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Mímeses

Lilia Nara Santos Sena


A definição do termo “literatura” é ainda hoje bastante complexa para
muitos estudiosos que buscam atribuir uma ideia clara e conclusiva a esse
vocábulo. Por sua vez, um dos registros mais antigos referentes ao tema deve-
se ao pensador grego, Aristóteles, com seu livro intitulado “Poética”. Em face
disso, essa obra é utilizada até o presente como orientação para a produção
artística, especialmente para dramaturgos e cineastas no mundo todo devido ao
seu caráter reflexivo.

Inicialmente, a respeito do conteúdo abordado, surge a ideia de “mímese”,


cujo conceito foi bastante discutido por Platão e Aristóteles. Para Platão, a
verdade está no mundo das ideias e os objetos que se encontram no mundo real
são apenas cópias imperfeitas de suas formas ideais. Dessa maneira, o filósofo
conceituava mimese como uma distorção das ideias universais. Além disso,
considerava a mimese feita pelos poetas a pior de todas, uma vez que, segundo
ele, o poeta produz uma fantasia, distorcendo duas vezes a realidade universal.

Entretanto, Aristóteles, aluno de Platão, em divergência a seu professor,


acreditava que a verdade está presente no mundo material e que era possível
acessá-la à medida em que há a experimentação dessa realidade. Assim, ele via
a mimese não como uma cópia distorcida do que é verdadeiro, mas como uma
versão que permitiria o reconhecimento dessa realidade.

Em suma, em sua obra, Aristóteles elaborou a teoria de que o texto


poético estava aliado à mimese, sendo essa uma forma de imitação ou
representação da realidade que é produzida pelos mais diferentes tipos de
expressões artística como a escultura, a pintura e a literatura. Todavia,
Aristóteles tinha consciência de que por mais próximas que tais obras fossem da
realidade, ainda assim elas não poderiam se confundir com a realidade em si.
Seguindo essa linha de raciocínio, René Magritte caracterizou tal pensamento
com sua obra revolucionária, "Ceci n’est pas une pipe" (Isto não é um cachimbo),
com a ideia de representar o real e mesmo assim não ser aquela a própria
realidade.
Ainda de acordo com o pensador, a poesia se difere dos demais tipos de
produção por tratar do universal. A história, por sua vez, refere-se ao particular,
haja vista que os historiadores podem somente retratá-la como ela, de fato,
aconteceu, enquanto os poetas a representam como ela poderia ter sido. Dessa
forma, tendo em vista o pensamento de Danziger e Johnson (1974), a temática
da literatura é voltada para as mais diversas e particulares vivências dos seres
humanos, podendo essas serem representadas de maneira fiel ou idealizadas.

Para o autor, a capacidade da representação é algo fundamental e inato


aos seres humanos já que segundo ele, “imitar é natural ao homem desde a
infância” (ARISTÓTELES,1987, p. 21). Com isso, o autor acredita que a
reprodução do outro é a principal forma de aprendizado da humanidade, tendo
em vista que o ser humano, segundo sua visão, é o mais mimético de todos os
seres, por isso aprendem e sentem prazer ao ver representações. Assim, ao
assistir a um filme, por exemplo, o indivíduo não está apenas se divertindo com
imitações de imitações, mas aprendendo sobre a natureza das ações humanas

Por fim, a arte é uma representação da realidade, e a literatura, como


manifestação artística, se utiliza da palavra como forma de expressão. Destarte,
o texto poético é fundamental para o aprendizado, tendo importância não só
estética, mas também política e moral em virtude da sua capacidade de
fotografar a trajetória de uma nação, podendo ser considerado, logo, um produto
cultural.

Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Poética. Tradução Eudoro de Sousa. 2. ed. Imprensa Nacional
– Casa da Moeda. 1990. Série Universitária. Clássicos de Filosofia.

DANZIGER, Marlies K. e JOHNSON, W. Stacy. Introdução ao Estudo Crítico


da Literatura, São Paulo, Cultrix, 1974.

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