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º ano)

Questão de aula – Os Maias, de Eça de Queirós (11.º ano)

Nome: Turma: N.º: Data:

Avaliação: Professor:

Lê, atentamente, o excerto.

Alencar passou a mão pela testa lívida, e com o olho cavo fito no outro, a voz rouca e lenta:
– Olha, João da Ega, deixa-me dizer-te uma coisa, meu rapaz... Todos esses epigramas, esses dichotes
lorpas do raquítico e dos que o admiram, passam-me pelos pés como um enxurro de cloaca... O que faço é
arregaçar as calças! Arregaço as calças... Mais nada, meu Ega. Arregaço as calças!
5 E arregaçou-as realmente, mostrando as ceroulas, num gesto brusco e de delírio.
– Pois quando encontrares enxurros desses – gritou-lhe o Ega –, agacha-te e bebe-os! Dão-te sangue e
força ao lirismo!
Mas Alencar, sem o ouvir, berrava para os outros, esmurrando o ar:
– Eu, se esse Craveirote não fosse um raquítico, talvez me entretivesse a rolá-lo aos pontapés por esse
10 Chiado abaixo, a ele e à versalhada, a essa lambisgonhice excrementícia com que seringou Satanás! E depois
de o besuntar bem de lama, esborrachava-lhe o crânio!
– Não se esborracham assim crânios – disse de lá o Ega num tom frio de troça. […]
Carlos, vendo-o tão excitado, tomou-lhe o braço, quis calmá-lo:
– Então, Alencar! Que tolice... Isso vale lá a pena!...
15 O outro desprendeu-se, arquejante, desabotoou a sobrecasaca, soltou o último desabafo:
– Com efeito, não vale a pena ninguém zangar-se por causa desse Craveirote da Ideia Nova, esse caloteiro,
que se não lembra que a porca da irmã é uma meretriz de doze vinténs em Marco de Canaveses!
– Não, isso agora é de mais, pulha! – gritou Ega, arremessando-se, de punhos fechados.
Cohen e Dâmaso, assustados, agarraram-no. Carlos puxara logo para o vão da janela o Alencar, que se
20 debatia, com os olhos chamejantes, a gravata solta. Tinha caído uma cadeira; a correta sala, com os seus divãs
de marroquim, os seus ramos de camélias, tomava um ar de taverna, numa bulha de faias, entre a fumaraça
de cigarros. Dâmaso, muito pálido, quase sem voz, ia de um a outro:
– Oh! meninos, oh! meninos, aqui, no Hotel Central! Jesus!... Aqui, no Hotel Central!...
E, de entre os braços do Cohen, Ega berrava, já rouco:
25 – Esse pulha, esse cobarde... Deixe-me, Cohen! Não, isso hei de esbofeteá-lo!... A D. Ana Craveiro, uma
santa!... Esse caluniador... Não, isso hei de esganá-lo!...
Craft, no entanto, impassível, bebia aos golos a sua chartreuse. Já presenciara, mais vezes, duas literaturas
rivais engalfinhando-se, rolando no chão, num latir de injúrias: a torpeza do Alencar sobre a irmã do outro fazia
parte dos costumes de crítica em Portugal: tudo isso o deixava indiferente, com um sorriso de desdém. Além
30 disso sabia que a reconciliação não tardaria, ardente e com abraços. E não tardou.
Eça de Queirós, Os Maias, Porto, Porto Editora, 2022, pp. 181-183 (texto com supressões)

1. O conflito entre Tomás de Alencar e João da Ega (linhas 1 a 20) visa a crítica social do narrador.
Explicita-a, considerando, por um lado, a linguagem de Tomás de Alencar, e, por outro lado, o comportamento
de Ega face ao “poeta”.
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2. Compara a atitude de Craft, face ao acontecimento narrado, com a de Dâmaso e Cohen.

3. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.

No excerto transcrito, podem encontrar-se várias marcas da linguagem e estilo de Eça de Queirós, como:

— a) , em “testa lívida, e com o olho cavo fito no outro, a voz rouca e lenta” (linha 1), que
sublinha o desconcerto emocional da personagem;
— a metáfora, em “tomava um ar de taverna, numa bulha de faias, entre a fumaraça de cigarros” (linhas 21
e 22), que b) .

a) b)

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1. o uso expressivo do adjetivo 1. expõe o lado cosmopolita da sociedade
2. o uso expressivo do advérbio 2. denuncia o contraste flagrante entre o ser
3. a sinestesia e o parecer
3. sublinha o tom irónico de Craft

a) b)
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Soluções

11.º ano

EDUCAÇÃO LITERÁRIA

Os Maias, de Eça de Queirós


1. A crítica que se destaca deste conflito verbal (e quase físico) prende-se com a incapacidade que alguns elementos da alta
sociedade demonstram por não saberem ouvir opiniões contrárias às suas, como o conflito ideológico entre Alencar e Ega, caindo
em insultos pessoais. Neste sentido, salienta-se a linguagem insultuosa de Alencar, roçando o calão, como, por exemplo, em
“versalhada, a essa lambisgonhice excrementícia com que seringou Satanás! E depois de o besuntar bem de lama” (ll. 10-11). João
da Ega não só provocava o poeta, adotando uma atitude marcada pela troça, o que agravava a fúria do seu “rival”, como também
queria agredi-lo (“gritou Ega, arremessando-se, de punhos fechados”, l. 18).

2. Enquanto Cohen e Dâmaso se mostram preocupados e assustados com a situação, procurando controlar a agressividade de Ega
e de Alencar, Craft, pelo contrário, mantém-se indiferente, bebendo a sua “chartreuse”, porque sabe que esse comportamento faz
“parte dos costumes de crítica em Portugal” (l. 29), e as personagens se reconciliariam em breve.

3. a) 1; b) 2.

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