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Revista Língua & Literatura 43

Eça de Queirós e a criação de um homem imoral


Gerson Luiz Roani*

Resumo: Este artigo estuda a construção century, with its social problems and cultural
e a função das personagens no romance O crime contradictions. The focus of the analysis is placed
do Padre Amaro – cenas da vida devota. Nesse upon the study of the characters, such as Padre
romance, Eça de Queirós propõe, mediante as Amaro and Amélia.
ações das personagens ficcionais, um olhar crítico, Key-words: character, realism-naturalism,
irônico e impiedoso sobre o Portugal do século Eça de Queirós.
XIX, com seus problemas sociais e contradições
culturais. A ênfase da análise é colocada no
Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm
estudo de personagens, tais com o Padre Amaro
disfarçados de ovelhas, mas por dentro
e Amélia. são lobos selvagens. Vocês os
Palavras-chave: personagem, realismo- conhecerão pelo que eles fazem. Os
naturalismo, Eça de Queirós. espinheiros não produzem uvas nem as
plantas espinhosas dão figos. (Mateus,
7, 15-16)
Abstract: This article studies the
construction and function of the characters in the
novel O crime do Padre Amaro – cenas da 1 A estética realista e as cenas da vida
vida devota (The Sin of Father Amaro). In portuguesa
that novel, Eça de Queirós proposes, through
the fictional characters’ actions, a critical, ironic Nas diferentes fases da história do
and merciless view about Portugal of the 19th romance, observa-se que a escolha das

*
Doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, professor de Literatura Portuguesa na Universidade Regional Integrada
do Alto Uruguai e das Missões – URI. Coordenador do Grupo de Pesquisa: Romance Português e História: A Ficção
de José Saramago (CNPq).
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personagens acompanhou a imersão do indivíduo o leitor veja a personagem com seus próprios
na coletividade, nos grupos sociais. Os escritores olhos. Deste modo, o leitor escuta as próprias
do Romantismo procuraram criar personagens conversas das personagens, compartilha de seus
revestidas de um caráter excepcional na sua problemas e conflitos e acompanha os seus
condição de homens e heróis, cuja ação estava movimentos “reais”.
voltada para a aventura. Com o advento do Um dos objetivos do Realismo foi mostrar
Realismo, a técnica de construção das uma pintura da sociedade na pluralidade de seus
personagens atenuou-se e os tipos foram quadros. Desejando mostrar os diferentes
escolhidos entre aqueles sem qualquer relevo quadros da vida social, o romancista realista
pessoal, inteiramente comuns à maioria das procura dizer mais acerca das personagens e
pessoas. O romance realista é filho da observação introduzir sempre novos tipos. O enredo não é
dos fatos e não dos devaneios e quimeras do rígido, mas maleável à caracterização das
Romantismo. personagens. No nosso entender, a essência do
Dentre os elementos do romance, a romance realista não reside naquilo que acontece,
caracterização das personagens é um dos mais mas no oposto: no fato puro e simples de a
importantes. A visão da Arte nos proporciona personagem viver e no seu ser estar vinculada a
uma visão mais completa das coisas do que aquela um determinado ambiente. Fica estabelecido,
que se pode obter através do convívio com elas. então, em conformidade com os postulados
No romance, o leitor pode ter uma visão completa estéticos realistas, uma relação íntima entre as
de uma personagem. Isto é, a sua vida interior e personagens e o meio em que estão inseridas.
exterior podem ser reveladas e apreendidas em Sob essa ótica, a figura de Ema Bovary não seria
plenitude. Dessa forma, em suas determinações tão convincente fora da pacata aldeia de Yonville,
constitutivas, as personagens ficcionais parecem nem as figuras de Amaro e Amélia seriam
muitas vezes mais definidas do que as figuras verossímeis em outro lugar que não fosse a
históricas ou mesmo as pessoas verdadeiras. As sociedade de Leiria infestada de padres.
personagens não têm segredos como as pessoas Eça de Queirós situa-se entre aqueles
possuem, pois o sigilo é uma condição de vida escritores que representaram tipos humanos
na sociedade. É esta revelação da vida secreta médios em suas obras de ficção. Suas
que contribui para diferenciarmos as personagens personagens não são poderosas ou invulgares.
ficcionais das pessoas reais. Sob este ponto de Há nos seus livros o equilíbrio entre a fantasia e a
vista, a caracterização das figuras ficcionais foi observação da realidade. Ao observar e anotar
um dos aspectos centrais da proposta ficcional costumes, ao escolher os tipos medianos para
realista, pois o Realismo procurou facultar ao leitor suas personagens, ao substituir com detalhes
a admissão na vida íntima das personagens. Para reais, copiados, a inspiração fantasista, Eça se
o escritor realista, o romance deve fazer com que submetia, em parte, ao espírito do seu tempo.
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Ajustou-se à estética que lhe era contemporânea que lhe dá uma sociedade podre. Não lhe
e deixou-se influenciar por ela, originando um parece que é um tal trabalho é justo?
conjunto de narrativas notáveis, que o firmaram
A sociedade é surpreendida como um
como o principal prosador português do
organismo vivo em cuja intimidade os elementos
Oitocentos e que, ainda hoje, podem ser lidas
podem ser vistos deslocando-se, movidos pela
com renovado interesse e encantamento por
vida ou pela decadência. Pois, para Eça, havia
leitores de empenho muito diversificado, no que
se tornado um imperativo dar estocadas no mundo
concerne à leitura da obra literária.
oficial, sentimental, literário e religioso. Era
Em seus romances, Eça pretendeu recriar
necessário destruir as falsas interpretações de
a sociedade portuguesa tal qual ela se apresentava
uma sociedade que apodrecia.
constitutivamente, surpreendida no movimento de
Esse desejo de aniquilar a falsidade da
suas classes superpostas, cada uma com sua
sociedade portuguesa confere ao autor um certo
ideologia e sentimentos peculiares. O autor de O
pendor para a imoralidade. Seus temas são
Primo Basílio e O Crime do Padre Amaro teve
escândalos morais: um padre que desvirginiza uma
como objetivo principal mostrar, como se estas
rapariga, o adultério entre primos, a hipocrisia e
obras fossem espelhos, o triste país que essas
a manipulação da fé, o relaxamento dos costumes.
classes formavam. Tal intencionalidade de vincular
Suas figuras femininas, considere-se nesse
intimamente a escritura romanesca ao novo ideário
sentido, tanto Luísa quanto Amélia, Juliana e a
literário, bem como a construção de um grande
Sra. Joaneira, estão imersas na licenciosidade.
painel da sociedade lusitana da época,
Portugal aparece, aí, como composto de
configuram-se como um projeto ficcional,
pervertidos, venais e caracteres fracos. Em suma,
impulsionado por um programa esteticamente
na pena do romancista é delineado um ambiente
concebido. Isso transparece em uma carta do
de vício ante o qual todos sucumbem.
autor ao amigo Teófilo Braga:

A minha ambição seria pintar a sociedade


portuguesa, tal qual a fez o 2 A criação de um homem imoral: O crime
Constitucionalismo desde 1830 – e do Padre Amaro
mostrar-lhe como num espelho, que triste
país elas formam – eles e elas.É o meu fim O Crime do Padre Amaro1 foi concebido
nas “Cenas da vida portuguesa”. É
necessário acutilar o mundo oficial, o 1
mundo sentimental, o mundo literário, o QUEIRÓS, Eça de. O Crime do Padre Amaro. In: ___.
mundo agrícola, o mundo supersticioso Obra completa. Volume I. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
– e com todo o respeito pelas instituições 1997, p. 84-437. Todas as citações utilizadas referem-se
que são de origem eterna, destruir as a esta edição, sendo designadas, ao longo do artigo,
falsas interpretações e falsas realizações, pelas iniciais CPA e a respectiva página.
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como um romance à maneira realista. De fato, A personagem chega a Leiria sem


em Leiria, o escritor pôde observar os costumes experiência sexual e ali quem estimula sua
provincianos e os capítulos do livro fazem supor sexualidade é Amélia. Logo no começo de suas
quadros vivos dos quais Eça extraiu as cenas e relações, Amaro aparece negligenciando suas
os temas. A obra procurava aplicar à Literatura obrigações religiosas e esquecendo até que é
os processos do Realismo-naturalismo. padre, devido à proximidade dela. Quando
Observando e documentando, o escritor tentava descobre as relações do Cônego Dias com a Sra.
mostrar na sua realidade complexa, o padre e a Joaneira, Amaro exprime suas reflexões sobre
beata, a intriga canônica, a mentalidade as contradições da vida sacerdotal:
provinciana.
Uma primeira leitura da obra sugere-nos E era um velho, sem os ímpetos do
como um primeiro tema romanesco a castidade sangue, já na paz que deveriam dar a
idade, a nutrição e as dignidade
sacerdotal. Teoricamente ela é primordial para o eclesiásticas! Que faria então um homem
padre católico. N’O Crime do Padre Amaro novo e forte, que sente uma vida
este voto é freqüentemente quebrado. O romance abundante no fundo das suas veias
apresenta mediante suas personagens um ponto reclamar e arder(CPA, p. 102).
de vista contrário ao voto. Pois, o voto é contra
as forças da natureza que são, geralmente, mais A fala de Amaro e seus monólogos
fortes que a vontade individual do homem. A evidenciam a força que a natureza exerce sobre
castidade do Padre, como é abordada no as suas ações. Sob o ponto de vista humano, é
romance, é o ponto através do qual o autor critica evidente que a sexualidade de Amaro está longe
a instituição eclesial. A Igreja força homens de ser irregular ou anormal. Quando Amaro
normais a comportarem-se como eunucos, reflete sobre o voto de castidade, o considera
criando situações que dão lugar ao aparecimento injusto. Pois ele priva o padre da satisfação mais
de padres como Amaro. Esse tema da castidade natural do mundo, aquela que até aos animais é
pode ser examinado através de dois pontos de dada. Põe em dúvida o poder da Igreja em dizer:
vista: o humano e o da Igreja. “Serás casto”, e cessar desta maneira os desejos
Sob o primeiro ponto de vista, o de um jovem. Amaro duvida da capacidade de
desenvolvimento sexual de Amaro é normal e dominar a rebelião da carne e está convencido
inevitável. Com a puberdade, ele começa a que foi um grupo de velhos impotentes que nada
interessar-se pelas mulheres e acalenta fantasias sabiam da natureza humana que inventou esta
a respeito delas. Como é de se prever, os desejos regra. Em verdade, a quebra do voto por Amaro
sexuais de Amaro tornam-se mais intensos devido caracteriza a educação mantida pela Igreja. Para
à repressão do seminário. Amaro, a preparação de um padre é criação de
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um monstro que tem de passar sua triste existência E com a confissão, disse o Padre Natário.
em batalha constante contra duas forças, as A coisa então vai pelas mulheres, mas
vai segura! Da confissão tira-se grande
forças naturais e a força da razão: “Em que partido.
consiste a educação de um sacerdote? Primo: em [...] Eu não quero dizer que a confissão
o preparar para o celibato e para a virgindade; seja uma brincadeira! Ira! Eu não sou
isto é, para a supressão violenta dos sentimentos pedreiro-livre. O que quero dizer é que é
mais naturais”(CPA, p. 147). um meio de persuasão, de saber o que se
passa, de dirigir o rebanho para aqui ou
Mas o romance não se limita a enfocar o para ali...E quando é para o serviço de
tema da castidade e vai mais além. Ele remete à Deus, é uma arma. Aí está o que é - a
presença da Igreja no Portugal do século XIX, absolvição é uma arma (CPA, pp. 272 e
com seu caráter explorador e dominador, à 232).
hierarquia do clero, a uma religião oficializada,
dependente do estado e repleta de funcionários Eça ao pintar este grupo de fariseus
públicos de batina; à ignorância e ao temor corruptos está mostrando a vida eclesial
incutido por uma forma perversa de religião, à portuguesa. Note-se que Amaro não abraça a
corte de carolas, aos padres que abraçam a vida carreira eclesiástica por convicção. Ele é obrigado
eclesiástica sem vocação. O engano da vida a entrar para o seminário pela imposição da
celibatária e religiosa é mostrado com audácia madrinha, embora tenha o desejo de ascender
nova, bem ao gosto do Realismo-naturalismo.São socialmente. Amaro é filho de uma criada e os
expostas as perversões da fé, os vícios, intrigas e confortos materiais que acompanham a subida o
costumes do mundo fechado da religião nas levaram a achar atrativos na vida de sacerdote
sacristias. católico. Contra esta associação de corruptos
Outros temas importantes são a venalidade consumados, o autor cria o bondoso Abade
do clero e a corrupção da Igreja. São os padres Ferrão, apresentando-o como o padre ideal, sem
de Leiria que dão o exemplo a Amaro e não é de sombra de egoísmo, inteiramente dedicado aos
admirar que ele faça o mesmo. Eça representa seus paroquianos e aos deveres eclesiásticos:
padres que se servem da Igreja em proveito
próprio. Os padres de Leiria aparecem como E ali ficara entre gente pobre, numa aldeia
religiosos só exteriormente, quando muito. Junte- de terra escassa, vivendo de dois pedaços
de pão e uma chávena de leite, com uma
se ainda o apego a uma vida de bem estar e a sua batina limpa onde os remendos faziam um
falta de caridade, que se ilustra com as suas mapa.(...) padre perfeito no zelo da Igreja;
discussões sobre a pobreza, bem como com a passando horas de estação aos pés do
exploração das crenças do catolicismo. A própria santíssimo Sacramento; cumprindo com
confissão é utilizada em proveito pessoal e uma felicidade fervente as menores
institucional: práticas da vida devota.. (CPA, p.314)
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Se uma das propostas do Realismo era A criação destas duas personagens


mostrar uma técnica apurada de localização obedece às normas do Realismo. Isto é, Eça
espacial do tema, evidencia-se uma falha de Eça parece aplicar bem o método naturalista na
quanto a este aspecto. O autor mostrou apenas caracterização de Amaro, pois a personagem
um grupo humano visto por dentro. Não o localiza apresenta muitas semelhanças com modelos reais.
espacialmente como faz em As cidades e as Sua presença física é cuidadosamente elaborada
Serras ou em O Primo Basílio. Leiria é e temos a impressão de um retrato nítido do jovem
apresentada nas casa em que andam os padres e padre. Tem uma presença moral traçada desde
seu beatério. Tem-se a impressão que a ação do o início de seu desenvolvimento até a
romance acontece entre a Sé e a rua da manifestação final de sua corrupção. Como as
Misericórdia onde se localiza a casa da Sra. pessoas reais, Amaro tem uma vida interior, que
Joaneira, lugar em que se encontram as saias e é revelada ao leitor, e que - o que não é fora do
as batinas. João Eduardo é uma personagem que comum - está preocupada com sexo.
oferece possibilidades a algumas cenas de O único elemento que parece faltar na
redação e botequim e faz com que o leitor ande criação dessa personagem de Eça é a paixão. A
pela cidade, mas como se andasse só de um lado atração de Amaro por Amélia é uma questão de
da rua. Não é mostrada a província que produziu química de corpos. As suas motivações e sua
o quisto do beatério, o meio integral, a família capacidade de escolher seu destino nunca se faz
provinciana e os tipos de outras classes. Vê-se o sob as rédeas soltas de paixões avassaladoras e
beatério e só ele. A política é sugerida nas desenfreadas. Amaro é um desapaixonado. Não
oportunidades que se abrem com João Eduardo, se revoltou contra a imposição da madrinha e
cuja existência é secundária. aceitou tacitamente a vida que lhe foi imposta.
A ênfase está na questão das personagens, Além disso, as normas do Naturalismo aplicadas
cujo centro é a personagem do Padre Amaro. no desenho da personagem fizeram de Amaro
Ele é uma personagem explicada desde a infância uma personagem exagerada, que provoca risos
e direcionada para a ação. Todavia, tem-se a por parecer uma caricatura. Amaro como
impressão que ele não tem liberdade para agir. protagonista não passa o teste da verossimilhança
Amaro caminha do início ao fim da narrativa para absoluta.
uma função específica: o crime. Ele não apresenta Com Amélia, protagonista feminina do
a mesma desenvoltura de outros colegas de vida romance, ocorre algo semelhante. Mas nota-se
sacerdotal. Como personagem, Amaro possui um que na sua construção é particularmente bem feito
propósito determinado, e seu agir, bem como o e elaborado o seu sentimento de culpa. É uma
de Amélia, é sustentado por uma força fatal que personagem dominada pelo meio em que vive e
o destaca do restante das personagens. por ele é moralmente moldada. Como Amaro,
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Amélia não é livre, não mostra nunca sinais de sua ação é aceitável. Daí, destruir o casamento
rebelião. É uma personagem arrastada pelas de Amélia com João Eduardo é algo digno, puro
forças do meio, aceita as decisões da mãe, de e ainda pela causa de Deus. Ele afirma, através
Amaro e no fim a influência do Abade Ferrão. É dos seus sofismas, que o seu interesse de amante
uma Pessoa superficial e que, em relação a simplesmente coincide com o seu dever de
Amaro, não passa de um objeto. sacerdote:
Outras personagens estão além dos limites
da realidade, são caricaturas e sua função é E aquilo Jesus! Não era uma intriga para
cômica. O velho e barrigudo Dias, bem como as a arrancar do noivo: os seus sentimentos
(e dizia-o bem alto) para se convencer
beatas grotescas despertam o riso. Mas há nestas melhor) eram muito retos, muito puros:
figuras cômicas um aspecto de verdade, pois elas aquilo era um trabalho santo para a
evidenciam o aspecto cômico da vida. Ora, as arrancar ao inferno: ele não a queria para
figuras de um romance não precisam ser iguais si, queria- a para Deus. (CPA, p. 173 ).
às pessoas reais, basta serem possíveis. O
ridículo Cônego Dias, as Gansosos, Josefa Dias, À medida que a história progride, Amaro
o efeminado Libaninho, parecem possíveis na se envolve cada vez mais com mentiras e acaba
pequena cidade de Leiria infestada de padres e por tornar-se um hipócrita consumado: o egoísmo
subjugada pela Sé. de Amaro atinge o auge; Amélia está morta, mas,
Na caracterização de Amaro as marcas do antes de abandonar Leiria, tem de obter licença
Realismo-Naturalismo estão evidentes. É a de seu superior. Sua preocupação é uma vez mais
influência do meio que determina o caráter do consigo mesmo e com o fato de poder achar-se
homem. O fator central da composição de Amaro envolvido num escândalo. Como acontece com
é que ele é um fraco por natureza, cuja fraqueza as pessoas reais, a estrutura moral de Amaro se
é reforçada pela educação que recebeu. O altera diante de determinadas experiências, neste
resultado é que, na sua confrontação com a vida, caso, os acontecimentos de sua vida durante sua
Amaro vê-se constantemente envolvido em permanência em Leiria.
sofismas, mentiras, intrigas, hipocrisias e egoísmo. Na pintura da vida religiosa de Amaro, é
Na luta que trava entre o mal e o bem, o mal evidente a importância que tem o meio. O
triunfa sempre. A auto-apresentação por meio emprego do flashback aponta as influências que
do monólogo é de grande importância para revelar fizeram de Amaro um padre. Sua carreira
as motivações e os raciocínios do padre. Eça sacerdotal reflete a sua vida moral. Como é um
mostra os sofismas de Amaro, fazendo-o dar voz caráter fraco, a vida de padre lhe é imposta do
ao seu próprio processo mental. A fragilidade da exterior. Pela mesma razão ajusta-se à rotina do
vida de Amaro provém do fato de ele empregar seminário sem revolta. Sai de lá como padre,
sofismas para se convencer a si mesmo de que a inicialmente consciencioso, mas é facilmente
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influenciado pela decadência que o rodeia e passa ombros e ruminar solitariamente o seu
de padre medíocre a padre corrupto no decurso despeito! (CPA, p. 341)
da sua permanência em Leiria. É evidente que
Depois da inevitável sedução, o caráter de
ele tem pouca vocação, mas é o lado material da
Amaro cristaliza-se de fato. Ele domina
profissão que o atrai.
completamente Amélia. Pela primeira vez, a
O mesmo flashback mostra que apesar
personagem sente-se liberta da sua posição de
da atração que representa para o órfão de uma
inferioridade que tinha na casa do tio, mais tarde
criada uma vida de luxo, por volta do 14 anos,
no seminário e depois em casa do Conde de
Amaro começa a desviar-se da sua futura
Ribamar. Por meio das relações com Amélia,
profissão porque não poderá casar-se. O conflito
Amaro não só realiza os seus sonhos sexuais,
entre celibato e sexualidade combina-se com sua
como inverte todas as humilhações que sofrera
vontade fundamentalmente fraca e a falta de
na vida. Tiraniza Amélia num exemplo clássico
vocação, para fazer dele a espécie de padre que
de vingança dos que estavam por baixo e passam
mais tarde se torna: “Era no entanto devoto:
a ser donos da situação. Como protagonista, a
rezava, tinha fé ilimitada em certos santos, um
função de Amaro está entrelaçada com o enredo
terror angustioso de Deus. Mas odiava a clausura
e a ação do romance. O hiato entre a ação e as
do seminário”( CPA, p. 131)
personagens desaparece. As personagens não
Um dos aspectos mais convincentes da
são parte da maquinaria da ação, nem é o enredo
caracterização de Amaro é a elaboração de sua
meramente uma moldura grosseira envolvendo-
vida interior. A principal preocupação de Amaro
as. Ao contrário, ambos estão intimamente
é o sexo. E, em relação com esta parte de sua
associados. As qualidades das personagens
vida, Amaro está sujeito a violentos ataques de
determinam a ação, e a ação modifica
ciúme, que resultam em fantasias de vingança
progressivamente as personagens, e tudo
contra Amélia e João Eduardo:
conduzido para uma finalidade.
E voltava então o antigo desespero de
Nesse sentido, Amaro é o centro das
não viver no tempo da inquisição, e com atenções. A elaboração de seus pensamentos,
uma denúncia de irreligião ou de das suas ações e da sua presença são as
feitiçaria, mandá-los ambos para um referências que atraem e mantêm o interesse. O
cárcere. Ah! Nesse tempo um padre leitor fica absorvido pela personalidade de Amaro
gozava! Mas agora, com os senhores
liberais, tinha de ver aquele miserável
e segue os acontecimentos da vida do padre
escrevente a seis vinténs por dia dentro do romance, até alcançar uma espécie de
apoderar-se-lhe da rapariga e ele, equilíbrio, neste caso, a morte de Amélia e a saída
sacerdote instruído, que podia ser bispo, de Amaro de Leiria para as compensações de
que podia ser Papa, tinha de vergar os uma colocação perto de Lisboa e para um cinismo
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completo. A importância da presença de Amaro mãos crispadas dessa cor de púrpura escura - e
é sublinhada pelo fato de que todas as outras a mesma cor mais arroxeada cobria-lhe a face
personagens, inclusive Amélia, não são focadas rígida” (CPA, 421).
tão de perto como ele. Em outras palavras, as A criação que Eça faz dos aspectos físicos
outras personagens ocupam níveis auxiliares ou de Amélia é consistente com as idéias do seu
subsidiários em relação ao jovem padre. Sem ele tempo. A mulher era um ser fraco cujo único
não poderia ter havido história. Sua função não é papel na vida era ser objeto do homem. Talvez
só crítica mas essencial. seja por esta razão que Eça concede pouca
Como na elaboração de Amaro, Eça importância à moral de Amélia, pois a
seguiu os preceitos do Realismo- Naturalismo personagem nunca aparece fazendo uma escolha
para construir Amélia. O efeito que alcançou foi entre o bem e o mal. Suas ações são produto da
a criação de uma ilusão de realidade que parece emoção e de acordo com os princípios realistas
baseada no estudo de um modelo real. Ao criar são fruto do ambiente. Eça procura mostrar
Amélia, Eça empregou a técnica da descrição. alguns aspectos de seu temperamento, como o
Essas descrições não são poéticas, mas por vezes romantismo, a vaidade e o espírito de vingança.
pinturescas. Os pormenores sobre o seu aspecto Na parte final do romance, através do Abade
físico são constantes. Como resultado de suas Ferrão, é evocado um aspecto fundamental da
experiências, no desenvolver da narrativa, Amélia personagem, a sua libido sempre ativa. O abade
sofre modificações físicas. Temos aqui um dos a caracteriza como sendo carne e desejo:
objetivos do Realismo-Naturalismo - observar
o modelo e depois anotar os resultados. As Ia-a assim lentamente desgostando-a do
modificações físicas que ela sofre são o resultado pároco. Mas não a desgostava do amor
legítimo, purificado pelo sacramento;
do seu estado psicológico, e são convincentes.O conhecia bem que ela era toda de carne e
autor procura mostrar que Amélia, ao entregar- desejo, e que lançá-la violentamente no
se à aventura amorosa, sente-se realizada e feliz. misticismo seria apenas torcer-lhe um
A desintegração física da personagem momento o instinto natural e não criar-
ocorre como resultado da gravidez não desejada. lhe uma paz duradoura. Não tentava
arrancá-la bruscamente à realidade
Isso gera uma personagem mais temperamental, humana; ele não a queria para freira; só
com uma tendência para uma histeria melancólica, desejava que aquela força amante que
assim como um sentimento de culpa, fazendo com sentia nela servisse à alegria dum esposo
que ela descuide do corpo e passe a andar suja e e à útil harmonia duma família, e não se
desarranjada. Finalmente o autor descreve Amélia gastasse erradamente em concubinagem
casuais (CPA, p.359).
na morte. O retrato é particularmente realístico
ao mencionar a cor arroxeada da face e das mãos: A vida de Amélia pode ser observada à
“Amélia estava imóvel, com os braços hirtos, as
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luz de sua educação, da sua forma de praticar a Essa mesma técnica do monólogo é
religião e do seu sentimento de culpa, fruto da empregada para mostrar a reabilitação de Amélia
sua transgressão sexual. A importância que os pelo Abade Ferrão e o fato de ela passar a
realistas dão ao meio é fundamental na elaboração compreender a natureza bondosa de Deus. O
dos antecedentes de Amélia. Ela é educada à relacionamento dela com Ferrão provoca nela
sombra da Igreja e dos padres que a controlam. uma verdadeira catarse. Mas logo depois, Amélia
A sua concepção do Deus cristão é falsa e o volta a cair. A queda parece ser o resultado da
concebe como um ente vingativo. Seu conceito mistura dos sentimentos sexuais com os religiosos.
de religião é formal, como o é o do meio em que Ela não os distingue e cai novamente no conto
cresceu. do vigário.
Com a chegada de Amaro a Leiria, o autor O comportamento de Amaro para com
elabora diretamente as alterações que as práticas Amélia era autoritário. Ela, para manter o
religiosas de Amélia sofrem. De certo modo, a equilíbrio de suas relações , teria de ser submissa
sublimação que Amélia faz dos seus sentimentos e passiva. Na realidade, Amélia parece gostar
sexuais como formas religiosas, e a realização de ser dominada pelo padre. Física e mentalmente
destes, mais tarde, pela presença de Amaro, é ela pertence ao sacerdote. Parece até masoquista
paralela ao que Amaro sentia pela imagem de no gozo que sente em humilhar-se diante dele e
seu quarto de seminário. O sacrílego reflete-se mostrar-se sua escrava. Desejava viver somente
na devoção sentimental e atração vagamente através dele e das suas opiniões. Sua obediência
física pela Igreja. Isto é, Amélia já não estabelece é como a de um animal; tudo o que ela tinha de
diferenças entre Amaro e o Altar, o órgão, o fazer quando Amaro falava era concordar e, além
missal, os santos e o céu. Esses aspectos são disso, tirar a roupa.
apresentados através do monólogo da
personagem. Este monólogo é mais freqüente Desde a primeira manhã, na casa do Tio
quando Amélia se desilude com Amaro pois este Esguelhas, ela abandona-se lhe
absolutamente, toda inteira, corpo, alma,
é incapaz de resolver o problema da sua gravidez. vontade e sentimento: não havia na sua
Para ela torna-se clara a fraqueza e a indecisão pele um cabelinho, não corria no seu
de Amaro: cérebro uma idéia a mais pequenina, que
não pertencesse ao senhor pároco.
Era bom o momento para contar com Aquela possessão de todo o seu ser não
Deus, quando Ele, indignado, a a invadia gradualmente; fora completa,
acabrunhava de misérias: E aquelas no momento que os seus fortes braços
indecisão, num homem e num padre, que se tinham fechado sobre ela. Parecia que
devia ter a força e a habilidade de a salvar, os beijos dele lhe tinham sorvido,
desesperavam-na.(CPA, p.268) esgotado a alma: agora era como uma
dependência inerte da sua pessoa. E não
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lho ocultava; gozava em se humilhar, Cônego Dias e na terceira, o encontro simbólico


oferecer-se sempre, sentir-se toda dele, entre os dois representantes da Igreja com o
toda escrava; queria que ele pensasse
por ela e vivesse por ela; (...) vivia com
Conde de Ribamar, personificação do Estado.
os olhos nele, numa obediência animal: A primeira parte mostra o alvoroço do
tinha só a curvar-se quando ele falava, e centro de Lisboa, através da concentração
quando vinha o momento a desapertar o popular na porta da agência de notícias central.
vestido (CPA, 275- 276). Os transeuntes lêem sobre a semana sangrenta
em Paris. Esta parece ser a primeira vez que Eça
Como protagonista feminina, Amélia trabalha no romance o retrato de um grupo
compartilha, até certo ponto, da atenção dada numeroso. Paris surge na cena como um espaço
ao protagonista. Sua presença é essencial para o fantasma, conhecido e habitado por figuras
desenvolvimento da narrativa. Todavia o papel conhecidas. As referências a “comunistas!
em relação a Amaro é secundário e ela torna-se Versailles! Crime!”, reproduzem os elementos
um objeto que lhe pertence em vez de ter uma essenciais do levante popular na capital francesa.
identidade independente, por direito próprio. Na As fardas, isto é, os soldados do regime
maior parte dos casos, Amaro é que dirige os monárquico e as blusas (povo) chocam-se e Paris
acontecimentos que ocorrem nas páginas do arde:
romance. Amélia representa uma espécie de
costela de Adão. Pois, enquanto personagem, ela Com efeito, a cada hora, chegavam
existe em função da ação de Amaro. telegramas anunciando os episódios
Ao criar personagens como Amaro, sucessivos da insurreição (...) telegramas
expedidos de Versailles num terror,
Amélia, Cônego Dias, Sra Joaneira e outros tipos, dizendo que os palácios ardiam...
Eça procurava traçar o retrato da sociedade fuzilamentos em massa nos pátios,... a
portuguesa com sua cultura decadente. O autor fatal demência que desvairava as fardas
pretende estabelecer através da literatura um perfil e as blusas...” (CPA, 369).
da nacionalidade portuguesa no século XIX,
confrontando esta imagem com o resto da Monumentos, avenidas, parques,
Europa, mais especificamente com a França, que restaurantes, cafés e bordéis . Acredita-se que
era nesta época a grande difusora de cultura , tudo está em chamas. Os lisboetas furiosos
tanto científica, quanto artística. evocam o Bois de Boulogne e as suas vedetes,
O capítulo final é exemplar para esquecem as bibliotecas e museus. É um irônico
analisarmos esta imagem do Portugal oitocentista. juízo de valores que Eça procura estabelecer.
Este capítulo está estruturado em três partes. Uma Discute-se as teorias socialistas de Proudhon de
primeira conta o que se passa no Largo do maneira frívola e superficial. O autor mais uma
Chiado, outra o encontro entre Amaro e o vez procura sublinhar o contraste ridículo existente
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entre os intelectuais da Europa e as personagens a dizer não é para lisonjear a Vossas


provincianas típicas de Lisboa. O autor desdenha Senhorias; mas enquanto neste país
houver sacerdotes respeitáveis como
ainda as esperanças burguesas de deter a vossas senhorias, Portugal há de manter
revolução social com um punhado de polícias, e com dignidade o seu lugar na Europa!
não sente nenhuma simpatia pelos jovens Por que a fé, meus senhores, é a base da
ambiciosos, com suas poucas luzes de literatura ordem! (CPA, p. 436)
e que pretendem destruir uma sociedade de
dezoito séculos com um miserável panfleto O autor mostra então os tipos humanos de
político: “Doutro lado eram moços verbosos, Lisboa que passam em frente da estátua de
localistas excitados que declamavam contra o Camões: pares de senhoras, jovens ainda
velho mundo, a velha idéia, ameaçando-os do bêbados da véspera, gente estendida pelos
alto, propondo-se a derruí-los em artigos bancos dos jardins, fadistas gingando, burgueses
tremendos” (CPA, 432). de ar aborrecido, e garotos vendendo loterias e
Na segunda parte do capítulo se dá o jornal. Estes tipos são uma indicação do estado
encontro de Amaro com o Cônego Dias. E dá a de atraso, de estagnação da nação em todos os
entender que houve uma lacuna entre os sentidos.
acontecimentos finais do romance em Leiria com
a morte de Amélia e a saída de Amaro. Leiria é E com um grande gesto mostrava-lhe o
Largo do Loreto, que àquela hora, num
um espaço distante e os padres recordam a vida fim de tarde serena, concentra a vida da
da pequena cidade. O conde de Ribamar, cidade. Tipóias vazias rodavam devagar;
protótipo do político português, reúne-se aos pares de senhoras passavam de cuia
dois padres na praça em frente da estátua de cheia e tacão alto, com os movimentos
Camões e dos antigos cronistas. Sendo membro derreados, a palidez clorótica duma
degeneração de raça; nalguma magra
de um governo sem importância na balança do pileca, ia trotando algum moço de nome
poder europeu, julga-se apto a “aconselhar” as histórico, com a face ainda esverdeada
grandes nações européias. Aliás, ele “conhece a da noitada de vinho; pelos bancos de
sua Europa”. A ironia final de Eça é mostrar praça gente estirava-se num torpor de
Portugal através dos olhos deste cretino vadiagem; fadistas gingavam, de cigarro
nos dentes; nas faces enfezadas de
reacionário. Estupidamente, ele acredita que a operários havia como a personificação
Europa inveja Portugal, o país da paz, da das indústrias moribundas. E todo este
prosperidade. E a base disto é a presença de mundo decrépito se movia lentamente,
padres como Amaro e Dias. sob um céu lustroso, de clima rico (CPA,
p. 436)
A verdade, meus senhores, é que os
estrangeiros invejam-nos... E o que vou Os três personagens estão defronte da
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estátua do poeta maior. A efígie de Camões QUEIRÓS, Eça de. O crime do Padre Amaro.
representa um monumento ao passado heróico In:___. Obra completa. Volume I. Rio de
do país. Estes três tipos, um político e dois homens Janeiro: Nova Aguilar, 1997.
da igreja, representam o monumento a
degradação e ao apodrecimento da sociedade REIS,Carlos. Estatuto e perspectivas do
portuguesa do oitocentos. Eça mostrou que os narrador na ficção de Eça de Queirós.
franceses comunistas é que são os verdadeiros Coimbra: Almedina, 1980.
cristãos, pois lutam e morrem pela humanidade,
não o hipócrita Amaro e seu comparsa Dias. É ____. Estudos queirozianos. Ensaios sobre
com a parte final do romance que Eça estabelece Eça de Queirós e a sua obra. Lisboa: Presença,
o significado do romance. Através da ironia das 1999.
opiniões do Conde de Ribamar, o escritor mostra-
SARAIVA, José António & LOPES, Oscar.
nos Lisboa - capital deste país tão invejado pela
História da literatura portuguesa. 16 ed.
Europa. Tudo acaba, afinal, em deboche, farsa,
Porto: Porto Editora, 1993.
paralisação e decadência. O desenho das
personagens procura dar significado ao retrato SARAIVA, José Hermano.História Concisa de
de uma sociedade. O estado das coisas está Portugal. Lisboa: Publicações Europa-América,
sendo atacado e a cena final revela, o significado 1988.
mais amplo assumido pelo livro, a necessidade
de uma revolução:

E o homem de estado, os dois homens de


religião, todos três em linha,... gozavam
de cabeça alta esta certeza gloriosa da
grandeza de seu país ali ao pé daquele
pedestal, sob o olhar de bronze do velho
poeta,... a epopéia sobre o coração, a
espada firme, cercado do cronistas e dos
poetas da antiga pátria. Pátria para
sempre passada, memória quase
perdida.(CPA, p. 436-437)

Referências bibliográficas:

FORSTER, E.M.Aspectos do romance. Porto


Alegre: Globo, 1974.
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