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O romance
Aristóteles usa como introdução à sua teoria dos gêneros uma fnlo-
Oa das espécies e gêneros
poéticos. Contudo, sua teoria não tinha cara-
et
historico-sistematizante, mas apenas sistematizant.
O
romance como
gênero literário 65
o único gênero em formaçao e ainda inacabado. Ao
ainda está longe de ter enrijecido, e ainda não podemos pre, passo que os grandes generos consanguíneo dela, ao
ver todas as suas possibilidades plasticas. Os outros gêneros foram herdados por ela em sua
forma acabada, e apenas se
pior- às novas condições adaptam-
enquanto gêneros, isto é, enquanto moldes para a fundica uns melhor, outros
da experiencia artistica, ja os conhecemos em suas formas de existência. Em
comparação
acabadas. Seu antigo processo de formação está situado fora
com eles,
o romance se
apresenta como um ser de
outra es-
tirpe. Ele convive mal com Os outros
da observação historicamente documentada. Encontramos a gêneros. Luta por seu
domínio na literatura, e onde o romance
epopeia como um genero nao So ha muito tempo acabado triunfa
gêneros se desintegram e deformam-se. Não é à os velhos
como também já profundamente envelhecido. O mesmo se toa queo
melhor livro sobre a história do romance
pode dizer, com algumas ressalvas, de outros gêneros basila-
Erwin Rohdes- não se dedica
antigo-o livro de
tanto contar
res, até mesmo da tragédia. A sua vida histórica que pudemos mas a retratar
a sua
história,
conhecer é uma vida enquanto gêneros acabados, dotados de des gêneros elevados
o
processo
da
de
desintegração de todos os gran-
uma ossatura rígida e já pouco plástica. Cada um deles tem E muito
Antiguidade.
seu cânone, que age na literatura como uma força histórica
importante interessante o problema
e
da inte-
ração dos gêneros na unidade da literatura de um dado
real, quase semelhante às tormas da linguagem, que encon- do. Em certas épocas- no período clássico perío
tramos também já acabadas, cujo processo de formação está de ouro da literatura romana, na baixa e grego, na idade
mergulhado no passado pré-histórico, e que são eficazes co dieval, na época do Neoclassicismo, na média Idade Me-
mo normas e clichês de linguagem. Todos esses
gêneros seja, na literatura dos grande literatura (ou
grupos sociais
ou, em todo caso, os seus elementos basilares são bem Os
gêneros, até certo ponto, dominantes)- todos
de forma harmoniosa, e toda complementam outros uns aos
mais velhos do que a escrita e o livro, e até hoje conservam,
em maior ou menor grau, sua remota natureza oral e altisso- de é
a
generos, consideravelmente literatura, enquanto conjunto
nante. Dentre os grandes gêneros, só o romance é mais jovem superior. Mas um todo orgânico de ordem
há
algo peculiar: o romance nunca
do que a escrita e o livro, e só ele está organicamente adap se
todo, não integra es-
participa da harmonia dos gêneros. Nessas
tado as novas formas da percepção silenciosa, ou seja, á
lel cas o
romance leva uma épo-
existência não oficial, fora do limiar
da
tura. Mas há uma questão essencial-o romance, diferente grande literatura. O todo
Zada orgânico da literatura, organi-
dos outros gèneros, não tem um cânone: historicamente sao
encazes apenas alguns protótipos de romance, mas nao o a
hierarquicamente, é integrado apenas pelos gêneros aca-
none romanescO como tal.
teoria ao
O estudo dos
Assim se cria extraordinária dificuldade da
a
das
linguas gêneros (exceto o
romanesco) é análogo ao estudo
sên- mortas; o estudo do
romance como gênero. Com efeito, esta teoria tem,
em
esS gua viva
(e, além disso, mais gênero romanesco é o estudo de uma lin-
de
Cla, um objeto de estudo totalmente diferente das teoria Irata-se de
jovem).
Outros generos. O romance não é simplesmente um Ee
ênero
1.)
Mikhail Bakhtin
romance como
66 gênero literário
67
definidas. Elas
bados, por personagens
estabelecidas e
podem ta entre os gëneros, a formaçao e o
crescimento do arcabou-
complementar umas ás outras, con- literários.
limitar-se mutuamente, ço de gêeneros
de gënero. São nidas e
aparentadas Observam-se fenómenos
servando sua
natureza
particularmente interessantes
entre si por
suas profundas
peculiaridades estruturais. naquelas épocas em que o romance se estabelece como gêne-
tratados poéticos org nicos do passado principal: toda a literatura è envolvida pelo processo de
Os grandes ro
Horácio e Boileau
são imbuídos de um pro-
-
ca, a plenitude integral e singular, o carater exaustivo desses domínio do romance, quase todos os outros gêneros "roman
Todos eles 1gnoram coerentemente o ro cizaram-se em maior ou menor grau: romancizou-se o dra-
tratados poéticos.
cientihcos do século XIX care ma (por exemplo, o drama de Ibsen, o de
mance. Os tratados poéticos Hauptmann, todo
cem dessa integralidade: são ecléticos, descritivos, não
aspi o drama naturalista), o poema narrativo
(como o Childe Ha-
ram a uma plenitude viva e organica, mas a algo abstrata- rold e, em particular, o Don Juan, de Byron), e até a lírica
não se voltam para a possibilidade real (um exemplo nítido é a lirica de Heine). Aqueles gêneros que
mente enciclopédico,
68
Mikhail Bakhtin
Oromance como
gênero literário 69
longo de toda a história do romance,
estende-se uma
nua parodização travestimento das
e um
variedades contí- formação da própria realidade. Só o que está em formação
nantes e em voga do proprio genero, que
es domi- pode compreender a formação. O romance tornou-se o per-
tendemn a banal.
-se: paródias do romance de cavalaria (a conagem central do drama do desenvolvimento literário na
primeira paródia
romance aventuresco de cavalaria, Un dit Idade Moderna precisamente porque é quem melhor expres-
d'aventures e
-se no século XII), do romance barroco, do romance - sa as tendências da formação de um novo mundo, pois é o
ral (Le Berger extravagant, de Charles Sorel), do
pasto. único gênero concebido por esse mundo e em tudo consan-
romano
sentimental (em Henry Fielding, e em Grandison der 7a guíneo a ele. O romance antecipou em muito, e continua a
te antecipar, o futuro desenvolvimento de toda a literatura. Por
de Johann Karl August Mus us), etc. Essa
natureza autocri. isso, ao atingir a posição dominante ele contribui para a re-
tica do romance é seu magniñco traço enquanto gênero
formação.
em
novação de todos os outros generos, contamina-os pelo seu
Em que consiste a "romancizaçao dos outros gêneros caráter de formação e inacabamento. Ele os atrai imperiosa-
mente para a sua orbita
precisamente porque essa órbita
a que nos referimos? Eles se tomam mais livres e mais plás coincide com a tendência fundamental do desenvolvimento
ticos, sua linguagem se renova por conta do heterodiscurso
de toda a literatura. Nisso reside a excepcional
extraliterário e das camadas "romanescas" da linguagem li-
do romance tambem como objeto de estudo
importância
terária, eles se dialogizam, neles penetram amplamente o ri- para a teoria e
para a história da literatura.
so, a ironia, o hunor, os elementos de autoparodização, e
Infelizmente, os historiadores da literatura costumam
por últimno e isto é o mais importante o romance in- reduzir essa luta do romance com os outros
troduz neles a problenmaticidade, uma específica incomplete
dos, e todos os fenômenos da
gêneros acaba-
de semântica e o contato vivo com a atualidade inacabada, ta entre escolas e tendencias.
"romancização", à vida e à lu
em formação (como presente inacabado). Todos esses fenô- Por exemplo,
eles chamam um
"poema romancizado" de poema romântico
(o que é correto)
menos, como veremos adiante, se explicam pela transposi e
pensam que tudo está dito. Por trás da
de construção policromia superfi-
ção dos gêneros para uma nova zona específica cial e do tumulto do
processo literário, eles não enxergam os
das imagens artísticas (a zona de contato
com o presente em
grandes e essenciais destinos da literatura e da
seu inacabamento), zona essa que
é primeiro dominada pelo cujas personagens centrais linguagem,
são, antes de mais nada, os
rOs, enquanto
que as tendências e
gêne-
romance.
fenômeno da "ro- nagens de segunda ou terceira escolas são apenas
perso-
E claro que não se pode explicar o
ordem.
direta e imediata do prô A teoria da
mancização"
influência
pela literatura revela a sua total
apenas
Mesmo onde essa influência pode ser estabe relação ao romance. Com os incapacidade em
prio r o m a n c e .
precisão, ela se entrelaça indissoluvel
outrosgêneros
convicção e precisão: aí se trata de um ela
opera com
lecida e mostrada com
na própria realidaa
e
acabado, definidoe claro. Em todas as objeto amadurecido
mente com a ação direta das mudanças condicionaram o a0 épocas clássicas do
Seu desenvolvimento, esses
gêneros conservaram sua estabi-
e
também o romance
é o único E lidade
determinam
que
do em dada época. O romance
e seu
caráter canônico; suas variações ao longo das
minio romance
modo mais protunude pocas, correntes e
isso reflete de escolas literárias são
enrijecida ossatura de gênero. periféricas
nero em formação, por o processo
tam a
sua e não ate-
sensível e mais rápido
mais substancia mais
Em essência, até ho-
Mikhail Bakhtin O
romance como
gênero literário
70 71
teoria desses gêneros
acabados nao conseguiu adicin.
cionar nero; o romance e uma historia de
amor, ainda que
je já fora: feito por Aris-
os maio-
protótipos
a
àquilo que do romance
nada de substancial
como fundamen
res europeu sejam inteiramente des-
quase
tóreles. A Poética
de Aristóteles permanece orovidosdo elemento amoroso; o romance é um
gênero em
(embora às vezes
da teoria dos generos eja prosa, embora eXistam magniicos
romances em versos. Se-
to inabalável
sedimentado com tanta
profundidade que n o se deixa per melhantes "características do gênero romanesco", destruídas
nao diz respeito a n
bem enquanto a questao ressalva a elas
incorporadas com
dentemente ainda poderiam ser mencionadashonestidade,
uma
ceber). Tudo vai
por
r o m a n c i z a d o s já levam a teoria
evi-
ao
romance. Mas os generos em número na-
do romance, a teoria dos gêneros se de-
da desprezível.
impasse. Na questão
de u m a reconstrução radical. Bem mais interessantes e coerentes são
a necessidade
fronta com
aquelas defini-
Graças ao trabalho meticuloso dos pesquisadores, acu- cões normativas do romance dadas pelos próprios romancis-
mulou-se imenso material histórico, lançou-se luz sobre
um tas, que propõem uma determinada variedade de romance e
uma série de questões
ligadas à origem de algumas varieda- a explicam como a unica
correta, necessária e atual. Assim
des de romance, mas a questão genero
do em seu conjunto é, por exemplo, o célebre
prefácio de Rousseau a Julia, ou A
não encontrou uma solução principial minimamente satisfa- Heloisa, prefácio de Wieland a Agatão, de Johann
o
dução de puro
romanesca em massa apresente um
protótipo ge
Romance de Friedrich Schlegel (1772-1829), publicado em 1799.
(N. do T.)
entretenimento e leviandade, inacessivel a qualquer outro
72 Mikhail Bakhtin
romance como gênero literário 73
romance de Blanckenburg.° A conclusão dessa série, ess crítico e autocritico que deve renovar
gênero
sen- iente como um
cialmente, é a teoria do romance que foi mais tarde apreses fundamentos da literariedade e da poeticidade
tada por Hegel. Em todas essas manifestações, que reflete os próprios
do romance com a epopeia (e a
o processo de formaçao do romance em uma de suas etapas
dominantes. A comparaçao
contraposição dos dois) é, por um lado, parte da crítica aos
essenciais (Tom Jones, Agatão, Wilhelm Meister), são ac- outros gêneros
literarios (particularmente do próprio tipo de
terísticas as seguintes exigencias apresentadas ao romance. heroificação épica) e, por outro, tem por objetivo hastear a
1) o romance não deve ser "poetico no sentido em que são
importância do romance como gênero determinante da lite-
poéticos os outros gêneros da literatura artistica: 2) a perso-
ratura moderna.
nagem do romance não deve ser heroica" nem no sentido
As afirmações e exigências que acabamos de apresentar
épico, nem no sentido trágico do termo: ela deve reunit em
são um dos pontos culminantes da autoconsciência do ro-
si tanto os traços positivos quanto os negativos, tanto os bai-
mance. Não constituem, evidentemente, uma teoria do ro-
xos quanto os elevados, tanto os cómicos quanto os sérios:
mance. Não se distinguem por grande profundidade filosóf-
3) a personagem não deve ser apresentada como acabada ou
ca. Mas ainda assim essas afrmações s o
para nós um teste
imutável, mas em formação, em mudança, sendo educada
munho da natureza do romance enquuanto gênero, e um tes-
pela vida; 4) o romance deve se tornar, para o mundo con- temunho não inferior-se não superior- às teorias do ro-
temporâneo, aquilo que era a epopeia para o mundo antigo mance vigentes. Na parte seguinte deste ensaio
tentarei abor-
(essa ideia foi enunciada com toda clareza por Blanckenburg dar o romance precisamente enquanto em gênero formação,
e depois repetida por Hegel). que encabeçaprocesso de desenvolvimento de toda a lite-
o
Todas essas afirmações têm um aspecto bastante funda- ratura da Idade Moderna. N ão
mental e proveitoso: uma crítica do ponto de vista do roman pretendo definir o cânone ro-
manesco vigente na literatura
à sua (em sua história) como um sis-
ce a todos os outros gêneros e relações com a realidade, tema de
traços estáveis do gênero. Contudo, tentarei tatear
heroificação empolada, ao seu convencionalismo, à sua poe as
peculiaridades estruturais basilares desse que é
ticidade estreita e irreal, à sua monotonalidade e abstração, tico de todos
o mais plás-
gêneros, peculiaridades essas
os
determi-
aos seus personagens já prontos e imutáveis.
No fundo, aqui nam a tendência de sua própria mutabilidade eque
a tendència
e à poeticidade
se faz uma crítica principial à literariedade
de sua
influência e ação sobre o resto da literatura.
variedades de
gêneros precederam as
Encontro três dessas
que
peculiaridades basilares, que por
inerente a outros
senti-
romance (ao romance heroico barroco e ao romance principio distinguemo
mental de Samuel Richardson). Essas manifestações sao sus todos
romance de gêneros:
os outros
1) a
tridimensionalidade estilística do romance, vinculada à
tentadas consideravelmente também pela prática desses r consciência
tanto a s u a prática
quanto a radical das plurilinguística que nele se realiza;
2) mudança
a
mancistas. Aqui o romance
direta econs
coordenadas temporais da
imagem literária no
teoria vinculada a ela- se manifesta de forma romance
no
3) a nova
zona de
construção da imagem literária
romance, precisamente a zona de contato máximo como
presente (a
6Versuch über den Roman (1774), escritor alemão
Christian
d. (N.
Frie-
lodas
atualidade) em sua inconclusibilidade.
drich von Blanckenburg (1744-1796), muito
admirado por Wielan
Camente
essas três
peculiaridades do romance estão orga-
do T.) interligadas, e todas elas são
condicionadas por
Mikhail Bakhtin O
romance como
14 gênero literário
75
da sociedade e fnteriluminação. O discurso, a linguagem passaram a ser sen-
um
momento
crucial na história
uropeia:fer sua ridos de modo diferente, e objetivamente deixaram de ser o
nacionalmente
saída de uma condição semipatriarcal
condiçoes da cconomia monetária
dos eram.Na: condições dessa interiluminação externa e in-
da para as novas que
vinculos e relações
internacionais e imterlinguisticos. Uma d: terna, cada lingua,
mesmo em condições
de absoluta imuta-
culturas e tenipoS apresentou-se nee bilidade de sua composição enquanto língua (fonética, voca-
versidade de linguas,
tornou-se o fator determinanta bular, morfológica, etc.), como que renasce, torna-se quali
te a sociedade
europeia e
de pensamento. tativamente outra para a consciência que nela cria.
sua vida e seu
interior de uma dada lingua nacional, ou seja, da originalidade linguística do romance, determinada
profun-
guagens" no
por sua
a coexisténcia dos dialetos territoriais, dos dialetos e gêneros ligação com as condições do plurilinguismo. Por isso não re-
e de classe, dos jargões, da língua lite- tornarei
sociais, profissionais a essa questão.
rária, das linguagens dos gêneros no interior de uma lingua- Passo duas
a outras
elementos temáticos da estrutura do
peculiaridades, agora referentes a
gem literária, das épocas de uma língua, etc. Tudo isso entrou gênero romanesco. Es-
em açaoe passou a integrar o processo de ativa interação e sas
peculiaridades melhor se revelame se
da esclarecem por meio
comparação do romance com a
epopeia.
Do ponto de vista da nossa
O autor abordou essas questões tanto em "Sobre a pré-história do
to
genero definido caracteriza-se
questão, a epopeia enquan
discurso romanesco", incluído neste volume, quanto em Teoria do roman-
por três traços constitutivos:
1) o
objeto da
ce l: A estilistica. (N. do T.)
do
epopeia é o passado épico nacional, o "passa-
absoluto" segundo a
O plurilinguismo sempre existiu (é mais antigo que o
monoug a ronte da terminologia de Goethe e Schiller; 2)
mo canonico puro), mas não enquanto fator criativo; a escolha artis
epopeia é uma lenda naciomal (e não a
intencional não era o centro criador do processo linguístico-literano pessoal livre experiència
sentia tanto as várias "linguagens" quanto suas epocas O
e
invenção
mundo épico está
a
que cresce a partir dessa base); 3)
grego classico
separado da
empo do cantor (autor) de seus atualidade ou seja, do
cons-
dialetos literários regos: a tragédia é umn gênero pluriling
ingue),
a mas
clencia criadora se realizava em linguas fechadas e puras (ainda que ae fa- ouvintes- pela distancia
e
OS. nero epica absoluta.
to mescladas). O
plurilinguismo foi canonizado e ordenado em
16
Mikhail Bakhtin
Oromance como
gênero literário
Veiamos de modo mais
detalhado cada um desses tracos dual) signihca real1zar uma
transformação radical passar
-
gens do Nievá,/
imanentes
mo
que pela lonjura dos tempos (não de mim mesmo, o
fulgurado...").7Tanto o cantor quanto o ouvinte, mas à luz do
futuro),
contemporäneo,
e n c o n t r a m - s e num mesmo
tem- enquanto passado pode ser percebido de modo fa-
o
Oromance
gênero literário
Mikhail Bakhtin
como
18 79
conhecemos) do que, porexemplo, o nosso folhetim atual
as nossas atuais tchástuchkas, " Aqueles cantos épicos here ou nas nesse passado.O passado épico absoluto é a única fonte
e princípio de tudo que é bom para os tempos pósteros. As-
ficantes sobre os contempor neos, aos quais
temos acesso sim afirma a
forma da epopeia.
que são plenamente reais, ja surgiram depois da formacão Não é por acaso que o passado épico é chamado de
das epopeias, já no solo da antiga e poderosa tradição épica passado absoluto"; por ser um passado também axiológico
Eles transferem para seus contemporaneos,
e para
aconteci. (hierárquico), ele carece de qualquer relatividade, ou seja, ca
mentos contemporaneos, uma
forma epica acabada, isto rece daquelas graduais transições puramente temporais ca-
transferem para eles a forma axiológico-temporal do passa pazes de ligá-lo ao presente. Ele é isolado de todos os tempos
do, introduzem-nos no universo dos antepassados, dos prin- posteriores por um limite absoluto, sobretudo do tempo em
cípios e do apogeu nacional, como se os canonizassem em
que se encontramo cantore seus ouvintes. Por conseguinte,
vida. Em certo sentido, nas condiçoes do regime patriarcal, limite é imanente à
esse própria forma da epopeia e se faz
semipatriarcal e teudal, os representantes dos grupos domi-
sentir em cada uma de suas palavras. Destruir esse limite sig-
nantes pertencem, como tais, ao universo dos "antepassa-
nifica destruir a forma da epopeia enquanto genero. Mas jus-
dos", estão separados dos outros por uma distância quase
tamente por estar isolado de todos os tempos
"épica". A introdução épica do herói contemporâneo no uni pósteros, o pas-
sado épico é absolutamente fechado e acabado. E fechado
verso dos ancestrais e fundadores é um tenömeno específico, como um circulo, e nele tudo está
pronto e concluído inte-
desenvolvido no terreno da tradição épica há muito formada,
gralmente. No universo épico não há lugar para nenhum ina-
e por isso explica tão mal as origens da epopeia, como é o
cabamento, para nenhuma irresolução, nenhuma problemá-
caso, por exemplo, da ode neoclássica. tica. Nele não há
quaisquer brechas para o futuro; ele se bas-
Qualquer que seja a sua origem, a epopeia real que che- ta a si mesmo, n o
precisa
dias é forma de gênero absolutamente nuidade.
e nem
pressupõe qualquer conti-
gou aos nossos uma
definições de tempo e valor est o aí fundidas
As
acabada e bastante perficiente, cujo traço constitutivo é o num todo
indissolúvel (como estão fundidas nas
deslocamento do universo por ela representado para o pas- semânticas da língua). Tudo o camadas
sado absoluto dos inícios e do apogeu nacionais. O passado que é introduzido nesse pas
sado é, desse
modo, introduzido em
absoluto é uma categoria axiológica (hierárquica) especihca. Signihcação, e ao mesmo tempo ganha plena essencialidade e
acabamento e conclu-
Para a cosmovisão épica, o "princípio", o "primeiro",
o
são
Sao,
privando-se, por assim dizer, de todos os direitos e
fundador", o "ancestral", o "antecessor", etc. não
ca-
sibilidades de uma pos-
continuação
techamento absolutos são um
real. A conclusibilidade e o
tegorias meramente temporais, mas axiológico-temporais,
traço notável do passado épico
um grau superlativo axiológico-temporal que se
sivel à experiência e n o
pessoal
o ponto de
vista
avaliação pessoal-individual. Não pode ser visto, apalpado.
admite ea eternamente
continuo dos filhos e descendentes, n o qual se
e os ouvintes das epopeias, onde realiza-
encontram o cantor
tocado, para ele n o se pode olhar de nenhum ponto de vis- de suas vidas e onde concretiza-se ob
-se o acontecimento
ta, ele não pode ser experimentado, analisado, decomposto. skaz13 épico. Por outro lado, a lenda isola o mundo da epo-
penetrado em todo seu interior. Ele é dado apenas como len- peia da experiência pessoal, de quaisquer novas interações,
da sagrada e indiscutível que abarca uma avaliação univer- de qualquer iniciativa pessoal de entendê-lo e interpretá-lo
salmente válida e exige para consigo um tratamento reveren- sob novas avaliações e pontos de vista. O universo épico é
te. Repetimos e ressaltamos que não se trata das fontes fa- concluído do princípio ao fim não só enquanto acontecimen-
tuais da epopeia, nem de seu conteúdo, nem das declarações to real em um passado distante, mas também em seu sentido
de seus autores: tudo consiste no traço formal (ou melhor, e em seu valor: não se pode medi-lo, nem reinterpretá-lo, nem
formais e de conteúdo) constitutivo do gênero épico: o em- reavaliá-lo. Ele está pronto, concluído e é imutável tanto co-
basamento na lenda impessoal e indiscutível (coletivoereve- mo fato real quanto como sentido, como valor. E isso o
que
rente) e a signihcção universalmente válida de sua avaliação determina a distäncia épica absoluta. O universo épico pode
e de ponto de vista, significação essa que exclui
seu
qualquer ser apenas aceito de modo reverente, mas não se pode tocá-
possibilidade de outro enfoque-a reverência proftunda em -lo, ele está fora da área da atividade humana de mudar e
objeto da representação próprio discurso so reinterpretar. Repetimos e ressaltamos: essa distância existe
relação ao e ao
acontecimentos, vencedores e heróis aparece num contexto inteiramente diferente- nas condições de uma lei
nides), é como se esses
absolutamente especíhca- daquele que ocorria no universo da visão e do
da "alta" atualidade se passado,
familiarizassem com o en-
contato prático e familiar. O passado épico é uma forma específica de
mediado- per-
diversos elos e vinculos
trelaçassem-se, através de cepção artistica dos homens e dos acontecimentos. Essa forma envolvia
único do passado heroico e da lenda.
Eles ga- quaseinteiramente a percepção artísticaea representação em geral. A re-
res, no tecido
meio de sua presentação artística é uma representaç o sub specie aeterni- do ponto
nham seu valor e sua elevação precisamente
por
de vista da eternidade. Só se
fonte de todo valor e de to- pode e se deve representar, perpetuar pelo
introdução no passado enquanto discurso artístico aquilo que é
digno de ser percebido, aquilo que deve ser
assim dizer, retiram-se
da essencialidade genuínos. Eles, por conservado na memória dos
descendentes; cria-se uma imagem para os
inconcluso, irresolvido,
da atualidade e de seu caráter aberto, herdeiros, e esta se forma no plano distante e
antecipável dos descenden-
retiram-se da possibilidade de
reinterpretações e reavaliações. tes. A atualidade
para a atualidade (que não tem
pretensão à memória) é
do passado e nele adqui
inscrita em argila, a
atualidade para o futuro (para os
Eles se projetam ao nível axiológico cobre e mármore. E importante a correlação dos descendentes), em
o "passado ab
rem completude. Não se pode
esquecer que
e preciso
logico não se situa no tempos: o aspecto axio-
futuro, não é a ele que servem, não é diante dele
sentido limitado se
postam os méritos
soluto" não é um tempo em nosso
(estes estão diante de uma que
categoria hierárquica
axiologico mas estes servem à eternidade atemporal),
certa memória futura sobre
do termo, mas uma uo
universo do
passado absoluto,
o
passado, servem à
ampliação
-temporal.14. gens do
universo (às custas do
ao seu
enriquecimento com novas ima-
opoe a todo tempo atual), que sempre e
qualquer
e
por principio
Os cantos heroicospresente transitório.
se
a grandeza sen
próprio tempo, sobre
autobiografia (biografia) contemporâneos.
N a o se pode ser grande
em seu ao da os
passado (surge A ideia
os descendentes, para
os quais se
t o r n a
de
vis Aqui Cíceroem
de heroifica-
e não objeto
se
trata do e outros.
pre apela para
um distante);
plano
ela se torna objeto
da memória
problema da autobiograha.
Mikhail Bakhtin
romance como
gênero literário
84
85
de antes" e
"depois", a sucessão dos realidade
acontecimentos, contemporänea era a
realidade
jeto da
princípio nem fim" eram ob-
estilo, tudo é símbolo de poder). CO vínculo do romance com o elemento
representação só dos
gêneros baixos.
eternamente vivo do discurso não oficial e do pensamento não oficial (a era o objeto de representaç o principal no Mas, sobretudo,
forma festiva, o discurso familiar). A profanação. quissimo campo de criação do riso vastíssimoe ri-
anterior, procurei mostrar a enormepopular. Em meu ensaio
retirados da esfera
Ama-se aos m o r t o s de modo diferente, eles estão
falar apenas em outro estilo. Do
no mundo antigo quantoimportância
do contato, sobre eles pode-se e deve-se desse cam-
ponto de vista estilístico, o
discurso sobre os mortos é profundamente
di-
po-tanto na Idade
Média- pa-
discurso sobre os vivos. Todo poder
e todo privilégio, toda im- ra o
nascimento e a formação do
ferente do
convívio familiar para plano
o teve igual importância discurso romanesco. Ele
portancia e toda elevação s a e m da z o n a do para todos os outros
elementos do gê-
do discurso
a etiqueta, o estilo
de seu discurso e o estilo nero
romanesco na fase de seu
(a veste,
formação. E precisamente nosurgimento
distante
na e de sua
sobre eles).
problematicidade contemporânea
na tragedia (so-
curar as riso popular primige-
O com a
Ivan Tolsto. autênticas raízes que cabe pro-
folclóricas
contato
romancização. Cf.
bretudo em Esquilo). Eurípides e a
não romanescos.
A atirude
a
atualidade tal,
como "eu
do romance. O
presente,
A natureza clássica de todos o s gêneros
mesmo", "meu tempo"
Contemporâneos" foram objeto e "meus
em relação ao acabamento.
etc.) e s u a naturea
a0 mesnmo inicial do
o
europeu
ula- romance
começava a elaboração
da teoria
rizante direta da atualidade, florescem a parodização
eo tra. usto no
momento em que
quando ganhava precisão
vestimento de todos os gèneros elevados e de todas asi (do abade Huet), e
do romance
E por isso que
gens elevadas do mito nacional. O "passado absoluto" do
termo "romance".
consolidava-se o proprio
e
r o m a n e s c a s da Antiguidade
esse t e r m o
deuses, semideuses e herois-nas paródias e especialmento todas as obras
dentre
grego. Entretanto, os
nos
travestimentos "atualiza-se": é rebaixado, repTesen n- se
consolidou apenas no "romance
ainda que des-
tado no nível
da
atualidade, na situação cotidiana da sério-cómico que mencionamos,
atuali. gêneros do
dade, na linguagenm baixa da atualidade. sólido arcabouço de composição e enredo
providos daquele
Desse elemento do riso popular
em terreno
clássico me. que costumamos
exigir do gènero romanesco, antecipam os
dra imediatamente um campo bastante amplo e diverso da mais substanciais do desenvolvimento do romance
elementos
aos diá-
literatura antiga. que os próprios antigos designavam ex nos novos tempos. sso diz respeito particularmente
pressamente como spoudaiogeloion (onouõaioyélo1ov), ou logos socráticos que, paratraseando Friedrich Schlegel,
seja, o campo do *sério-cómico".° Aqui se situam os mi
podem ser chamados de "romance daquele tempo"- e em
mos de enredo breve de Sofrônio, toda a poesia bucólica, a seguida à sáira menipeia (incluindo nela também o Satiricon
fábula, a literatura memorialística primígena-o Epidimiai de Petrônio), cujo papel na história do romance é imenso e
(ETTÑNLía1) de lon de Quios, o Homiliai ('OuiAía1), de Cri- nem de longe foi suficientemente apreciado pelos estudiosos.
tias os panfletos; aqui os próprios antigos situavam tam- Todos esses gêneros do sério-cômico foram a autêntica etapa
bém os diálogos socráticos" (como gênero), aqui se situam primeira e essencial do desenvolvimento do romance como
posteriormente a sátira romana (Lucílio, Horácio, Pérsio, Ju- genero em formação.8*
venal) e a vasta literatura dos symposia e, por fim, situam-se Em que consiste o espírito desses
gêneros do sério-cômi-
a sátira menipeia" (como gênero) e os diálogos
de tipo lu- funda
co, que em
se a sua
inmportância como primeira etapa
de do processo de
cianicos. Todos esses gêneros, abrangidos pelo conceito
formação do romance? Seu objeto e, o que é
alémn ainda mais importante, seu
sério-cômico, são os autênticos precursores do romance; ponto de partida para compreen-
disso, alguns são gêneros de tipo puramente romanesco,
que der, avaliar e enformar é a realidade
forma desen- primeira vez o objeto de uma contemporânea. Pela
contêm em forma embrionária, e às vezes representação literária séria (e,
em
é
volvida, os elementos basilares das
variedades mais inmpor- verdade, ao mesmo tempo cômica) é dado sem
autëntico espl- distância, nível da qualquer
tantes e mais tardias do romance europeu. O
no
atualidade, na zona do contato imedia-
rito do romance como gènero em formação está presente nes
to e
grosseiro.19* Mesmo quando o objeto da representação
do que nos
$as variedades emn grau incomparavelmente maior
antigo digno
chamados *romances gregos" (único gênero Traité de l'origine des romans
forte influencia
no
cel, publicado em 1670 por [Tratado sobre a
origem do roman-
Pierre-Daniel
exerceu
nome). O romance grego
Huet (1630-1721).
desse
18
comédiaA (N. do T.)
romance. e o
O
questões em "Pecula plano da
aborda de forma mais ampla
essas
nco tanto em representação cômica (pelo riso) é um
plano especí-
Bakhtin
experimentá-lo. torna-o
desses gêneros são o passado e o mito, a distäncia épica está tee diante do mundo, absolutamen-
do objeto, investigação
t a t o r mais
processo de
da distância cabe u m
destruição papel especifc to
sobre ele.
O riso é o
senm a qual é imposível
te livre de intrepidez
ao princípio do
riso, haurido do tolclore (do riso popular). É e familia-
daquela premissa Ao aproximar
destroi a distância épica e em geral cia mundo.
realista do
precisamente o riso que percepção t r a n s t e r e para a s
mãos in-
- e l e atasta a axiologia. Na ima- 1uma
que o
toda distância hierárquica
como
o riso
rizar o objeto, t a n t o científica quan-
não pode ser risivel; é necessário apro- investigativa-
gem distante, objeto trépidas da
experiëncia
o
experiência
objetivos dessa
nova
aproximacão
na da máxima toartística experimental. A
familiarização cômica e
toda criação cômica opera
zona
invenção
o objeto, introduz de livre etapa excepcionalmen-
de do mundo é
Oriso tem a notável força aprox1imar uma
linguístico-popular da
do contato grosseiro onde se pode apalpá- indispensável no processo de formação
o objeto na zona importante
e
colocá-lo no avesso, observá- te artístico-realista da civili-
-lo de todos os lados, revirá-lo, livre criação cientifico-cognitiva e
o envoltório externo,
-lo de baixo para cima, quebrar-lhe zação europeia.
duvidar dele, decompô-lo, des- excelente documento que reflete o n a s -
olhar para as suas entranhas, Dispomos de um
estudá-lo livremen- científica e da n o v a ima-
membrá-lo, desnudá-lo e desmascará-lo, cimento simultâneo da concepção
do romance. Trata-se dos diálogos so-
gem artístico-prosaica
Trata-se da zona do contato maximamente
cráticos. Tudo é peculiar nesse magnífico gènero, nascido n o
ridiculariza-se para esquecer.
riso-insulto-espancamento. No fundamental,
trata-se final da Antiguidade peculiar que ele surja c o m o
Clássica. E
familiar e grosseir0:
de umadesentronização, isto é, precisamente,
da retirada do objeto do
apomnemoneumata, isto é, como gênero de tipo memorialíis-
épica, do assalto e destruiç o do
plano distante, da destruição
da distância tico, como registro de conversas reais entre contemporâneos
deliberada o u o desvelamento das
plano distante em geral (a destruição o más- baseado na memória pessoal20* e mais, é peculiar que a ima-
românticos, surginmento de heróis sem
aparéncias nos dramas dos meio a o público, etc.). A pa- gem central do gênero seja constituída por um homem que
seu aparecimento em
caras nem maquiagem,
tala palestra; é peculiar
rábase. Nesse plano (no plano do riso)
o objeto pode ser desrespeitosa-
traseiro do
e a combinaç o-
imagem de Só- na
mente contornado de
todos os lados; além disso, as costas, o
ganham
crates, como personagem central desse gênero- da máscara
não suscetíveis de exibição)
objeto (e também suas entranhas, popular do tolo que não
compreende,
nesse plano u m significado específico.
O objeto é espancado, desnudado
com traços de um sábio de tipo
quase um
*Margites,
hierárquica); o objeto nu é risível, o "traje
vazio
elevado (no espírito das len-
(retira-se decoração
a uma das sobre os sete sábios da
retirado eseparado da pessoa é
risível. O
desmembramento como
forma do plano
Grécia); o resultado dessa com-
da seriedade e do medo na
operaçao cômica. O
elemento
distante. plano
"aproximação". "Ele aproximou de si" (no O caráter
específico da "memória" nas obras
familiarização e
A lógica artística da
análise, do desmembrd há
sem
continuidade, restrita
próprio do gênero do pais nem gerações). O caráter memo-
duradouro, etc. tlalistico já é
tantanco), o
gens dotadas de diterentes graus de parodicidade (consequen- raízes folclóricas säo as mesmas do diálogo socrático ao qual
temente, temos diante de nos um genero
pluriestilístico, como ela está geneticamente ligada (é habitual considerá-la produ-
um autentico romance); ainda e peculiar a própria to da desagregação do diálogo socrático). Nela, o papel fa-
de Socrates como um prototipo notavel de
imagem
heroihicação pro- miliarizador do riso é muito mais torte, incisivo e grosseiro.
saico-romanesca (tão diferente daheroihcação épica); por As vezes, a liberdade nos rebaixamentos grosseiros e no virar
último, profundameme pecul1ar- e Isto é o mais impor-
é
ao avesso os elementos e as concepções elevados do mundo
tante para nos a combinação do riso, da ironia e
de todo pode chocar. Porém, nessa excepcional familiaridade do riso
o de rebaixamentos socráticos com uma investigação
sistema combinam-se uma aguda problematicidade e uma fantastici-
séria, elevada e - pela primeira
vez-livre,
uma investiga- dade utópica. Nada restou da distante imagem épica do pas-
sobre mundo, sobre homeme sobre o pensamento
ção o o
e de
comparações herdadas das baixas esferas da vida-dos mundo inteiramente familiarizado, o enredo se movimenta
oficios, da vida cotidiana, etc.) aproximam o mundo, tor com uma liberdade fantástica excepcional: do céu à terra, da
nam-no familiar para que se possa examiná-lo livremente
e terra ao inferno, do presente ao passado, do passado ao fu-
é a atualidade, homens turo. Nas visões cômicas de
sem partida
medo.1* O ponto de os
além-túmulo da sátira menipeia,
os heróis do
VIvos do entorno e as suas opiniões. A partir daí, dessa atua passado absoluto, os homens públicos de dife-
hdade dissonante e heterodiscursiva, e por meio da experien rentes épocas do
passado histórico (por exempo, Alexandre
Magno) e os
contemporâneos
vivos encontram-se familiar-
mente para
conversas e até para contendas; esse choque dos
A ambivalencia do autoelogio nos diálogos socráticos:
"Souo
tempos sob a ótica da atualidade é sumamente
mais sabio de todos porque sei que nada se enredos desenfreadamente peculiar. Os
imagem de socra tao
fantásticos da sátira menipeia es-
tipo de heroificação prosaica subordinados a um objetivo: pôr à prova e desmascarar
na
TAal ar o novo
lendas carnavalescas
em
lenda carnavalesca sobre ele (Xantipa), as Ideias e
tcs.
torno
A
a r t í s t i c a , que
mentais. E significativo nesse orientação mes-
to
do ele. ele
do centro temporal
e o nível, q u e
sente inacabado to
seus
leitores
e
no
m e s m o
familia-
próximo do amigos, que
axiológico-temporal,
do futuro conhecidos,
des-
procurar no futuro plano possiveis princípio
axiológicos, mesmo que por ora esse futuro
mo o
os vez
s contemporâneos, mais
uma
permite
na forma de um retorno à
Era de
ainda se d relações
(menciono
do O n i é g u i n ) ,
Saturno (neOuro de riza suas
acentuadamente
r o m a n e s c o
mover-se
com
reno romano, a sátira menipeia estava e aspectos,
velada
ligada
e
da forma mais
máscaras
suas esse
todas
estreita às saturnais e à liberdade do riso
as
em representado, campo
autor,
menipeia é de liberdade n o
campo
inacessível e
fechado.23*
inten- e m n o v a s relações
cionalmente rio (o autor da imagem de autor) aparece
autobiográficoe memorialístico. O deslocamen- mútuas com o mundo representado: agora estas se encontram
nas mesmas dimensões axiológico-temporais, o discurso re-
presentativo do autor se encontra no mesmo plano com o
22 Gógol e a sátira menipeia. Para ele, Almas mortas se afigurava discurso representado do herói e pode entrar (ou melhor, não
como uma epopeia, a sua Divina Comédia- nessa forma ele
entrevia a tem como deixar de
entrar) em relações
grandeza de seu trabalho, mas acabou produzindo uma sátira menipeia. e combi- dialógicas
nações híbridas com ele. E exatamente essa nova
Uma vez inserido na esfera do contato familiar, ele não conseguiu deixá-la posição do
nem transferir para essa esfera as imagens positivas
distanciadas; ima-
as autor
primário, do autor formal na zona de
contato com o
gens distanciadas da epopeia e as imagens do contato familiar não podiam, mundo representado,
em hipótese nenhuma, encontrar-se n o mesmo campo da representaçao;
o
que torna
imagem de autor no campo da
possível o
aparecimento da
patético irrompeu no universo da sátira menipeia como um corpo estra-
representação. Essa nova c o
nho; o pathos positivo tornou-se abstrato e ainda assim escapou desse cor
naquela obra, GogOl nao
po. Com aquelas mesmas personagens e mesma
tragédia de Go-
*O campo da representação do mundo. Ele
conseguiu passar do inferno ao purgatório
e ao paraíso. A
(entendendo-se o gênero num
dança desse
campo pelos gêneros e
períodos do desenvolvimento
A mu- écronotópico.
gole, em certa medida, a tragédia do gênero aa ratura. Como esse
campo é organizado e da lite-
Sentido não tormalista, c o m o uma
zona e um campo
da percepçao e A zona
do médio e limitado no espaço e no
de vista, 0u
são. A tática e a zona
do grande. As limitações do tempo.
perdeu a Rússia
representação axiológica do mundo). Gógol
a sua percepção e
representação,
enredou-Se
cu O
a
estratégia.
romance entra em
campo real da vi-
Seja, perdeu o plano para d0, e esse contato com o
conseguiu encoa
m e m ó r i a e o c o n t a t o familiar (grosso
modo, n o elemento n ão o deixa elemento do presente
que enrijecer. romancista tende parainacaba-
tre a
ainda não está O
campo do enredoacabado
o devido foco em seu binóculo). O
(e não na imagem distante (para o
que está nascendo e tudo o
de
romance. desagregaçao).
A ideia na zona contato no em
Mikhail Bakhtin O
romance como
94 gênero literário
e n f o r m n a -
ideias
p r i n c i p a i s t r a n s -
das peculiar
a
é
locação do
uma
traços
importantes resultados.
superação da distância épica (hierárquica).
Dosteriormente
r o m a n c e
e u r o p e u .
extremamente
aberta
dos
Dispensa esclarda
participa-
novo
do que
cimentos o quão imenso e o doras e
Signiicado do grande
X e n o t o n t e ,
de
compositivo-formal
i n t e n c i o n a l
e estilístico dessa
nova colocaçao do autor feréncia imagem
a
c o n t e m p o r á n e o
para a
especifici
-para
Ciro-jovem- c a m p a n h a s
outro
de suas de obra
atualidade, enquanto novo ponto de
na
de
i n t l u ê n c i a
insere
A
uma
a
ra também
Assim se
último, é
também a
o
e m o l d u r a d o s
de
plo Ciropedia
elemento
é de Xenotonte, que diálogos
obra-os
a n- são o ponto
pertence
evidentemente jánão forma da sua
problemática
ao
campo do sério-cômico, mas se situa modo, a
atualidade e
e da ava-
em suas
artistico-ideológica
Esse passado
da apreensão
é dado s e m
distância, n o
o ponto de
partida da representaç o é a realidade de Xeno-
Contudo iação do passado. verdade que não é dado n o s
é
segmentoos
atualidade; ní-
vel da e l e v a d o s dessa
atualidade, n o
fonte: é justamente ela que tornece os pontos de
vista e os baixos, mas
nos segmentos
Observamos um
certo ma-
pontos de referência axiológicos. E peculiar que o passado vel da problemática avançada.
sua
heroico escolhido pelo autor não seja o nacional, mas o um movimento
leve (e inseguro) r e -
es- tiz utópico nessa obra,
trangeiro, o bárbaro. O mundo já se tornara aberto; o mun- do passado em direção a o
fletido da atualidade, que parte
do monolítico e fechado dos seus (como era na no sentido substancial
da
epopeia) de- futuro. A Ciropedia é u m r o m a n c e
ra lugar a um mundo
grande e aberto tanto dos seus como
palavra.
dos outros. Essa escolha do heroísmo dos outros é determi- A representação do passado no romance não pressupõe
nada por um elevado interesse pelo Oriente-característico absolutamente a modernizaç o desse passado (sem dúvida
da época de Xenofonte-, pela cultura, pela ideologia, pelas há em Xenofonte elementos dessa modernização). Pelo con-
formas sociais e políticas orientais; do Oriente esperava-se a trário, representação autenticamente objetiva do passado
a
luz. Já começara a interiluminação das culturas, ideologiase enquanto passado só é possível no romance. A atualidade,
linguas. Além disso, é peculiar a idealização do déspota orien- com suas novas
experiências, persiste na própria forma dda
tal: também aí ressoa a atualidade de Xenofonte com sua VIsão, profundidade, na agudeza, na amplitude e na viva-
na
seu carater
conclusivel tanto em seu todo como do contexto. Isso leva a mudanças radicais na estrutura da
do perdemo
Muda radicalmente o modela imagemartística. Esta ganha uma atualidade específica. Ga-
em cada uma de suas partes.
temporal de mundo: este se torna um mundo onde não exis- nha um vínculo nessa ou naquela torma e
em grau maior
te a primeira palavra
(o principio ideal) e a ültima ainda não ou menor- com o acontecimento
presentemente contínuo
consciència artístico-ideológica. da vida, com o qual nós - autor e leitores -
foi pronunciada. Para a estamos em
tempo e o mundo se tornam historicos pela primeira vez: re- comunhão substancial. Assim toi criada uma zona radical-
velam-se, mesmo que de modo inicialmente obscuro e con- mente nova de construção das imagens no romance, uma zo-
fuso, como uma formação, como um contínuo movimento na de contato maXimamente
próximo do objeto da represen-
um processo uno e inacabado que
para o futuro real, c o m o tação com o presente em seu inacabamento e, por conseguin-
tudo abrange.25+ Todo acontecimento, qualquer que seja ele, te, com o futuro.26*
todo fenômeno, toda coisa, em geral, todo objeto de repre- Tratarei de
algumas particularidades
ligadas a essas ques-
sentação artística perde aquela natureza conclusível, aquela toes. A ausência de acabamento e arremate internos leva a
insolúvel conclusibilidade e imutabilidade que lhe eram ine uma forte
intensificação das exigências de acabamento e ar-
rentes no mundo do "passado absoluto" da epopeia, prote-
remate externos e formais, particularmente do enredo. Colo-
gido do presente contínuo e inacabado por uma fronteira ca-sede maneira nova o problema do princípio, do fim e da
inexpugnável. Através do contato com o presente, o objeto é completude. A epopeia é indiferente ao princípio formal, ela
envolvido pelo processo inacabado de formação do mundo, pode ser incompleta (ou seja, não abranger o acontecimento
recebendo a marca da inconclusibibilidade. Por mais distan- inteiro) e pode não ter um final rigoroso (isto é, pode ganhar
25 O centro da atividade que interpreta e justifica o passado e trans- A profecia na epopeia e a prediç ão no romance. A profecia épica
ferido para o futuro. realiza integralmente no âmbito do passado absoluto (se não numa da-
O modernismo indestrutível do romance, que faz fronteira com uma
se
apreciação injusta dos tempos. A reapreciação do passado na RenasCenga
da
epopeia, ao menos âmbito da lenda que a envolve), e não diz respei-
no
TO ao
leitor e seu tempo real. Já o romance quer prever os fatos, predi-
ao
de "pro
gresso", o salto dos últimos quatro séculos, a "consciência primitiva ao
Um capítulo específico sobre os nomes e epítetos na epopeia e no ro
ance. O nome na ficção. O pseudônimo e a época dos pseudônimos.
folclorismo, máximo afastamento da memória e o máximo estreitamen
o Uma penetração mais profunda e mais renovadora na estrutura da
todo conceito de "conhecimento" (até o empirismo), o "progressivismo agem fccional. A especificidade da nova problemática do romance. A
mecanico como critério superior. Categoria da reinterpretação da
e reapreciação perpetuas.
98 Mikhail Bakhtin
romance 99
como gênero literário
O passado absoluto é fechado e
um final quase arbitrário). nade carecer de problematicidade. Tomemos, por
exemplo
concluído tanto no conjunto quanto
em qualquer
uma de o romance vulgar de aventuras. Nele não há problemática f-
parte pode ser enformada
Por isso, qualquer e losófica nem sociopolitica, nao ha psicologia; por
suas partes.
vem
Mikhail Bakhtin O
100 romance como 101
gênero literärio
cos até uma teoria segundo
(existe
a qual o romance deriva do homem na literatura. Entretanto, no âmbito do presente
ultimas epocas de seu desenvolvi ensaio, só posso tratar de passagem e superficialmente dessa
da retórica). Também nas
mento, o romance empregava ampla e substancialmente as e complexa questão.
grande
formas das cartas, dos diarios, das confissões, as formas e o homem dos gèneros distantes e elevados é o homem
métodos da nova retórica forense, etc. Ao construir-se na zo- da imagem absoluta e distante. Como tal, ele está totalmen-
acontecimento inacabado da atualidade te acabado e pronto. E acabado em um nível heroico elevado,
na de contato como
o romance frequentemente cruza as fronteiras da especifici mas é acabado e irremediavelmente pronto, está todo ali, do
transtormando-se ora em confissão principio ao fim, coincide consigo mesmo, é absolutamente
dade artístico-literária,
ora em manifestação fran- igual a si mesmo. Ademais, ele é totalmente exteriorizado.
moral, o r a em tratado filosóhco,
ora degenerando n u m a sinceridade de con- Entre sua autëntica essencia e sua manitestação externa não
camente política,
em "grito da alma" há a mínima divergência. Todas as suas potencialidades, to-
fissão crua e desanuviada pela forma,
etc.29* Todos esses fenômenos sao peculiarissimos ao roman- das as suas possibilidades foram realizadas até o fim em sua
em formação. Porque as fronteiras entre posição social externa, em todo o seu destino, até em sua
ce enquanto gênero
o artístico e o extraliterário, entre a literatura ea não litera- aparência: fora de seu destino determinado e de sua posição
tura, n o foram estabelecidas pelos deuses de uma vez por determinada não sobra nada dele. Ele é tudo o que poderia
todas. Toda especificidade é histórica. A formação da litera- ser, e só poderia ser aquilo em que se transformou. Ele é to-
não é apenaso seu crescimentoe a
sua
mudança noâm- do exteriorizado também no sentido mais elementar,
tura quase
bito das fronteiras inabaláveis do specificum;
ela afeta até literal: nele tudo é aberto e dito de forma altissonante, seu
essas m e s m a s fronteiras.
O processo de mudança das fron- mundo interior e todos os seus traços externos, suas mani-
teiras das regiões da cultura (inclusive
da literatura) é um festações e ações estão no mesmo plano. Seu ponto de vista
complexo. Algumas violações sobre si mesmo coincide
processo
extremamente lento e
plenamente com o ponto de vista
das fronteiras do specificum (como as mencionadas acima) dos outros, da sociedade (do seu
grupo), do cantor, dos ou-
transcorre em gran- vintes.0* Ele vê e sabe a seu respeito só aquilo
são apenas sintomas desse processo, que que os outros
em formação
de profundidade. No r o m a n c e enquanto gênero
manifestam de
esses sintomas da mudança
do specificum se
são significativos, uma A
questão da autoglorificação em Plutarco e outros.
modo muito mais frequente, agudo, e Nas condi-
romance po oes do plano distante, o "eu mesmo" existe não em mim e para mim, mas
e s s a s mudanças. O
vez que o r o m a n c e encabeça para os descendentes, na memória
os grandes e
ain- antecipável da posteridade. Tomo cons-
de servir c o m o documento para conjecturar Ciencia de mim, de minha
da literatura. imagem no
plano distanciado do longinquo; mi-
da distantes destinos do desenvolvimento nha autoconsciência está alienada de mim nesse plano distante da memó-
Contudo, a da orientação
mudança temporal e da zona rla; vejo a mim mesmo pelos olhos do outro. Essa
coincidencia das formas
manifesta de maneira ou
melhor, do ponto de vista sobre mim mesmoe sobre o
de construção das imagens em nada se natureza outro-é de
da imagem ingênua e
integral, entre elas n o há divergência. Ainda não exis-
tão profunda e substancial c o m o na reconstrução te a
confissão, autodesmascaramento.
o
Mikhail Bakhtin
Oromance como gênero literário 103
102
veem e sabem sobre ele. Tudo o que o outro, o autor pode
dizer sobre ele, ele mesmo pode dizer de si, e vice-versa. Ne-
A da
destruição distäncia
épica e a passagem da imagem
do homem do plano distante para a zona de contato com os
le não há nada a procurar, nada a conjecturar, ele não pode acontecimentos inacabados do presente (e, consequentemen-
ser desmascarado, n o pode ser provocado: é todo externo te, do futuro) leva a uma reconstrução radical da imagem do
não há carapaça nem nucleo. Alem disso, o homem épico (as homem no romance (tanto na literatura subsequente como
sim como o autor) é desprovido de qualquer iniciativa ideo- em toda a literatura).
E nesse processo
desempenharam umm
lógica. O universo épico conhece apenas a cosmovisão una
totalmente acabada, igualmente obrigatória e indubitável
imenso papel as tontes folclóricas e cômico-populares do ro-
mance. A etapa primeira e muito substancial da formação do
tanto para os heróis quanto para o autor e os ouvintes. O romance foi a tamiliarização cômica da imagem do homem.
homem épico é desprovido tambem de iniciativa linguística: O riso destruiu a distäncia epica, passou a estudar o homem
o universo épico conhece apenas uma linguagem una e aca- de forma livre e familiar: colocou-o do avesso, desvelou a
bada. Por isso, nem a cosmovis o, nem a linguagem podem discrepância entre sua aparencia externa e seu interior, entre
servir como fatores de delimitação e enformação das imagens a possibilidade e sua realização. Na imagem do homem foi
dos homens, de sua individuação. Aqui os homens estão de- introduzida uma dinämica essencial, a dinâmica da incoinci-
limitados, enformados e individualizados por diferentes po- dência e da discrepância entre diferentes elementos dessa ima-
diferentes "verdades". Nem homem deixou de coincidir consigo
sições e destinos, mas não por gem; o mesmo e, por
os deuses estão separados
dos honens por u m a verdade es- conseguinte, o enredo também deixou de esgotar o homem
eles têm linguagem, a mesma cosmovisão, o até o fim. De todas essas incoincidências e discrepâncias o ri-
pecial: a mesma
mesmo destino, a mesma exterioridade total. so haure, antes de tudo, efeitos cômicos (mas não só cômi-
Essas peculiaridades do homem épico, partilhadas no cos), e nos gêneros do sério-cômico da Antiguidade delas se
fundamental também por outros gêneros elevados e distan- projetavam também imagens já de outra ordem, por exem-
uma integridade e uma plo, a grandiosa imagem integral e heroica de Sócrates, cons-
ciados, criam u m a beleza excepcional,
clareza cristalina, um acabamento artístico dessa imagem truída de maneira nova e complexa.
tanmbém sua limita- E peculiar a estrutura artística da
do homem; mas a o m e s m o tempo geram imagem das máscaras
de existência da populares estáveis, que exerceram uma imensa influência na
ção e certa irrealidade nas novas condições
humanidade. tormação da imagem do homem no romance e nas fases mais
importantes do seu desenvolvimento (nos gêneros do sério-
comico da Antiguidade, em Rabelais e Cervantes).31* O he
roi epico ou
trágico
não são nada fora de seu destino e do
e do nao enredo por este condicionado: não podem se tornar heróis de
reconhecimento
cas do ponto de vista dos outros). A questão do
reconhecimento.
outro
destino, de outro enredo. As máscaras popularesde
de alcova no
A teoria do gesto romanesco expressivo (o gesto íntimo
e seus equívocos
desvelam justamente
drama). Seu atastamento da forma
sua signihcação subjetiva.
depois a problemat A realidade do romance é das possíveis realidades, não ë
A subjetividade: primeiro o desvio da norma, uma
ccessaria, casual. A questão de
cidade da própria norma. A "psicologia".
mas
outra possibilidade.
e x e r c e r a m enorme influência
aotabilidade, etc.), repetimos,
em quaisquer
destino ehgurar
tuciar qualquer
m e s m a peça), mas elas mesmas nun- da imagem romanesca do homem. Essa
que às
vezes tazem numa
natureza,
manifestar-se numa pausa
ro, um comerciante,
um genro, um ciumento, um pai, etc. E
têm feição, nem gesto, nem pala-
enredo; para isso eles não residem as suas quando a personagem assim, ou seja,
do romance vem a ser
vra; nisso
reside a sua torça e n i s s o m e s m o
suas próprias quando enquadra-se plenamente em sua situação e em seu
limitações. O herói épico e o herói trágico, por
destino (como o herói do gënero de costumes, ou a maioria
naturezas, estão
fadados à morte. As máscaras populares, ao
enredo das atellanas, das das personagens secundárias do romance), ent o o exceden-
contrário, nunca m o r r e m : nenhum
te de humanidade pode ser realizado na imagem da persona-
comédias italianas das comédias francesas italianizadas
ou
realiza na diretriz for-
Polichinelo gem central; esse excedente sempre se
prevê o u pode prever a efetiva morte de Maccus, mal e de conteúdo do autor, nos métodos de sua visão e de
o u Arlequim; por outro lado,
muitas prevêm as suas fictícias
Trata-se de sua representação do homem.35 A própria zona de contato
mortes cômicas (e seu posterior renascimento).
não de heróis da lenda; trata- com o presente inacabado e, por conseguinte, com o futuro,
heróis de improvisações livres e
cria a necessidade dessa incoincidência do homem consigo
processo renovador indestrutível
e eter-
-se de heróis de um
heróis do mesmo. Nele sempre restam potencialidades não realizadas
no, de um processo vital sempre atual, e não de
passado absoluto.
nas, que dá inicio aos eventos da peça. (N. do T.) hunanidade, sempre restarão a necessidade de futuro e um espaço neces-
para esse futuro. Todas as vestes existentes são justas demais (e por
D o italiano: "rotinas". Na commedia dell'arte, trata-se ae ay hcam cômicas em quem as veste). Contudo, essa excedente humani
comicas improvisadas ou previamente ensaiadas que correm em paraleo
ae impersonificável pode realizar-se não na personagem, mas no ponto
a açao central da peça, em seus intervalos. (N. do T.) VIsta do autor
(como acontece em Gógol, por exemplo).
(um tipo novo e superior de individualização da imagem). Já so de destruição da distância épica, no processo de familia-
na fase antiga de formação do romance, surgem ótimos pro- rização cômica do mundo e do homem, de rebaixamento do
de heróis-ideólogos: assim é imagem de Sócrates, objeto da representação artística ao nível de uma realidade
tótipos a
do ridente Epicuro chamado Romance contemporânea fluidae não acabada. O romance, desdeo
assim é a imagem no
seu início, foi construído não na
de Hipócrates, assim é a inmagem profundamente
romanesca imagem distante do passado
de Diógenes na vasta literatura dialógica dos cínicos e na sá- absoluto, mas na zona de contato imediato com essa atuali-
Mikhail Bakhtin
romance como gênero literário 109
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o presente inacabado começa a sentir-se mais próximo do f
sua incorporação à realidade ina-
zona de contato com a
por turo que do passado. Entretanto, no terreno do antigo regi-
cabada. O caminho dessa luta foi complexo sinuoso.
e
me escravista, carente de perspectivas, esse processo de reo-
da literatura não é, em hipótese nenhu-
A romancização rientação num tuturo real não podia concluir-se: esse futuro
de um canone de gênerob
a outros generos
ma, a imposição
romance tal canone não existe, real não existia. Essa reorientaçao ocorreu pela primeira vez
alheio a eles. Pois mesmo no
n a época do RenascimentO. Nessa epoca, o
Por sua natureza, o romance
nao e canónico. E a própria presente, a atua-
em eterna procura, que está em
lidade, fez-se sentir pela primeira vez não só como uma con-
plasticidade. E um genero tinuação inacabada do passado, mas também como um co
eterno estudo de si mesmo, sempre redehinindo todas as suas
meço novo e heroico. Perceber as coisas no nível da atuali-
formas constituídas. Apenas um genero construído na zona
de contato imediato com uma real1dade em formação pode dade significava não só rebaixá-las como também elevá-las a
ma nova esfera heroica. Na época do Renascimento, o pre-
ser assim. Por isso, a romancizaç o dos outros
gêneros não sente, pela primeira
é uma subordinação a gèneros estranhos; ao con-
canônicos foi sentido com toda nitidez e
vez,
ciência incomparavelmente mais próximo e familiar do futu-
cons
desses gêneros de tudo
trário, é a libertação que era conven-
ro que do passado.
cional, necrosado, empoladoe irreal, e que lhes inibia o pró-
de tudoo que os trans- O processo de formação do romance não chegou ao fim.
prio desenvolvimento, uma libertação Está entrando numa fase nova e magnifica. Nas condições da
formava em certas estilizações de formas obsoletas.
Desenvolvi de forma um tanto abstrata as teses do pre- sociedade de classes aparece inevitavelnmente em primeiro pla-
sente ensaio. Ilustrei-as com apenas alguns exemplos toma- no o
processo de desintegração do velho acabamento épico
e da integralidade do mundo e do homem. Esse processo foi
dos da etapa antiga de formação do romance. Minha escolha
necessário e profundamente eficaz: foi acompanhado de uma
foi determinada pelo fato de que em nosso país subestima-se
complicação e um aprofundamento singulares do mundo, de
acentuadamente aimportância dessa etapa. E característico
um crescimento inusual da demanda humana por sensatez e
que no artigo amplamente famoso da Enciclopédia Literá-
entra- criticismo. Contudo, a criação de uma integralidade nova,
ria,0 o romance antigo seja mencionado apenas numa
da adicional. Quando falam da etapa antiga do romance, por complexae em formação, que conserva todas as riquezas des-
A etapa sa demanda e dessa sensatez, é impossível na sociedade de
tradição têm em vista apenas o "romance grego".
classes. Essa tarefa já fica por nossa conta. O romance e o
antiga do romance é de e n o r m e importäncia na conmpreensao
da natureza desse gênero. Mas, no terreno da Antiguidade, realismo romanesco entraram na nova etapa socialista de sua
o romance efetivamente não pôde desenvolver todas aquelas formação.
Moderna.
possibilidades que foram descobertas na Idade
Ressaltamos que, em algumas manifestações da Antiguidade,
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Mikhail Bakhtin O romance como
gênero literário 111