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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS NUNO ÁLVARES

ESCOLA SECUNDÁRIA NUNO ÁLVARES

TESTE SUMATIVO de PORTUGUÊS 12.º ANO - 2013-2014

A professora: Filomena Aguiar VERSÃO 1

Grupo I – Parte A

Leia, atentamente, o excerto a seguir transcrito.

Tão grande fora o sofrimento durante este arrastado dia, que

todos diziam, Amanhã não pode ser pior, e no entanto sabiam que

iria ser pior mil vezes. Lembravam-se do caminho que descia para o

vale de Cheleiros, aquelas apertadas curvas, aqueles declives

espantosos, aquelas empinadas encostas que caíam quase a pique

5 sobre a estrada, Como será que vamos passar, murmuravam para si

próprios. Em todo aquele verão não houve dia mais quente, a terra

parecia uma braseira, o sol uma espora cravada nas costas. Os

aguadeiros corriam a longa fila, levando quartões de água ao

ombro, iam buscá-la aos poços que por ali havia, nas terras baixas,

às vezes muito afastados, e tinham de trepar monte acima por

carreiros de pé posto, para encher as dornas, não podem as galés


1
ser pior do que isto. Perto da hora de jantar chegaram a um alto
0
donde se via Cheleiros, no fundo do vale. Com isto mesmo é que

Francisco Marques vinha contando, quer conseguissem descer quer

não, esta noite em companhia da mulher é que ninguém lha tiraria.

Levando consigo os ajudantes, o vedor desceu até ao ribeiro que lá

em baixo passava, foi de caminho assinalando os lugares mais


perigosos, os sítios onde o carro deveria ser encostado para

garantir os repousos e maior segurança da pedra, e finalmente

tomou a decisão de mandar desatrelar os bois e conduzi-los para


1
um espaço desafogado, depois da terceira curva, bastante
5
afastados para não empatarem a manobra, suficientemente

próximos para serem trazidos sem maior demora se a mesma

manobra o pedisse. Assim, a plataforma ia descer a pulso. Não havia

outra maneira. Enquanto estavam a ser levadas as juntas, os

homens, espalhados pela crista do monte, à torreira do sol, olhavam

o vale sossegado, as hortas, as sombras frescas, as casas que

2 pareciam irreais, tão aguda era a impressão de calma que irradiava

0 delas. Pensariam isso ou não, talvez apenas esta simplicidade, Se me

apanho lá em baixo, ainda vou julgar que é mentira.

Como foi, digam-no outros que mais saibam. Seiscentos homens

agarrados desesperadamente aos dozes calabres que tinham sido

fixados na traseira da plataforma, seiscentos homens que sentiam,

com o tempo e o esforço, ir-se-lhes aos poucos a tesura dos

músculos, seiscentos homens que eram seiscentos medos de ser,


2
agora sim, ontem aquilo foi uma brincadeira de rapazes, e a história
5
de Manuel Milho uma fantasia, que é realmente um homem quando

só a força que tiver, quando mais não for que o medo de que lhe não

chegue essa força para reter o monstro que implacavelmente o

arrasta e tudo por causa de uma pedra que não precisaria ser tão

grande, com três ou dez mais pequenas se faria do mesmo modo a

varanda apenas não teríamos o orgulho de poder dizer a sua


3 majestade, É só uma pedra, e aos visitantes, antes de passarem à
0 outra sala, É uma pedra só, por via destes e outros tolos orgulhos é

que se vai disseminando o ludíbrio geral, com suas formas nacionais


e particulares, como esta de afirmar nos compêndios e histórias,

Deve-se a construção do convento de Mafra ao rei Dom João V, por

um voto que lhe fez se lhe nascesse um filho, vão aqui seiscentos

homens que não fizeram filho nenhum à rainha, e eles é que pagam o

voto, que se lixam, com perdão da anacrónica voz.

Memorial do Convento, José Saramago

Responda às perguntas com clareza, utilizando um discurso coerente,

coeso e articulado.

1. Caracterize as condições de trabalho das personagens,

identificando os aspetos que determinam essas condições de

trabalho.

.Oposto à classe dominante, surge o povo anónimo coletivo, trabalhador

que construiu o Convento de Mafra à custa de muito esforço, sofrimento,

sacrifício e mortes proporcionado pelas péssimas condições de trabalho.

O narrador define-o pelo seu trabalho, e humildade, e o verdadeiro

construtor do convento que alimentou a megalomania do Rei e

concretizou o sonho deste. Não há diferença entre tijolos e homens, estes

são apenas a massa bruta que trabalha. Vemos os homens a escavar os

alicerces, a arrotear terras, a transportar pedras, a erguer paredes, a

abrir caboucos, apinhados, sujos, miseráveis, agrilhoados.

2. Comente a expressividade da repetição da expressão “seiscentos

homens” entre as linhas 21 e 24.


A anáfora realça, em tom crítico, a grande quantidade de homens

implicados na tarefa de transportar a pedra, salientando o esforço

humano coletivo exigido para o efeito (em contraste com a

promessa de D. João V, único ator da História oficial).

3. Interprete a crítica formulada pelo narrador em relação ao

tamanho da varanda, transcrevendo frases e expressões que

traduzam a sua posição.

….

Parte B

Selecione uma das duas opções que se seguem – opção 1 ou opção

2 – e identifique-a na folha de respostas. Responda, de uma forma clara e

bem estruturada, apenas aos itens referentes à opção selecionada.

Opção 1

Nas nossas ruas, ao anoitecer,


Semelham-se a gaiolas, com
Há tal soturnidade, há tal
viveiros,
melancolia,
As edificações somente
Que as sombras, o bulício, o
emadeiradas:
Tejo, a maresia
Como morcegos, ao cair das
Despertam-me um desejo
badaladas,
absurdo de sofrer.
Saltam de viga em viga os

mestres carpinteiros.
O céu parece baixo e de

neblina,
O gás extravasado enjoa- Voltam os calafates, aos magotes,

me, perturba;
De jaquetão ao ombro,

E os edifícios, com as enfarruscados, secos;

chaminés, e a turba
Embrenho-me, a cismar, por

Toldam-se duma cor boqueirões, por becos,

monótona e londrina.
Ou erro pelos cais a que se

(...) atracam botes.

(...)

Cesário Verde, O Sentimento dum

Ocidental (excerto)

1. O sujeito poético traça um quadro dinâmico da realidade que o

circunda.

1.1. Identifique, através de expressões do texto, as sensações

através das quais ele perceciona a realidade e descreva os

efeitos dos estímulos exteriores sobre o sujeito poético.

Manifestam-se o sofrimento e a melancolia do sujeito poético, bem como

a sua necessidade de evasão à realidade opressora pelo recurso à

imaginação ou à evocação do passado épico. «Há tal soturnidade, há tal

melancolia,» (v. 2) «Despertam um desejo absurdo de sofrer.» (v. 4) «O gás

extravasado enjoa-nos, perturba;» (v. 6) «Ocorrem-me em revista,

exposições, países:» (v. 11) «E evoco, então, as crónicas navais: […] Luta

Camões no Sul, salvando um livro, a nado!/Singram soberbas naus que

não verei jamais» (vv. 21, 23 e 24) «E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!»

(v. 25)
2. Identifique, no excerto transcrito, duas características temáticas da

poesia de Cesário Verde, fundamentando a sua resposta com

elementos textuais pertinentes.

Representação minuciosa e realista, segundo a percepção sensorial e a

reflexão / análise do sujeito poético. Captação de exteriores e interiores e

de pequenos episódios do quotidiano, decorrente da deambulação do

sujeito poético pela cidade e da observação acidental.

Grupo II

Leia, com atenção, o texto.

Antevisão de “Blimunda”

Um dia longínquo de 1984, José Saramago recebe em casa uma

carta que o deixa perplexo: a editora italiana Suvini Zerboni escreve-

lhe para o informar que o compositor Azio Corghi está interessado

em fazer uma ópera a partir do Memorial do Convento. O escritor

relê a carta, continua a achá-la “insólita”, não responde. E passa o

5 caso à Sociedade Portuguesa de Autores, para que aprofundasse

aquela sugestão singular. “A verdade é que fiquei um pouco cético…

Transformar um romance português numa obra italiana?”, recorda

ele, sorrindo.

A editora reincide, o compositor não desarma. Quase um ano

depois, José Saramago tem em Roma o seu primeiro encontro com

Azio Corghi, de quem entretanto ouvira alguns discos e “muito boas


1
referências” artísticas e profissionais. “O “Gargantua” de Rabelais
0
fora, por exemplo, um excelente trabalho do Azio… Mas porventura o

que contou mais foi o facto de eu ter gostado dele”, diz José
Saramago. “É um homem de grande lhaneza, muito simples e dono

de uma grande competência técnica. Mas é alguém de tal forma

simples e discreto que enquanto não se ouve a sua música temos

que adivinhá-la… Descobri um compositor apaixonado pelo

1 Memorial do Convento, pela história, pelos valores do livro. Meses


5 depois, voltámos a encontrar-nos em Milão, e estas duas conversas

deixaram as coisas claras… Foi um encontro feliz.”

E assim nasceu “Blimunda”… Numa noite de maio de 1990 e num

berço de ouro, o Scala de Milão. Um ano depois, “Blimunda” tem para

si outro palco de ouro, o do São Carlos, enquanto aguarda o de

Turim e ainda outras chamadas de prestígio, que a irão levar, se

2 tudo se concretizar, a Toronto, Los Angeles, São Francisco, ao Met

0 de Nova Iorque. E palcos primeiros da Europa manifestaram já

intenção de produzir novas encenações deste libreto.

Hoje, José Saramago ainda se confessa um autor quase

involuntário desta ópera. Encontro-o, camisola verde-escuro, camisa

às riscas verde e branco, na casa onde mora, um pequeno andar

debruçado sobre uma rua “de silêncio e de paz”, que mais parece

uma aldeia em plena Lapa. Bebemos um café que vem “ali debaixo”,
2
conversamos, o telefone nunca parará de tocar.
5

“O libreto da “Blimunda” vem com dois nomes, o meu e o do Azio

Corghi, mas o trabalho essencial é dele… A minha contribuição foi

mais uma troca de impressões, uma discussão de proposta de

soluções, um trabalho de acompanhamento, muito mais do que um

fazer real. Mas ele insistiu com grande delicadeza em que o libreto

contivesse os nossos dois nomes…”


Maria João Avillez

1. Selecione a única opção que permite obter uma afirmação correta.

1.1 A expressão “perplexo” (linha 1) significa

(A) resignado.

(B) assustado.

(C) admirado.

(D) zangado.

1.2 As orações “O escritor relê a carta, continua a achá-la “insólita”,

não responde” (linhas 3-4) são coordenadas

(A) disjuntivas.

(B) sindéticas.

(C) copulativas.

(D) assindéticas.

1.3 A frase “É um homem de grande lhaneza, muito simples e dono de

uma grande competência técnica.” (linhas 10-11) contém um verbo

(A) transitivo direto.

(B) copulativo.

(C) intransitivo.

(D) transitivo direto e indireto.

1.4 O constituinte “temos que adivinhá-la” (linha 12) exemplifica a

modalidade

(A) apreciativa.
(B) deôntica com valor de permissão.

(C) epistémica com valor de certeza.

(D) deôntica com valor de obrigação.

1.5 Em “voltámos a encontrar-nos em Milão (linhas 13-14), o referente

do pronome “nos” é

(A) “José Saramago” (linha 1) e “Azio Corghi” (linha 8).

(B) “José Saramago” (linha 1) e “Suvini Zerboni” (linha 2).

(C) “José Saramago” (linha 1) e “O “Gargantua” de Rebelais” (linha

9).

(D) “Suvini Zerboni” (linha 2) e “Azio Corghi” (linha 8).

1.6 No segmento frásico “E assim nasceu “Blimunda” (linha 15), o

advérbio “assim” constitui um processo de coesão

(A) frásica.

(B) referencial.

(C) temporal.

(D) interfrásica.

1.7 A expressão “o do São Carlos” (linha 16) desempenha a função

sintática de

(A) modificador restritivo do nome.

(B) modificador apositivo do nome.

(C) complemento do nome.

(D) complemento direto.

2. Responda de forma correta aos itens apresentados.


2.1 Identifique o antecedente do pronome assinalado em “que a irão

levar” (linha 17).

2.2 Classifique as orações:

a) “onde mora” (linha 21).

b) “para que aprofundasse aquela sugestão singular” (linhas 4-5).

c) “se tudo se concretizar” (linha 17).

2.3 Indique o tipo de referência deítica presente na expressão “ali

debaixo” (linhas 22-23).

2.4Considere a frase “que o libreto contivesse os nossos dois

nomes…” (linha 27).

a) Reescreva-a, pronominalizando o complemento direto.

b) Refira o tempo e o modo da forma verbal.

Grupo III

Numa entrevista a José Saramago pode ler-se o seguinte:

“- Voltando ao livro: “Somos cada vez mais os defeitos que temos e

não as qualidades”? Continua com esta visão pessimista da Humanidade?

- Como se pode ser otimista quando tudo isto é um estendal de

sangue e lágrimas? Nem sequer vale a pena que nos ameacem com o

inferno, porque inferno, já o temos. O inferno é isto.”

Num texto bem estruturado, com o mínimo de 200 e o máximo de 300

palavras, apresente uma reflexão sobre as condições em que, atualmente,

o mundo se encontra.
Fundamente o seu ponto de vista recorrendo, no mínimo, a dois

argumentos e ilustre cada um deles com, pelo menos, um exemplo

significativo.

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