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Sonnet XVIII: Shall I Compare Thee to a Summer's Day?

Shakespeare, William (1564 - 1616)


- Lilia Nara Santos Sena

Segundo Burgess (1996, p. 280), os sonetos shakespearianos, em sua


maioria, contêm catorze versos que se dividem em três quartetos e um dístico final,
com um esquema de rimas: ABAB, CDCD, EFEF, GG. Ainda segundo o autor, cada
linha faz o uso do pentâmetro iâmbico que consiste na alternância entre uma sílaba
átona e uma sílaba tônica, sendo ao total cinco grupos de ambas por verso.
Destarte, o soneto apresenta uma espécie de organização lógica do conteúdo de
modo que a estrutura segue uma fórmula em que às oito primeiras linhas
apresentam um dilema central, a partir da nona linha tem-se a “volta”, em que o eu
lírico passa da pergunta para a resposta — aqui iniciada pelo advérbio “but” — e no
dístico final uma declaração resumida.

Em primeira análise, o soneto começa com a pergunta: “Shall I Compare


Thee to a Summer's Day?”. No que tange aos elementos linguísticos do poema,
entende-se que “thee” se refere a um homem, já que na linha onze há a presença do
possessivo “his”. Em contrapartida, durante a Renascença, emerge a necessidade
de direcionar a poesia para “verdades universais”, o que significa que o poeta não
necessariamente precisaria estar apaixonado para escrever sobre amor, todavia
deveria transcrever esse sentimento de modo que os leitores e ouvintes se
identificassem com a trama.

Tal pensamento vai ao encontro do raciocínio de Frye (1999, p. 103), que diz
que “a poesia não é relato de experiência e o amor não é uma experiência inculta;
tanto na poesia como no amor, a realidade é o que é criado, não a matéria-prima
para a criação”. Diante disso, ao ler essas produções, é importante estar ciente que
questões como o gênero da pessoa amada, pouco influem sobre a obra, haja vista
que não há como comprovar que Shakespeare realmente vivenciou tal situação, por
isso é essencial focar em compreender o conteúdo da obra e o sentimento que o
autor busca suscitar no leitor.

Nessa conjuntura, ao longo do soneto é possível observar imagens da


natureza, já que pelo título já é possível deduzir que o poeta irá descrever um dia de
verão. Além disso, também conta com o uso da linguagem figurada, uma vez que o
poema inteiro é uma metáfora em que o poeta compara a beleza do verão com a
beleza da pessoa amada. Dessa forma, verifica-se a ideia da natureza idílica,
grande e esmagadora, o que favorece o engrandecimento e exaltação do outro em
virtude de tal comparação, demonstrando que o amor do eu lírico se eleva a beleza
da natureza.

Sob esse viés, o primeiro quarteto explicita que a amabilidade e consistência


do amado excedem a do mundo natural, sendo esse mais lindo que um dia de
verão, já que o tempo é fugaz e está sempre mudando tal estação. Outrossim,
apesar de ser uma estação muito adorada em diversas culturas, o verão possui suas
desvantagens, haja vista que, como mencionado no poema, os ventos podem ser
muito fortes. Assim, entende-se que o amado, diferentemente de um dia de verão, é
constante e equilibrado.

Nesse âmbito, no segundo quarteto, o autor segue enumerando motivos que


confirmem que o verão não pode se comparar com a pessoa amada, tendo em vista
que ele pode ser muito quente, as nuvens podem bloqueá-lo, e é muito curto.
Portanto, igualar o amado a um dia de verão não é algo cabível, pois o verão tem
suas desvantagens, além de que no curso natural das coisas, a beleza acaba se
afastando das pessoas e o tempo tira delas, sua juventude.

Nesse sentido, no terceiro quarteto o eu lírico declara, no entanto, que o


amado será isento dessas mudanças, e que sua beleza não desaparecerá, mas que,
na verdade se transformará em um verão eterno. E isso ocorrerá porque essa
beleza se encontra capturada em suas palavras, neste poema, fazendo com que as
pessoas que o lerem, sejam constantemente lembradas de como o amante de
Shakespeare é belo. Assim, a beleza do amado será imortal e não irá declinar, mas
sim crescer, uma vez guardada neste poema.

Por sua vez, no dístico final, o poeta garante que por meio “das linhas
eternas” enquanto as pessoas viverem seu poema também viverá o que garantirá a
imortalidade do seu amante. Por esse prisma, as linhas eternas são o próprio soneto
que fará com que a pessoa amada viva em perfeita juventude e beleza para sempre
dentro dessa obra. Ademais, ainda que a beleza física tenha passado e o corpo
envelhecido, o eu lírico ressalta que na poesia a beleza e o encanto podem
aumentar, apesar da pressa do tempo. Assim, a beleza do amado é capturada
dentro do soneto, por isso, sempre que lido, imaginaremos a beleza de seu amado,
que renasce a cada leitura, sendo desta forma, a arte capaz de derrotar a morte.

Ao final, a proposta do autor de comparar a pessoa amada a um dia de verão


ganha um novo significado, de que a beleza do amado é imutável, mas de uma
maneira diferente. Em face disso, dentro das linhas eternas da própria poesia e
enquanto os homens puderem ver e ler, o amado viverá e assim, o ciclo da vida
seguirá se renovando. Logo, convém destacar a importância da arte nesse
processo, e o enfoque que ela tem dentro desse soneto, onde é possível constatar
seu papel, uma vez que é a coisa mais próxima da eternidade no mundo humano,
conseguindo preservar a vida.

Referências

BURGESS, Anthony. A versificação inglesa. In: Idem. A Literatura Inglesa. Trad.


DudaMachado. São Paulo: Ática, 1996, p. 275-87.

FRYE, Northrop. Um par verdadeiro. In: Fábulas de identidade. Sandra


Vasconcelos (trad.). São Paulo: Nova Alexandria, 1999.

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