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Mário de Sá-Carneiro

Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) nasceu em Lisboa, Portugal, no dia 19 de maio de 1890.

Filho único, ficou órfão de mãe com dois anos de idade. Foi criado pelos avós na Quinta da

Vitória, na freguesia de Camarate, próximo de Lisboa. Em 1905 redigiu e imprimiu o jornal

satírico da vida escolar, “O Chinó”.

Em abril de 1915, junto com Fernando Pessoa e outros intelectuais, lançou a revista “Orpheu”,

com o objetivo de divulgar os novos ideais estéticos, procurando acompanhar as transformações

culturais, ocorridas em toda a Europa. No final do mesmo mês, publicou “Céu em Fogo”. Em

julho, editou o segundo número da revista.

A obra de Mário de Sá-Carneiro ocupa um lugar de destaque na literatura portuguesa, sobretudo

na poesia. É poeta em todos os domínios, até mesmo no teatro e na prosa. A sensibilidade e o

espírito doentio dominavam-lhe a criação poética a tal ponto, que em quase todos os versos

estampa-se um perene descontentamento com a vida e com o mundo. Mário de Sá-Carneiro

suicidou-se no Hotel de Nice, em Paris, França, no dia 26 de abril de 1916.

A personalidade sensível, o humor instável, o narcisismo e o sentimento de abandono

culminaram em uma linguagem irónica e auto sarcástica, principais características da sua

poesia.

● As influências

● Os temas

A análise do poema “Caranguejola” de Mário de Sá-Carneiro será feita sob a perspetiva dos

diferentes aspetos que configuram a concepção de poesia moderna, ainda não consolidados à
época de sua escrita. Mário de Sá-Carneiro é representante do chamado 1º modernismo

português. Foi um dos idealizadores da revista “Orpheu”, publicada em 1915 (mesmo ano da

escrita de Caranguejola) e que causou um grande escândalo aquando da sua publicação. Tal

escândalo afirma a ideia de uma nova poesia, que estava a chegar áquela época, e que ainda não

era bem aceite. A dificuldade em publicar o 3º número da revista Orpheu e os sentimentos de

inadequação e inutilidade de Sá-Carneiro expressos na sua obra serão destacados claramente em

Caranguejola. Boa parte, destes sentimentos confirmam se pelo suicídio do autor em 1916, um

ano depois dos insucessos com a revista e da escrita de Caranguejola. Notar-se-á neste poema

uma luta do eu lírico com as formas e estruturas vigentes nesta época e também uma luta

consigo mesmo no que se refere à não aceitação da representação que o sujeito poético tem de si

mesmo, bem como da não aceitação de certas estratificações da sociedade quanto à sua poesia.

A análise tem por objetivo mostrar como uma nova forma de poesia anunciava-se nesta época, e

como as primeiras manifestações desta nova poesia não eram bem aceites na sociedade que

aprova ou reprova os poemas. Para tal interpretação, o título do poema será de extrema

importância (Caranguejola).

Assim, temos também por objetivo, interpretar a poesia a partir da concepção da poesia

moderna, que começa a estabelecer se em Portugal na época da escrita do poema. Uma poesia

menos preocupada em seguir as grandes escolas e as formas pré-estabelecidas para a boa poesia,

e mais preocupada com o experimentalismo e a estética do choque que já é preconizada pela

estética de vanguarda.
Caranguejola intitula o poema de Mário de Sá-Carneiro, como sendo a literatura

incompreendida do eu-lírico, estabelecendo assim, uma relação metafórica entre as coisas

sobrepostas e mal seguras e uma literatura livre de formalismos e que não se prende a regras .

Portanto, trata-se de uma literatura que não é bem segura num mundo onde ela ainda não é

aceite.

Sendo a Caranguejola o título do poema, o significado deste vocábulo exerce influência sobre

todo o significado do mesmo. Para incorrer por este caminho, observa-se que o poema está

dividido em três partes: a primeira abrange as quatro primeiras estrofes (com quatro versos

cada uma), a segunda parte abrange as três estrofes seguintes (também com quatro versos

cada uma) e a terceira parte abrange as últimas duas estrofes.

A primeira parte consiste num pedido por parte do sujeito poético, de que o deixem em paz.

Levando em conta que a sua literatura não é compreendida e o que está dito nos terceiro e

quarto versos da terceira estrofe: “- Que querem fazer de mim com estes enleios e medos? /

Não fui feito para festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...”. É possível observar que a

insegurança de sua “Caranguejola”, ou seja, o fato de ninguém a defender, deixa o sujeito

poético cheio de dúvidas e medos e por isso prefere um momento de isolamento, mas, ao

mesmo tempo, este poeta mostra nos a sua total ligação com esta obra mal segura, pois ao

dizer que não foi feito para festas, está implicitamente a dizer que não sabe ter uma vida ativa,

estando longe da sua obra, por isso prefere a inatividade total. Os dois primeiros versos da

terceira estrofe tratam de “brinquedos”. Aqui vê-se uma referência às regras vigentes na
literatura no momento da escrita deste poema. Estes versos nos quais aparecem os tais

brinquedos mostram uma interlocução com um ser geral (como nos dois primeiros versos da

primeira estrofe), entendidos aqui como toda uma sociedade. Estes brinquedos que são

recusados pelo eu- lírico, ou que ele não quer receber deste ser geral, estão aqui entendidas

como um conjunto de regras que são oferecidas para se fazer poesia, ou seja, diz que não

pode haver poesia verdadeira se esta precisar de submeter-se a regras e formas. É importante

observar que na primeira estrofe há versos que se dirigem a um interlocutor específico (“Que a

porta do meu quarto fique para sempre fechada, / Que não se abra mesmo para ti se tu lá

fores.”) esse interlocutor, que pode ser dito como uma figura feminina (aparece no último

verso do poema como “minha rica”), trata-se da sua própria Caranguejola. Essa ideia pode ser

melhor compreendida quando se relaciona este verso com o penúltimo verso do poema no

qual se diz que ela não entra no quarto, nem com as melhores maneira s. Entende-se então,

que ela não possui as melhores maneiras e estas tratam-se de uma referência ir ónica às regras

e formalismos já citados. Leva-se em conta que o poeta não quer vê-la, está a esquivar-se, mas

também não sabe conviver com as “regras” da literatura do seu tempo. Retorna aqui a ideia de

que ele prefere a reclusão a ter que submeter-se a tais formalismos. Portanto, a Caranguejola

não entra no seu quarto nem se utilizar as tais regras.

A segunda parte trata-se de um momento de devaneio do sujeito poético, quando fala consigo

mesmo. Este diálogo está presente na quinta e sexta estrofe; nota-se também, que as palavras

“vamos” e “desistamos” caracterizam o poeta. Este enquanto conversa consigo mesmo está a

tentar convencer-se daquilo que foi apresentado na primeira parte.. Isto está claro em: “deixa-
te de ilusões, Mário! Bom edredom, bom fogo / E não penses no resto. É já bastante, com

franqueza...” versos 23 e 24. Neste ponto apresenta-se claramente uma introspectiva, quando

o sujeito poético diz que já chega, que pense apenas no conforto e tranquilidade a que a sua

exclusão o levará. Na quinta estrofe, nota-se que o poeta começa a conformar-se com a

situação. Lamentavelmente, começa a aceitar que tudo o que está ao seu alcance é dizer à

sociedade que não pode mudar,que não pode adaptar-se às regras citadas anteriormente.

Nesta segunda parte existe também uma relação metafórica entre a sociedade e a literatura,

ou regras sociais e regras para a composição poética, das quais, como vem a ser apontado, o

eu lírico tenta fugir e não consegue adaptar-se. Considerando o que foi dito sobre a vida do eu

lírico não ter solução, e considerando os dois primeiros versos da quinta e sexta estrofe onde

diz que não se adapta aos salões de Lord e não consegue sequer sair sem se adoentar,

entende-se que estas regras da alta sociedade (a sociedade que defende ou reprova os

poemas), como sendo regras e formas impostas para a literatura. No verso: “E quem posso eu

esperar com minha delicadeza?...” v. 22, a delicadeza do sujeito poético pode ser entendida

como a sensibilidade que ele privilegia ao escrever, ignorando o que é pré-estabelecido. Assim

a resposta para esta pergunta é que só pode esperar que lhe venha uma caranguejola . Assim,

nesses versos, o poeta diz que não sabe andar (escrever) pelo caminho do formato pré-

estabelecido, não sabe utilizar os brinquedos que a sociedade oferece ao poeta e, como foi

dito antes, esta mesma sociedade não defenderá a sua obra e assim não ficará segura. Esta

relação metafórica é justificada pela forte relação, sempre presente, entre a literatura e a

sociedade na qual está inserida. Ainda na segunda parte, na sétima estrofe, nota-se um início
de conformismo. Nesta estrofe, o eu lírico começa a acordar dos devaneios e assume uma

postura perante a sua real situação. Diz acertadamente que está a desistir, que é inútil

lamentar-se, como o fez nas estrofes anteriores. Assim, dá a sua reclusão (ou exclusão) poética

e começa a procurar uma situação ideal, onde ficaria recluso, sem contacto com o mundo. Ao

encontrar a situação ideal (o quarto de hospital), inicia-se a terceira parte.

Aqui, o Eu-lírico faz uma perspectiva para um futuro próximo, de como seria a situação ideal,

criando assim, imagens que importariam para uma visão da sociedade, como o quarto

higiénico em Paris, utilizando a ideia que dirão que está maluco, da mesma forma que outros

escritores que também passaram o fim da vida nesta cidade. Estas imagens ideais têm valor

para a visão da sociedade, mas para a visão do poeta, significam apenas que esta é a única

forma de tranquilidade, por isso um quarto todo branco, que não traz ligação a nada que se

refere ao mundo externo. Na última estrofe do poema, há novamente uma interlocução direta

com a Caranguejola. Neste ponto, apesar das exigências que faz para que não a torne a ver,

mantém uma proximidade com ela ao permitir que ela venha às quintas-feiras, pois mesmo

não permitindo que ela entre no seu quarto, mantêm algum laço entre eles.

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