação água / cimento = 0.65;
Betão AGR2 - cimento = 361 kg/m3, agregado grosso = 970.34 kg/m3, agregado fino =
696.73 kg/m3, relação água / cimento = 0.65.

Quando agregados reciclados de betão na condição seco ao ar são misturados com


pasta de cimento ou argamassa, supõe-se que absorverão parte da água que é adicionada
durante a amassadura do betão. A quantidade de água absorvida durante a amassadura
depende das características dos agregados e também da consistência da pasta ou da
argamassa.

Como a utilização de agregados reciclados na condição saturados superfície seca é


muito difícil, decidiu-se usá-los no estado seco ao ar e avaliar o coeficiente de absorção
efectivo [7]. Os agregados reciclados foram inicialmente misturados com a água durante um
certo intervalo de tempo e posteriormente foram acrescentados cimento e areia, nesta ordem.

3.2.2. Ensaios de caracterização dos agregados

Foram realizados ensaios de caracterização para a avaliação de algumas propriedades


dos agregados grossos e finos, tais como granulometria, absorção, massa volúmica e baridade.
O coeficiente de absorção efectivo dos agregados grossos reciclados foi avaliado através de
uma técnica apresentada por Barra [7].

De acordo com aquela técnica, alguns provetes de agregados reciclados, com teor de
água conhecido no dia da betonagem, foram manualmente misturados com água (Fig. 3)
durante um intervalo de tempo igual ao que estes materiais estiveram em contacto durante a
betonagem. As quantidades de agregado grosso e água foram proporcionais àquelas utilizadas
na betonagem. Após a mistura dos agregados com a água, foi então possível avaliar a
quantidade de água absorvida e o coeficiente de absorção efectivo dos agregados grossos
reciclados. As propriedades dos agregados grossos e finos estão apresentadas no Quadro 1.

82
Fig. 3 - Mistura de um provete de agregados reciclados com água

A absorção de água dos agregados grossos reciclados é maior do que a dos naturais
principalmente devido a maior porosidade daqueles (Quadro 1), causada pela argamassa do
betão original ligada aos mesmos. Esta argamassa é também responsável pelos valores
inferiores da massa volúmica e da baridade dos agregados reciclados e pela maior amplitude
de variação daqueles quando comparados com os dos agregados naturais.

Quadro 1 - Propriedades dos agregados grossos e finos

AGREGADO
AGREGADO AGREGADO
AGREGADO GROSSO
GROSSO GROSSO
PROPRIEDADE FINO (AREIA NATURAL
RECICLADO DE RECICLADO DE
DO RIO) (BRITA
BETÃO (AGR1) BETÃO (AGR2)
CALCÁRIA )
Massa volúmica - 2504 2626 2364 2329
seco (kg/m3) (NP 954) (NP 581) (NP 581) (NP 581)
Massa volúmica -
2527 2657 2480 2458
saturado superfície
(NP 954) (NP 581) (NP 581) (NP 581)
seca (kg/m3)
Baridade (kg/m3) 1513 1534 1372 1393
(NP 955) (NP 955) (NP 955) (NP 955)
Porosidade (%) - 3 11.6 12.9
(NP 581) (NP 581) (NP 581)
Absorção de água 0.9 1,14 4.9 5.5
(%) (NP 954) (NP 581) (NP 581) (NP 581)
Absorção de água - - 1.7 1.82
efectiva (%) (BARRA [1]) (BARRA [1])
Teor em água (%) - - 2.46 2.83
(NP 956) (NP 956)
Máxima dimensão 1.19 19 19 19
(mm) (NP 1379) (NP 1379) (NP 1379) (NP 1379)
Módulo de finura 1.99 6.73 - -
(NP 1379) (NP 1379)

Da análise do Quadro 1, pode-se concluir que não existem grandes diferenças entre os
valores da absorção de água, da porosidade e da massa volúmica dos AGR1 e AGR2. Os
valores superiores da porosidade e absorção de água, e inferiores das massas volúmicas dos
AGR2 podem ser justificados pelo maior conteúdo de argamassa seca do betão original que
produziu os AGR2, 49.4%, para 36.3% do betão original que produziu os AGR1.

83
3.2.3. Ensaios no betão

Os três betões (AGN, AGR1 e AGR2) foram preparados seguindo-se a mesma


metodologia. Foram moldados vários provetes para todos os tipos de betão. A
trabalhabilidade (abaixamento) de todas as amassaduras foi mantida em 85 ± 10 mm. As
propriedades no estado fresco do betão convencional e dos betões reciclados apresentam-se
no Quadro 2.

Quadro 2 - Propriedades do betão fresco

RELAÇÃO MASSA
RELAÇÃO ABAIXAMENTO
ÁGUA/CIMENTO VOLÚMICA
BETÃO ÁGUA/CIMENTO *1 (mm)
EFECTIVA *2 (kg/m3)
AGN 0.56 0.56 2366 85 ± 10
AGR1 0.65 0.60 2287 85 ± 10
AGR2 0.65 0.60 2282 85 ± 10
*1
relação água / cimento para a quantidade total de água lançada durante a betonagem
*2
relação água / cimento para a quantidade de água efectiva na pasta de cimento

Os betões AGR1 e AGR2 apresentam massas volúmicas superiores às do betão AGN


devido aos valores inferiores das massas volúmicas dos agregados reciclados. A pequena
diferença entre as massas volúmicas dos betões AGR1 e AGR2 (valores inferiores no betão
AGR2) era prevista já que a massa volúmica dos AGR2 era também ligeiramente inferior.

As propriedades do betão endurecido avaliadas neste estudo foram a resistência à


compressão, o módulo de elasticidade e a retracção de secagem. A descofragem foi realizada
24 horas após a betonagem em todos os provetes. A tensão de rotura à compressão foi
avaliada através de ensaios em cubos de 15 cm de aresta, seguindo-se a especificação LNEC
E226. Os cubos foram mantidos numa câmara de cura húmida até a data de ensaio. A Fig. 4
apresenta a comparação das resistências à compressão aos 7 e 30 dias de todos os betões.

Na Fig. 4 pode-se notar, para os betões produzidos com agregados grossos reciclados,
valores inferiores da tensão de rotura à compressão aos 7 e 30 dias, em relação aos do betão
AGN (cerca de 20% quer aos 7, quer aos 30 dias). Estes valores inferiores podem ser
justificados pelos valores da relação água/cimento dos betões AGR1 e AGR2, superiores em
relação ao do betão AGN, embora Barra [7] tenha concluído no seu trabalho que acréscimos
de resistência em betões reciclados correspondentes a uma diminuição da relação
água/cimento não são proporcionais a acréscimos avaliados em betões convencionais.

Comparando-se somente as tensões de rotura à compressão dos betões AGR1 e AGR2,


pode-se concluir que a resistência à compressão dos betões originais praticamente não
influencia os betões produzidos com agregados grossos reciclados a partir daqueles, já que se
alcançou uma diferença máxima de 1.5 MPa entre as resistências à compressão dos betões
AGR1 e AGR2, para diferenças em resistência dos betões originais de cerca de 11 MPa.

84
40
35

compressão (MPa)
tensão de rotura à
30
25
20
15
10
5
0
AGN AGR1 AGR2

betão

tensão de rotura aos 7 dias em cubos

tensão de rotura aos 30 dias em cubos

Fig. 4 - Tensão de rotura à compressão aos 7 e 30 dias de todos os betões estudados

Os ensaios para a avaliação da retracção foram efectuados em provetes cilíndricos com


0.15 m de diâmetro e 0.30 m de altura. Após a descofragem, os provetes foram deixados
numa câmara com temperatura e humidade relativa controlada (20 ºC e 50%). Havia dois
provetes para cada tipo de betão. As extensões foram registadas com extensómetros de
resistência eléctrica (com 30 mm de comprimento) colados na superfície dos cilindros. A Fig.
5 apresenta a variação das extensões devidas à retracção com o tempo, de 3 a 28 dias.
Para os betões AGR1 e AGR2, determinou-se uma extensão aos 28 dias superior à do
betão AGN (45% para AGR1 e 84% para AGR2) (Fig. 5). A maior porosidade e,
consequentemente, menor massa volúmica dos AGR aumentam a deformabilidade dos
agregados e diminuem a capacidade dos mesmos de restringir a deformação da pasta de
cimento. Ainda que a relação água/cimento dos betões com agregados reciclados seja
superior, supõe-se que as propriedades dos agregados foram predominantes para os valores
superiores da extensão devida à retracção. Além disso, comparando-se as extensões dos
betões AGR1 e AGR2, os valores maiores alcançados no betão AGR2 (cerca de 35%)
indicam que a proporções da mistura e resistências dos betões originais podem alterar a
retracção dos betões produzidos com agregados grossos reciclados de betão.

215
205
195 AGN - 1
185
175
165
155
AGN - 2
145
135
extensão (x10 )
-6

125
115
AGR1 - 1
105
95
85 AGR1 - 2
75
65
55
45 AGR2 - 1
35
25
15
5 AGR2 - 2
-5
3 4 5 6 7 8 9 10111213141516171819202122232425262728

idade (dias)

Fig. 5 - Variação das extensões devidas a retracção com o tempo

O módulo de elasticidade dos betões foi avaliado de acordo com a especificação


LNEC E397 e utilizando-se provetes cilíndricos. Para o betão AGN, obteve-se um valor
médio de 32 GPa aos 32 dias, enquanto que para os betões AGR1 e AGR 2 se alcançaram
valores de 26.2 e 24 GPa, respectivamente. Como, na retracção, os valores menores nos
betões AGR1 e AGR2 (22% e 33%) são consequência da maior deformabilidade do conjunto
agregados grossos e pasta de cimento.

85
3.3. Reciclagem cíclica de agregados grossos de betão

A dissertação de Mestrado em Construção intitulada “Análise do Desempenho de


Betões Produzidos a Partir de Inertes Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção”
[2], da autoria da Eng.ª Ana Paula Gonçalves, é constituída por três partes: uma primeira, de
levantamento do estado actual do conhecimento, da investigação e da legislação na área da
reciclagem dos RCD, tanto em Portugal como no estrangeiro (não referida no presente
documento); uma segunda, de análise da viabilidade económica desta nova indústria e que
será descrita no sub-capítulo 3.5; a terceira, de índole experimental, em que se estudou a
viabilidade técnica (nomeadamente em termos de resistência à compressão) da reciclagem
repetitiva dos agregados grossos reciclados de betão para fabrico de novo betão, e que é
descrita de seguida.

3.3.1. Ensaios de laboratório

3.3.1.1. Considerações gerais

No estudo que se apresenta, e por ter ainda um carácter inicial, os resíduos de betão
utilizados no primeiro ciclo de ensaios foram os provenientes de cubos de ensaio que foram
cedidos pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil. Não era conhecida a maioria das
propriedades destes cubos, tais como a trabalhabilidade e a relação água / cimento. Tinha
simplesmente sido determinada a sua resistência à compressão e o respectivo valor
característico fck.

O facto de não se conhecerem as propriedades acima referidas não permite estabelecer


comparações com um betão feito com agregados naturais. Este desconhecimento faz, no
entanto, com que se simule uma situação real, pois, quando se está a demolir uma estrutura,
também não se tem o conhecimento destas propriedades (frequentemente, nem sequer se
conhece a resistência do betão).

O principal objectivo foi analisar qual a resistência do betão produzido com agregados
grossos reciclados. O betão inicial tinha sido sujeito a ensaios de compressão, de modo a se
determinar qual a sua resistência. Posteriormente, os cubos utilizados nos ensaios foram
triturados para a obtenção de novos agregados reciclados e assim sucessivamente.

3.3.1.2. 1º ciclo de ensaios

Como referido acima, os agregados grossos a utilizar no primeiro ciclo de ensaios a


realizar foram obtidos a partir de cubos, de betão produzido com agregados naturais, cedidos
pelo LNEC. Estes cubos foram levados posteriormente para uma central de reciclagem
(Lobbe) onde foram triturados e transformados em agregados (Fig. 6).

No Laboratório de Construção do IST, este material foi peneirado de modo a serem


retirados os finos, uma vez que foi decidido desde o princípio que estes não seriam
reaproveitados. Foram retirados manualmente alguns materiais residuais. Todos os elementos
de maiores dimensões e que não são aproveitados foram retirados e pesados, assim como os
finos.

86
Fig. 6 - Transformação dos cubos em agregados [2]

A composição do betão produzido no 1º ciclo de ensaios, para o qual se obteve um


slump de 2.8 cm, foi a seguinte:

Cimento: 450 kg/m3, areia: 730 kg/m3, brita: 1040 kg/m3, a/c: 0.45, adjuvante: 2.4 l/m3

Concluída a amassadura e tendo-se aceite o valor do abaixamento obtido, começou-se


por preencher 30 moldes com o material produzido. Antes de se proceder à betonagem dos
moldes, estes tiveram de ser devidamente limpos e pulverizados com óleo descofrante para
facilitar a descofragem. Este procedimento deve ser sempre seguido após a descofragem, de
modo a que estes estejam em boas condições nas próximas utilizações. Os cubos foram
introduzidos na câmara de cura à temperatura de 20 ºC, e com um teor de humidade de cerca
de 100%, durante 27 dias. Ao fim deste tempo, foi determinada a resistência à compressão
(Fig. 7). Dos ensaios de resistência à compressão, obteve-se uma resistência característica
(fck) de 42 MPa, concluindo-se então tratar-se de um betão C32/40.

3.3.1.3. 2º ciclo de ensaios

Para o betão do 2º ciclo de ensaios, utilizou-se a mesma dosagem do 1º ciclo, sendo


que os agregados grossos utilizados foram obtidos através da trituração dos cubos do 1º ciclo
(Fig. 8, à esquerda). Como o slump obtido foi 5.5 cm, um valor inesperadamente elevado
quando comparado com o do 1º ciclo, passou-se a utilizar 1.6 l/m3 de adjuvante, em vez dos
2.4 l/m3 utilizados no 1º ciclo. Obteve-se em duas amassaduras um abaixamento médio de 5.3
cm (Fig. 8, à direita), valor superior ao obtido no primeiro ciclo, o que poderá ter sido devido
ao maior teor de humidade ambiente durante este 2º ciclo de amassaduras, ou à utilização de
areia com maior teor em humidade.

Fig. 7 - Ensaios à compressão dos cubos [2]

87
Fig. 8 - À esquerda, agregados resultantes da trituração dos cubos do 1º ciclo e, à direita,
abaixamento do cone de Abrams referente ao 2º ciclo [2]

Ao fim de 28 dias, foram realizados ensaios à compressão em 30 cubos moldados,


obtendo-se uma resistência característica de 40 MPa (1ª amassadura) e 38 MPa (2ª e 3 ª
amassaduras), o que nas classes de resistência à compressão corresponde a um betão C32/40 e
C30/37, respectivamente.

3.3.1.4. 3º ciclo de ensaios

No terceiro ciclo de ensaios, fez-se duas amassaduras com a composição do 1º ciclo de


ensaios e da 1ª amassadura do 2º ciclo, tendo-se obtido um abaixamento médio de 3.3 cm.
Para perceber a influência desse factor nos resultados, diminuiu-se apenas na 3ª amassadura o
consumo de cimento e, consequentemente, a quantidade de adjuvante em relação à
composição do primeiro ciclo. A dosagem utilizada nesta última amassadura, com a qual se
obteve um abaixamento de 1.0 cm, foi a seguinte:

cimento: 400 kg/m3, areia: 730 kg/m3, brita: 1040 kg/m3, a/c: 0.45, adjuvante: 2.13 l/m3

Neste terceiro ciclo de ensaios, era de esperar piores resultados quando comparados
com os do segundo ciclo. Esta diferença prende-se fundamentalmente com a menor dosagem
de cimento e adjuvante (apenas na 3ª amassadura) e com a maior percentagem de agregados
grossos de granulometria mais fina resultante do processo de trituração utilizado que foi
diferente do utilizado nos dois ciclos anteriores (para todas as amassaduras deste ciclo). Para
este terceiro ciclo, os agregados foram triturados numa pequena estação de trituração de
agregados (naturais) do Departamento de Minas do IST. Dadas as características do
equipamento, em alguns casos foi necessário recorrer a uma segunda trituração, pelo que o
produto final continha uma maior percentagem de agregados grossos mais finos, quando
comparado com o produto obtido no segundo e primeiro ciclos.
Ao fim de 28 dias, foram realizados ensaios à compressão aos provetes moldados,
obtendo-se uma resistência característica de 46 MPa (tanto para as 1ª e 2ª amassaduras como
para a 3ª), o que nas classes de resistência à compressão corresponde a um betão C35/45.

3.3.2. Análise dos resultados

De modo a sistematizar os ciclos de ensaios descritos anteriormente, apresenta-se no


Quadro 3 os principais resultados obtidos (apenas para as amassaduras em que a composição
do betão coincidia com a utilizada no 1º ciclo de ensaios).
A ligeira redução da resistência entre o primeiro e o segundo ciclos de betonagens
pode ser explicada pelos seguintes factores:

88
! dada a diferença de condições atmosféricas, entre o primeiro e segundo ciclo de
ensaios, os agregados encontravam-se mais húmidos neste último, eventualmente por
terem sido retirados de camadas menos superficiais;
! no primeiro ciclo de betonagens, o processo decorreu de uma forma algo lenta, aspecto
que neste segundo ciclo foi bastante melhorado;
! o cimento utilizado no 2º ciclo provavelmente não se encontraria nas condições ideais,
uma vez que já se encontrava havia algum tempo armazenado.

Quadro 3 - Resumo dos resultados obtidos nos três ciclos de ensaios [2]

ABSORÇÃO DOS
RESISTÊNCIA À CLASSE DO
CICLO ABAIXAMENTO AGREGADOS
COMPRESSÃO BETÃO
GROSSOS
1º 2.8 cm 42 MPa C32/40 6.3%
2º 5.3 cm 40 MPa C32/40 7.6%
3º 3.3 cm 46 MPa C35/45 8.5%

No que diz respeito aos valores obtidos de resistência a compressão no 3º ciclo, estes
foram algo diferentes do esperado podendo, no entanto, ser explicados pela diferença na curva
granulométrica dos agregados, eventualmente mais bem distribuída, resultado do diferente
processo de trituração.
É sabido que cerca de 20% a 30% do cimento não é hidratado durante a amassadura.
Tal facto pode revestir-se de alguma importância na produção de betão com agregados
reciclados a partir de betão demolido, uma vez que a trituração poderá libertar partículas de
cimento não hidratadas anteriormente, algumas das quais poderão vir a reagir numa
betonagem subsequente. Este fenómeno poderá, em parte, justificar os valores de resistência à
compressão obtidos no terceiro ciclo. No entanto, alguns outros resultados experimentais
apontam para uma outra explicação que tem a ver com a relação água / cimento efectiva
variar em função das condições atmosféricas e da própria absorção dos agregados reciclados,
a qual condiciona os resultados da resistência à compressão obtidos.
Crê-se, por isso, que estas pequenas flutuações na resistência do betão nos diversos
ciclos, em relação à classe C32/40, se devem meramente à dificuldade de nesses ciclos se
manter constantes determinadas características, tais como o teor de humidade dos agregados
grossos e finos, a humidade relativa ambiente, a qualidade do cimento, o tempo de
amassadura, a curva granulométrica, entre outros.
Para além daqueles resultados, existem ainda outras constatações que se podem retirar
de uma análise global aos três ciclos de ensaios realizados, nomeadamente:

! a absorção de água pelos agregados grossos é um aspecto fundamental a ter em


consideração na produção de um novo betão; a maior ou menor absorção condicionará
a trabalhabilidade, que, no âmbito deste trabalho, se procurou corrigir com a adição de
adjuvantes e com uma dosagem de cimento elevada;
! a quantidade de adjuvantes utilizada tem influência directa, ainda que não muito
pronunciada, na resistência do betão obtido;
! a utilização de um cimento do tipo I, em vez do cimento de tipo II usado nos ensaios,
poderá conduzir a melhores resultados, uma vez que, em média, se poderia ter
reduzido cerca de 30 kg de cimento em cada metro cúbico de betão;
! ao utilizar um cimento de melhor qualidade, faria sentido utilizar um adjuvante de alto
desempenho;

89
! tudo indica que o processo de reciclagem integral e sucessiva de agregados grossos
reciclados de betão demolido é sustentável em termos de resistência; em termos
económicos, haverá no entanto as desvantagens associadas ao facto de se ter que
recorrer a adjuvantes, para manter a trabalhabilidade sem aumentar a relação água /
cimento, e também, em princípio, a uma maior dosagem de cimento no 1º ciclo
(passagem do betão feito com agregados naturais para betão feito com agregados
reciclados).

Estes três ciclos de ensaios realizados terão de ser encarados como uma base de
partida. Com efeito, o número relativamente limitado de cubos e de ciclos, e a variação das
condições atmosféricas impõem a necessidade de realizar um trabalho mais vasto que
confirme e consolide as principais conclusões aqui obtidas e que procure explicar alguns
resultados não esperados, como os que a seguir se apresentam:

! a redução de adjuvante nas 2ª e 3ª amassaduras do 2º ciclo não teve como resultado a


perda de trabalhabilidade como era expectável;
! para uma mesma posologia, verificaram-se oscilações de trabalhabilidade, as quais
poderão ter tido origem na alteração das condições atmosféricas entre os vários ciclos
de ensaios e, consequentemente, no estado dos próprios materiais (areia e cimento);
! na 3ª amassadura do terceiro ciclo, uma redução de dosagem de cimento (50 kg/m3) e
de adjuvante não resultou em perda de resistência aos 28 dias.

3.4. Desempenho de betões com agregados grossos cerâmicos reciclados

A dissertação de Mestrado em Construção intitulada “Análise do Desempenho de


Betões Obtidos a Partir de Inertes Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção” [3],
da autoria da Arq.ª Ana Sofia Pereira, envolve a reciclagem e reutilização de resíduos
cerâmicos (oriundos da indústria cerâmica, dos desperdícios na construção e ainda da triagem
dos detritos da demolição) em argamassas e betões. Para além da componente de pesquisa
bibliográfica e de compilação de informação obtida na indústria, a dissertação tem uma forte
componente experimental, que é descrita de seguida.

3.4.1. Considerações gerais

A grande maioria dos resíduos cerâmicos da construção e demolição em Portugal é


proveniente do fabrico e aplicação de tijolos, telhas e azulejos de barro vermelho cozido. Eles
representam também uma percentagem significativa dos resíduos levados a aterro e, desta
forma, um desperdício energético e uma agressão ao meio ambiente.
Ainda que as suas características mecânicas sejam previsivelmente inferiores às
normalmente associadas aos agregados primários pétreos (obtidos nas pedreiras, elas próprias
uma outra forma de agressão ao meio ambiente), é viável a substituição, mesmo que parcial,
da parcela dos agregados grossos utilizados no fabrico de betão, nomeadamente em artefactos
(de que as placas de pavimento são um exemplo) cujas características mecânicas não sejam
particularmente exigentes.
Baseada nestes pressupostos, foi realizada no IST uma campanha experimental para
testar a viabilidade da substituição (a 1/3, 2/3 e na totalidade) dos agregados grossos pétreos
utilizados no fabrico de placas de pavimento (com 5 cm de espessura) por agregados
cerâmicos reciclados obtidos de sobras de tijolos de barro vermelho.
Foram analisadas as características mais relevantes dos agregados, quer da areia
(comum a todos tipos de betão fabricados), quer dos agregados grossos pétreos e cerâmicos

90
reciclados. Foi proposto e implementado um processo empírico de pré-saturação dos
agregados cerâmicos, susceptível de ser reproduzido tanto numa central de pré-fabricação
como no estaleiro de uma obra.

Após a moldagem de cubos e placas com dimensões normalizadas, foram realizados


ensaios de compressão dos primeiros e de tracção por flexão das segundas, para os betões que
incluíam agregados reciclados na sua composição e para um betão de referência, para efeitos
de comparação.

3.4.2. Composição do betão de referência

O betão de referência foi calculado segundo o método das curvas de referência de


Faury [4]. Pretendeu-se obter um betão cuja resistência média à compressão fosse da ordem
dos 25 MPa. O cálculo baseou-se no estudo da composição de um betão para aplicar em
placas de betão de revestimento de piso do tipo Soplacas, sujeitas a um ambiente húmido, sem
gelo. Para garantir a resistência anteriormente referida, fixou-se a relação água / cimento em
0.60.
Esse cálculo conduziu a um betão de referência, cujos componentes necessários para
produzir um metro cúbico de betão são apresentados no Quadro 4.

3.4.3. Ensaios realizados aos agregados

Por condicionalismos de tempo e de material, e tendo em conta a sua relevância para


esta pesquisa, apenas foram realizados os seguintes ensaios aos agregados:

! índice volumétrico;
! baridade;
! massa volúmica e absorção de água de britas e godos;
! curva granulométrica da areia.

Quadro 4 - Componentes necessários à produção de 1 m3 de betão de referência

Malha do Necessidades
Componente
peneiro (mm) totais (kg /m3)
2.38-4.76 206.8
Inerte natural 4.76-6.35 337.8
6.35-9.52 508.9
Areia 633.8
Cimento 346,7
Água 208.0 litros/m3
Massa volúmica do betão fresco 2242.0

3.4.3.1. Índice volumétrico

Foi determinado o índice volumétrico de cada uma das fracções de agregado primário
e cerâmico (Quadro 5). O procedimento experimental seguido baseou-se na especificação E
223 do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil).

91
O índice volumétrico de cada uma das fracções granulométricas do agregado é dado
por:

V2 − V1
(1)
∑V
sendo, para cada fracção granulométrica:

! ΣV - soma dos volumes das esferas de diâmetro igual ao comprimento de cada


partícula, arredondado às unidades;
! V1 - volume da água contida no recipiente graduado;
! V2 - volume da água e do agregado contidos no recipiente graduado.

O índice volumétrico traduz a forma das partículas. Agregados que tenham uma forma
próxima da esférica terão um índice volumétrico próximo da unidade, ao contrário de
agregados com uma forma mais alongada, que terão um índice volumétrico mais baixo.

Quadro 5 - Cálculo do índice volumétrico de cada uma das composições

Tipo de Fracção granulométrica ΣV V1 V2 Iv


agregado (mm) (cm3) (cm3) (cm3)
6.35-9.52 154.29 200 225 0.162
Primário 4.76-6.35 46.86 60 67 0.149
2.38-4.76 12.56 60 63 0.239
6.35-9.52 138.65 250 278 0.202
Cerâmico 4.76-6.35 48.50 60 67 0.144
2.38-4.76 18.35 60 628 0.153

Analisando os resultados obtidos, é possível fazer as seguintes observações:

! os agregados da fracção 4.76-6.35 são os que têm menor índice volumétrico, seja nos
cerâmicos, seja nos primários;
! enquanto que nos agregados primários, a fracção 6.35-9.52 é a que possui índice
volumétrico mais baixo (e a fracção 2.38-4.76 a que possui o índice mais elevado), nos
agregados cerâmicos a situação é a inversa;
! a forma como foram obtidos os agregados cerâmicos (através da máquina de Los
Angeles, numa primeira fase, e com recurso a uma britadeira de maxilas,
posteriormente) teve naturalmente muita influência na inversão da tendência registada
nos agregados primários, que é a mais natural; assim, poder-se-á explicar este
fenómeno se se tiver registado uma preponderância de material cerâmico de maior
granulometria obtido directamente através da máquina de Los Angeles (que mói o
material e conduz a fragmentos mais boleados e próximos da forma esférica),
enquanto que o material cerâmico de menor granulometria será preponderantemente
resultado da acção da britadeira de maxilas (que produz fragmentar de forma mais
angulosa);
! seria expectável que os agregados cerâmicos fossem, para todas as granulometrias,
mais angulosos (menor índice volumétrico) do que os naturais; tal não acontece, o que
se deve sobretudo à forma como os cerâmicos foram obtidos (máquina de Los
Angeles); esta explicação e a referida no parágrafo anterior são consentâneas com o

92
facto de os agregados cerâmicos terem efectivamente um menor índice granulométrico
que os primários para a menor granulometria, a ordem já se ter invertido para a
granulometria maior e se passar algo de intermédio para a granulometria média;
! quanto ao valor absoluto registado (entre 0.149 e 0.239 nos agregados primários e
entre 0.144 e 0.202 nos agregados cerâmicos), eles são relativamente baixos, pelo que
o betão feito com agregados com esta forma muito angulosa terá tendência para ter
resistência reduzida e elevada permeabilidade (o antigo Regulamento de Betões e
Ligantes Hidráulicos exigia valores mínimos de 0.12 para o agregado rolado e de 0.15
para o britado, independentemente das características e finalidade do betão).

3.4.3.2. Baridade

Foi determinada a baridade dos agregados grossos compactados, primários e


cerâmicos, utilizados na composição dos diferentes betões a ensaiar. Relativamente aos
agregados cerâmicos, foi determinada a baridade seca em estufa, a baridade seca ao ar e a
baridade saturada. Para os agregados primários, foi determinada apenas a baridade seca em
estufa, por as outras duas serem muito semelhantes. O procedimento experimental seguido
baseou-se na Norma Portuguesa NP 955.
Apresentam-se no Quadro 6 os valores determinados no ensaio para a baridade dos
agregados cerâmicos e dos agregados primários.

Quadro 6 - Valores determinados no ensaio para a baridade dos agregados

Baridade dos agregados (kg/m3)


Cerâmicos Primários
Agregado seco em estufa 1158.7 1542.0
Agregado seco ao ar 1167.3 -
Agregado saturado 1265.0 -

Analisando os resultados obtidos, é possível fazer as seguintes observações:

! como seria de esperar, em face da densidade dos materiais, a baridade do agregado


cerâmico seco em estufa é inferior à baridade do agregado primário nas mesmas
condições;
! por outro lado, é de notar o natural aumento da baridade no agregado cerâmico à
medida que o teor em água aumenta: seco em estufa, seco ao ar e saturado;
! de registar ainda a grande capacidade de absorção de água que o agregado cerâmico
seco ao ar tem, tornada evidente pela grande diferença entre a baridade do material
saturado e a do material seco;
! de facto, o material seco ao ar tem uma baridade muito semelhante à registada em
estufa, o que demonstra a necessidade da sua pré-saturação quando é utilizado no
fabrico de betão.

3.4.3.3. Massa volúmica e absorção de água de britas e godos

Foram determinadas a massa volúmica e a absorção de água dos agregados utilizados


na composição dos diferentes betões a ensaiar. O procedimento experimental seguido baseou-
se na Norma Portuguesa NP 581.
Resumem-se no Quadro 7 os resultados obtidos no ensaio para os agregados pétreos e
cerâmicos.

93
Quadro 7 - Massa volúmica

Massa volúmica (kg/m3)


Cerâmicos Primários
Material impermeável das partículas 2682.71 2709
Partículas saturadas 2272.81 2657
Partículas secas 2029.21 2626

Para os agregados cerâmicos, obteve-se uma absorção de água de 12%, referida à


massa do agregado seco, enquanto que para os agregados primários se obteve 1.0%.

O valor de 12% para a absorção de água dos agregados cerâmicos, referida à massa do
agregado cerâmico seco, é extremamente elevado, sobretudo se comparado com o da absorção
dos agregados primários. Não sendo uma surpresa, ele vem chamar a atenção para a principal
dificuldade / limitação da utilização destes agregados no fabrico de betões e argamassas sem
perder uma ou várias das seguintes características: resistência mecânica, trabalhabilidade e
durabilidade. A pré-saturação dos agregados cerâmicos é uma forma de minimizar estas
repercussões. Segundo A. Devenny e F. M. Khalaf [5], são necessários aproximadamente 30
minutos para a saturação dos agregados cerâmicos, tendo sido esta a duração adoptada
durante as betonagens efectuadas.

3.4.3.4. Curva granulométrica da areia e do betão de referência

Foram recolhidas quatro amostras para a determinação da curva granulométrica da


areia utilizada na composição dos betões ensaiados, tendo sido obtidos resultados
satisfatoriamente uniformes. Apresenta-se na Fig. 9 a curva granulométrica de uma dessas
amostras.
100
material que passa através do

1,19 2,38 4,76 6,35


90
80 0,595
70
peneiro (%)

60
50
40 0,297
30
20
10 0,149
0
0,075
0,01 0,1 1 10
abertura das malhas (mm)

Fig. 9 - Curva granulométrica da areia utilizada

Apresenta-se na Fig. 10 a curva granulométrica adoptada para os agregados grossos


(tanto os cerâmicos como os primários). Esta curva é teórica, não tendo sido verificada
através de recolha de amostras. Refira-se, contudo, que esta curva foi imposta na prática pela
pesagem e verificação rigorosa da posologia das diversas composições.

94
100 100

% de material que passa no


90
80
74,81
70
60

peneiro
58,08
50 47,82
40
30
20
10
0 0
0,001 0,01 0,1 1 10
Malha do peneiro (mm)

Fig. 10 - Curva granulométrica dos agregados grossos do betão de referência

3.4.4. Ensaios ao betão

Apresentam-se agora os resultados dos ensaios realizados com provetes normalizados


de betão, das diferentes composições ensaiadas:

! ensaio de compressão;
! ensaio de flexão.

O betão de referência é designado por BR, enquanto que cada uma das composições
em que se substituem os agregados pétreos por cerâmicos se designam por B1, B2 e B3,
consoante essa substituição corresponde a 1/3, 2/3 ou à totalidade dos agregados,
respectivamente.

3.4.4.1. Ensaio de compressão

Foi determinada (Fig. 11) a resistência à compressão de provetes cúbicos de betão,


com 15 cm de lado, das diferentes composições em estudo. À partida, seria de prever
resistências tanto menores, quanto maior for a percentagem de agregados cerâmicos na
composição. Foi seguido o procedimento experimental descrito na especificação E 226 do
LNEC e foram utilizados 12 provetes, correspondendo cada 3 a cada uma das composições
ensaiadas.

Figura 11 - Ensaio de compressão de um dos provetes

95
Para cada uma das composições, foi calculado um valor médio da tensão de rotura por
compressão. Apresentam-se no Quadro 8 e na Fig. 12, os valores dessas tensões de rotura por
composição.

Quadro 8 - Valor médio da resistência à compressão para cada composição

Composição σ,rot,comp (MPa)


BR 23.30
B1 18.20
B2 17.70
B3 12.97

25,00
Tensão de rotura por
compressão (MPa)

20,00
15,00
y = -0,0944x + 22,766
10,00
R2 = 0,9266
5,00
0,00
0,00 25,00 50,00 75,00 100,00
% de agregados cerâmicos

Figura 12 - Resistência média à compressão versus percentagem de agregados


cerâmicos

Em função dos resultados obtidos, são de salientar os seguintes aspectos:

! como seria de esperar, a tensão de rotura por compressão diminui com o aumento da
percentagem de agregados cerâmicos; estes agregados apresentam portanto uma
contribuição inferior para a resistência à compressão do provete do que os agregados
primários;
! é de referir que essa diminuição é pouco acentuada quando se passa da composição B1
para a composição B2; poderá não se estar portanto na presença de uma relação linear
entre a percentagem de agregados cerâmicos e a tensão de rotura por compressão,
apesar de o valor do coeficiente de correlação ser elevado, apontando para uma
relação entre as duas variáveis, próxima da linear.

3.4.4.2. Ensaio de flexão

Foi determinada (Fig. 13) a resistência à tracção por flexão de provetes prismáticos de
betão, com dimensões 5 x 40 x 60 cm, das diferentes composições em estudo. À partida,
seriam de prever resistências tanto menores, quanto maior percentagem de agregados
cerâmicos na composição. Foi seguido o procedimento experimental descrito na especificação
E 227 do LNEC e foram utilizados 12 provetes, correspondendo cada 3 a uma das
composições ensaiadas.

96
Figura 13 - Ensaio de flexão de um dos provetes

Para cada uma das composições, foi calculado o valor médio da tensão de rotura à
tracção por flexão. Apresentam-se no Quadro 9 e na Fig. 14 os valores dessas tensões de
rotura por composição.

Quadro 9 - Valor médio da resistência à tracção por flexão para cada composição

Composição σ,rot,flexão (MPa)


BR 3.513
B1 3.217
B2 2.961
B3 2.593

4,000
Tensão de rotura por
flexão (MPa)

3,000
y = -0,009x + 3,5232
2,000
R2 = 0,9945
1,000

0,000
0,00 25,00 50,00 75,00 100,00
% de agregados cerâmicos

Fig. 14 - Resistência média à tracção por flexão


versus percentagem de agregados cerâmicos

Em função dos resultados obtidos, são de salientar os seguintes aspectos:

! como seria de esperar, a tensão de rotura por flexão diminui com a percentagem de
agregados cerâmicos; estes agregados apresentam uma contribuição inferior para a
resistência à flexão do provete do que os agregados primários;
! é de referir que essa diminuição é praticamente linear, o que é comprovado por um
coeficiente de correlação quase unitário.

97
3.5. Análise da viabilidade económica da reciclagem de agregados

Conforme referido em 3.3, na dissertação de Mestrado da Eng.ª Ana Paula Gonçalves


foi feita uma análise da viabilidade económica desta indústria da reciclagem de agregados
provenientes dos RCD, e que é descrita de seguida.
Neste estudo, considerou-se o seguinte cenário: um edifício de estrutura de betão
armado vai ser demolido e no mesmo local vai ser erigido um edifício de volumetria idêntica.
Esta operação é dividida nas três fases críticas identificadas no processo da construção
apresentadas anteriormente:

I. a da demolição; tópicos a analisar: custos de demolição tradicional; custos de


demolição selectiva;
II. a da produção de agregados; tópicos a analisar: custos de produção de agregados
naturais; custos de produção de agregados reciclados em central de reciclagem fixa;
custos de produção de agregados reciclados em central de reciclagem móvel;
III. a de produção de novo betão; tópicos a analisar: custos de produção de betão com
agregados naturais; custos de produção de betão com agregados reciclados.

Os Quadros 10 a 12 mostram o cálculo dos custos unitários de, respectivamente, a


tonelada de construção de estrutura de betão armado, a tonelada de agregados grossos
(naturais ou reciclados) e o metro cúbico de betão novo.

3.5.1. Fase I - Demolição

Foram identificadas sete actividades que se referem de seguida:

! demolição;
! transporte para aterro dos resíduos resultantes;
! depósito em aterro;
! receita resultante da venda de outros materiais (que não betão) para reciclagem /
reutilização;
! transporte dos resíduos para central de triagem fixa;
! taxa de depósito de resíduos em central fixa;
! escoamento dos agregados finos ou demasiados grossos e do produto britado que não
de betão resultante do processo de trituração na central móvel.

Ao analisar cada uma das actividades referidas, com o objectivo de determinar a


viabilidade económica desta nova tecnologia, surge uma série de aspectos que interessa aqui
referir:

! será de esperar que, num futuro próximo, imposições de carácter ambiental e de


qualidade de vida das populações (tais como a diminuição de ruídos e de emissão de
poeiras), impliquem o aumento dos custos da demolição tradicional;
! por outro lado, não se perspectiva que esta tendência de aumento de preço aconteça
relativamente à demolição selectiva, pelo que a reciclagem de agregados ganhará aqui
vantagem;
! o preço do transporte dos agregados naturais, assim como o do transporte de resíduos a
aterro, tenderá a aumentar, uma vez que a distância média das pedreiras e dos aterros
aos centros urbanos (onde a densidade de construção por metro quadrado é superior)
tende também a aumentar;

98
! no que diz respeito à taxa ambiental, esta é já uma realidade na maioria dos países da
EU, apesar de ainda não existir em Portugal; por esta razão, tendo em consideração os
valores praticados nestes países, as taxas de depósito em aterro tenderão a aumentar
vertiginosamente;
! embora o preço actual de depósito de entulho em aterro se situe, em média, nos 2.50
Є/ton a 4.00 Є/ton, prevê-se que este valor suba acentuadamente a curto prazo, à
semelhança do que se verificou noutros países europeus, como a Dinamarca, onde este
valor se situa entre os 20.00 Є/ton e os 50.00 Є/ton;
! nas condições actualmente existentes em Portugal, com uma indústria de reciclagem
incipiente e um factor de escala desfavorável, as receitas resultantes da venda de
outros materiais (que não os derivados de betão) para reciclagem não deverão ser
muito elevadas; no entanto, a alteração dessas condições levará a um progressivo
aumento deste tipo de receitas;
! num futuro próximo, serão também criadas taxas ambientais a aplicar à exploração de
recursos naturais não renováveis; pela via fiscal e legislativa, os governos tenderão a
desencorajar a exploração de qualquer recurso não renovável; enquanto a nossa
legislação não contemplar um sobrecusto a aplicar aos agregados naturais e enquanto
existirem materiais de primeira qualidade em abundância a preços competitivos, não
se poderá esperar que a reciclagem se faça em larga escala; este aspecto é
determinante e irá agudizar os problemas de aceitação do mercado sendo que, entre
duas empresas que concorrem a um determinado projecto, aquela que concorrer com
produtos secundários (reciclados) está, por enquanto, em franca desvantagem;
! há duas vias para a reciclagem de resíduos de construção e demolição; uma alternativa
é transportá-los até uma central de reciclagem fixa, que se encontre próxima para
minimizar os custos de transporte; a outra é triturar e seleccionar os resíduos numa
central móvel, no próprio local da demolição, onde os agregados reciclados são
utilizados à medida que vão sendo processados;
! a reciclagem no local da demolição minimiza a movimentação de materiais pesados, o
que se traduz numa redução dos custos de transporte, dos gastos de energia e do
desgaste das estradas e dos equipamentos;
! as centrais fixas de reciclagem, a serem criadas, serão instaladas possivelmente em
zonas industriais das periferias das cidades; os custos de transporte às centrais não
tenderá a aumentar da mesma forma que os custos de transporte a aterro, pois a
distância média manter-se-á constante;
! nos aterros, os valores de entrega são, de um modo geral, baixos pelo facto destes
serem subsidiados ou explorados por entidades públicas; as diferenças de preços entre
depositar em aterro e em central serão claramente elevadas; em países como a
Dinamarca, a diferença de custos chega a ser de 1 para 10;
! nas centrais de reciclagem móveis, nem todo o material triturado pode ser utilizado no
próprio local; mais concretamente, existe uma parcela de agregados provenientes da
trituração do betão de granulometria demasiado fina ou demasiado grossa para poder
ser utilizada no fabrico de novo betão; por outro lado, geralmente o volume de
agregados grossos obtido da trituração do betão é superior do que o necessário para o
fabrico de igual quantidade de betão [2]; finalmente, existem diversos tipos de
resíduos (alvenaria, madeira, plásticos, argamassas, etc.) que não podem ser utilizados
no próprio local, tendo de ser escoados da central de reciclagem móvel para os locais
mais adequados;
! na reciclagem em central fixa, é natural que haja diferença entre o preço de venda do
material reciclado, que pode ser utilizado na produção de betão, e o material que só

99
pode ser aplicado em trabalhos menos nobres como, por exemplo, enchimentos ou
base / sub-base de estradas.

Assim sendo, assumiu-se para a Fase I as seguintes hipóteses nos cálculos efectuados:

! os custos da demolição tradicional e da selectiva foram estimados como uma


ponderação entre os da demolição com equipamento pesado sem qualquer tipo de
cuidado e a efectuada com martelo pneumático;
! o custo do transporte para aterro por tonelada de resíduos é de 1.50 + 0.755 por km
[Є]; as distâncias médias do local da obra consideradas foram de: 50 km ao aterro
corrente; 30 km à central de reciclagem fixa; 80 km à pedreira;
! 15% dos resíduos não são recicláveis (mesmo na demolição selectiva), pelo que são
tratados como os resíduos da demolição tradicional;
! o custo de depósito em aterro por tonelada considerado é intermédio entre o
actualmente praticado em Portugal (2.00 a 4.00 Є) e na Dinamarca (20.00 a 50.00 Є);
! a receita da venda de outros materiais é simbólica na demolição tradicional; na
selectiva, considerou-se que cobre os custos de transporte e depósito em aterro e que
corresponde a 10% do volume total;
! considera-se que 30% do volume total dos resíduos é betão; para a central de
reciclagem fixa são encaminhados 75% dos resíduos (retirados os materiais não
recicláveis e os comercializados na obra);
! estimou-se que a entrega dos resíduos na central fixa custa, por tonelada, 2.00 Є para
betão e 5.00 Є para alvenarias (na Bélgica, esses valores são, respectivamente, de 2.50
a 4.50 Є e de 5.75 a 7.50 Є);
! considerou-se uma taxa de 1.04 ton de agregados grossos por m3 de betão; daí resulta
que, para se reconstruir o edifício demolido, só 13% dos materiais reciclados dos
(mrRCD) ficam na obra; os restantes 62% são escoados pela central móvel a 5.00
Є/ton.

3.5.2. Fase II - Produção de agregados

Foram analisados os custos que se referem de seguida:

! custo de produção dos agregados grossos, quer naturais, quer reciclados (em central de
reciclagem fixa ou móvel);
! custos de transporte dos agregados desde a pedreira ou central de reciclagem fixa até à
obra.

Quadro 10 - Fase I: Demolição [Є/ton] [2]

Actividade Tradicional Selectiva Selectiva


para central para central
de reciclagem de reciclagem
fixa móvel
Demolição 37.50 56.25 56.25
Transporte para aterro 5.25 0.7875 0.7875
Depósito em aterro 12.50 1.875 1.875
0 0 0
Taxa ambiental a depósito
Venda de outros materiais -0.50 -2.6625 -2.6625

100
Transporte para a central fixa 0 562.5 0
Entrega de resíduos na central fixa 0 570 0
Escoamento dos agregados finos ou demasia- 0 0 3.10
do grossos, dos grossos excedentários e do
produto britado que não de betão
Custo unitário total da Fase I 54.75 61.9125 59.35

O preço dos agregados reciclados em central móvel tem de ter em consideração a taxa
de entrega em central fixa e o preço de venda dos agregados já triados praticados por estas
unidades. Este valor deverá ser ainda algo superior à soma dos dois anteriormente referidos já
que, nesta situação, há a acrescer, na perspectiva do dono da central de reciclagem móvel, os
custos de escoar o produto excedente, constituído por finos, agregados demasiado grossos e a
percentagem da brita produzida que não é necessária. Este escoamento tem de ser realizado
num período de tempo curto pois, no local, dificilmente haverá grande capacidade de
armazenagem.
Assim sendo, assumiu-se para a Fase II as seguintes hipóteses nos cálculos efectuados:

! o custo dos inertes naturais foi incrementado em relação ao actual para ter em conta os
custos de reposição da paisagem, de redução de ruídos e poeiras e dos próprios
terrenos;
! estimou-se que o valor de venda dos agregados grossos, por tonelada, nas centrais fixa
e móvel é respectivamente de 2.00 Є e 4.00 Є;
! para transporte, montagem, desmontagem e novo transporte da central móvel, tomou-
se um valor fixo de 1 000 Є.

Quadro 11 - Fase II: Produção de agregados grossos [Є/ton] [2]

Actividade Naturais Reciclados em Reciclados em


central fixa central móvel
Custos dos agregados grossos 9.00 4.00 8.00 *
Transporte para obra 7.50 3.75 0
Taxa ambiental de exploração 0 0 0
de recursos não renováveis
Custo unitário total da Fase II 16.50 7.75 8.00 *
* a este valor é preciso somar 1 000 Є/n.º de toneladas de agregados reciclados no
local

3.5.3. Fase III - Produção de betão

Foram analisados os custos que se referem de seguida:

! custos de cada componente do betão;


! custos de produção e aplicação em obra.

Assim, nesta fase, consideraram-se os custos dos seguintes componentes: água, areia,
brita, cimento, adjuvante, mão-de-obra, processamento, fornecimentos e serviços externos.
Quanto às principais diferenças de custos entre a produção de um betão com agregados
naturais e agregados reciclados, encontram-se o recurso a adjuvantes e a maior dosagem de
cimento. Devido à maior absorção dos agregados reciclados, o recurso a adjuvantes e a uma
quantidade de cimento superior é imprescindível para obter um betão trabalhável, mas

101
também resistente e durável. Esta é a melhor forma de manter a trabalhabilidade e evitar uma
relação A/C elevada que conduz irremediavelmente a um betão pouco resistente e,
certamente, pouco durável. Quanto às quantidades de cimento e adjuvantes, estas são
normalmente determinadas pela experiência obtida nos ensaios que são realizados
previamente. No entanto, segundo o estudo realizado, no que diz respeito ao aumento da
dosagem de cimento, esta tendência não se verifica quando se parte de betão já ele próprio
reciclado, mas apenas quando se recicla betão produzido com agregados naturais.
De referir que, dada a reciclagem de resíduos da construção no nosso país se encontrar
numa fase embrionária, torna-se difícil obter valores para situações que não são, ainda, reais.
Assumiu-se para a Fase III as seguintes hipóteses nos cálculos efectuados:

! o custo da água foi considerado sem expressão nesta análise;


! na areia não houve qualquer diferença, pois só os agregados grossos estão a ser
reciclados; 30% do volume de betão é areia;
! considerou-se ser necessário um acréscimo de 50 kg de cimento e a adição de 2.4 l de
plastificante por m3 de betão para se conseguir obter um betão com agregados grossos
reciclados de resistência idêntica à de um betão de inertes 100% naturais; estas
hipóteses estão consentâneas com a bibliografia existente e com a parte experimental
da dissertação de mestrado referida [2]; representam naturalmente um handicap em
termos ambientais do betão com agregados reciclados;
! considerou-se não haver diferenças de procedimentos e/ou custos na produção de
betão com agregados reciclados ou naturais.

3.5.4. Resultados globais

Concretize-se agora o exemplo com uma construção de peso total de 1000 toneladas, à
qual correspondem 300 toneladas (125 m3) de betão, que incluem 130 toneladas de agregados
grossos. Num primeiro cenário, não se vão considerar quaisquer taxas ambientais relativas ao
depósito de RCD recicláveis ou à exploração de recursos não renováveis (a situação actual em
Portugal). O Quadro 13 resume e compara os custos obtidos nas três hipóteses em análise.

Quadro 12 - Fase III: Produção de novo betão [Є/m3] [2]

Actividade Naturais Reciclados em Reciclados em


central fixa central móvel
Água 0 0 0
Areia 3.00 3.00 3.00
Brita 17.16 8.06 8.32 *
Cimento 24.00 27.00 27.00
Adjuvante 0 1.775 1.775
Mão-de-obra + fornecimentos e serviços 30.00 30.00 30.00
externos + processamento
Custo unitário total da Fase III 74.16 69.835 70.095 *
* a este valor é preciso somar 1 040 Є/n.º de toneladas de betão com agregados
reciclados no local

Quadro 13 - Cenário 1: sem taxas ambientais (custos em Є) [2]

Demolição (1000 ton) Tradicional Selectiva para Selectiva para


central de central de

102
reciclagem fixa reciclagem móvel
Custo total da Fase I 54 750.00 61 912.50 59 350.00
Variação em relação à demolição +13% +8%
tradicional
Produção de agregados grossos (130 Naturais Reciclados em Reciclados em
ton) central fixa central móvel
Custo total da Fase II 2 145.00 1 007.50 2 040.00
Variação face aos agregados naturais -53% -5%
Produção de betão (125 m3) Naturais Reciclados em Reciclados em
central fixa central móvel
Custo total da Fase III 9 270.00 8 729.375 9 761.875
Variação face aos agregados naturais -6% +5%
Demolição de 1000 ton e produção de Métodos Demolição Demolição
125 m3 de betão correntes selectiva e selectiva e
reciclagem fixa reciclagem móvel
Custo total das 3 fases 66 165.00 71 649.375 71 151.875
Variação face aos métodos correntes +8% +8%

Como seria de esperar, nas circunstâncias actuais, os métodos correntes parecem


economicamente mais competitivos. Esta é uma situação ilusória, uma vez que não estão
quantificados os custos energéticos do desperdício de materiais recicláveis nem os custos
ambientais de delapidar sem controlo as reservas de produtos naturais não renováveis.
Por esta razão, criou-se um cenário 2 em que passaram a existir as seguintes taxas:

! uma taxa ambiental de depósito de RCD recicláveis de 5.00 Є/ton; trata-se de um


valor muito moderado, se se tiver em conta que na Dinamarca atinge os 45.00 Є/ton
(na Flandres situa-se nos 9.50 Є/ton);
! uma taxa ambiental de exploração de recursos não renováveis de 2.50 Є/ton; trata-se
novamente de um valor modesto, se comparado com os custos indirectos da
exploração das pedreiras (agressão à paisagem, erosão dos solos, redução de área
cultivada, contaminação da água freática, ruído e vibrações nas construções e
habitantes próximos, etc.);
! uma taxa ambiental relativa à produção de cimento, responsável pela emissão de
elevadas quantidades de CO2, consistindo no incremento de 25% no custo desse
material; esta taxa acaba por penalizar mais o betão com agregados reciclados, pelo
seu maior consumo de cimento.

Com base nestas novas premissas, elaborou-se o Quadro 14.

Quadro 14 - Cenário 2: com taxas ambientais moderadas (custos em Є) [2]

Demolição (1000 ton) Tradicional Selectiva para Selectiva para


central de central de
reciclagem fixa reciclagem móvel
Custo total da Fase I 59 750.00 62 662.50 60 100.00
Variação em relação à demolição +5% +1%
tradicional
Produção de agregados grossos (130 Naturais Reciclados em Reciclados em
ton) central fixa central móvel
Custo total da Fase II 2 470.00 1 007.50 2040.00

103
Variação face aos agregados naturais -59% -17%
Produção de betão (125 m3) Naturais Reciclados em Reciclados em
central fixa central móvel
Custo total da Fase III 10 345.00 9 573.125 10 605.625
Variação face aos agregados naturais -7% +3%
Demolição de 1000 ton e produção de Métodos Demolição Demolição
125 m3 de betão correntes selectiva e selectiva e
reciclagem fixa reciclagem móvel
Custo total das 3 fases 73 900.00 73 243.125 72 745.625
Variação face aos métodos correntes -1% -2%

Da análise dos resultados, é possível concluir que mesmo taxas ambientais moderadas
são suficientes para tornarem o betão de inertes grossos reciclados tão competitivo como o
betão corrente.

3.6. Trabalhos em curso

Situada um pouco a montante da reciclagem, a temática da optimização dos sistemas


de demolição de estruturas de betão, a chamada demolição selectiva, está a ser tratada no
âmbito de uma outra dissertação de Mestrado em Construção, da autoria do Eng.º Luís Freire.
A optimização será tratada ao nível da minimização de custos e tempo, da
maximização da segurança e de taxa de reciclagem / reutilização dos materiais e ainda da
minimização do impacte ambiental.
Duas outras dissertações no mesmo Mestrado estão actualmente na sua fase inicial. Na
primeira, da autoria da Eng.ª Ana Luísa Ferreira, será feita a caracterização dos RCD e da sua
potencialidade de reciclagem na região da Grande Lisboa e estão previstas experiências piloto
com o apoio das autarquias locais. A segunda, da autoria do Eng.º Luís Evangelista, focará a
temática do desempenho de betões fabricados com agregados finos resultantes da demolição
de peças de betão armado e terá uma pendente marcadamente experimental, esperando-se que
prossiga posteriormente para uma tese de Doutoramento.
Finalmente, da autoria da Eng.ª Carla Martinho, está em curso uma dissertação no
mesmo Mestrado versando a elaboração de especificações técnicas para utilização de
agregados reciclados no fabrico de betão, com uma forte componente de pesquisa de
documentação já elaborada no estrangeiro, uma tarefa importante de síntese e compilação da
mesma e, finalmente, a elaboração de ensaios experimentais para testar os aspectos menos
consensuais.
Conclui-se recentemente um trabalho final de curso dos alunos da Licenciatura em
Engenharia e Gestão Industrial (LEGI) do IST Rui Mira, Tiago Almeida, Vladimir Fonseca e
José Rui, intitulado “Reciclagem de Resíduos da Construção e Demolição” [11]. Tendo como
objecto de estudo a empresa Lobbe Derconsa, foi elaborado um estudo de viabilidade técnica
e económica da evolução da indústria da recolha e reciclagem de resíduos, com incidência na
Região de Lisboa e Vale do Tejo, nas vertentes de recuperação paisagística e de triagem e
reutilização de agregados na construção de estradas. Concluiu-se serem ambas estas vertentes
economicamente viáveis mas extremamente dependentes da evolução da legislação nacional e
municipal.
Como trabalho final de curso da LEGI das alunas Ana Barreiros, Ana Cajada e
Cristina Silva, está neste momento no seu início um projecto cujo objectivo é analisar a
viabilidade técnico-económica de uma das empresas existentes de extracção de agregados
naturais na área da Grande Lisboa (do mesmo grupo de uma outra de fornecimento de betão
pronto) instalar junto à sua linha de produção uma central de reciclagem fixa que permita, por

104
um lado, triturar os desperdícios da sua própria produção de betão e, por outro, aceitar os
desperdícios de outras empresas ou de empresas associadas à construção / demolição ou à
recolha dos seus resíduos (naturalmente cobrando um determinado valor). Em ambos os
casos, a empresa em causa terá de fazer duas coisas após a trituração e triagem dos resíduos:
utilizar os agregados reciclados na sua própria produção de betão (para o que são necessárias
especificações técnicas) e colocar, se possível valorizando, o volume restante.
Em termos de projectos de investigação financiados exteriormente, refere-se o
Projecto Europeu Craft OPTIDEBRI (Optimal Selection and Reuse of Construction Debris)
cuja candidatura foi apresentada em 2001, sob a coordenação do Prof. Fernando Branco. Para
além do IST, participam no mesmo a Pavilis, a Lobbe Derconsa, o Instituto Giordano SPA
(Itália) e a Universitat Politécnica de Catalunya (Espanha). As tasks previstas incluem a
identificação das técnicas de demolição e pré-selecção dos resíduos, a separação e
caracterização dos mesmos, a sua utilização em elementos da construção e a construção e
análise de protótipos.
Em termos nacionais e em colaboração com a Faculdade de Engenharia da
Universidade do Porto (FEUP), foi apresentada em 2001, e muito recentemente aprovada,
uma candidatura à Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) sob o título “Gestão
Integrada dos Resíduos de Construção e Demolição” e a coordenação do Prof. Fernando
Branco. As tasks previstas incluem a avaliação da composição dos RCD no Porto e em
Lisboa, um manual para demolição selectiva de edifícios, a avaliação do risco ambiental dos
RCD, a caracterização experimental dos agregados reciclados e a avaliação das propriedades
do betão de agregados reciclados. Esta candidatura surgiu na sequência de uma outra no ano
anterior, intitulada “Reciclagem de Materiais de Demolições” (RECDEMO), também
coordenada pelo Prof. Fernando Branco, que integrava, para além do IST, a Lobbe Derconsa,
e que previa tasks muito semelhantes às indicadas para o projecto OPTIDEBRI.
Fora do âmbito do GESTEC mas também no DECivil do IST, foi também já
apresentada no IST uma dissertação de Mestrado intitulada “Gestão de Resíduos na
Construção” [8], da autoria do Eng.º Pedro Carvalho, em que é apresentada uma visão
estratégica da implementação de políticas de desenvolvimento sustentável aplicadas a
Portugal.

4. CONCLUSÕES GERAIS

A economia de Portugal tem vindo a evoluir positivamente nas duas últimas décadas e,
apesar de continuar a manifestar alguns atrasos estruturais importantes, tem vindo a
demonstrar poder manter-se por direito próprio na União Europeia, que congrega alguns dos
países de maior nível de desenvolvimento económico do mundo. Nestes países, as
preocupações principais viram-se agora para a sedimentação e sustentabilidade do
desenvolvimento já atingido, nas quais os aspectos ambientais assumem importância capital.
A indústria da construção, na qual o fabrico e aplicação do betão tem um peso enorme,
tem representado em Portugal uma percentagem muito significativa da actividade produtiva
mas, com a inevitável desaceleração que a construção de raiz irá sofrer, vai ter de se adaptar a
novos padrões de exigência ambiental impostos pela opinião pública. É neste contexto que
surge a reciclagem dos agregados provenientes dos resíduos da construção e demolição
(RCD) para o fabrico de betão.
De facto, durante todos estes anos tem-se desbaratado um recurso importantíssimo que
são os materiais provenientes dos RCD susceptíveis de serem reintroduzidos no processo
construtivo em geral e na indústria do betão pronto em particular. No entanto, esta

105
reutilização de materiais não está isenta de riscos como demonstram algumas experiências
falhadas em diversos países.

4.1 Organização da investigação

Impõe-se pois nesta altura organizar as ideias e unir esforços (a indústria e a


universidade) para levar a cabo a investigação iminentemente prática de que Portugal
actualmente necessita. Nesta apresentação, procurou-se não só apresentar os primeiros passos
desse longo caminho, como também fazer uma proposta de organização global da
investigação nesta área que possa servir de base de orientação da indústria e das várias
instituições associadas à investigação para colaborarem e unirem esforços. Existe tanto
trabalho para fazer, conforme a descrição do nível de desenvolvimento de outros países da
União Europeia que foi feita nesta apresentação permitiu demonstrar, que não se justifica de
forma alguma repetir estudos já realizados.

4.2. Lições retiradas da investigação já realizada no ist

Ensaios com agregados grossos reciclados de betão, produzidos a partir de betões


originais com diferentes composições e resistências à compressão, indicaram que a resistência
à compressão de novos betões incorporando este tipo de agregados não depende da resistência
dos betões originais para a gama analisada. Em relação às propriedades relacionadas com a
deformabilidade (retracção de secagem e módulo de elasticidade), diferenças nas propriedades
dos agregados reciclados causadas pelas características do betão original podem alterar o
desempenho de betões com agregados grossos reciclados de betão.
No que diz respeito a reciclagem cíclica, dos resultados experimentais pode concluir-
se que o processo de produção de agregados grossos reciclados de betão demolido é,
basicamente, auto-sustentável. De facto, foi possível manter as características de resistência e
trabalhabilidade em sucessivos ciclos de fabrico de novo betão com agregados reciclados
obtidos de demolição de betão. Para tal, recorreu-se apenas a pequenas alterações de dosagem
de cimento e à introdução de adjuvante / plastificante. Refira-se ainda que a manutenção da
relação água / cimento, apesar do aumento da absorção dos agregados grossos reciclados,
permite prever que a durabilidade do betão fabricado com estes agregados não será inferior à
do betão original.
Os resultados da campanha experimental sobre a utilização de agregados grossos
cerâmicos reciclados na produção de betão, que se pretende seja o início de uma investigação
mais aprofundada, permitem chegar às seguintes conclusões:

! o principal problema da reciclagem dos agregados grossos cerâmicos como substituto


de agregados pétreos primários é a sua elevada absorção de água; no entanto, este
problema pode ser em boa parte resolvido recorrendo a um método de pré-saturação
facilmente reprodutível em estaleiro;
! a resistência (à compressão e à tracção) dos betões fabricados com agregados
cerâmicos reciclados diminui de forma regular com a percentagem dos mesmos na
composição; esta tendência poderá, no entanto, não ser grave na medida em que as
resistências exigidas às peças de betão sejam de pequena monta;
! a durabilidade destes betões, ainda não analisada, poderá revelar-se a sua principal
insuficiência; no entanto, em peças não armadas, tal poderá não ser condicionante.

Pelo exposto no sub-capítulo 3.5 (análise da viabilidade económica da reciclagem de


agregados), pode-se concluir que a implementação da reciclagem no nosso país depende

106
fortemente da existência de legislação apropriada. Só através de legislação específica é que
haverá uma correcta gestão dos resíduos da construção que imponha metas de reciclagem
quantificadas no tempo. No entanto, a legislação, só por si, não chega, sendo necessário, à
semelhança do que acontece em outros países, implementar taxas de depósito a aterro e de
extracção de recursos naturais. Para além disso, uma fiscalização mais agressiva será
essencial. Finalmente, no que diz respeito às especificações técnicas, essas serão também
fundamentais para que haja confiança na utilização destes agregados por parte de quem
prescreve e por parte de quem decide.

5. REFERÊNCIAS

[1] GONÇALVES, A. P.; SANTOS, J. R.; BRITO, J.; BRANCO, F. A. - Reciclagem dos
Resíduos da Construção: Situação Actual. Repar 2000 - Encontro Nacional sobre
Conservação e Reabilitação de Estruturas, Lisboa, pp. 659-668, Junho 2000.
[2] GONÇALVES, A. P. - Análise do Desempenho de Betões Obtidos a Partir de Inertes
Reciclados Provenientes de Resíduos da Construção. Dissertação de Mestrado, Instituto
Superior Técnico, Lisboa, Maio 2001.
[3] PEREIRA, A. S. - Utilização de Agregados Grossos Cerâmicos Reciclados na Produção
de Betão. Dissertação de Mestrado, Instituto Superior Técnico, Lisboa, Julho 2002.
[4] NEPOMUCENO, M. - Estudo da Composição de Betões. Provas de Aptidão Pedagógica e
Capacidade Científica, Universidade da Beira Interior, DEC, Covilhã, 1999.
[5] DEVENNY, A.; KHALAF, F. M. - The Use of Crushed Brick as Coarse Aggregate in
Concrete. in Masonry International, Vol. 12, No 3, pp. 81-84, 1999.
[6] HELENE, P. - Dosagem dos Concretos. in Concreto: Estrutura, Propriedades e materiais,
Pini, São Paulo, pp. 311-334, 1994.
[7] BARRA, M.; VÁSQUEZ, E. - Properties of Concrete with Recycled Aggregates:
Influence of Properties of the Aggregates and Their Interpretation. in Sustainable
Construction: Use of Recycled Concrete Aggregates, Thomas Telford, London, pp. 19-30,
1998.
[8] CARVALHO, P. - Gestão de Resíduos na Construção. Dissertação de Mestrado, Instituto
Superior Técnico, Lisboa, Maio 2001.

107
Betão Eco-Eficiente Utilizando Metacaulino
José Miguel Fernandes1, Said Jalali2

Universidade do Minho, Departamento de Engenharia Civil


Campus de Azurém, 4800-058 Guimarães, Portugal

Elvira Torres3, Luís Oliveira4

Departamento de Engenharia Civil


Universidade da Beira Interior, 6200-001Covilhã

SUMÁRIO

Os desenvolvimentos mais recentes relativos à produção do betão incidem sobre a


adição de materiais, que pelas suas propriedades melhorem as características mecânicas e a
durabilidade do mesmo. Para além disso a utilização destes produtos visa a redução do
consumo de cimento, contribuindo assim para a resolução de problemas ambientais de uma
forma simples e económica.
Este artigo apresenta um estudo sobre as vantagens e limitações da substituição parcial
de cimento por metacaulino. Os resultados obtidos são animadores não só para as resistências
à compressão, mas também e principalmente para a durabilidade do betão. O uso de
metacaulino pode reduzir a quantidade de cimento a utilizar para obter betões equivalentes.

1. INTRODUÇÃO

A indústria da construção é sem duvida uma das grandes consumidoras dos recursos
naturais e, simultaneamente, produz um elevado volume de resíduos. Para além destes factos,
surgiu nas três últimas décadas um novo problema: a degradação das estruturas de betão numa
fase precoce da sua vida útil. Por estes motivos a durabilidade e as questões ambientais têm
sido objecto de estudo no desenvolvimento e na produção de betões.
Nos últimos anos o recurso a betões de elevado desempenho (BED) tem vindo a
aumentar substancialmente, isto deve-se principalmente ao desenvolvimento de
superplastificantes, e à utilização de adições activas. Por outro lado, os cimentos actuais são
mais finos e o seu conteúdo em silicato tricálcico (C3S) é maior, assim hidrata mais
rapidamente, possibilitando o fabrico de betões com menor quantidade de cimento e maior
razão água/ligante mantendo as mesmas resistências aos 28 dias. No entanto, estas alterações
podem comprometer a durabilidade do betão [2].
A utilização de adições activas no betão como substituto do cimento tem diversas
vantagens das quais se destacam: o cimento é o material mais caro utilizado na produção do

1
Investigador, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho
2
Professor Associado, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho
3
Engenheira Civil
4
Professor Associado Convidado, Departamento de Engenharia Civil da Universidade da Beira Interior

108
betão; o cimento exige um grande consumo de energia na sua produção; a produção de uma
tonelada de cimento liberta para a atmosfera aproximadamente a mesma quantidade de
dióxido de carbono [1].
Neste trabalho, pretende-se estudar a possibilidade da utilização de metacaulinos
produzidos a partir de caulinos portugueses, para a produção de betões eco-eficientes de
elevado desempenho. Não existindo metacaulino disponível em Portugal o estudo tem como
objectivos principais a produção de metacaulino, e seguidamente avaliar a sua aplicabilidade
como substituto parcial do cimento.
Espera-se que quando se utilize metacaulino no betão, este reaja directamente com o
hidróxido de cálcio reduzindo-o da composição do betão, desenvolvendo assim uma
resistência suplementar. O hidróxido de cálcio, que contém cristais solúveis diminui a
resistência do betão [2]. O metacaulino é assim um material pozolânico, esse facto deriva da
combinação de uma elevada superfície específica com sílica de estrutura amorfa [6].

2. MATERIAIS UTILIZADOS:

2.1. Produção de metacaulino

Para a produção de metacaulino foi utilizado um caulino extraído na zona de


Barqueiros, Esposende. Na tabela 1 apresentam-se os resultados da análise química realizada
ao caulino.

Tabela 1 - Composição química do caulino

Elemento Símbolo Quí mico % de Peso


Fósforo P 0.13
Magnésio Mg 0.25
Alu mínio Al 32.3
S ilíc io Si 53.2
Zinco Zn 0.033
Pot ássio K 6.5
Cálcio Ca 0.15
T it ânio Ti 1.02
Ferro Fe 5.8
Chumbo Pb 0.038

O caulino utiliza-se nomeadamente nas indústrias de cerâmica, papel, refractários,


borracha, tintas e outros. Foram produzidos em Portugal, no biénio 1997/1998 mais de
450000 toneladas de caulino. O prefixo meta é utilizado no sentido de denotar mudança, no
entanto, na maior parte dos materiais argilosos estas transformações não estão completamente
entendidas, principalmente devido às diversas reacções que ocorrem [11].
Com o objectivo de determinar a temperatura em que ocorre a transformação de
caulino em metacaulino foram realizados ensaios de análise termogravimétrica. Com estes
ensaios concluiu-se que para ocorrer a transformação para a fase meta é necessária uma
temperatura de 700ºC, em que ocorre uma perda de peso de 12,14%.

109
Para proceder ao fabrico de metacaulino foi utilizado um forno de indústria cerâmica
que foi aquecido a 750 graus durante cerca de 24 horas, para que todo o material atingisse a
temperatura pretendida.

2.2. Cimento, agregados, adições activas e adjuvantes

Na investigação realizada foi utilizado cimento do tipo CE I e da classe 42,5. Os


agregados eram constituídos por uma brita granítica britada e uma areia rolada. Na tabela 2
apresentam-se os resultados das análises granulométricas dos agregados utilizados.
Tabela 2 – Análises granulométrica dos agregados

Brita granítica Areia Rolada


N.º Peneiro (ASTM)
[% retida acumulada] [% retida acumulada]
½’’ 25.66 0
3/8’’ 72.66 0.31
4 98.91 3.47
8 98.91 20.74
16 98.91 54,18
30 98.91 81.33
50 98.91 95.23
100 98.91 98.96
200 99.89 99.64
Resto 100 100
Módulo de finura
6.66 3.54
[cm]
Massa volúmica
2330 2520
[kg/m3]
Absorção [%] 2.45 1.70

Com o objectivo de melhorar a trabalhabilidade da mistura foi utilizado um


superplastificante. Após um estudo preliminar realizado em pastas de cimento, foi utilizado o
Rheobuild 2000, sendo a sua dosagem efectuada em % de peso de ligante. Esta dosagem foi
efectuada em massa total do superplastificante, em forma de liquido.
Tendo por fim comparar os resultados obtidos foram incluídos neste estudo mais dois
materiais pozolánicos, “Metamax High Reactivity Metakaolin” (HRM) e sílica de fumo (SF).

2.3. Composições estudadas

Para obter a composição dos betões foi utilizado o método de Faury [3], admitindo
uma consistência plástica. Na tabela 3 apresentam-se as composições dos oito betões
estudados. Também se apresentam os resultados dos ensaios de abaixamento.

Tabela 3 – Composição e consistência do betão

Materiais C300 C30M10 P330 C33M10 C33M15 C33HRM10 C33SF10 C400


Cimento
300 270 330 300 285 300 300 400
[Kg/m3]
Razão W/C 0,35 0,35 0,45 0,45 0,45 0,45 0,45 0,4
Areia [Kg/m3] 1136 1136,3 1029,5 1029,5 1029,5 1029,5 1029,5 884,0

110
Brita [Kg/m3] 712,5 712,5 723,1 723,1 723,1 723,1 723,1 776,3
Metacaulino
… 30 … 30 45 … … …
[Kg/m3]
SF [Kg/m3] … … … … … … 30 …
3
HRM [Kg/m ] … … … … … 30 … …
Rheobuild [%] 2 2,5 1,5 2 2,5 1,75 1,75 1,5
Abaixamento
30 25 150 140 160 165 165 160
[mm]

3. PROCEDIMENTOS DE ENSAIO:

Foram realizados ensaios de resistência à compressão, da resistividade eléctrica, da


migração do ião cloro e de absorção de água por capilaridade. Os ensaios realizaram-se em
provetes resultantes das diferentes composições, com idades de cura de 28, 56 e 90 dias.

3.1. Ensaios de resistência à compressão

Os ensaios para a determinação da resistência à compressão foram realizados segundo


o procedimento descrito na especificação do LNEC E226 [7]. A velocidade de aplicação de
carga foi de 10 kN/s, e os ensaios foram realizados em cubos com 10 cm de aresta. Cada
resultado representa a média de três ensaios.

3.2. Ensaios de migração de iões de cloro

Para calcular o coeficiente de migração do ião cloro foi utilizado o método CTH Rapid
Method, desenvolvido por Luping [10]. Este método consiste em submeter um provete
cilíndrico a uma diferença de potencial durante um período de tempo estabelecido
previamente. Terminado esse tempo o provete é dividido axialmente, medindo-se de seguida a
profundidade de penetração utilizando um processo colorométrico, recorrendo a nitrato de
prata. A diferença de potencial aplicada foi de 30 ± 0,2 V. A duração do ensaio foi
determinada tendo por base uma tabela sugerida por Luping. Esta tabela foi revista e adaptada
durante esta investigação.

Tabela 4 – Duração dos ensaios CTH Rapid Method

Corrente Inicial Duração do ensaio


I0 [ mA ] tcth [ horas ]
I0 <5 tcth = 168
5 ≤ I0 <10 tcth = 96
10 ≤ I0 <30 tcth = 48
30 ≤ I0 <60 tcth = 24
60 ≤ I0 <120 tcth = 8
120 ≤ I0 <240 tcth = 4
I0 ≥ 240 tcth = 2

0 coeficiente de difusão é calculado utilizando a seguinte expressão [10]:

111
R ⋅T ⋅ L xd − α ⋅ xd
(1)
D = ⋅
z ⋅ F ⋅U t

Sendo:

R ⋅T ⋅ L  2 ⋅ cd 
α = 2. ⋅ erf −1
⋅  1 −  (2)
z ⋅ F ⋅U  c0 

Onde:
D: coeficiente de difusão, m2/s;
z: valor absoluto de valência do ião, para iões cloro z = 1;
F: constante de Faraday, F=9,648 × 104 J/(V.mol);
U: valor absoluto da diferença de potencial, V;
T: temperatura da solução, K;
L: espessura do provete, m;
xd : profundidade de penetração, m;
t: duração do ensaio, s;
erf -1: inverso da função erro;
cd: concentração de cloro com o qual a cor altera, cd ≈ 0,07 N;
c0: concentração de cloro na célula a montante, N.

Os valores apresentados resultam da média obtida nos ensaios realizados em três


provetes individuais.

3.3. Ensaios de resistividade eléctrica

A resistividade eléctrica determina-se recorrendo à leitura inicial de corrente no ensaio


de migração do ião cloro. Foi aplicada a Lei de Ohm para estimar os valores da resistividade.

V
R= (3)
I

L
R = ρ. (4)
A

Daí que:
A V⋅A
ρ = R⋅ = (5)
L L⋅I

Onde:
R: resistência eléctrica, W;
I: intensidade de corrente, A;
V: diferença de potencial, V;
r: resistividade eléctrica, W.cm;
L: comprimento, cm;
A: área, cm2.

112
Os valores apresentados resultam da média dos valores obtidos nos ensaios de três
provetes.

3.4. Ensaios de absorção de água por capilaridade

Este ensaio foi realizado seguindo o procedimento descrito na especificação E393 [8].
Os provetes cilíndricos utilizados tinham um diâmetro de 105 mm e uma altura de 155 mm.
A absorção de água foi determinada dividindo o aumento de massa entre a leitura Mi e
a leitura inicial, M0, pela área do provete em contacto com a água. O declive da recta que
melhor se ajusta aos pontos obtidos versus t representa o coeficiente de absorção por
capilaridade. Os resultados foram expressos em g/m2 para cada tempo t .
Os resultados apresentados resultam da média dos valores obtidos nos ensaios de três
provetes.

4. ANÁLISE DOS RESULTADOS OBTIDOS

Para uma melhor avaliação dos resultados optou-se por fazer uma análise separada em
duas séries de 5 amassaduras cada. A Série A inclui as amassaduras C300, C30M10, C330,
C33M10 e C400. A Série B inclui as amassaduras C330, C33M10, C33M15, C33SF10 e
C33HRM10.
Utilizou-se ainda, para todos os ensaios um factor K, eficiência das adições activas,
como sendo,

C−X
K= × 100 (6)
C

Onde,

K: Eficiência das adições activas, %;


C: Valor obtido nos ensaios da amassadura de controlo;
X: Valor obtido nos ensaios da amassadura X.

4.1. Resistência à compressão

Na tabela 5 apresentam-se as médias dos resultados obtidos nos ensaios realizados


para a Série A.

Tabela 5 - Série A: Resistências à compressão [MPa]

Eficiência das adições


Amassadura / activas
7 28 56 90
Idade
7 28 56 90
C300 34,6 43,8 46,9 47,5 0 0 0 0
C30M10 43,3 47,2 54,2 57,3 25 8 16 21
C330 40,7 44,5 48,5 51,4 0 0 0 0

113
C33M10 36,9 48,7 55,6 60,8 -9 10 15 18
C400 53,8 57,6 59,9 62,8 0 0 0 0

A figura 1 representa a evolução das resistências à compressão para as amassaduras da


Série A.

65

60
C400
R. compressão [Mpa]

C30M 10 C300
55
C33M 10 C330
C30M10
50
C300
C330
45 C33M10
40 C400

35

30
7 28 56 90
Idade [dias]

Figura 1 - Série A: Evolução das resistências à compressão

A Figura 2 ilustra as médias dos valores obtidos nos ensaios de compressão realizados
para as diferentes idades.

65,0
60,0
R. compressão [MPa]

C300
55,0
C30M10
50,0
C330
45,0
C33M10
40,0
C400
35,0
30,0
7 28 56 90
Idade [dias]

Figura 2 - Série A: Resistências à compressão das composições estudadas

Analisando os resultados da resistência à compressão pode-se indicar:

! Em todas as idades o betão C400 é o que apresenta resistências mais elevadas, este
facto deve-se naturalmente à maior quantidade de ligante utilizada.
! Com a mesma quantidade de ligante o betão com 10% de substituição de cimento por
metacaulino tem resistências superiores ao betão de controlo. Com 300 kg/m3 de
ligante o ganho de resistência do betão é de 8% aos 28 dias, valor que sobe para os
21% aos 90 dias. Com 330 kg/m3 de ligante a resistência aos 7 dias e inferior no betão
com 10% de metacaulino, no entanto aos 28 dias a eficiência é de 10%, este valor sobe
para os 18% aos 90 dias.

114
! Apesar da amassadura C400 ter os resultados mais elevados com o aumento da idade a
diferença entre os betões C33M10 e o C400 diminui, sendo que aos 90 dias a
diferença é de apenas 2 MPa. De notar a grande diferença na quantidade de cimento
utilizada nas 2 amassaduras, que foi de 100 kg/m3.

Com o objectivo de comparar a eficiência do metacaulino produzido com SF e HRM


apresenta-se a tabela 6.

Tabela 6 - Série B: Resistências à compressão [MPa]

Eficiência das adições


Amassadura /
7 28 56 90 activas
Idade
7 28 56 90
C330 40,7 44,5 48,5 51,4 0 0 0 0
C33M10 36,9 48,7 55,6 60,8 -9 10 15 18
C33M15 39,9 54,5 59,6 64,6 -2 23 23 26
C33SF10 55,3 62,4 64,8 71,4 36 40 34 39
C33HRM10 51,0 62,7 66,0 69,8 25 41 36 36

As figuras 3 e 4 representam a evolução das resistências à compressão para a Série B.

75
70 C330
R. compressão [Mpa]

C33HRM 10
65
C33M 15 C33M10
60
C33SF10 C33M 10
55 C33M15
50 C330 C33HRM10
45
C33SF10
40
35
7 28 56 90
Idade [dias]

Figura 3 - Série B: Evolução das resistências à compressão


75,0
70,0
R. Compressão [MPa

65,0
C330
60,0
C33M10
55,0
C33M15
50,0
C33HRM10
45,0
40,0 C33SF10

35,0
30,0
7 28 56 90
Idade [dias]

Figura 4 - Série B: Resistências à compressão das composições estudadas

115
Para as amassaduras C33M10 e C33M15 os valores obtidos aos 7 dias são mais baixos
que os valores da composição de controlo, isso deve-se ao tempo de indução na reacção do
metacaulino com cal. Para idades mais avançadas os valores obtidos nas amassaduras
C33M10 e C33M15 já são mais elevados comparativamente com a amassadura de controlo.
As evoluções das resistências com a idade são semelhantes. Os resultados indicam que a
substituição de 15% de cimento por metacaulino é vantajosa. A amassadura C33M15 traduz
uma eficiência de 23% aos 28 dias, valor que sobe para os 26% aos 90 dias.
A SF e o HRM são as adições que conduzem aos melhores resultados. Utilizando SF
obtêm-se o valor mais elevado de resistência aos 7 dias, 55,3 MPa. Aos 90 dias os valores
obtidos são semelhantes aos obtidos com HRM e correspondem a uma eficiência de cerca de
40%.

4.2. Migração de iões de cloro

Na tabela 7 apresentam-se as médias dos resultados obtidos nos ensaios realizados


para a Série A. As figuras 5 e 6 representam a evolução do coeficiente de difusão de cloretos.

Tabela 7 - Série A: Coeficientes de difusão de cloretos [m2/s]

Eficiência das
Amassadura /
28 56 90 adições activas
Idade
28 56 90
C300 37,57 35,99 27,63 0 0 0
C30M10 17,37 11,23 11,83 -54 -69 -57
C330 33,44 24,77 21,07 0 0 0
C33M10 15,49 12,09 9,26 -54 -51 -56
C400 38,13 30,84 22,25 0 0 0

40
35 C300
C300
30
DNSSM [m2/s]

C330 C400
C30M10
25
C330
20
15 C33M10
C33M10
C30M10
10 C400
5
28 56 90
Idade [dias]

Figura 5 - Série A: Evolução dos coeficientes de difusão de cloretos


40
35
DNSSM [m2/s]

30 C300
25
C30M10
20
15 C330
10
C33M10
5
28 56 90 C400

Idade [dias]

Figura 6 - Série A: Coeficientes de difusão de cloretos

116
Os resultados obtidos demonstram que a utilização do metacaulino produzido é
amplamente benéfica para a diminuição do coeficiente de difusão do ião cloro. Os valores
obtidos para os betões incorporando metacaulino são em todas as idades pelo menos 50%
inferior relativamente ao betão de controlo.
Os gráficos apresentados mostram claramente a vantagem inerente à utilização de
metacaulino com o objectivo de diminuir o coeficiente de difusão do ião cloro. Nem com a
utilização de 400 kg/m3 de cimento os valores se aproximam dos obtidos utilizando
metacaulino.

Na tabela 8 apresentam-se as médias dos resultados obtidos nos ensaios realizados


para a Série B. As figuras 7 e 8 representam a evolução do coeficiente de difusão de cloretos.

Tabela 8 - Série B: Coeficientes de difusão de cloretos [m2/s]

Eficiência das
Amassadura /
28 56 90 adições activas
Idade
28 56 90
C330 33,44 24,77 21,07 0 0 0
C33M10 15,49 12,09 9,26 -54 -51 -56
C33M15 10,17 6,84 7,27 -70 -72 -65
C33SF10 6,36 5,73 6,03 -81 -77 -71
C33HRM10 5,63 4,57 3,83 -83 -82 -82

35
30
C330
25
DNSSM [m2/s]

C330 C33M10
20
C33M15
15 C33M 10
C33SF10
10
C33M 15 C33HRM10
C33SF10
5 C33HRM 10
0
28 56 90
Idade [dias]

Figura 7 - Série B: Evolução dos coeficientes de difusão de cloretos


35
30
C330
25
DNSSM [m2/s]

C33M10
20
C33M15
15
C33SF10
10
C33HRM10
5
0
28 56 90
Idade [dias]

Figura 8 - Série B: Coeficientes de difusão de cloretos

117
Este ensaio é suficientemente sensível para distinguir com clareza a evolução do
coeficiente de difusão de cloro com o aumento da idade, principalmente para betões de
qualidade mais baixa. Também define claramente a diferença entre a qualidade dos betões nas
mesmas idades.
A substituição de 15% de metacaulino conduz a resultados relativamente melhores
comparado com os obtidos com uma substituição de 10%, pelo que também neste ensaio é
clara a vantagem de substituir 15% de cimento por metacaulino. Aos 28 dias na composição
C33M15 a diminuição do coeficiente de difusão de cloro e de 70%, e desce para os 65% aos
90 dias.
A utilização de SF e HRM conduz a resultados análogos aos 28 dias, a diminuição do
coeficiente de difusão de cloro é de 80%. Para o HRM este valor mantém-se com o aumento
da idade, já com a SF este valor desce para os 70% aos 90 dias.

4.3. Resistividade eléctrica

Na tabela 9 apresentam-se os resultados obtidos nos ensaios de resistividade eléctrica


para a Série A. As figuras 9 e 10 mostram a evolução da resistividade eléctrica com a idade de
cura.

Tabela 9 - Série A: Resistividade eléctrica [W.cm]

Eficiência das
Amassadura /
28 56 90 adições activas
Idade
28 56 90
C300 0,43 0,41 0,45 0 0 0
C30M10 0,79 0,99 1,09 84 140 144
C330 0,38 0,51 0,58 0 0 0
C33M10 0,66 0,82 1,28 71 60 119
C400 0,35 0,40 0,49 0 0 0

1,3
1,2
1,1
Resistividade - rM [W.cm]

1,0 C300
C30M 10 C33M 10
0,9 C30M10
0,8 C330
0,7 C33M10
0,6 C400
C330
0,5
C300
0,4
C400
0,3
28 56 90
Idade [dias]

Figura 9 - Série A: Evolução da resistividade eléctrica

118
1,3
[W.cm] 1,2
1,1
1,0 C300
M

0,9 C30M10
Resistividade - r

0,8 C330
0,7 C33M10
0,6
C400
0,5
0,4
0,3
28 56 90
Idade [dias]

Figura 10 - Série A: Resistividade eléctrica

Os valores obtidos mostram que a utilização de metacaulino é efectiva em melhorar o


desempenho do betão.
Nota-se claramente a diferença nos valores obtidos nos betões com metacaulino, esta
diferença mantém-se em todas as idades. Por este facto pode dizer-se que este ensaio mostra
claramente a diferença de qualidade entre betões em qualquer idade.
Para idades de cura mais elevadas a diferença entre os betões com metacaulino e os
betões só com cimento aumenta.
Na tabela 10 apresentam-se os resultados obtidos nos ensaios de resistividade eléctrica
para a Série B. As figuras 11 e 12 mostram a evolução da resistividade eléctrica com a idade
de cura.
Tabela 10 - Série B: Resistividade eléctrica [W.cm]

Eficiência das
Amassadura /
28 56 90 adições activas
Idade
28 56 90
C330 0,38 0,51 0,58 0 0 0
C33M10 0,66 0,82 1,28 71 60 119
C33M15 0,93 1,23 1,53 142 139 162
C33SF10 1,15 1,58 1,40 199 208 140
C33HRM10 1,23 1,69 1,93 219 229 230

1,95
[W.cm]

1,80 C33HRM 10
1,65 C330
1,50 C33SF10
M

1,35 C33M10
Resistividade - r

C33M 15
1,20 C33M15
1,05
0,90 C33SF10
0,75 C33M 10
C33HRM10
0,60 C330
0,45
0,30
28 56 90
Idade [dias]

Figura 11 - Série B: Evolução da resistividade eléctrica

119
1,95
1,80
[W.cm]

1,65
C330
1,50
1,35 C33M10
M

1,20
Resistividade - r

C33M15
1,05
0,90 C33SF10
0,75
C33HRM10
0,60
0,45
0,30
28 56 90
Idade [dias]

Figura 12 - Série B: Resistividade eléctrica

Com 15% de substituição de metacaulino os resultados são melhores do que com uma
substituição de 10%. Aos 28 dias o aumento da resistividade é de 142%, valor que sobe para
os 162% aos 90 dias. Os resultados obtidos com SF e HRM são idênticos, sendo que com
HRM os resultados são ligeiramente mais elevados. Com HRM a eficiência é de 220% aos 28
dias relativamente ao betão padrão, este valor aumenta para 230% aos 90 dias.

4.4. Absorção de água por capilaridade

A tabela 11 indica os valores obtidos para os ensaios realizados para a Série A. As


figuras 13 e 14 mostram a evolução do coeficiente de capilaridade com a idade do betão.

Tabela 11 -Série A: Coeficientes de absorção de água por capilaridade

Eficiência das
Amassadura /
28 56 90 adições activas
Idade
28 56 90
C300 241,7 173,3 127,0 0 0 0
C30M10 122,5 143,3 116,7 -49 -17 -8
C330 356,8 222,9 171,3 0 0 0
C33M10 146,4 122,5 111,2 -59 -45 -35
C400 206,9 166,1 144,1 0 0 0

360
]

330
0.5

C330 C300
300
Absorção [ g/m . h

270 C30M10
2

240 C330
C300
210
C400 C33M10
180
150 C400
C30M 10
120 C33M 10

90
28 56 90
Idade [dias]

Figura 13 - Série A: Evolução dos Coeficientes de absorção

120
360
330
Absorção [ g/m2 . h0.5 ]

300
C300
270
C30M10
240
210 C330

180 C33M10
150 C400
120
90
60
28 56 90
Idade [dias]

Figura 14 - Série A: Coeficientes de absorção

Para todas as idades os betões incorporando metacaulino têm coeficientes de absorção


menores. O betão C300 mostra um desempenho melhor comparativamente com o betão C330.
Este facto deve-se à relação água/ligante mais baixa adoptada para esta composição.

Este ensaio indica que é vantajosa a utilização de metacaulino para melhorar o


desempenho do betão. No entanto verifica-se que com o aumento da idade de cura do betão as
diferenças entre os valores do betão de controlo e o betão incorporando metacaulino vão
diminuindo.
Aos 90 dias o betão C30M10 tem um coeficiente de absorção menor em 8%
relativamente ao betão C300. A substituição de 10% de metacaulino na composição C33M10
tem uma eficiência de 35% relativamente ao betão de controlo.

A tabela 12 indica os valores obtidos para os ensaios realizados para a Série B. As


figuras 15 e 16 mostram a evolução do coeficiente de capilaridade com a idade do betão.

Tabela 12 -Série B: Coeficientes de absorção de água por capilaridade

Eficiência das
Amassadura / adições activas
28 56 90
Idade
28 56 90
C330 356,8 222,9 171,3 0 0 0
C33M10 146,4 122,5 111,2 -59 -45 -35
C33M15 129,5 85,0 109,1 -64 -62 -36
C33SF10 93,4 76,0 81,0 -74 -66 -53
C33HRM10 84,8 77,6 72,5 -76 -65 -58

121
360
Absorção [ g/m2 . h0.5 ] 330 C330
300 C330
270 C33M10
240
210 C33M15
180 C33SF10
150 C33M 10 C33HRM10
120 C33M 15
90 C33HRM 10 C33SF10
60
28 56 90
Idade [dias]

Figura 15 - Série B: Evolução dos Coeficientes de absorção

360
330
Absorção [ g/m2 . h0.5 ]

300 C330
270
C33M10
240
210 C33M15
180 C33SF10
150 C33HRM10
120
90
60
28 56 90
Idade [dias]

Figura 16 - Série B: Coeficientes de absorção

Com 10 e 15% de substituição de cimento as melhorias são significativas, sendo cerca


de 60% aos 28 dias, valor que desce para os 35% aos 90 dias. Não existem diferenças
significativas entre fazer uma substituição de 10 ou 15%. Com utilização de SF e HRM as
melhorias são ainda mais elevadas. Aos 28 dias há uma melhoria de 75%, descendo para os
60% aos 90 dias.

5. CONCLUSÕES

Os resultados obtidos neste trabalho indicam as seguintes conclusões gerais:

1. Para a transformação de caulino em metacaulino é necessária uma temperatura de


cerca de 750ºC, este processo implica uma perda de massa de 12%. Todo o material
tem de atingir a temperatura referida.
2. É principalmente nos ensaios de durabilidade que os resultados mostram as vantagens
que existem na substituição parcial do cimento por metacaulino.
3. É possível reduzir a quantidade de cimento a utilizar para obter betões equivalentes
quando incorporado metacaulino no betão. Esta redução pode estar condicionada pela
resistência à compressão requerida.

122
4. A substituição de 15% de cimento por metacaulino é mais eficiente que a de 10%,
tanto a nível de resistências como de durabilidade.
5. O facto de se terem obtido melhores resultados com o metacaulino de alta reactividade
(HRM) está associado, provavelmente, a pureza da matéria-prima e à dimensão mais
reduzida das suas partículas.
6. Os resultados obtidos com SF são semelhantes aos obtidos com HRM.

6. AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi realizado no âmbito do projecto POCTI/ECM/34338/99, financiado


pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Os autores agradecem o apoio disponibilizado.

7. REFERÊNCIAS

[1] Camões, A. ; “Betões e argamassas de elevado desempenho”, Apontamentos de mestrado,


Universidade do Minho, Guimarães, 2002.
[2] Coutinho, A. S. ; Gonçalves, A. ;”Fabrico e propriedades do betão”, LNEC, Lisboa, 1994.
[3] Faury, J. ; “Le beton. Influence de ses constituents inertes. Règles à adopter por sa
meilleure composition. Sa confection et son transport sue les chantiers.”, Dunod, Paris, 1958.
[4] Ferreira, R. M. ; “Avaliação dos ensaios de durabilidade do betão”, Dissertação Mestrado,
Universidade do Minho, Guimarães, 2000.
[5] Gomes, C. ; “Argilas: o que são e para que servem”, Fundação Calouste Gulbenkian,
1988.
[6] Liu, J. N. ; “Strenght and hydration of an activated alumino-silicate material”,
Pennsylvania State University, USA, 1998.
[7] LNEC – E226; “Betão: Ensaio de compressão”, LNEC, Lisboa, 1968.
[8] LNEC – E393; “Betões: Determinação da absorção de água por capilaridade”, LNEC,
Lisboa, 1993.
[9] NP ENV 206; “Betão. Comportamento, produção, colocação e critérios de
conformidade.”, IPQ, 1993.
[10] Luping, T. ; “Chloride transport in concrete – Measurement e prediction.”, Doctoral
Thesis, Chalmers University of Technology, Gotemborg, Sweden, 1996.
[11] Von Hafe, E. ; “Aplicação de Meta-Argilas na Engenharia Civil”, Relatório de estágio,
Universidade do Minho, 2001.
[12] http://www.metakaolin.com

123

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