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Campus de São José do Rio Preto

Curso de Licenciatura em Letras


Departamento de Estudos Linguísticos e Literários
Disciplina: Poesia Brasileira 1
Docente: Prof. Priscila Bosso Topdjan
Discente: Raphael dos Santos Domingos

Paralelismo fúnebre: uma contribuição ao imaginário


ultrarromântico

Introdução

De toda a poesia romântica brasileira que, por convenção erudita, estende-se de 1830 a
1870, estender-nos-emos à lírica fúnebre de Álvares de Azevedo em uma ousada tentativa de
compreender parte de sua contribuição para o imaginário romântico da poética de sua época.
Para tal, o poema escolhido é intitulado Soneto, este presente na Lira dos vinte anos, obra
póstuma de Azevedo que conjunta poemas escritos em sua curta vida.

Como é de se esperar da inspiração ultrarromântica, a soturna figura da mulher se fará


presente, mas essa sob a condição de defunto, a qual a voz poética dirigirá o seu lamento.
Observaremos, ainda, como a imagética dessa figura é construída pelo uso da própria
linguagem. A interpretação e análise se fará a nível procedimental pelas observações de ritmo,
metrificação, rimas e conformidade de versos presentes no poema.

Desenvolvimento

Soneto

1 Pálida, à luz da lâmpada sombria,


2 Sobre o leito de flores reclinada,
3 Como a lua por noite embalsamada,
4 Entre as nuvens do amor ela dormia!

5 Era a virgem do mar, na escuma fria


6 Pela maré das águas embalada!
7 Era um anjo entre nuvens d'alvorada
8 Que em sonhos se banhava e se esquecia!

9 Era a mais bela! Seio palpitando...


10 Negros olhos as pálpebras abrindo...
11 Formas nuas no leito resvalando...

12 Não te rias de mim, meu anjo lindo!


13 Por ti - as noites eu velei chorando,
14 Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Como já denuncia o título, esse poema se trata de um soneto e, consequentemente,


observa-se a conformidade à sua métrica e versificação particulares. Sua estrutura origina-se
dos sonetos petrarquianos; compõe-se, portanto, de 14 versos separados em 3 quartetos e 2
tercetos. A respeito da métrica utilizada, há a presença de verso heróico em toda a extensão do
poema. Toma-se como exemplo o 6º verso:

6 Pela maré das águas embalada! (A tônica recai sobre a 6ª e 10ª sílaba)

Embora esse tratamento puramente silábico adorado por muitos parnasianos e românticos não
permita a perfeita análise do ritmo, a percepção da tonicidade por si só é suficiente para
reconhecer grande parte da sonoridade do poema. Contudo, há outros procedimentos
linguísticos que contribuem para sua sonoridade e ritmo, constituintes estes que também serão
importantes à interpretação deste estudo.

Um destes é a presença de rimas perfeitas ao final de cada verso:

2 Sobre o leito de flores reclinada,


3 Como a lua por noite embalsamada,

A denominação de rima “perfeita” se dá pela repetição total dos fonemas após a última vogal
tônica, expressa, por exemplo, no 2º e 3º versos do poema. No caso, por se tratar de um
soneto, seu arranjo de rimas é fixo e pode ser expresso como ABBA ABBA CDC DCD.

O poema começa pela menção a uma figura pálida, reclinada em um leito de flores, esta
sem nome, mas referenciada pelo eu lírico no 4º verso como sendo uma mulher. No primeiro
verso, a moça é posta defronte a uma fúnebre luz. A lâmpada acompanhada pelo nome adjetivo
sombria adquire valor conotativo de “luz melancólica/cercada de trevas”, e por este teor
taciturno admite-se que se trata de uma metáfora para luar. No 3º verso, a voz poética compara
a mulher à própria lua coberta pela escuridão por noite embalsamada e estabelece, através da
símile, o paralelismo de amada morta e natureza observada, essa carregada de pessimismo
tétrico.
Na segunda estrofe, o paralelismo se mantém, mas dessa vez colocando a mulher
subjacente ao cenário pelágico.

5 Era a virgem do mar, na escuma fria


6 Pela maré das águas embalada!

Podemos enxergar similitude nos versos 3 e 6 pela escolha de palavras embalsamada e


embalada, ambas reforçando a imagem do “corpo velado” da mulher. E, no 5º verso, o destaque
à candura das moças virgens: era a virgem do mar. Ainda, nos versos 7 e 8 a figura da virgem
é transportada à dimensão etérea, na qual o eu lírico adquire a posição de apreciador da mulher
amada, exaltando-a.

7 Era um anjo entre nuvens d'alvorada


8 Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Adiante, na 3ª estrofe, as qualidades observadas pela voz poética perdem seu caráter
cândido e tomam traços lascivos. A escolha de sintagmas como seio palpitando e formas nuas
denotam tais traços. Há de se observar que o apelo sexual adjacente à morbidez emana da
imagética ultrarromântica, fonte da qual bebe Álvarez de Azevedo e muitos outros de sua
geração.

9 Era a mais bela! Seio palpitando...


10 Negros olhos as pálpebras abrindo...
11 Formas nuas no leito resvalando...

No último terceto, por fim, a voz poética quebra a rememoração da amada morta e a ela
se dirige. Em catarse, o eu lírico declara as noites passadas em luto e a paixão que perdura, e,
nesse ponto, a dimensão do sonhar introduzida no 8o verso se fecha com a afirmação de amor
que perdurará até o fim da vida: Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! Procedimentalmente,
nos últimos versos, 13º e 14º, o uso da anáfora por ti é de grande valia. A repetição do referente
– a amada – e causa de luto e lamento da voz poética reforça suas próprias ações pela figura
funesta.

13 Por ti - as noites eu velei chorando,


14 Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Considerações finais

O poema aborda questões centenárias de amor, perda, idealização e desejo, todos estes
evocados anteriormente pela inspiração ultrarromântica. Álvares de Azevedo, seguidor e
apreciador desse movimento estético ora fúnebre ora lascivo, o imprime em Soneto sob a
perspectiva de um amante em luto. Amante esse cujo desejo é latente e não consumado e cuja
paixão é destruída pela efemeridade da vida. A amada, agora distante, é revivescida na natureza
e essa, ao ser observada pela voz poética, é colocada em paralelo com a mulher morta,
estabelecendo no plano da metáfora e da símile a relação da mulher com o mar e a noite. Há
de se acrescentar, por fim, que sob esse mesmo plano o eu lírico despejará suas emoções e fará
idealizações, transportando-nos para um plano de ordem fantástica, de anjos em nuvens
d’alvorada.
Em conclusão, este estudo buscou interpretar o poema escolhido sob a luz de seus
constituintes linguísticos: metáforas, símiles e anáforas, bem como de sua métrica e estrutura
rítmica. Sua análise foi realizada buscando-se mergulhar no imaginário ultrarromântico, à
medida que constatações pudessem ser feitas a partir do efeito de organicidade dos elementos
linguísticos supracitados.
Referências

MIRANDA, J. A., & SOUZA, R. T. O verso decassílabo. 2018

BANDEIRA, Manuel. A versificação em língua portuguesa. In: Editora Delta. Enciclopédia


Delta Larousse. 2. ed. rev. e atualizada. Rio de Janeiro: Delta, 1968.

AZEVEDO, Álvares de. Lira dos Vinte Anos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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