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Guião apresentação poema “Um adeus português” de Alexandre

O´Neill
 Biografia de Alexandre O´Neill
1924: Alexandre Manuel Vahia de Castro O´Neill nasceu em Lisboa a 19 de dezembro. Assim
sempre com o apelido irlandês, como o pai.

1944: Desempenha funções de escriturário. A miopoia impediu-o de ser marinheiro.

1947: Juntamente com Mário Cesariny, José Augusto França, Mário-Henrique Leiria, Pedro
Oom e entre outros, foi fundador do grupo Surrealista de Lisboa.

1951: Publica o seu primeiro livro de poemas Tempo de Fantasmas.

1958: Publica o livro de poesia que o torna conhecido: No Reino da Dinamarca

1960: Trabalha na área da publicidade e fica famoso no meio pelos slogans ousados e cheios
de malícia.

1972: Escreveu pequenas prosas, traduziu autores da sua predileção, organizou antologias; é
autor de fados musicados por Alain Oulman; escreveu para teatro, cinema, televisão; assinou
colunas em jornais, gravou discos com poemas de sua autoria.

1986: Morreu em Lisboa a 21 de Agosto.

 O Poema

Poema resumido Um adeus português” foi publicado originalmente em 1958, na obra


No Reino da Dinamarca, e constitui uma crítica ao regime do Estado
Novo e ao ambiente persecutório e controlador do Portugal dessa época.

A origem do poema foi explicada pelo próprio poeta. Assim, O’Neill ter-se-ia apaixonado por
uma mulher francesa chamada Nora Mitrani e desejava ir a Paris encontrar-se com ela, porém
elementos da sua família opunham-se à sua ida e meteram uma «cunha» junto da PIDE no
sentido de lhe negarem o passaporte.

Deste modo, o poeta foi chamado à sede da polícia, onde o questionaram a propósito da razão
da sua viagem a França e se conhecia a senhora Mitrani. Na sequência deste episódio, não
conseguiu obter passaporte durante vários anos.

Quando Alexandre O’Neill pode, finalmente, ir ao seu encontro em Paris, já ela tinha falecido,
vitimada pelo cancro, mas ficou a saber que Nora tinha lido o seu poema e ficado muito
comovida com o mesmo.
 Título
No título do poema, destacam-se duas palavras:

• o nome «adeus»: a despedida;

• o adjetivo «português»: o sentimento nacional.

O título anuncia o final de um amor e, em simultâneo, aponta para uma crítica ao modo de ser
português. De facto, não é a falta de amor que leva à separação dos apaixonados, mas a
condição e a vivência no país.

 Tema
O tema do poema é a inevitável despedida de dois amantes, de um amor que desde o início
estava condenado à impossibilidade [é o tema do amor impossível ou impossibilitado], dado
que os apaixonados pertencem a mundos diferentes e opostos.

Além do sofrimento motivado pela separação dos amantes, destaca-se o diagnóstico sobre
Portugal e a maneira portuguesa de viver, resignada ao lento apodrecimento dos afetos, sob o
efeito de um mal-estar quase nauseante que contagia, aliás, toda a visão que esta poesia tem
do país.

Além deste tema central, outros estão presentes na composição poética:

▪ o tema da separação e do adeus;

▪ o tema (da imagem) de Portugal;

▪ o tema da revolta e da denúncia;

▪ o tema de um país outro.

 Estrutura interna
1.ª parte (vv. 1-4): O sujeito poético interpela o «tu» (a mulher amada), indiciando já a
despedida e a separação iminentes entre ambos.

O sujeito poético interpela, ao longo da composição, um «tu», como se pode comprovar pela
ocorrência de formas de segunda pessoa:

» pronomes: «tu» (v. 5), «te» (v. 52), «ti» (v. 55);

» determinantes: «teus» (v. 1), «teu» (v. 51);

» formas verbais: «podias» (v. 5), «mereces» (v. 35), «és» (v. 41), etc.

▪ Apresentação do «tu» / da mulher:

» possui «olhos altamente perigosos»: olhar muito sedutor, daí perigoso;

» tem uma relação de amor com o sujeito poético (“vigora ainda o mais rigoroso amor”);

» esse amor e a mulher são puros, ainda que marcados pela sensualidade da «cama»;
» uma sombra ameaça esse amor, a de uma «angústia já purificada».

Esta mulher, o «tu» a quem os sujeito poético se dirige, é aquela que ele ama, mas vai partir
de Portugal para outro país, pois não se enquadra no ambiente que se vive cá, marcado pela
opressão e podridão, pela repressão policial, pela hipocrisia, pela mesquinhez. É alguém que
não se identifica com a monotonia e a ausência de liberdade que asfixia.

▪ A primeira estrofe constitui, pois, a abertura do diálogo (simulado) entre o sujeito poético e o
«tu», do qual sabemos muito pouco, além do atrás referido.

▪ A relação entre os dois é muito próxima, proximidade essa que é pontuada pelo uso
recorrente de formas de segunda pessoa do singular. Sabemos também que é uma história de
amor (“nos teus olhos (…) vigora ainda o mais rigoroso amor”) e que esse sentimento parece
condenado à partida: o advérbio «assim» possui um valor temporal e aspetual que antecipa o
fim da relação (na medida em que se institui a oposição entre «ainda» e «já não»). Por outro
lado, a relação é intensa, mas acaba, inevitavelmente, com o afastamento e a despedida dos
dois.

▪ No poema, está presente também um «nós», marcado pelas formas de 1.ª pessoa do plural
(«apodrecemos», «giramos», «nossa»). No entanto, o «nós» que surge no poema não é
sempre o mesmo. Num caso, é o resultado do «eu» + o «tu»; no outro, é o resultado da junção
do «eu» com ?.

• 2.ª parte (vv. 5-49): O sujeito poético apresenta as razões que impedem o amor entre si e a
sua amada.

▪ As seis estrofes seguintes (2.ª à 7.ª) constituem um bloco único, ligado pela anáfora («Não»)
que inicia cada uma delas. O advérbio de negação contribui para a simulação do diálogo,
nomeadamente nas segunda e sexta estrofes, em que se estabelece um jogo de polifonia: a
ocorrência do advérbio faz ouvir a voz do «tu» simulado, como interrogação total a que
responde(ria) o advérbio (em posição inicial), ou apenas como hipótese, quando a ocorrência
do advérbio marca a asserção negativa (“tu não podias ficar presa comigo” e “tu não mereces
esta cidade”). Esquematicamente:

[eu podia ficar contigo?] [tu podias ficar comigo]

↑ ↑

Não tu não podias ficar comigo

▪ A segunda estrofe clarifica que o «tu» é efetivamente uma mulher, a partir da forma
feminina do adjetivo («presa»). Ela não se enquadra no conjunto de situações elencadas e, por
isso, tem de partir. A anáfora (iniciada pelo advérbio de negação «Não») mostra precisamente
os motivos que tornam impossível o amor entre o sujeito poético e a mulher representada por
«tu».
▪ A primeira dessas situações surge precisamente na segunda estrofe: ela não poderia ficar
presa como ele (mas ele fica). A quê?

» À roda em que ele apodrece: a roda equivale a um círculo fechado e surge associada à forma
verbal «apodreço».

» À pata ensanguentada:

. a pata e outros elementos evocam as touradas: o animal avança pelo túnel, ferido («vacila»):
a pata ensanguentada (o touro), mugindo (a vaca), sugerindo dor.

▪ A anteposição do adjetivo ao nome em “uma velha dor” sugere a transição da dor (motivada
pelo ferimento) para a dor (simbólica) de uma tourada (simbólica) [numa arena que é o
mundo, a vida?].

▪ Assim, a roda em que o sujeito apodrece pode ser interpretada como a arena de uma
tourada (real e simbólica). Note-se que a forma verbal «apodrecemos» se encontra num
plural, isto é, a podridão afeta um coletivo e não apenas o eu.

▪ Os primeiros versos da terceira estrofe indiciam uma vida rotineira e monótona, feita de
burocracia.

▪ Os versos seguintes desnudam a miséria, uma “miséria que sobe aos olhos”, indiciando um
movimento (ou sensação) de vómito sugerido(a) pelo movimento ascendente denunciado
pelos predicados verbais (“sobe aos olhos”, “vem às mãos”).

▪ A enumeração dos elementos repulsivos, culminando com “o modo funcionário de viver”,


evoca a tradição poética neorrealista, de que serão expoentes a figura ou a relação com o
“patrão Vasques”, de Bernardo Soares, o Coro dos Empregados da Câmara e Mataram a Tuna,
de Manuel da Fonseca.

▪ Esta enumeração gradativa evolui dos aspetos positivos para os negativos, realçando o
caráter opressivo da cidade.

▪ Na quarta estrofe, a «cama» simboliza o amor, um amor sensual, erótico, mas também
marcado pela perspetiva de fim ou morte (“trânsito mortal”).

▪ O dia é “sórdido / canino / policial” (tripla adjetivação): estes adjetivos, juntamente com
«mortal», denunciam o clima de perseguição política e policial e de repressão vivido na cidade.
Por sua vez, o adjetivo «puríssima» sugere o caráter positivo da mudança que é necessária.

▪ Por outro lado, o dia, que nasce da madrugada, simboliza, ordinariamente, a abertura, o
nascimento, e estaria associado à promessa e à pureza, porém, neste caso, corresponde à
noite, isto é, ao fecho, à morte.

▪ A quinta estrofe denuncia os brandos costumes que caracterizam a sociedade portuguesa da


época, aos quais a mulher não poderia ficar presa.

▪ A imagem da dor trazida pela mão é bastante significativa e está associada à imagem de
trazer pela tela, como um cão. Esta passagem possui um valor irónico-caricatural: trazer a dor
docemente pela mão, dor à portuguesa (os brandos costumes).

▪ Outra das razões pelas quais o amor é impossível surge na sexta estrofe e tem a ver com o
facto de a mulher não merecer aquela cidade, caracterizada pela náusea, pela idiotia, pela
morte e pelo absurdo.
▪ A sétima estrofe apresenta duas imagens diferentes de cidade. A mulher «pertence» a uma
cidade (quase) ideal, caracterizada pela aventura, pelo amor, pelo comércio puro, uma cidade,
em suma, onde existe liberdade e modos de vida alternativos.

▪ Já o sujeito poético vive numa cidade que asfixia, que prende, que oprime, uma cidade onde
existe “a moeda falsa do bem e do mal”. Esta representa, metonimicamente, Portugal, que
contrasta com a imagem da cidade ideal apresentada anteriormente.

▪ Nesta estrofe, estão presentes temas surrealistas, como o encontro, o acaso, o amor louco.

▪ Em suma, deste bloco de seis estrofes, as cinco primeiras apresentam uma imagem não
poética de Portugal, enquanto a sexta (no conjunto do poema, a sétima) retrata um outro
lugar alternativo. Esta imagem remete para dois espaços que correspondem a duas
identidades nacionais e/ou dois espaços simbólicos (política e culturalmente):

Lisboa Paris

↓ ↓

Portugal França

↓ ↓

ditadura liberdade

↓ ↓

brandos costumes alternativa

▪ Não esqueçamos a origem do poema: Nora Mitrani, francesa surrealista que O’Neill
conhecera e Lisboa e por quem se apaixonara, parte da França; o poeta é impedido de se lhe
juntar, pois a PIDE confisca-lhe o passaporte e ele, impossibilitado de sair do país, nunca mais a
volta a ver, pois, entretanto, ela falece de cancro. No entanto, o que é significativo no poema
não é propriamente uma leitura biográfica, antes passa pelo saborear a sua mensagem: de
amor, de dor, de revolta e de utopia.

• 3.ª parte (vv. 50-55): Na última estrofe, assistimos à despedida e separação entre o sujeito e
a sua amada.

▪ O sujeito poético despede-se da mulher amada (“digo-te adeus”), que vai partir (“o teu
desaparecimento”), despedida essa que é marcada, simultaneamente, pela ternura e pela dor
(“Nesta curva [símbolo da mudança de direção da relação entre os dois, isto é, da sua
separação] tão terna e lancinante”).

▪ A separação [e a dor que lhe está associada], embora não tenha sido ainda concretizada, é
sentida já como tal: “que vai ser que já é” (v. 53).

▪ É o momento do desaparecimento irremediável do amor – marcado pela partida da mulher –


para além da curva da vida, um momento de dor e de frustração, comparado a um tropeço de
ternura de um adolescente.
▪ Há uma certa circularidade no poema, com marcas de narratividade, dado que a separação é
anunciada na 1.ª estrofe e retomada na última.

• Crítica

Em suma, o poeta critica, ao longo deste poema, o ambiente vivido na época em Portugal:

▪ compara-o a uma tourada, um espetáculo sangrento, de dor e morte;

▪ critica o povo português por se conformar com a vida que tem (vv. 31-35 e 38-40) –
conformismo;

▪ critica a repressão política do Estado Novo, bem evidente na referência ao medo, nos versos
23 a 29;

▪ critica a miséria e a burocracia (vv. 12-21);

▪ critica a podridão e a sordidez;

▪ critica o medo, o desespero e o policiamento.

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