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Sinopse
A primeira edição desta obra, uma vasta compilação poética em
português e castelhano, data de 1516. Publicado com o intuito de
salvar do esquecimento muitas das composições nele recolhidas e
para evidenciar as primeiras individualidades poéticas da nossa
literatura, o Cancioneiro Geral deu início à tradição lírica portuguesa.
Das 880 composi-ções incluídas na edição original, a presente
antologia reúne 110 agrupadas em três géneros principais: poesia de
amor, poesia satírica e poesia de inspiração moral e religiosa. Sá de
Miranda, Bernardim Ribeiro, Gil Vicente, D. João de Meneses e o
próprio Garcia de Resende são alguns dos autores mais significativos.
http://www.wook.pt/ficha/antologia-do-cancioneiro-geral/a/id/1567737
[Consult. 10-02-2015]
Sobre a obra
Francisco da Silveira,
in Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, vol. II
(fixação do texto Aida Fernanda Dias),
Lisboa, IN-CM, 1990 [p. 193]
Tópicos de reflexão
• Experiência amorosa e reflexão sobre o amor (reflexão sobre as causas da
“desaventura” do sujeito poético; descrição da profunda dor sentida; apelo final à amada
para que haja uma mudança que conduza o sujeito poético a uma vida sem “tristura”).
• Coita de amor (infelicidade, “tristura” e queixa do sujeito poético devido ao amor e à
“lealdade” não correspondidos; súplica do sujeito poético, que anseia o fim da rejeição,
da “crueldade” e da “pouca piedade” da amada).
Sinopse
O Meu Coração é Árabe revelou ao grande público português a sua
herança poética árabe. São trezentas páginas preenchidas
maioritária-mente pela lírica de quarenta e sete poetas árabes que
nasceram no es-paço sul do Portugal hodierno. É uma poética
refinada e densa, que fala do amor, da injustiça da morte, do
quotidiano. Rica na sua expansi-vidade, densa na emoção, esta
poesia é também um alicerce, juntamente com a dos cancioneiros, do
sentir poético português. Deve-se a Adal-berto Alves este livro de
paixão.
http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=5933
[Consult. 10-02-2015]
Sobre a obra
AdaAdalberto Alves, com a publicação do seu livro O Meu Coração é Árabe, dirigido
sobretudo aos não arabistas, veio preencher uma lacuna e, simultaneamente, alertar os
intelectuais portugueses para que há todo um mundo por desvendar, um mundo que
também nos pertence por direito de conquista espiritual: a literatura islâmica anterior à
nacionalidade. “Não deixemos que tal mensagem pereça e tentemos perceber quem foi
essa gente, que nos antecedeu, de que falam as lendas, quase sempre de amores infelizes,
como infeliz foi o destino que a marcou […]” (pp. 13-14).
O característico fundamental da língua árabe é a eloquência, elevada a tal ponto,
que existe sempre latente, em quem a fala, a tendência de substituir a ação pela palavra:
o mundo transforma-se no “fundo sonoro de um onirismo diurno”.
O império árabe nasceu com a recitação, em voz alta, do Alcorão. Ao livro sagrado
foram os poetas buscar a língua literária, as inúmeras possibilidades de orquestração
vocal, as pausas melódicas, a mono e a polirrima, a antecipação rítmica e a dicção mais
persuasiva de que o homem é capaz em harmonia com a respiração: o menor vocábulo
vibra na exuberância das suas cumplicidades sonoras e, a cada passo, a eloquência dá
Iugar à lúcida loucura, que os poetas não só têm em si mesmos como também na própria
língua que manuseiam. […]
Adalberto Alves, nas suas versões vernáculas de poemas luso-árabes, não evidenciou
a eloquência, nem os complicados cânones de composições originais, optando por
medidas
métricas simples, peculiares ao português, quando pronunciado espontaneamente.
[O] resultado, quanto à tradução, é impecável: o que teria ficado na sombra se se
verificasse uma falsa transposição de ritmos, rimas e repetições, que só em árabe não
são monótonos, iluminou-se solarmente na música da nossa língua graças a um poeta.
António Barahona, in Colóquio/Letras, n.º 107, janeiro de 1989
[pp. 86-87, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Experiência amorosa e reflexão sobre o amor (a dor e o sofrimento do sujeito poético
face à desigualdade sentimental que considera existir; o desejo de maior proximidade e
de consolo relativamente à amada; o receio da separação).
• Relação com a amada e relação com a Natureza (descrição da beleza da mulher;
a relação da mulher amada com a Natureza; o empalidecimento da Natureza, quando
comparada com a beleza da amada).
Não há violência maior do que o abandono. E é justamente essa violência que Jorge
Amado explora e coloca sob a ótica da vítima em Capitães da Areia. Na obra, de 1937, os
heróis são os meninos de rua. “Pela primeira vez na literatura brasileira, o menor abandonado
é o centro da história. Hoje ele é motivo de preocupação, mas há 73 anos era
confundido com delinquente e a discriminação era grande”, afirma Eduardo de Assis
Duarte, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador da
obra de Jorge Amado. […].
“Na época, o livro foi um escândalo. Além da questão do erotismo, o ponto de vista
das crianças ladras não era aceito. Jorge tem um olhar humano e as transforma em figuras
humanas e não em monstros. O autor não defende o roubo, mas ele mostra porque
as crianças agem assim. Elas roubam porque têm fome, porque não têm pai e mãe”,
elenca Duarte.
O pesquisador avalia que há dois pontos extremamente românticos na obra: o personagem
Professor, que rouba só livros e lê as histórias à noite para os outros meninos, e o
crescimento do pequeno marginal que se torna líder de seu povo – Pedro Bala não vira
chefe de quadrilha, ele se torna uma liderança política. “Esses elementos compõem o encanto
do livro. Há uma chama romântica de alavancar o oprimido, um otimismo e uma
esperança em relação a ele. Os meninos são heróis idealizados e, no fundo, são puros.”
Apesar de ser uma obra com estrutura romântica, há elementos realistas na obra,
como a crítica social. E os estudantes devem estar atentos a questão dos estilos de
época. “Por ter sido publicado em pleno modernismo, Capitães tem uma linguagem
moderna, próxima dos avanços do modernismo – menos formal, com traços de oralidade.
Mas a estrutura é romântica: o bem vence o mal, o herói supera tudo e há o exagero
romântico.”
Marina Morena Costa, in Último Segundo, http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/capitaes+da+areia+a+
narrativa+pela+otica+de+meninos+de+rua/n1237806752843.html# [Consult. 30-01-2015, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Desconcerto (a vida errante de crianças abandonadas nas ruas de São Salvador da
Bahia; a associação de crianças num grupo destinado a furtos; a realidade de meninos
sem família que sobreviviam à custa da violência e do crime).
• Afirmação da consciência coletiva (a associação das crianças em grupo enquanto
mecanismo de autopreservação; a assunção de uma identidade comum baseada em
experiências de vida similares).
http://www.wook.pt/ficha/o-lazarilho-de-tormes/a/id/15626560
[Consult. 10-02-2015, com supressões]
Sobre a obra
Em prosa transparente e falada, lemos dum fôlego as aventuras deste garoto que, através
duma sociedade quase sempre agreste, foi crescendo e furando como pôde, até subir
a pregoeiro, em Toledo. Então, sim, subiu às alturas. Leilões, vendas de vinhos ou objetos
perdidos, criminosos levados a enforcar, tudo isto lhe passava pelas mãos, pois tinha habilidade
de sobra para o ofício. E é nessa altura, já estabelecido na hierarquia social e levantado
na honra, que ele se torna imoral de verdade, sem se importar com o “arranjinho”
da mulher com o arcipreste de S. Salvador, pois também isso lhe rendia dinheiro – e
que as más-línguas falassem à vontade.
Afinal, nas suas relações com o maroto do cego, era este o maior explorador, enchendo-
-o de pancadas e não lhe pagando nada de nada. O salário consistia no ensino de trampolinices,
uma espécie de filosofia torta de mendigos, sem Deus nem caldeirinha. A seguir, veio
o clérigo forreta que nunca lhe matava a fome e só lhe dava a esbrugar ossos quase limpos.
[…] Por fim, descobriu um patrão de bem, certo capelão que lhe deu um burrito, um chicote
e quatro cântaros para vender água de porta em porta. Com bastante comida e salário certo,
Lázaro portou-se honradamente […]. Para além da ironia que inunda as suas páginas, O
Lazarilho de Tormes significa a luta obscura da manha contra a força injusta, do oprimido
contra o opressor. […]
Leitura para distrair, dissemos nós. E alguma coisa mais, embora inconscientemente: a
apologia do struggle for life social, a fé na luta da inteligência e da coragem por um lugar ao sol.
Neste ponto, situa-se O Lazarilho de Tormes muito acima das pretensiosas biografias do self-
-made man americano, que principia por engraxador ou vendedor de jornais e acaba em milionário,
às vezes com traficâncias maiores que as do moço de cego. Traficâncias menores e
muito menos tragédia. Esta apologia do esforço não escapou ao autor da novela. Pouco mérito
têm os nobres em herdar grandes estados, nota ele, pois tiveram a Fortuna a seu favor.
Mário Martins, “O Lazarilho de Tormes, a Arte de Furtar e El Buscón de Quevedo”,
203 ENC10
in Colóquio/Letras, n.º 6, março de 1972 [pp. 36-38,©com
Porto Editora
supressões]
in Colóquio/Letras, n.º 6, março de 1972 [pp. 36-38, com supressões]
Excerto
Lázaro e o cego
Por essa altura, foi hospedar-se na estalagem um cego, e parecendo-lhe que eu seria bom
para o guiar, pediu-me à minha mãe, e ela confiou-me a ele, dizendo que eu era filho de um
homem honrado, que, para alargar a fé, morrera na batalha dos Gelves, e que tinha fé em Deus
que eu não saísse pior do que o pai, e pediu-lhe que me tratasse bem e olhasse por mim que
5 era órfão.
Ele respondeu que assim faria e que me adotava, não como moço, mas como filho. E assim
comecei a servir e a guiar o meu novo e velho amo.
Como ficámos ainda em Salamanca alguns dias, parecendo ao meu amo que o ganho ali
não era a seu contento, resolveu ir-se embora, e quando devíamos partir eu fui despedir-me da
10 minha mãe, e, lavados os dois em lágrimas, ela deu-me a sua bênção e disse:
– Filho, já sei que nunca mais te vejo. Procura ser bom, e que Deus te proteja. Criei-te e
entreguei-te a um bom amo: vela por ti. […]
Pois, voltando ao bom do cego e para falar dele, saiba vossa mercê que, desde que Deus
criou o mundo, não houve outro mais astuto nem sagaz. No seu ofício era um génio. Sabia de
15 cor para cima de cem orações. Pronunciava-as em voz baixa, pausada e muito sonora, que
ecoava em toda a igreja; uma expressão humilde e devota, muito comedida, que compunha
enquanto rezava, sem fazer gestos nem trejeitos com a boca nem com os olhos, como muitos
costumam fazer.
Além disso, tinha outras mil formas e processos de apanhar dinheiro. Dizia saber orações
20 para muitos e variados efeitos; para as mulheres que não pariam, para as que estavam grávidas,
para as malcasadas a fim de que os maridos as estimassem. Previa de antemão se as grávidas
iam ter um rapaz ou uma rapariga. Em matéria de medicina, dizia que Galeno não soube
metade do que ele sabia para dores de dentes, desmaios e males de mulher. Finalmente, ninguém
se queixava de alguma paixão que não recomendasse logo: faça isto, faça aquilo, tome
25 esta erva, use tal raiz.
E, assim, andava toda a gente atrás dele, em especial mulheres, que acreditavam em tudo o
que lhes dizia. Tirava delas grande lucro, pelos processos que já expliquei, e ganhava mais
num mês do que cem cegos num ano.
Mas também quero que saiba vossa mercê que, com tudo o que ganhava e possuía, nunca
30 vi homem tão avarento nem mesquinho; tanto, que me matava à fome, não me provendo
assim nem de metade do necessário.
Lazarilho de Tormes (trad. Ricardo Alberty),
Lisboa, Vega, 1993 [pp. 35-37, com supressões]
Tópico de reflexão
• Fragilidade da vida humana condicionada pelas circunstâncias (dependência de Lázaro
em relação ao cego a quem sua mãe o entregou; submissão do rapaz à tirania e avareza do
204 ENC10 © Porto Editora
amo, devido à falta de uma figura parental masculina – era órfão de pai – e à pobreza que o
caracterizava).
Andresen, Sophia de Mello Breyner
Navegações (1983)
Sinopse
As Navegações de Sophia de Mello Breyner Andresen não se resumem
apenas a este livro, a este conjunto de poemas. Toda a obra da poetisa é
uma incessante “navegação” de procura e de descoberta de si e dos outros,
numa permanente tentativa de se explicar e de explicar o mistério do
mundo que a rodeia. […] Com efeito, em Navegações, tendo como base o
arquétipo da literatura portuguesa de viagens, Sophia recria o percurso
horizontal de expansionismo português, acrescentando-lhe sempre uma
dimensão vertical simbólica de procura de uma unidade perdida fora de si
e dentro de si que conduziria à essência do ser e do universo.
Maria Helena Malheiro, “O mar como viagem iniciática: do Bateau Ivre de Arthur
Rimbaud às Navegações de Sophia de Mello Breyner Andresen”, http://repositorioaberto.
uab.pt/handle/10400.2/378 [Consult. 09-02-2015, com supressões]
Sobre a obra
[Se na] obra anterior eram muitas, e por vezes bem significativas em relação ao contexto
histórico, as notícias de navegação interior […], em Navegações o deambular apresenta-
se-nos como um dado objetivo e materializado.
Fala-se aqui, efetivamente, e no plano de um concreto que se ajusta à mais essencial
universalidade, de um certo olhar (o do poeta, naturalmente) sobre as grandes navegações
portuguesas: todo o insuperável espanto perante a novidade e a “veemência do visível”
ou “o brilho do visível frente a frente”; o entusiasmo particular, único, perante os sucessivos
cenários de cada “primitiva manhã da criação”; a subtilizada fremência erótica
multiplicada na tríplice alusão a “homens nus” (poemas V, VI e VIII da sequência “Deriva”);
o que de hesitação haveria no caminhar incessante para o desconhecido (quando
“trémula a bússola tateava espaços”); o que seria o orgulho de muitos que, em excecional
circunstância, ousaram “viver a inteireza do possível”; o que também haveria, em contraponto,
de sinais cinzentos e desolados de uma “inversa navegação” para uma certa “anti-
-pátria da vida”; e até, para finalizar, o vinco de um detalhe preciosista que, com raiz num
verso de Dante (expressamente citado, Dolce color d’oriental zaffiro), se espraia em três
diferentes passagens de Navegações: “Atravessámos do Oriente a grande porta / De safiras
azuis no mar luzente” (“As Ilhas”, texto II); “O doce azul de Oriente e de safiras” (“As Ilhas”,
texto IV) e “Vi lagunas azuis como safiras” (“Deriva”, texto VIII).
João Rui de Sousa, in Colóquio/Letras, n.º 77, janeiro de 1984
205 ENC10 © Porto
[pp. 89-90, Editora
com supressões]
Poemas
1979
Sophia de Mello Breyner Andresen, Navegações (3.ª ed.),
Lisboa, Caminho, 2004 [pp. 11, 16]
Tópicos de reflexão
• Carácter épico e heroico (a insatisfação face ao que se conhece; a exploração dos mares e o
desejo de domínio do desconhecido – “o inavegável”, a “indecifrada escrita de outros astros”, as
“zonas nebulosas”; a navegação “sem o mapa” –; a capacidade de superar os limites rumo ao
mundo desconhecido – “Navegámos para Oriente”, “surgiram as ilhas luminosas”, “surgiram as
costas luminosas”).
206 ENC10 –
• Mitificação e imortalidade dos heróis (a superação do tempo através das ações © “E
Porto Editora
extinguiram-se em nós memória e tempo”).
Brandão, Raul
As Ilhas Desconhecidas (1926)
Sinopse
Em 1924, Raul Brandão fez uma viagem aos arquipélagos dos Açores
e da Madeira num grupo de intelectuais – entre eles Vitorino Nemésio –
promovida pelos autonomistas. Dessa visita, das suas impressões e
anotações, surgiu o livro As Ilhas Desconhecidas – Notas e Paisagens, em
que não só descreve com particular fulgor a beleza natural das ilhas, como
observa a condição do seu habitante. Obra fundamental na formação da
imagem (interna e externa) destes territórios, As Ilhas Desconhecidas
tornou-se um dos mais importantes e belos livros de viagem da literatura
portuguesa.
http://www.wook.pt/ficha/as-ilhas-desconhecidas/a/id/10693680
[Consult. 10-02-2015]
Sobre a obra
Este livro foi fruto de uma viagem realizada pelo autor, em 1924, a bordo do navio
“S. Miguel”, na companhia do escritor açoriano Vitorino Nemésio, entre Lisboa e os
Açores. Assume-se como uma espécie de reportagem jornalística sui generis, na qual o
autor se afasta da “atmosfera brumosa” que domina a sua obra, para se render à luminosidade
e cores açorianas, sob a égide da descoberta. […]
Em suma, na obra Ilhas Desconhecidas, Raul Brandão descreve-nos o povo, hábitos
e costumes açorianos. Detém-se particularmente na riqueza pictórica da paisagem,
descrevendo-a na sua singularidade, nos deslumbrantes azuis e dourados, que acentuam
um vitalismo enraizado no genesíaco espanto inicial perante o próprio ato de
existir.
207 ENC10 © Porto Editora
Dora Nunes Gago, “Retratos das ilhas nas palavras de Raul Brandão”, http://www.mundoacoriano.com/index.php?
mode=noticias&action=show&id=118 [Consult. 10-02-2015, com supressões]
Excerto
Tópicos de reflexão
• Relação com a Natureza (a descrição da Natureza; o modo como a Natureza é captada
pelos sentidos; o deslumbramento do autor face ao exotismo natural; a comunhão dos
habitantes da ilha com o meio envolvente).
• Relato de viagem (o tema da viagem conjugado com a descrição da “terra abençoada”;
o discurso pessoal; as dimensões descritiva – a descrição da beleza natural das ilhas e
das sensações causadas pela observação da paisagem – e narrativa).
Sobre a obra
Tópico de reflexão
• Afirmação da consciência coletiva (a construção da cidade por todos os seus habitantes;
a coordenação dos habitantes nas tarefas de construção; a não identificação de
uma voz em particular, surgindo as respostas como réplicas de um ator coletivo; a enumeração
das tarefas dos habitantes – rápidas, mecânicas, metódicas).
Nota: “Tecla é a cidade que está em permanente construção, talvez consequência da procura de
um ideal de perfeição. Esta cidade coloca em questão o porquê de construir e a real necessidade
de intervenção, salientando a importância da planificação urbana e da consciencialização
de arquitetos e urbanistas. Tecla pode ser entendida como uma sátira dirigida a toda a
construção realizada sem uma planificação prévia e adequada, que apenas contém como
objetivo alimentar a exploração imobiliária. Lembra-nos inúmeras metrópoles da contemporaneidade.”
Ana Silva, Para uma cartografia imaginária: desfragmentação de “As cidades invisíveis” de Italo Calvino,
Universidade do Minho, 2013, http://hdl.handle.net/1822/27608 [p. 102]
Carey, Peter
O Japão é um Lugar Estranho (2004)
Sobre a obra
[O estranhamento do mundo
Não é um livro vulgar. Nem sequer um livro de viagens vulgar. A citação de Agostinho
de Hipona que está estampada no verso de O Japão é um Lugar Estranho diz que
“o mundo é um imenso livro do qual aqueles que nunca saem de casa leem apenas uma
página”. É curiosa e interessante, mas esquece-se de acrescentar que a viagem pode iniciar-
se exatamente dentro de casa. […]
Carlos Vaz Marques, tradutor desta obra do romancista, duas vezes vencedor do
Booker Prize, começa por explicar no prefácio: “Há uma altura da vida em que os pais,
julgando ainda ter muito para ensinar, começam a aperceber-se – por vezes com espanto
– de que também eles passaram a ter muito a aprender com os filhos.” O tradutor
esclarece de seguida que não é de aprendizagens emocionais que fala, mas de outros
“continentes culturais”. […]
Sem perceber nada de manga (banda desenhada japonesa) ou anime (animação),
fui passando página a página, rapidamente. Porque, se é interessante descobrir a viagem
do pai rumo ao filho, há mais um caminho interessante que alinha com o primeiro,
como se fosse o outro carril da mesma linha de comboio. […]
Carey e Charley procuram o “verdadeiro Japão”. Por momentos, acham que o encontram
e que ao de leve lhe tocam. Mas, antes de se darem conta de que se enganaram,
fogem. Fica a certeza de que há muito a aprender quando temos espaço para estranhar
o mundo. Não é isso a viagem?
Cristina Margato, in Expresso, http://expresso.sapo.pt/critica-de-livros-de-21-a-27-de-marco=f503775#ixzz3ROCkZq10
[Consult. 10-02-2015, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Representação do quotidiano (a apresentação de aspetos culturais da sociedade japonesa;
o confronto de um adolescente americano com um universo cultural diferente
do seu; a diversidade artística do Oriente).
• Relato de viagem (o discurso pessoal, as dimensões narrativa e descritiva).
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Representação do quotidiano (a perspetiva de um português relativamente a uma terra e a
um povo que considera pouco civilizado; o preconceito resultante do desconhecimento de
uma cultura diferente).
• Representação da Natureza (o fascínio perante a beleza da natureza exótica).
Sinopse
Considerado o primeiro romance moderno, D. Quixote de la Mancha foi
eleito em 2002 o melhor livro de todos os tempos por um conjunto de cem
escritores nomeados pelo Instituto Nobel. D. Quixote, um fidalgo de Castela
assanhado pela leitura de romances de cavalaria, decide que é seu “ofício e
exercício andar pelo mundo endireitando tortos, e desfazendo agravos” e
parte à aventura na companhia de seu fiel e prosaico escudeiro, Sancho
Pança. As hilariantes maluquices do Cavaleiro Andante liquidam, com a sua
“moral do fracasso”, as últimas ilusões da epopeia: aquilo a que Adorno
chama “a ingenuidade épica.” Depois de D. Quixote, nada mais será igual.
http://www.wook.pt/ficha/d-quixote-de-la-mancha/a/id/10236711
[Consult. 05-02-2015]
Sobre a obra
[Numa terra de La Mancha, de que o narrador prefere não se lembrar, vive Alonso Quijano,
um homem que por excesso de leituras passou a linha que separa a sanidade da loucura. Ao
sair da sua biblioteca, ele só consegue apreender o mundo com os olhos da literatura: a bacia
de barbeiro é um elmo; o decrépito jumento parece-lhe um cavalo a sério (Rocinante); em
prostitutas vê castas donzelas; numa estalagem manhosa, um palácio. Transforma-se assim o
“engenhoso fidalgo” num “cavaleiro da triste figura”, partindo estrada fora na companhia de
um escudeiro que não o compreende (Sancho Pança) mas lhe alimenta a ilusão. Lado a lado,
arremetem contra moinhos que para Quixote são gigantes e para Pança nunca deixam de ser
moinhos. Raras vezes foi tão nítido, como nesta dupla picaresca, o contraste entre a imaginação
à solta e a materialidade concreta das coisas, entre a utopia e o pragmatismo.
Publicada em 1605, a primeira parte do Quixote, com os seus elementos paródicos,
fazia a transição entre modelos narrativos antigos (novelas pastoris, romances de cavalaria)
e a literatura moderna. Mas a genialidade intemporal de Cervantes manifesta-se dez anos
mais tarde, em 1615, com a edição da segunda parte da obra. Tendo o primeiro livro obtido
um êxito enorme em toda a Espanha, as personagens que se cruzam com a dupla Quixote/
Pança leram-no; ou seja, já conhecem os seus feitos, os seus falhanços, e aproveitam esse
conhecimento para lhes criarem novos embaraços. Dito por outras palavras, Cervantes inventou,
há quatro séculos, a meta-ficção. Querem algo mais moderno do que isto? Aliás,
ainda na primeira parte, quando o barbeiro revista a biblioteca de Quijano, para lhe queimar
os livros, encontra o primeiro romance de Cervantes (A Galateia) e poupa-o. A multiplicação
dos narradores, bem como o seu carácter ambíguo, é outra marca de modernidade.
El Ingenioso Don Quijote de La Mancha foi provavelmente o primeiro de todos os
romances dignos desse nome. Podia ser o último.
José Mário Silva, http://bibliotecariodebabel.com/geral/a-minha-escolha-2/ [Consult. 08-02-2015]
Tópico de reflexão
• Dimensão satírica (o carácter satírico e humorístico do excerto causado pela oposição
entre a imaginação de D. Quixote e a objetividade de Sancho; a vertente sonhadora de
D. Quixote que, contra todos os factos, continua a acreditar na existência dos gigantes;
o humor e o riso gerados pelo cómico de situação).
Sobre a obra
A remota Patagónia, uma terra “no fim do mundo”, que Chatwin encontra numa visita
de seis meses, é habitada por figuras errantes e exiladas, de gaúchos solitários a salteadores
e foragidos, de mineiros abandonados aos índios da Terra do Fogo. Fascinado
por este sítio desde a infância, o autor atravessa toda a região, desde Buenos Aires e Rio
Negro até Ushuaia, a cidade no extremo sul, captando o espírito da terra, da sua história
e da sua solidão, e conferindo-lhe uma dimensão poética, mágica e intensa.
Numa escrita prodigiosa, cheia de descrições maravilhosas e histórias intrigantes,
Na Patagónia narra as viagens de Chatwin por um lugar remoto à procura de um estranho
animal e os seus encontros com outras pessoas, cujas histórias fascinantes o vão
atrasando no seu caminho para um dos territórios mais fascinantes do mapa.
http://quetzal.blogs.sapo.pt/1955.html
[Consult. 09-02-2015]
Tópicos de reflexão
• Representação do quotidiano (os aspetos da cultura argentina, nomeadamente, os
da Patagónia: o modo de construção das habitações, as dificuldades económicas da
família Sepúlveda, a tentativa de obter melhores condições para a família através do
casamento).
• Relato de viagem (o tema da viagem conjugado com a descrição das características
culturais da Patagónia; o discurso pessoal).
Sobre a obra
Poucas obras perduram há tanto no imaginário cultural, artístico e popular como esta
Comédia (1304-1321), que só mais tarde foi batizada de divina. A visita de Dante e de Virgílio,
o clássico poeta da Eneida, ao inferno, purgatório e paraíso, através dos vários círculos
de cada um daqueles destinos post-mortem (à imagem da ideia da época, de um universo
construído de círculos concêntricos), retrata uma intensa crítica social, política e de
costumes. Escrita em italiano (toscano), com rimas em tercetos (de que existe cuidada
tradução de Vasco Graça Moura), a Comédia, assim chamada não por ser divertida mas
por ter um final feliz, termina no Paraíso, onde o autor é guiado pela puríssima Beatriz. Aí,
ser-lhe-á permitida a visão de Deus, uma rosa celeste de luz e harmonia.
http://www.snpcultura.org/29_livros_para_ler_o_mundo.html
[Consult. 12-02-2015]
Embora seja difícil uma interpretação global do poema de Dante, o certo é que aos
poucos se abre passagem à teoria, que vê em A Divina Comédia a tentativa de criação de
todo um mundo cada vez mais ao estilo da Bíblia. Assim, a obra do poeta florentino seria,
sobretudo, uma síntese perfeita da Idade Média que, desde o seu final, nos vem legando
todo o seu brilho. Veja-se, assim, o que já foi referido noutros lugares sobre a falsa ideia de
Idade Média “obscura”, e na qual se deve ver uma passagem determinante para o posterior
renascimento cultural. Neste sentido, a Divina Comédia é muito mais medieval do que se
quis fazer ver, e bastante menos “renascentista” do que se diz. Em suma, Dante recolhe
praticamente todos os elementos da tradição medieval, se bem que seja certo que o mérito,
a originalidade da sua Comédia radica na ordenação, na estruturação que é posta ao
serviço duma ideia determinada e orientada, contudo, a partir da ideologia da sua época.
Eduardo Iáñez, História da Literatura Universal. A Idade Média, Vol. II (trad. Fernanda Soares),
Lisboa, Planeta, 1992 [p. 312]
Estas palavras sombrias vi escritas por sobre uma porta e disse: “Meu mestre, não apreendo
o seu significado.” E ele, como homem clarividente, assim me respondeu: “Deve deixar-se aqui
todo o receio; aqui deve morrer toda a baixeza. Chegámos ao lugar onde te disse que verias a
gente condenada que o bem do espírito perdeu.” […]
10 Ali no ar sem estrelas ressoavam suspiros, prantos e gemidos fundos, que de início o pranto
me causaram. Línguas diversas, blasfémias horrorosas, palavras doloridas, inflexões iradas,
vozes fortes e roucas, e conjuntamente, mãos batendo faziam um tumulto sem cessar naquela
atmosfera eternamente densa, como a areia remexida por um turbilhão. E eu, que sentia a ca-
beça apertada de horror, perguntei: “Mestre, que é isto que ouço? E que gente é esta, assim
15 vencida pela dor?”
“Esta mísera sorte”, respondeu, “têm as almas tristes daqueles que viveram sem vitupério
nem louvor. De mistura estão com aquele horrível coro de anjos que nem se revoltaram contra
Deus nem lhe foram leais, mas apenas a si próprios foram. Os Céus rejeitam-nos porque não
são bastante bons e tão-pouco os aceita o Inferno profundo, visto que dele alguma glória have-
20 riam de retirar os condenados.”
E eu: “Mestre, que dor tão grave experimentam que tão alto faz que se lamentem?” Tornou
ele: “Dir-to-ei rapidamente: estes não têm esperança de morrer e a sua vida cega é tão ignóbil
que invejam qualquer outra sorte que seja. O mundo deles não guarda lembrança, esquecidos
pela clemência e pela justiça. Não falemos mais deles; olha-os apenas e segue o teu caminho.”
25 E, ao olhar, vi uma bandeira que flutuava tão depressa correndo que todo e qualquer re-
pouso parecia desprezar; atrás vinha tão grande multidão de gente que eu mal podia crer que
tantos a morte houvesse destruído. […] Imediatamente percebi, e fiquei certo de que aquela
era a seita dos cobardes, que a Deus não agradam nem aos seus inimigos.
Dante Alighieri, A Divina Comédia. O Inferno (trad. J. Teixeira de Aguilar),
Mem Martins, Europa-América, 2007 [pp. 17-18, com supressões]
Tópico de reflexão
• Desconcerto (a constatação dos defeitos e pecados que assolam o Homem e que o
podem levar à condenação eterna: a perda do “bem do espírito”; a vivência “sem vitupério
nem louvor”, sem “clemência” e sem “justiça”; a revolta “contra Deus”; a “cobardia”).
Sobre a obra
[A pegada humana
Quando Robinson Crusoé foi pela primeira vez publicado não existia ainda, propriamente,
aquilo a que hoje se chama “literatura juvenil”, e menos ainda existia a “juventude”
como alvo de mercado. Mas foi enquanto “clássico juvenil” que o ocidente o canonizou […].
A pergunta que agora se poderá fazer é esta: o livro de Defoe suporta hoje uma leitura
que, simultaneamente, nem o confine na categoria “romance juvenil” nem o sujeite a in-
terpretações e censuras extraliterárias (a história de Crusoé, como é sabido, tem hoje aspe-
tos política e culturalmente “incorretos”, que têm que ver com o olhar eurocêntrico do pro-
tagonista sobre o ‘outro’ , o colonizado, os povos africanos e americanos)? A resposta é
claramente afirmativa. Recordemos o argumento: um homem jovem escapa a um naufrá-
gio e alcança uma ilha deserta, na qual sobreviverá um quarto de século absolutamente
sozinho (se excetuarmos o cão que ele resgata do navio naufragado e o papagaio que ele
domestica na ilha e cuja voz será a única, além da própria, que Crusoé terá o prazer de
ouvir durante todo esse tempo, até surgir Sexta-Feira, o “bom selvagem”). A tarefa parece
pouco prometedora para um romancista que deve entreter a audiência a partir de tão par-
cos elementos: um espaço fechado e um herói sem antagonistas. Ainda por cima, a “cor-
rente de consciência” não estava na moda. Mas Daniel Defoe saiu-se bem. Muito bem. […]
Se Defoe (como o Shakespeare de A Tempestade) pode ser hoje vítima do seu olhar
culturalmente determinado pelos valores do emergente colonialismo europeu (a coisa
pode ter outros nomes: expansão ultramarina, início da globalização económica, etc.),
creditemos-lhe então qualidades que a seu favor desequilibram a balança: a crítica dos
métodos predatórios e genocidas da colonização espanhola das Américas, a consciência
da relatividade dos seus próprios padrões culturais e civilizacionais, a reflexão mais geral,
e que diríamos ‘ecológica’ , feita acerca da relação do homem com a restante natureza.
Mário Santos, http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/a-pegada-humana-1655324
[Consult. 10-02-2015, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Confronto entre culturas (o papel de professor assumido por Robinson Crusoé relativamente
a Sexta-Feira; os hábitos alimentares de Sexta-Feira; o mal-entendido gerado pelo disparo da
arma de Robinson Crusoé).
• Papel da linguagem (a necessidade de Robinson Crusoé ensinar Sexta-Feira a “falar” e a
“compreender”; a realização pessoal de Robinson Crusoé ao ter com quem falar; o valor
comunicacional dos gestos).
Sobre a obra
Tópico de reflexão
• Representação do quotidiano (a descrição da província de Entre Douro e Minho em
finais do século XIX; o quotidiano da cidade do Porto – as profissões da época, a caracterização
da população, o ritmo da vida citadina, a descrição arquitetónica da cidade).
Sobre a obra
10 Quando acabei de copiar, Guilherme olhou, infelizmente sem lentes, mantendo a minha
tabuinha a uma boa distância do nariz.
– É certamente um alfabeto secreto que vai ser preciso decifrar – disse. Os sinais estão mal
traçados, e provavelmente tu recopiaste-os ainda pior, mas trata-se certamente de um alfabeto
zodiacal. Vês? Na primeira linha temos… – Afastou de novo a folha de si, semicerrou os olhos,
15 com um esforço de concentração: – Sagitário, Sol, Mercúrio, Escorpião…
– E que significam?
– Se Venâncio tivesse sido ingénuo teria usado o alfabeto zodiacal mais comum: A igual a
Sol, B igual a Júpiter… A primeira linha ler-se-ia então… tenta transcrever: RAIQASVL… – In-
terrompeu-se. – Não, não quer dizer nada, e Venâncio não era ingénuo. Reformulou o alfabeto
20 segundo uma outra chave. Tenho de a descobrir.
– É possível? – perguntei admirado.
– Sim, se se conhecer um pouco da sapiência dos árabes. Os melhores tratados de cripto-
grafia são obra de sábios infiéis, e em Oxford pude fazer com que me lessem alguns. Bacon
tinha razão ao dizer que a conquista do saber passa através do conhecimento das línguas. Abu
25 Bakr Ahmad ben Ali ben Washiyya an-Nabati escreveu há séculos um Livro do Frenético Desejo
do Devoto de Aprender os Enigmas das Antigas Escrituras e expôs muitas regras para compor e
decifrar alfabetos misteriosos, bons para práticas de magia, mas também para a correspon-
dência entre os exércitos ou entre um rei e os seus embaixadores.
Umberto Eco, O Nome da Rosa (trad. Maria Celeste Pinto),
Porto, Público Comunicação SA, 2002 [pp. 155-156]
Tópicos de reflexão
• Contexto medieval (a escrita em tabuinhas; a magia; a forma de comunicação –
“correspondência entre os exércitos ou entre um rei e os seus embaixadores”).
• Reflexão sobre o conhecimento (as línguas como veículo de comunicação e transmissão
do conhecimento).
Sinopse
13 de maio de 1506: ao desembarcar em Constantinopla, Miguel Ângelo
sabe que enfrenta o poderio e a cólera de Júlio II, papa guerreiro e
mau pagador, para quem deixou preparada a edificação de um túmulo
em Roma. Mas como não havia de responder ao convite do sultão Bayazid,
que, depois de ter recusado os planos de Leonardo da Vinci, lhe propõe a
conceção de uma ponte sobre o Corno de Ouro? Assim começa este
romance, todo ele feito de alusões históricas, que se serve de um facto
concreto para expor os mistérios daquela viagem.
http://www.wook.pt/ficha/fala-lhes-de-batalhas-de-reis-e-de-elefantes/a/id/14930654
[Consult. 05-02-2015]
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Representação do quotidiano (a descrição da cidade de Constantinopla: as trocas comerciais,
a caracterização do império, a miscelânea cultural; o respeito pela figura e
pela atividade artística de Miguel Ângelo).
• Representação do sultão (o perfil psicológico, comportamental e social de Bayazid).
http://www.fnac.pt/O-Murmurio-do-Mundo-Almeida-Faria/a552808
[Consult. 10-02-2015]
Sobre a obra
[N]otável relato dessa viagem [à Índia] partilhada com Bárbara Assis Pacheco, cujas
belas ilustrações criam uma espécie de narrativa visual que se intromete na narrativa literária
e a complementa. […] Enquanto deambula por Goa e Cochim, Almeida Faria evoca a
origem e etimologia das cidades, explica como o hinduísmo e o cristianismo se contaminaram,
demora-se na descrição de rituais religiosos e sobretudo dá-nos a ver, com extraordinária
clareza, as maravilhas arquitetónicas que lhe vão sendo reveladas […]. A dado passo,
Almeida Faria enumera lugares com “nomes de pura música”: Pangim, Banguelim, Bicholim,
Morombim, Panelim, entre outras que acabam em ‘im’. Mas pura música é também a
sua prosa, que alia uma trabalhada fluidez a uma notável precisão vocabular (no caos do
trânsito, por exemplo, identifica um “frenesim buzinante”; na fachada austera de uma
igreja, “nódoas negras de bolor”).
José Mário Silva,
http://www.wook.pt/ficha/o-murmurio-do-mundo/a/id/12445572
[Consult. 05-02-2015, com supressões]
Almeida Faria fez a sua viagem à Índia e chamou ao livro que dela resultou O Murmúrio
do Mundo (ilustrado por Bárbara Assis Pacheco). É uma ideia própria do romantismo,
a de um rumor do mundo que os românticos se propunham decifrar e traduzir.
[…]
O filtro da distância reflexiva está quase sempre presente, e é ela que determina o
tom elegante e subtil da prosa.
António Guerreiro,
http://livrariapodoslivros.blogspot.pt/2012/02/o-murmurio-do-mundo.html
[Consult. 05-02-2015, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Representação do quotidiano (os aspetos da cultura indiana: a apresentação cuidada
das crianças; a crença em várias divindades; as características de Bombaim).
• Relato de viagem (o tema da viagem conjugado com a descrição de especificidades
culturais e geográficas da Índia; o discurso pessoal).
Sobre a obra
CASTRO: Que furia, que ira esta he, com que me buscas?
Meu senhor, 25 Mais contra imigos vens, que cruelmente
Esta he a mãy de teus netos. Estes são T’andassem tuas terras destruindo
Filhos daquelle filho, que tanto amas. A ferro, e fogo. Eu tremo, Senhor, tremo
Esta he aquella coitada molher fraca, De me ver ante ti, como me vejo:
5 Contra quem vens armado de crueza. Molher, moça, innocente, serva tua,
Aqui me tens. Bastava teu mandado 30 Tam só, sem por mim ter quem me defenda.
Pera eu segura, e livre t’esperar, Que a lingua não s’atreve, o sprito treme
Em ti, e em minh’innocencia confiada. Ante tua presença, porém possam
Escusarás, Senhor, todo este estrondo Estes moços, teus netos, defender-me.
10 D’armas, e Cavaleiros; que não foge. Elles falem por mim, elles sós ouve:
Nem se teme a innocencia, da justiça. 35 Mas não te faláram, Senhor, com lingua,
E quando meus peccados me accusáram. Que inda não podem: falam-te co as almas,
A ti fora buscar: a ti tomára Com suas idades tenras, com seu sangue,
Por vida em minha morte: agora vejo Que he teu, faláram: seu desemparo
15 Que tu me vens buscar. Beijo estas mãos T’está pedindo vida: não lha negues
Reaes tam piedosas: pois quiseste 40 Teus netos são, que nunca téqui viste:
Por ti vir-te informar de minhas culpas. E vê-los em tal tempo, que lhes tolhes
Conhece-mas, Senhor, como bom Rey, A gloria, e o prazer, qu’em seus spritos
Como clemente, e justo, e como pay Lhe está Deos revelando de te verem.
20 De teus vassallos todos, a que nunca
Negaste piedade com justiça. REY:
Que vês em mim, Senhor? que vês em quem Tristes foram teus fados, Dona Ines,
Em tuas mãos se mete tam segura? 45 Triste ventura a tua.
António Ferreira, A Castro,
Porto, Ed. Domingos Barreira, 1984 [pp. 88-90]
Tópicos de reflexão
• Argumentação de Inês perante o rei (autorrepresentação como mãe dos netos do
monarca, “molher fraca”, inocente e só; apelo à clemência e justiça do rei; referência ao
desamparo a que os filhos de tenra idade ficarão votados).
• Desconcerto (a irracionalidade do Rei, decidido a matar Inês, mãe dos seus netos; a tirania
do monarca face à inocência e à submissão de Inês; a sobreposição das razões de
Estado ao amor pelos netos).
Poema
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
5 Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
[…]
Tópico de reflexão
• Reflexão sobre o mundo e sobre a evolução do pensamento e da ciência (a importância
do conhecimento científico enquanto forma de explicar o mundo; a incompreensão de
descobertas científicas em determinados contextos históricos/sociedades; a diferença entre o
senso comum e o conhecimento científico).
Homero
http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/odisseia/9789727950607/
[Consult. 08-02-2015]
Sobre a obra
A base, a basezinha, como se costuma dizer. Sem a Odisseia não haveria literatura
nem literatura europeia. Não haveria Shakespeare nem Camões. Não haveria o gosto
por uma aventura humana que desafia os deuses e a nossa inteligência. Não haveria
poesia. É bom avisar que a Odisseia não existiu como livro autónomo escrito por um
autor grego chamado Homero por volta do século VIII a. C. O texto, que sofreu inúmeras
fixações e versões e traduções, tornou-se com o tempo uma invocação do classicismo
na literatura, fundação do cânone. E começou por ser literatura de tradição oral,
passada de boca em boca e de memória em memória, um longuíssimo poema que ajudou
a gerar uma língua, a grega, e uma nação, a Grécia. Junto com a Ilíada, a Odisseia
conta a história dos heróis da guerra de Troia, uma guerra que começa por um engano
de amor. Acabada a guerra, o herói Odeisseu, ou Ulisses, regressa a casa, Ítaca. Demora-
-lhe dez anos o regresso, e a Odisseia é a história das aventuras envolvendo Ulisses, a
mulher, Penélope (que espera), e o filho, Telémaco. Em Ítaca, os pretendentes querem a
casa, a mulher e a terra. Ulisses enfrenta inimigos extraordinários, dos gigantes ciclópicos
às sereias, da deusa Circe a Éolo, deus dos ventos. A aventura é superior a qualquer
jogo de vídeo, na imaginação e no prodígio. […] O regresso a casa, onde Ulisses chega
como um vagabundo desconhecido, apanhando os rivais em falta, é um momento de
triunfo olímpico. […] A composição literária homérica não ganhou uma ruga. E, quando
os anos assentarem, deve ser lida a integral. O verso épico como primeira pedra do Ocidente.
http://www.snpcultura.org/29_livros_para_ler_o_mundo.html
[Consult. 13-02-2015, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Fragilidade da vida humana (os perigos da viagem marítima – a ira de Zeus, a tempestade,
os monstros marinhos Cila e Caríbdis).
• Representação da tempestade (o obscurecimento do céu e do mar e a violência do
vento; os efeitos da tempestade nos marinheiros e no barco; a posterior acalmia).
• Epopeia (Ulisses, o herói mítico; a viagem de Ulisses; o plano mitológico; o tema da
tempestade).
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Representação da menina (o perfil físico, psicológico e comportamental da filha do “dono da
livraria”).
• Representação do quotidiano (o contacto com os livros por parte de meninos com diferentes
situações económicas).
• Desconcerto e esperança (a expectativa frustrada de ler As reinações de Narizinho, por parte
da narradora; a esperança mantida, apesar das expectativas logradas).
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Reflexão sobre a vida pessoal (a recordação da infância pelo narrador: o local onde nasceu e
morou; as memórias deixadas pela casa; o crescimento da família; a ausência do pai; a
cumplicidade com a avó).
• Representação do quotidiano (a vivência em Cabo Verde nos anos 30: a partida do pai para
a América para enviar dinheiro para a família ter uma vida melhor; a importância da honestidade
num meio pobre).
Sobre a obra
Maalouf é bem conhecido entre nós tanto pela sua obra ficcional como ensaística.
Não esqueçamos que atualmente estão publicados mais de uma dezena de títulos do
autor em Portugal. Quem não se recorda do ensaio publicado em 1983 intitulado As
Cruzadas Vistas pelos Árabes? Nessa obra, o autor percorria a galeria de personagens
que participaram na denominada “Guerra Santa” mostrando o entrechoque civilizacional
entre a Europa ocidental cristã e o Médio-Oriente muçulmano, e fazendo uma lúcida
releitura desse conflito multissecular.
Ana Cristina Tavares, “Um Mundo sem regras”, in Babilónia, n.º 8/9 [p. 297]
Tópico de reflexão
• Afirmação da consciência coletiva (a preparação dos soldados para o combate, de forma
empenhada e valorosa; a distribuição de tarefas pelos soldados; as estratégias de batalha
prontamente seguidas por todos os intervenientes; a defesa do exército, revelando um esforço
sobre-humano).
Sobre a obra
Há vezes em que de nada adianta o azul do céu e o chilreio dos pássaros, vai-se o
pensamento para situações que seria bom esquecer mas a memória traz à tona, acordando
as palavras, os rostos, as falsas promessas, os motivos que pareciam retos e vistos
a outra luz surgem oblíquos, estranhos como carantonhas.
À noite leio Danúbio, o livro de Claudio Magris, cheio de belas descrições, ideias
elevadas, frases daquelas que obrigam a uma pausa, tanto elas nos tocam. É como atravessar
um porta singela e descobrir com assombro que se penetrou num monumental
e maravilhoso museu de gentes e civilizações. Grande, muito grande, é a diferença entre
a beleza dessa leitura noturna e as mesquinhices que a recordação aviva ao amanhecer.
José Rentes de Carvalho, http://tempocontado.blogspot.pt/search?q=dan%C3%BAbio [Consult. 11-02-2015]
A literatura é uma coisa que se deve levar a sério. Como, repetidas vezes, escreveu
João Gaspar Simões, não é mera prosa: é criação. E à criação chega-se por dentro: desenvolvendo
a necessidade que, por dentro, sentimos de expressar qualquer coisa, uma
qualquer experiência. A forma vem depois, porque se procura – procuramo-la empurrados
pela necessidade revelada antes. E como aquilo que cada um vê é sempre diferente
– depende dos olhos de cada um –, a forma que expressa o visto é, também, conforme
a cada escritor realmente original, diferente e original. A originalidade, a
profundidade de uma mundividência enriquece, naturalmente, um género. Neste caso,
no do livro Danúbio, de Claudio Magris, o da literatura de viagens.
Posfácio de Manuel Poppe, in Claudio Magris, Danúbio (trad. Miguel Serras Pereira),
Lisboa, Quetzal, 1992 [p. 425]
Tópicos de reflexão
• Relação com a natureza (a descrição do Danúbio; a forma como o rio é captado pelos
sentidos; o deslumbramento do autor face à realidade observada).
• Relato de viagem (o tema da viagem conjugado com a descrição do local sobre o qual
incide o excerto – o Danúbio, a cidade envolvente e a sua história; a recordação do passado;
o discurso pessoal).
Sobre a obra
Encerrado numa cela genovesa, Marco Polo dita a história das suas viagens a um erudito
de Pisa e, após a sua libertação, traz o manuscrito consigo para Veneza. Apesar do seu
périplo se ter realizado entre 1271 e 1295, só depois da invenção da imprensa, já no século
XV, é que a sua obra se tornou conhecida na Europa, ao ponto de o seu nome ser hoje
incontornável no que toca a viagens, sobretudo na zona “da Arménia, Pérsia, Índia e Tartária”.
O itinerário preciso dos três homens é muito difícil de seguir, mas sabe-se que saíram
de Veneza via Istambul, Jerusalém, S. João de Acre, atravessando depois toda a Ásia até à
capital de Kublai Khan, Kambalu ou Cambaluc, hoje Pequim. Atravessaram o mar Mediterrâneo,
os mares da China e de Omã, o Golfo Pérsico e uma extensa área que corresponde
hoje ao território de países que, na época, nem sequer existiam: a Turquia, a Geórgia,
Israel, Iraque, Irão, Uzbequistão, Paquistão, Índia, Bangladesh, Sri Lanka, China,
Myanmar (Birmânia), Tibete, Rússia, Vietname, Arménia e Iémene, entre outros.
“A fabulosa Viagem de Marco Polo”,
http://www.publico.pt/noticias/jornal/a-fabulosa-viagem-de-marco-polo-206375 [Consult. 16-02-2015]
Tópicos de reflexão
• Representação do espaço (a localização e a descrição dos espaços físicos/geográficos; o
modo de vida dos habitantes dos espaços descritos; o modo de vida do Grande Cã).
• Confronto entre culturas (a descrição do espaço físico e social de acordo com o ponto de
vista do homem ocidental).
• Relato de viagem (o discurso pessoal – a interpelação direta do interlocutor; a prevalência da
dimensão descritiva).
Sinopse
A escolha dos poemas para esta antologia, que foi pela primeira vez
publicada após a sua morte, foi feita pela autora, que no prefácio afirma
que havia procurado o essencial de cada um dos seus catorze livros. Esta
edição portuguesa conta ainda com dois posfácios. Um, do poeta José
Bento, um texto publicado na revista O Tempo e o Modo, pouco depois
da morte de Cecília Meireles (e onde diz dela que “o seu segredo – como
o de toda a grande poesia – é tão fundo como sedutora a voz com que
chama quem se debruçar sobre os seus versos”), e um outro, de João
Bénard da Costa, escrito no centenário do nascimento, onde escreve:
“Cecília Meireles não foi só um dos maiores poetas brasileiros do século
passado. Foi um dos maiores poetas da língua portuguesa.”
http://www.wook.pt/ficha/antologia-poetica-cecilia-meireles/a/id/81117 [Consult. 08-02-2015]
Sobre a obra
Não pode […] deixar de saudar-se a recente edição desta Antologia Poética. O volume
abre com Viagem, o que significa deixar de fora os livros publicados antes de 1939,
tributários ainda da herança simbolista. Em “Nota à 1.ª Edição” desta antologia, nota
datada de 1963, Cecília reconhece haver vários critérios para fazer uma antologia pessoal
(estético, didático ou qualquer outro), mas, para o leitor, “a melhor antologia é a
que ele mesmo organiza” (p. 15). Inexplicavelmente, o texto de badana refere: “Foi um
ano depois de sua morte que surgiu, em novembro de 1963, a primeira edição desta
antologia.” É um erro de palmatória. Cecília Meireles estava viva quando a Editora do
Autor, do Rio de Janeiro, publicou a primeira edição desta antologia. Morreria apenas
no dia 9 de novembro de 1964, dois dias depois de ter feito 63 anos. […] Esta antologia é
uma boa introdução à obra da autora. Começa assim: “Eu canto porque o instante
existe / e a minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta […]
Sei que canto e a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada. / E um dia sei que
estarei mudo: / – mais nada.” (p. 19). Entre outros, recupera o inesgotável tema da rosa:
“Por mais que te celebre, não me escutas […] e a quem te adora, ó surda e silenciosa / e
cega e bela e interminável rosa, / que em tempo e aroma e verso te transmutas! // Sem
terra nem estrelas brilhas, presa / a meu sonho, insensível à beleza / que és e não sabes,
porque não me escutas…” (p. 70).
Eduardo Pitta, in Ler, n.º 58, primavera de 2003 [p. 65]
Família hindu
Os saris de seda reluzem
como curvos pavões altivos.
Nas narinas fulgem diamantes
em suaves perfis aquilinos.
5 Há longas tranças muito negras
e luar e lótus entre os cílios.
Há pimenta, erva-doce e cravo,
crepitando em cada sorriso.
A alma condescende em ser corpo,
Os dedos bordam movimentos abandonar seu paraíso.
10 delicados e pensativos, Deus consente que os homens venham
como os cisnes em cima da água a esta intimidade de amigos,
e, entre as flores, os passarinhos. 25 somente por mostrar que se amam,
E quando alguém fala é tão doce que estão no mundo, que estão vivos.
como o claro cantar dos rios,
15 numa sombra de cinamomo, Depois, a música se apaga,
açafrão, sândalo e colírio. diz-se adeus com lábios tranquilos,
deixa-se a luz, o aroma, a sala,
(Mas quase não se fala nada, 30 com os serenos perfis divinos,
porque falar não é preciso.) sobe-se ao carro dos regressos,
na noite, de negros caminhos…
Tudo está coberto de aroma.
20 Em cada gesto existe um rito. Cecília Meireles, Antologia Poética,
Lisboa, Relógio d’Água, 2002 [pp. 289-290]
Tópicos de reflexão
• Representação da mulher (descrição da mulher hindu – os traços físicos, a roupa e os
adereços, o perfil psicológico sugerido pelos traços físicos e pelos gestos).
• Representação do quotidiano (o quotidiano de uma família hindu – a roupa e os adereços
femininos; o aroma das especiarias; a comunicação interpessoal).
• Dimensão religiosa (a harmonia entre a alma e o corpo; o amor fraterno).
Sinopse
A antologia de que nos ocupamos ressente-se da falta de um estudo
que ajude o leitor português a situar o autor no contexto da poesia
brasileira, mas nem por isso deixa de constituir uma boa amostragem à
obra. Frequentemente acusado de privilegiar o espiritualismo ou certa
mística neorromântica e de, em consequência, ser considerado
antimodernista, Vinicius deixou poemas que fazem parte do cânone
brasileiro do século XX.
Eduardo Pitta, in Ler, n.º 64, outono de 2004 [p. 95]
Sobre a obra
Soneto de fidelidade
Soneto de separação
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto De repente do riso fez-se o pranto
Que mesmo em face do maior encanto Silencioso e branco como a bruma
Dele se encante mais meu pensamento. E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
5 Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 5 De repente da calma fez-se o vento
E rir meu riso e derramar meu pranto Que dos olhos desfez a última chama
o seu pesar ou seu contentamento. E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
E assim, quando mais tarde me procure
10 Quem sabe a morte, angústia de quem vive De repente, não mais que de repente
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 10 Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama Fez-se do amigo próximo o distante
Mas que seja infinito enquanto dure. Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
Vinicius de Moraes, Antologia Poética,
Lisboa, Dom Quixote, 2001 [pp. 136-137, 208-209]
Tópicos de reflexão
• Experiência amorosa e reflexão sobre o amor (o amor enquanto sentimento pleno,
gerador de felicidade e de cumplicidade; a experiência que leva à serenidade e à aceitação
da finitude do amor; a racionalidade que admite o fim do amor; a separação
como causa de sofrimento amoroso).
• Mudança (a transitoriedade/efemeridade das coisas; a transformação repentina de
sentimentos decorrente da separação).
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Atores individuais e atores coletivos (o papel de liderança assumido pelo Infante D.
Henrique; o combate entre os portugueses e os “Moiros”; a vitória do exército português; o saque
da cidade).
• Dimensão religiosa (o espírito de cruzada que move o Infante D. Henrique – a dilatação da fé
cristã como objetivo da conquista).
Sobre a obra
Tópico de reflexão
• Representação do quotidiano (a descrição de Luanda no pós-colonialismo; as dificuldades
sociais advindas da pobreza; os pequenos avanços perspetivados pelas crianças;
a referência a programas televisivos que marcaram uma geração).
Sobre a obra
Parábola do Cágado Velho será o melhor livro que [Pepetela] assinou até à data,
onde o discurso ideológico do autor de Mayombe e a Geração da Utopia ganha uma
lucidez ausente na obra anterior, que por outro lado sempre lutou contra uma estrutural
fragilidade estilística perante a ambiciosa envergadura temática que tem escolhido,
não raro, enfrentar, sendo igualmente o seu romance que melhor incorpora o maravilhoso
e o fantástico na realidade, na esteira de um alegado realismo mágico africano
que se distingue do congénere sul-americano “pelo tratamento que dá aos mortos” –
como nota, não sem o pitoresco que lhe é peculiar, o moçambicano Mia Couto […].
O mergulho em profundidade no espaço rural, de harmonia com o significado
oculto da parábola no contexto das tradições culturais negro-africanas, inclui um adicional
de mistério que se revela na direta proporção de distanciamento cada vez mais
pronunciado que Pepetela imprime relativamente ao biografismo historicista que caracteriza
a quase totalidade da sua bibliografia. […]
Se tudo isto é digno de aplauso, não se justifica porém – por uma questão de
mero e linear decoro – o empolamento conferido pela atribuição do Prémio Camões,
sejam quais forem os interesses (extraliterários) que para aí tenham concorrido. Parábola
do Cágado Velho goza ainda da circunstância de coincidir, na publicação, com o
anúncio da entrega da distinção, o que a torna um título feliz, que junta a essa coincidência
algumas outras, não menos significativas, e um bom momento para dar a conhecer
um dos mais importantes escritores angolanos da atualidade.
David Mestre, in Colóquio/Letras, n.º 155-156, janeiro de 2000
[pp. 449-450, com supressões]
Excerto
Tópico de reflexão
• Relação com a Natureza (a descrição da paisagem natural angolana; a enumeração da
diversidade dos acidentes geográficos – “planalto”, “Chanas e cursos de água”, “florestas”,
“montanha”, “rochedos”, “regato”; a beleza dos elementos naturais e a forma como esta é
captada pelos sentidos de Ulume).
Sobre a obra
Tópicos de reflexão
• Desconcerto (a morte injusta do amigo; a reflexão sobre a vingança; a importância do
dinheiro e do poder).
• Reflexão sobre a vida (a reflexão sobre a situação atual de Fernando – amargurado, colérico,
impotente – causada pela morte do seu único amigo e pela impossibilidade de
castigar o seu assassino).
Sinopse
Em vésperas de se comemorarem os 700 anos do nascimento do poeta
e pensador italiano (1304), esta é a primeira tradução integral para língua
portuguesa dos Rerum Vulgarium Fragmenta, no título original, obra também
conhecida por Canzoniere, e que Vasco Graça Moura intitulou As Rimas
de Petrarca. Edição bilingue com mais de 900 páginas, a obra é constituída
por um total de 366 composições que se dividem em 317 sonetos, 29
canções, nove sextinas (uma dupla), sete baladas e quatro madrigais. De
destacar ainda a nota introdutória à obra, na qual Vasco Graça Moura
analisa alguns aspetos relevantes da vida e da obra do poeta italiano.
http://www.wook.pt/ficha/as-rimas-de-petrarca/a/id/99590
[Consult. 14-02-2015]
Sobre a obra
Não era o seu andar coisa mortal, Vejo sem olhos, sem ter língua grito,
10 mas de angélica forma; e o seu dizer 10 anseio por morrer, peço socorro,
não como voz humana se escutara: amo outrem e a mim tenho um ódio atroz,
Tópicos de reflexão
• Representação da amada (o ideal de mulher: a beleza incomparável – “em fios d’oiro
era esparzido / cabelo” –, a piedade comovente – “o rosto em piedade colorido” –, o carácter
inacessível e divino (“angélica forma”, “’spírito celeste”).
• Experiência amorosa e reflexão sobre o amor (os efeitos do amor no sujeito poético:
amor conturbado, gerador de perturbação, de estados contraditórios e de uma grande
amargura).
Sobre a obra
Embora grande parte daquilo que Edgar Allan Poe escreveu sejam contos góticos,
de terror psicológico, o escritor norte-americano conquistou para si próprio um título
muito especial num outro domínio literário – é, pode dizer-se, o inventor da literatura
policial. Antes de Conan Doyle ter dado vida a Sherlock Holmes, Edgar Allan Poe criou
o detetive C. Auguste Dupin, um filho de boas famílias, crivado de dívidas, com uma
capacidade de análise única. Dupin aparece pela primeira vez naquela que é considerada
a primeira história policial da literatura, “Os crimes da Rua Morgue”. Só resolverá
mais dois casos, em “O mistério de Marie Roget” e em “A carta roubada”, os três contos
que tornaram Edgar Allan Poe o inventor de um género literário. Poe escreveu, no entanto,
quase sete dezenas de narrativas e neste valioso volume de quase mil páginas
estão todos os contos do escritor que o tornaram um dos maiores nomes da literatura
inglesa do século XIX.
Para além do papel pioneiro no conto policial, talvez a maior qualidade de Edgar
Allan Poe seja a capacidade de conduzir o leitor pelos labirintos de um horror simultaneamente
denso, mas também com qualquer coisa de atraente, como numa vertigem.
Histórias como “O poço e o pêndulo”, “O barril de Amontillado” ou “A narrativa de Arthur
Gordon Pym” são clássicos absolutos da literatura. É impossível ler pela primeira
vez as primeiras palavras de um conto, como por exemplo “O poço e o pêndulo”, e suspender
a leitura.
Carlos Vaz Marques, O Livro do Dia,
http://www.tsf.pt/Programas/programa.aspx?content_id=2316097&audio_id=4314227
[Consult. 14-02-2015, transcrição de excerto de programa radiofónico]
Edgar Allan Poe, “O barril de Amontillado”, in Contos Fantásticos (trad. João Costa),
Lisboa, Guimarães Editores, 2002 [pp. 179-182, com supressões]
Tópico de reflexão
• Relação sobre os sentimentos humanos (a reflexão do narrador sobre a sua vida; o poder da
vingança sobre o homem e o desejo de castigo; a falsidade enquanto mecanismo de convivência
social).
Rui, Manuel
Sobre a obra
Quem me dera ser onda (1982), da autoria do escritor angolano Manuel Rui (1941),
é, aparentemente, uma história infantil. De facto, tendo em conta que as personagens
principais são duas crianças e um animal – um porco – é natural que a primeira impressão
dada pela obra seja o relato de uma história infantil.
O argumento principal centra-se exatamente nestas figuras – duas crianças e um porco.
Delas nasce uma relação que era perfeitamente possível num tempo já esquecido pelos
adultos desta sociedade tão alienada pelo sistema colonial – aquele tempo em que homens
e animais conviviam em plena harmonia, numa relação extremamente humana. […]
Quem me dera ser onda deve ser visto como um autêntico relatório dos problemas e
evidências que merecem atenção pela preocupação que despertam: ao longo da leitura
somos embalados e como que convidados a entrar num mundo citadino definitivamente
alienado, em que reina a confusão de situações sociais, culturais e vivenciais que
há que revelar, estudar e entender como factos a rever – a alienação cultural, social e
política é-nos dada através da figura do pai das crianças que não entende certas preocupações
humanas e se revela completamente desintegrado do espaço social representado
pelo prédio e mesmo pela cidade em que vive.
Há que entender esta alienação nos seus diferentes aspetos: homens, mulheres e
crianças habituados à vida nos musseques veem-se, repentinamente, “transferidos”
para andares em prédios centrais na cidade de Luanda. Confiná-los (a eles e a todos os
“bens” que, por norma, tinham nas suas casas do musseque) ao espaço reduzido de um
apartamento (erigido em altura, sem terra à volta, onde não sentiam os pés na terra,
como era seu hábito) é forçá-los a uma situação social para a qual não estavam preparados
nem tinham recebido qualquer instrução.
in Infopédia, http://www.infopedia.pt/$quem-me-dera-ser-onda
[Consult. 27-01-2015, com supressões]
Tópico de reflexão
• Representação do quotidiano (a caracterização de Angola no pós-guerra colonial: as formas
de tratamento; a referência à independência, ao sistema educativo, à guerra e ao clima
revolucionário).
Sobre a obra
Ivanhoe, publicado em 1819, foi o primeiro romance de Sir Walter Scott que deixou
os temas escoceses para falar de assuntos mais britânicos – apesar de os críticos questionarem
a veracidade da hostilidade entre Saxões e Normandos que Scott conta na
história. É um romance histórico durante o reinado de Ricardo I. Wilfred de Ivanhoe
torna-se o colaborador preferido de Ricardo durante a cruzada, mas a história evolui e
John, irmão de Ricardo, planeia depor o rei com a ajuda de nobres Normandos. Ivanhoe
vai ajudar o rei a lutar contra John, mas a bela Rebecca foi raptada pelo inimigo. É
Locksley (Robin Hood) que vai ajudar o rei no conflito. Tal como Ivanhoe, que mostra
coragem e nobreza na derrota dos Normandos…
http://static.publico.pt/sites/coleccaojuvenil/livros/20.ivanhoe/texto2.htm
[Consult. 14-02-2015]
Rowena
Maravilhosamente bem proporcionada, Rowena era alta, mas não tanto a ponto de chocar
pelo seu tamanho. A sua tez era requintadamente alva, sem, devido ao nobre porte da sua ca-
beça e feições, a insipidez de que as mulheres bonitas muito brancas, às vezes, sofrem. Os seus
claros olhos azuis, realçados por elegantes sobrancelhas suficientemente demarcadas para
5 darem expressão à testa, mostravam-se capazes de se aquecerem ou derreterem, ordenar ou
suplicar. Se a sua meiguice era o aspeto mais natural da sua fisionomia, era evidente que, nesta
altura, pelo exercício da sua superioridade usual e pela receção duma homenagem geral, tinha
tomado uma forma mais altiva que acrescentava e realçava o que a natureza lhe concedera. O
cabelo abundante, entre o castanho e o linho, fora penteado, talvez pela aia, de modo gracioso
10 e artístico, em anéis. Estes anéis, decorados com pedras preciosas a todo o comprimento,
anunciavam a nobreza e a classe da donzela. Uma corrente de ouro com um pequeno relicá-
rio, de ouro também, pendia-lhe ao pescoço. Trazia braceletes nos braços despidos. O seu fato
interior e a mantilha eram de seda verde-mar-pálido; sobre ele envergava um longo vestido
muito comprido chegando ao chão, com amplas mangas que mal passavam dos cotovelos.
15 Este vestido era carmesim e feito de finíssima lã. Um véu de seda e ouro que se lhe prendia
podia, a gosto da portadora, cobrir o rosto à maneira espanhola ou servir como lenço em volta
dos ombros.
Quando Rowena se apercebeu do ardor com que o Templário a remirava, com olhos que
mais pareciam brasas remexendo-se dentro de uma caverna, tapou com decoro a face, demons-
20 trando assim o seu desagrado pela atitude. Cedric percebeu o movimento e o porquê dele.
– Sr. Templário, os rostos das nossas donzelas saxónicas apanham tão pouco ou nenhum
sol que não aguentam as miradas fixas dum cruzado.
– Se ofendi alguém – desculpou-se Sir Brian –, peço perdão… quero dizer, peço perdão a
Lady Rowena, já que a minha humildade não me deixa baixar mais ainda.
25 – Lady Rowena – atalhou o Prior – castigou-nos a todos punindo o atrevido do meu amigo. Es-
peremos que seja menos cruel com o esplêndido cortejo que todos vamos encontrar no torneio.
– A nossa ida lá – disse Cedric – ainda é incerta. Não aprecio essas fatuidades desconheci-
das dos meus antepassados, quando a Inglaterra era livre.
– Esperemos – seguiu o Prior – que a nossa companhia os leve a deslocarem-se também.
30 Quando as estradas são inseguras, a escolta de Sir Brian de Bois-Guilbert não é de desprezar.
Sir Walter Scott, Ivanhoe (trad. Ricardo Coelho Iglésias),
Mem Martins, Europa-América, s/d [pp. 67-68]
Tópicos de reflexão
• Representação da mulher (A descrição física, psicológica e social de Rowena; o fascínio que
Rowena exerce em Sir Brian).
• Representação do contexto sociopolítico (a classe social de Rowena; a ausência de
liberdade e a insegurança em Inglaterra).
Sobre a obra
Tópico de reflexão
• Ambição de poder e de riqueza (a ambição desmedida de António; o suborno dos mais
ambiciosos; a oposição entre Próspero – valorização da leitura e do conhecimento intelectual – e
António – valorização dos bens materiais).
Sobre a obra
É verdadeiramente uma pena muito grande que este livro de Jonathan Swift tenha
ganho o rótulo de literatura para crianças, graças à parte que ele dedica à viagem do sr.
Gulliver a Lilliput, a célebre terra de gente minúscula. É que As Viagens de Gulliver são
tudo menos literatura para crianças. Eu explico.
Tal como o título indica, ainda que em versão abreviada (o título completo é Viagem
a diversas e remotas nações do mundo em quatro partes por Lemuel Gulliver, médico e
depois comandante de vários barcos), este livro descreve as viagens fabulosas de Lemuel
Gulliver por estranhas regiões localizadas algures nas zonas menos exploradas da
Terra à época (o livro saiu em 1793) e, como o título completo indica, divide-se em quatro
histórias independentes.
Estruturado como um relato de viagens, ou seja, escrito na primeira pessoa pelo
“viajante”, o próprio Gulliver, o livro abre com a história mais bem conhecida, precisamente
a viagem a Lilliput. […]
As Viagens de Gulliver é um livro político, onde se utilizam instrumentos da fantasia, do
fantástico e mesmo, por vezes, da ficção científica, para um ataque sem dó nem piedade a
todos os vícios da estrutura social vigente nas Ilhas Britânicas do fim do século XVIII, tão
semelhante em tantas coisas à estrutura social vigente hoje em dia em toda a Europa Ocidental
e no mundo europeizado. Swift não tem contemplações e desmascara todos os vícios,
todas as injustiças, todas as hipocrisias, todas as pequenas e grandes crapulices dos
seus (e dos nossos) contemporâneos. E usa os mundos que inventa como termo de comparação.
Não é um livro que se aconselhe a quem quer manter bem vivas as suas ilusões sobre
o mundo em que vive. No mínimo, quem ler este livro com atenção terá algumas convicções
abaladas. Mas pode mesmo acontecer que deixe de acreditar na humanidade.
Jorge Candeias, http://e-nigma.com.pt/criticas/viagensgulliver.html
Tópicos de reflexão
• Desconcerto (a desordem, a imoralidade e a inversão de valores que caracterizam os
companheiros de viagem do narrador).
• Poder pernicioso do dinheiro (“o desejo pelo poder e pelas riquezas” que compele o
Homem a ser dominado por “luxúria, intemperança, perfídia e inveja”).
http://www.wook.pt/ficha/ciranda-de-pedra/a/id/204938
[Consult. 30-01-2015]
Sobre a obra
Ciranda de anões
Lygia Fagundes Telles (LFT) nasce em 1923 em São Paulo. Ciranda de Pedra, o seu primeiro
romance (1954), é em grande parte escrito num lugar ainda hoje cheio de aura, a fazenda
Santo António, em Araras, São Paulo –, propriedade de familiares do marido. […]
Ciranda de Pedra podia cirandar com proveito nos livros recomendados pelo nosso
Plano Nacional de Leitura, ao lado (em vez?) das muitas coleções de aventuras para
pré-adolescentes e adolescentes. Até porque uma novela da Globo, em exibição na televisão,
se inspira nele. Colmataria a dificuldade de encontrar meios de se promover a literatura,
posto que se trata de uma obra delicadamente escrita do ponto da vista dos
sentimentos, das ilusões e desilusões, das contradições e da visão do mundo de uma
jovem – Virgínia. Ela é simultaneamente forte e frágil, figura que se desdobra para dentro
do seu próprio mundo cheio de imaginação: “Ah, o prazer de imaginar a cena com
toda a riqueza de minúcias.”
É um romance de fina análise psicológica, de iniciação solitária, sofrida, mas também
de costumes e da sua transformação, nos anos 50, num núcleo urbano, burguês, ocioso,
brasileiro (mas este podia ser qualquer outro): a dissolução do casamento, a moral e a hipocrisia
social vigente que se esboroa, o hábito de fumar das mulheres, a homossexualidade
feminina, a vida nos colégios religiosos, a psicanálise que se começa a expandir…
Sob tudo isto pulula um mistério que vai bolçando e finalmente se liberta, assim
como liberta Virgínia. Ciranda de Pedra é um romance oitocentista, previsível mas bem
construído, de amor de perdição.
Maria da Conceição Caleiro, in Público – Ípsilon, 05-09-2008
[Com supressões]
Tópicos de reflexão
• Reflexão sobre a vida pessoal (os sentimentos provocados pelo regresso de Virgínia;
as lembranças avivadas; a perceção da sua insegurança e vulnerabilidade; a influência
que os da casa parecem ter dada a sua ansiedade).
• Mudança (as transformações que se efetuam na personagem e que a levam a sentir-se
insegura com o regresso; a mudança na casa, que provoca desapontamento em Virgínia).
Sinopse
“Após uma longa guerra, os Gregos conquistam finalmente a cidade
de Troia, que põem a ferro e fogo. Alguns troianos conseguem fugir da
cidade e, liderados por Eneias, partem pelo mar fora em busca de uma nova
pátria e de um recomeço para as suas vidas. É destes homens que nos fala
a Eneida, da sua demanda de um lugar no mundo, da sua chegada a Itália,
da sua luta pelo direito a habitar a terra. Dos seus infortúnios e combates,
que cumprem o que está determinado pelos Fados, nascerá uma estirpe
troiana em Itália, origem mítica de Roma e da sua grandeza.”
http://www.sitiodolivro.pt/pt/livro/eneida/9789722513111/
[Consult. 15-02-2015]
Sobre a obra
Dois mil anos (um pouco mais) nos separam da Eneida, que Virgílio compôs entre
29 e 19 antes da era de Cristo. Durante todo este tempo, multiplicaram-se as leituras e
as interpretações em torno da epopeia virgiliana. Ainda o poema não tinha vindo a
lume e já Propércio o saudava como algo superior à Ilíada. Depois, criou-se em torno
do poema e do poeta uma aura de genialidade fora do comum. Como lembra M. Helena
da Rocha Pereira (1992:73), “No primeiro século da nossa era, já o poeta Estácio
chamava templo ao túmulo de Virgílio, e um contemporâneo daquele, Sílio Itálico, celebrava
anualmente o dies natalis do Mantuano com mais devoção que o próprio.” Virgílio
sagrava-se como o Poeta Romano já desde os primeiros tempos. E no entanto, sentindo
aproximar-se a morte, ele mesmo tinha manifestado perante os seus mais
próximos amigos o desejo de que o poema, no qual trabalhava havia dez anos, fosse
destruído. Este gesto tem suscitado, desde sempre, grande perplexidade. O poema não
teria levado a última demão, como sugerem os biógrafos antigos, mas isso não justificava
o desejo de aniquilamento da obra, por todos desejada e muito especialmente
pelo imperador Augusto. Que conteria a Eneida que não agradava ao poeta?
Nunca o saberemos. Aventam uns a hipótese de que Virgílio, poeta de formação clássica
e tendência helenística, não estava satisfeito com a qualidade artística do poema,
tanto mais que a revisão final não fora feita. Além de deixar inacabados alguns versos,
queria verificar a exatidão de certas referências geográficas, pelo que empreendeu uma
viagem à Grécia e ao Oriente com esse objetivo, mas foi surpreendido pela doença e já
não pôde levar a bom termo o seu propósito. Outros estudiosos, porém, entendem que o
poeta, que pretendera celebrar o principado de Augusto, ficou desgostoso com o rumo
que a política augustana seguia […] e por esse motivo quis destruir o poema pelo fogo.
Virgínia Soares Pereira, Para o bem de Roma: Creúsa e Lavínia na Eneida,
Lisboa, Alêtheia, 2012 [pp. 1-2, com supressões]
Tópicos de reflexão
• Fragilidade da vida humana (a tempestade e o consequente naufrágio; a vulnerabilidade
de Eneias face ao contacto com as perigosas Harpias).
• Epopeia (Eneias, o herói mítico; a viagem de Eneias; o plano mitológico; o tópico da
tempestade).
Sobre a obra
A noite de Páscoa
Quando chegámos a casa, Cinfa e tia Ester estavam na cozinha a preparar a nossa seder da
Páscoa e tinham espalhado por cima da nossa melhor toalha de mesa uma infinidade de grãos
de arroz para a purificar. A casa rescendia com cheiros húmidos e densos; um borrego magní-
fico assava lentamente no espeto da lareira, largando uma gordura cheirosa que pingava com
5 um cicio sobre as brasas. Pelo seu aroma delicioso adivinhei que tinha sido regado com a
banha da gordura capitosa que a cauda das ovelhas contém, um segredo culinário que tia Ester
tinha trazido da Pérsia. […]
Cinfa e Judas puseram a mesa. A travessa de cerâmica cor de açafrão que o nosso vizinho
Samir tinha feito para nós estava enfeitada com cilantro, alface, ovos assados e um osso de
10 borrego grelhado, que tinham um valor simbólico nesta refeição. Com a aprovação de tia Ester,
acrescentei uma colherada do meu haroset, representando a argamassa com que os israelitas,
quando escravos, tinham construído túmulos, palácios e pirâmides no Egito. A nossa matza
estava debaixo de um guardanapo de linho. O cálice de prata, que tradicionalmente se punha
na mesa para Elias, presidia a uma ponta, junto do lugar de meu tio.
15 Como descrever esta primeira noite da Páscoa? As palavras e rostos tranquilos? A alegria
estonteante? A tristeza pelos que nos tinham deixado? Ocupámos os nossos lugares unidos pela
aura comum dos preparativos. Meu tio, como sempre, era o nosso guia no ritual. Mesmo sendo
a Páscoa uma festa que tem o centro na recordação, uma rememoração da história de como
Deus retirou os judeus da escravidão, possui também uma essência secreta. No interior do corpo
20 da Tora, encolhida como uma fénix no ovo, esconde-se a história da jornada espirítual que todos
nós podemos fazer, da escravidão para a bem-aventurança. A Haggada da Páscoa é um sino de
ouro que ao repicar nos diz: “Lembra-te que a Terra Prometida está dentro de ti!”
Foi portanto meu tio, no seu papel de nosso guia, quem abriu a porta inicial, a mais sa-
grada, das festas, entoando uma benção do primeiro dos quatro copos de vinho que de acordo
25 com a tradição bebemos. “Na presença dos seres que nos são queridos e de todos os amigos,
tendo perante nós os símbolos do júbilo, reunimo-nos para a nossa celebração sagrada” – can-
tou meu tio em hebraico, erguendo a sua voz suave como um eco enternecido do apelo da
trombeta com que costumava iniciar o ritual nos tempos em que não temíamos os denuncian-
tes cristãos. […]
Richard Zimler, O Último Cabalista de Lisboa (6.ª ed., trad. José Lima),
Lisboa, Quetzal, 1999 [pp. 51-53, com supressões]
Tópico de reflexão
• Dimensão religiosa (os costumes próprios da religião judaica: as celebrações, os rituais
da Páscoa; a importância da tradição e da História na vivência quotidiana dos judeus).