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Elementos da Tragédia

Lilia Nara Santos Sena

A tragédia nasceu como um culto ao deus Dionísio, que segundo a


mitologia grega podia assumir forma de bode, e apresenta etimologia derivada
do grego tragos (bode) e oide (canção), isto é, “louvor ao bode”. Em suma, a
tragédia recebeu imensa influência do cenário político grego, o que justifica o
fato das soluções para os conflitos apresentados recaírem sobre os valores
cívicos da então recém-nascida democracia. Dessa forma, a tragédia tinha
como objetivo entreter a população, mas também discutir as questões
fundamentais da vida grega e educar os cidadãos para os debates e
experiências da democracia.

Em primeira análise, a peça de teatro escrita por Sófocles, Édipo Rei, é


considerada por Aristóteles em sua Poética (1990), o exemplo perfeito de
tragédia grega. Nesse sentido, a obra em questão é uma amostra clara da
transição entre o pensamento mítico e o racional, como também base para
Freud, pai da psicanálise, que inspirado nela, elaborou o complexo de Édipo.
Assim, fundamentando-se na produção de Sófocles, destacam-se alguns
elementos que são essenciais para a construção do gênero trágico.

Por sua vez, o termo hubris consiste, segundo Danzinger (1974, p.


134), em uma espécie de soberba e confiança extrema que o herói possui no
seu “talento inato”. Em face disso, Aristóteles nomeou de “imperfeição trágica”
esse desvio de caráter uma vez que, se o herói fosse perfeito, o público não
aceitaria o infortúnio por ele passado. Nessa conjuntura, em Édipo Rei, tal
comportamento pode ser observado diante da constante arrogância e ira de
Édipo, a exemplo quando ele se enfurece com as acusações de ser o
assassino de Laio, não compreendendo como tamanha incriminação poderia
ser dirigida a sua pessoa mesmo após ele ter salvo a cidade da terrível esfinge
que a assolava. Logo, em decorrência de tamanha vaidade, o adivinho alerta o
rei: “Essa grandeza é que causa tua infelicidade! ”. (Sófocles, 2005, p. 20).

Outro elemento comum às tragédias gregas era a harmatia, que


corresponde a um erro cometido pelo herói de forma despercebida, mas que ao
final, traria enormes consequências para a trama. Em Édipo Rei, a harmatia é
constatada quando Édipo mata o rei Laio, sem saber que esse era o seu pai, e
casa-se com Jocasta, sua mãe. A partir desses eventos, o protagonista, levado
por sua hubris, é contrariado pelo destino cometendo o erro trágico, que torna
irreversível sua situação. (Danzinger, 1974, p. 134)

Em consonância ao elemento anterior, a peripetéia equivale a uma


mudança repentina de fortuna, “uma peripécia que acarreta o inverso do que o
personagem pretendia ou esperava”. Na obra analisada, identifica-se a
peripécia quando Édipo usa todos os recursos para encontrar quem matou o
Rei Laio e assim, estabelecer novamente a paz na cidade de Tebas, porém
acaba sendo incriminado por tal crime. (Danzniger, 1974, p. 132)

Sob esse viés, a anagnoris corresponde a descoberta do erro


desconhecido, levando o personagem a obter os conhecimentos essenciais
que lhes faltavam. Mais uma vez, a obra fornece um notável exemplo, pois
através de Jocasta, do mensageiro e do servo, constata-se, por fim, o vínculo
familiar de Laio e sua esposa para com Édipo. Destarte, de maneira análoga ao
pensamento de Danzinger (1974, p. 133), após tais revelações, o herói é
libertado de sua “cegueira” e assim, encontra em si mesmo o culpado que ele
procurava.

Nesse contexto, a catarse, corresponde a um mecanismo para a


purificação da alma do público e de suas agonias (Danzinger, 1974, p. 136).
Dessa forma, o terror, o medo e a piedade que se vivencia través da tragédia
de Édipo, ajudam o espectador a elaborar e a purgar esses sentimentos que
permeiam a vida de todos. Assim, a boa tragédia é aquela que permite esse
processo de cura, que é fundamental para o sujeito.

Já o termo agon, designa um conflito, não só entre dois personagens,


mas também um conflito interno que o protagonista enfrenta. Na obra aqui
discutida, esse elemento pode ser observado inicialmente na discussão entre
Édipo e Creonte que desencadeia a incriminação do Rei pela morte de Laio.
Assim como, o combate interior que Édipo enfrenta enquanto se questiona se
ele realmente é o assassino que procura.

Sob essa ótica, o pathos equivale ao sofrimento que antecede a


catarse e tem o objetivo de criar compaixão no público para com o sujeito
cruelmente desafortunado. (Danzinger, 1974, p. 145). Na tragédia de Sófocles,
um dos momentos em que se observa tal elemento está no clamor final de
Édipo para se despedir de suas filhas antes de partir em exílio.

Outrossim, o métron consiste na medida humana. Contudo, a tragédia


realiza-se por meio da ultrapassagem desse parâmetro pelo herói, traço
característico da hubris, na qual o protagonista possuído pela soberba, acredita
poder ir contra a vontade dos deuses. Desse modo, Édipo, ao tentar escapar
do seu destino, acaba por ir contra a vontade dos deuses, resultando, assim,
em uma violência contra a ordem social, que levou a Tebas a uma crise.

Ademais, há outros padrões na tragédia grega e correspondem às três


unidades: tempo, lugar e ação. Conforme Danzinger (1974, p. 143),
normalmente a trama das tragédias passa-se em um único dia, em um só local,
com o desenvolvimento de apenas um enredo. De maneira similar, Aristóteles,
em A Poética, explicitou que a duração deve ser suficiente para permitir que os
fatos ocorram dentro da verossimilhança e para que haja a passagem da
ventura para o infortúnio (Aristóteles, 1990, p. 27). Desse modo, a
grandiosidade de Édipo decorre de os eventos ocorrerem de forma frenética,
capturando a atenção do espectador para o drama central.

Posteriormente, há também o desperdício trágico, que de acordo com


Danzinger (1974, p. 140), diz respeito à perda de todas as coisas boas e
valiosas que são suprimidas com o final fatídico da história. Em Édipo, há a
ocorrência desse elemento quando o herói, a despeito de todas suas
conquistas e do bom governo que havia realizado sobre Tebas, sofre as
consequências do destino que tanto tentou enganar. Assim, por fim, Corifeu
ressalta tamanho infortúnio:

“Habitantes de Tebas, minha Pátria! Vede este Édipo, que decifrou os


famosos enigmas! Deste homem, tão poderoso, quem não sentirá
inveja? No entanto, em que torrente de desgraças se precipitou! ”.
(SÓFOCLES, 2005, p. 63).

Diante disso, tendo como base o pensamento de Aristóteles (1990 p.


28), a obra do poeta expõe a história como poderia ter acontecido, alcançando
dessa forma, uma amplitude filosófica muito maior. Então, tendo em vista essa
ideia, para Sófocles, Édipo Rei é uma representação da intransigência do
destino versus a prepotência humana, e não há forma melhor do que a tragédia
para representar isso. Logo, para Aristóteles, a tragédia é o maior gênero
poético, pois é nela que se encontra o aprendizado da mimese, o debate moral
e cívico, e o potencial de cura das agonias fundamentais para o ser humano.

Referências

ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. 2. ed. Imprensa


Nacional – Casa da Moeda. 1990. Série Universitária. Clássicos de Filosofia.

DANZINGER M. K.; JOHNSON, W. S. A natureza da tragédia. In: ______.


Introdução ao estudo crítico da literatura. São Paulo: Edusp/Cultrix, 1974.

SÓFOCLES. Rei Édipo. Tradução de J. B. de Mello e Souza. Equipe Le Livros,


2005.

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