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Antero de Quental

O Realismo em Portugal constituiu-se enquanto um movimento literário que desenvolveu-se no últimos anos da década de 60 do
século XIX e que influenciou, portanto, as artes de modo geral. Logo, o referido movimento buscava a renovação dos valores e
fomentava, também, a procura por ideais do mundo moderno, além de, ainda, tecer fortes críticas ao Romantismo. Assim, a
presente análise irá se ater ao poema “Amor vivo” do célebre autor português Antero de Quental, considerado um verdadeiro líder
intelectual do movimento Realista em Portugal. Nesse sentido, o soneto, composto por quatro estrofes (dois quartetos e dois
tercetos), apresenta, em síntese, uma espécie de repúdio ao amor efêmero.

Na primeira estrofe, o eu lírico, em tom indignativo, externa sua vontade de vivenciar um amor cuja significância é distinta da já
conhecida, isto é, o eu lírico deseja amar de forma intensa e vívida e não apenas amar ignorando os sentimentos e as
necessidades do outro. Logo, tal forma, rompe, portanto com a maneira convencional de se amar: sem sentimento, por
conveniência ou por convenções sociais de determinada época. Tal afirmação pode ser evidenciada nos trechos: Amar! mas d'um
amor que tenha vida / Não sejam sempre tímidos harpejos / Não sejam só delírios e desejos D’uma / Douda cabeça escandecida.
Desse modo, podemos perceber uma importante característica realista presente no soneto: o fato desse abordar um tema comum
à vida cotidiana, nesse caso, o amor, seja ele passageiro ou permanente.

Na segunda estrofe, assim como na primeira, o eu lírico reforça as características do amor do qual almeja viver: um amor
demasiado, resplandecente, profundo, transcendental, um amor que tenha vida e que não apenas lhe proporcione sentimentos
supérfluos. Tal afirmação pode ser evidenciada nos trechos: Amor que vive e brilhe! Luz fundida / Que penetre o meu ser – e não
só beijos / Dados no ar – delírios e desejos – mas / Amor .. dos amores que têm vida. Nesse sentido, notamos uma renúncia e um
repúdio ao amor passageiro/momentâneo em detrimento da possibilidade de um amor verdadeiro que resiste, inclusive, aos
percalços do tempo, um amor inapagável. Logo, vale apontar, ainda, uma importante característica realista presenta na construção
do soneto: a clareza na linguagem. Isto é, a elaboração desse é feita de forma concisa e sucinta, utilizando palavras acessíveis e
objetivas, proporcionando um fácil entendimento acerca da temática abordada.

Na terceira estrofe, o eu lírico endossa a necessidade de um amor palpável, orgânico; como revela o primeiro verso: Sim, vivo e
quente! E já a luz do dia. Nesse sentido, nos dois versos que seguem podemos compreender, de forma análoga, uma referência à
paixão, já que essa representa um sentimento, por vezes, intenso, porém rápido e ligado diretamente aos impulsos, que se
dissipam facilmente. Ao passo que o amor representa um sentimento duradouro, estável e baseado em uma inabalável relação
recíproca. Logo, o eu lírico deseja um amor que: Não virá se dissipá-lo nos meus braços / como névoa da vaga fantasia. Assim, a
paixão, portanto, manifesta-se, para o eu lírico, enquanto uma temida névoa fantasiosa e passageira.

Na quarta estrofe, o eu lírico reforça a força de um amor verdadeiro, um amor corajoso e intrépido, um amor que não se abala nem
mesmo pelos obstáculos empreendidos por forças maiores e sobrenaturais do universo, como mostram os seguintes versos: Nem
murchará do sol a chama erguida / Pois que podem os astros do espaço / Contra débeis amores... se têm a vida?. Nessa
perspectiva, podemos inferir que o referido soneto busca uma espécie de fuga do idealismo, subjetivismo e, ainda, do
sentimentalismo excessivo presente no Romantismo e, por isso, manifesta uma forte crítica ao amor romântico existente no
movimento mencionado. Logo, compreendemos que o presente soneto externa sentimentos acerca de um amor real e não de uma
paixão instantânea que, por vezes, é confundida com o amor.

Amor vivo
Amar! mas d'um amor que tenha vida...
Não sejam sempre tímidos harpejos,
Não sejam só delirios e desejos
D'uma douda cabeça escandecida...

Amor que vive e brilhe! luz fundida


Que penetre o meu ser — e não só beijos
Dados no ar — delírios e desejos —
Mas amor... dos amores que têm vida...

Sim, vivo e quente! e já a luz do dia


Não virá dissipa-lo nos meus braços
Como névoa da vaga fantasia...

Nem murchará do sol á chama erguida...


Pois que podem os astros dos espaços
Contra débeis amores... se têm vida?
Neste soneto, o termo "Poeta" poderá remeter para a figura de um idealista,
possivelmente em consonância com o espírito da época. A referência ao espírito do
mundo romântico, lúgubre e sombrio, percebe-se quando, personificando o sol, usa a
metáfora em "Afugentou as larvas tumulares" (v. 6) e "Um mundo novo espera só um
aceno" (v. 8 ). Mas o que interessa, sobretudo, é perceber que o sujeito lírico faz um
apelo a todo aquele que é capaz de sonhar, mas vive alheado e num estado de inércia
quando é necessária a luta revolucionária ao lado de um povo que sofre e que busca a
liberdade.
Na primeira quadra (que constitui uma tese argumentativa) encontramos a
estagnação, a passividade e o alívio do poeta em relação à realidade social e política do
mundo, "Longe da luta e do fragor terreno" (v. 4); na segunda quadra e no primeiro
terceto (antítese, com a explicação e confirmação da tese), surge o apelo à
consciencialização do poeta para a necessidade de mudar de atitude pois está em causa
um povo que precisa da solidariedade, "Escuta! é a grande voz das salvação! I São teus
irmãos" vv. 9, 10); no último terceto (síntese conclusiva), irrompe o apelo para a ação -
"Ergue-te" (v. 12) - destacando a importância da poesia como arma de combate, como
voz da revolução, apelidando o Poeta de "soldado do Futuro" (v. 12) e "Sonhador" (v.
14).
Em todo o soneto se encontra um apelo para a necessidade de agir e que está bem
expresso na gradação verbal: "Tu, que dormes", "Acorda!", "Escuta!", "Ergue-te",
"Faze". Este poema mostra bem a sua aposta na poesia como "voz da revolução".
        
Antero de Quental foi um verdadeiro apóstolo social, solidário e defensor da
justiça, da fraternidade e da liberdade. Mas as preocupações nunca o deixaram desde
que entrou nos meios universitários de Coimbra e se tornou líder da Geração de 70 que,
em Lisboa, continua a sua luta. É o próprio que, numa carta autobiográfica, de 14 de
maio de 1887, dirigiu Wilhelm Storck, afirma que:
        
"O fato importante da minha vida, durante aqueles anos, e provavelmente o mais
decisivo dela, foi a espécie de revolução intelectual e moral que em mim se deu ao sair,
pobre criança arrancada do viver quase patriarcal de uma província remota e imersa no
seu plácido sono histórico, para o meio da irrespeitosa inspiradora intelectual de um
centro, onde, mais ou menos vinham repercutir-se as correntes encontradas do espírito
moderno. tanto mais pungentes quanto, espírito naturalmente religioso, tinha
aprendido para crer placidamente e obedecer sem esforço a uma regra reconhecida.
Achei-me sem direção, estado terrível de espírito, partilhado mais ou menos por quase
todos os da minha geração,a primeira em Portugal que saiu decididamente e
conscientemente da velha estrada da tradição.”
UM POETA
     
Surge et ambula!
    
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! é tempo! O sol, já alto e pleno,


Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio dessas éguas,
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! é a grande voz das pessoas!


São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,


E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.

Biografia
Nasceu a 18 de abril de 1842 Ponta Delgada

Durante a sua vida, Antero de Quental dedicou-se à poesia, à filosofia e à política.

Concluiu o ensino primario em 1855 e, no ano seguinte, matricula-se no Colégio Interno


de São Bento em Coimbra.

Concluiu o ensino preparatorio e ingressa na universidade de Coimbra, onde se


matriculou na faculdade de Direito.

No tempo em que passou na univesidade, dirigiu os jornais “O Académico”

Escreveu vários sonetos e poemas( alguns deles até foram traduzidos para alemão)

No dia 11 de setembro de 1891, antero de Quental morre aos 49 anos em Ponta


Delgada, a sua cidade natal. No mesmo dia comprou um revólver, suicidando-se com
tiros certeiros.

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