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NO T E M P O
CARABINAS
Coleção “Aventuras Vividas” Coleção “Aventuras Vividas”
NO TEMPO
DAS
CARAB I N AS
Tradução de
AUGUSTO SOUSA
FLAMBOYANT
Título do original
Au Temps des Carabines
196 1
Direitos para a língua portuguesa adquiridos pela
LIVRARIA EDITÔRA FLAMBOYANT
Rua Lavradio, 222 — Tel. 51-5837 — São Paulo
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Preâmbulo
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N o tempo das carabinas
R. C.
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N o tempo das carabinas
10
Preâmbulo
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NO TEMPO
DAS
CARABINAS
PREPAREM AS CARABINAS !
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N o tempo das carabinas
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Preparem as carabinas
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N o tem po das carab in as
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Preparem as carabinas
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N o tempo das carabinas
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Preparem as carabinas
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N o tempo das carabines
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Preparem as carabinas
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N o tempo das carabinas
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O PRIMEIRO DE TODOS OS
COMBATES AÉREOS
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N o tempo das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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N o tempo das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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N o tempo das carabinas
W
O prim eiro de todos os combates aéreos
n
N o tempo das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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N o tem po das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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N o tem po das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
Agora êsse sistema foi encontrado, realizado. Está nas mãos dêles,
há quarenta e seis dias.. .
♦
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N o tem po das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
Derradeiros segundos.
Frantz concluiu a sua curva. O pique permitiu-lhe ganhar ter
reno sôbre o Aviatik. Porque se trata de um Aviatik, perfeitamente
identificável pelo leme fixo, arredondado em fôlha de trevo, pelo
reservatório de gasolina brilhante e pelo tubo de escapamento em
forma de curta chaminé vertical dominando o leme superior. A
distância diminuiu como em sonhos: oitocentos, seiscentos, qui
nhentos, trezentos, duzentos, e agora menos de cem metros.. .
Mas eis que o aparelho francês foi descoberto ! O reflexo do
piloto alemão atira-o para a esquerda, numa curva brusca, para
escapar o mais depressa à ameaça que de repente lhe surge pela
direita. Isso distancia-o das suas linhas. Exatamente o que Frantz
desejava — e tinha previsto. O combate será nas linhas francesas,
a uma altitude de 1.900 metros.
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N o tem po das carabinas
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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O prim eiro de todos os combates aéreos
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13 de outubro de 1914.
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O prim eiro de todos os combates aéreos
Com efeito, era uma façanha excecional e até então única, que
a França inteira e o mundo com ela saudavam com uma admiração a
que se misturava terror. Pois tratava-se também de uma revelação,
do anúncio de uma estranha era que se iniciava. Até onde levaria
ela a humanidade.
Agora os homens iam morrer no céu como desde séculos morriam
em terra e sôbre as águas, entredevorando-se.
A conquista do ar fôra realmente conseguida.
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BALAS SEM RESULTADOS
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Balas sem resultado
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N o tem po das carabinas
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0 comandante De Rose, criador O tenente Chambe, na época dos
da aviação de caça. seus primeiros combates.
O sargento Frantz e
o mecânico Qué-
luilllt, da esquadri
lha V. 24, que con
seguiram a primeira
de (Adas as vitórias
aéreas em 5 de ou
tubro de 1914.
O Morane-Saulnier Parasol, de dois lugares e de caça (março de 1915), armado
de uma carabina, que foi por muito tempo o rei dos ares. (O piloto ia à frente
e o passageiro atrás).
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Balas sem resultado
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Balas sem resultado
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Balas sem resultado
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Balas sem resultado
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Balas sem resultado
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A SEGUNDA VITORIA
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A segunda vitória
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A segunda vitória
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N o tem po das carabinas
que, afinal, ainda não se sabe. Com aquelas manchas que toldam
o céu, o nevoeiro que se desfia e por vêzes se irisa ao lívido sol de
inverno, a visibilidade é má. Em certos momentos tudo se confunde
na claridade fôsca. O aparelho desconhecido desaparece então,
insuficientemente iluminado, depois reaparece de repente todo
negro, com uma nitidez de sombra chinesa, para logo se desvanecer
como desfeito em sonhos. Será de fato real aquele avião ? Existiría
verdadeiramente ? Gilbert e Puechredon não serão vítimas de uma
alucinação simultânea ? Isso acontece muitas vêzes nas alturas. Cor
rentes frias e sopros tépidos vindos de baixo, chocam-se e confundem-
se, edificando efêmeras e surpreendentes arquiteturas de nuvens,
monstruosas fortalezas cujas abóbadas sobem até ao zênite, glaucos
penhascos de uma transparência de vidro mergulhando na água
fluorescente do vazio até vertiginosas profundidades. Num segundo
tudo se transforma e desaba, para logo de novo se erguer, transfigu
rado. Que pode então significar um avião, ponto ínfimo, naquela
imensidade ? Pode alguém estar certo de não se ter enganado ?
Não, lá está êle ! Surgiu de um caos de gemas nebulosas com
reflexos de esmeralda, tombando verticalmente em densas pregas de
vapores como as de um pano de cena. Môsca negra debruada de sol,
destaca sôbre aquêle fundo grandioso côr de nada. Êsses cenários
fazem pensar no que teriam sido as primeiras paisagens do mundo,
ou serão as do Além.
Então Gilbert, com os nervos à flor da pele, não consegue do
minar a impaciência. Tanto pior, é preciso saber: amigo ou inimigo ?
Com uma brusca guinada volve um pouco mais à direita; assim
poder-se-á ver de perfil o misterioso navegador. A identidade não
lhe pode faltar no leme. A dúvida torna-se por fim intolerável.
E se apesar da fuselagem de tela fôsse um aliado, por exemplo um
inglês perdido no setor francês, um Sopwith ou um Bristol ? Cuidado
com os enganos fatais !
A mesma onda de júbilo envolve no seu hálito tépido Gilbert e
Puechredon. Alemão ! O aparelho é alemão ! Suas cruzes-de-ferro
distinguem-se perfeitamente, recortam-se sôbre grandes quadrados
brancos, ao mesmo tempo nos flancos, nas asas, nas rodas e no leme.
A sorte está com o Morane. A tripulação não parece ainda ter-se
dado conta de que é seguida. Nenhuma manobra especial lhe altera
o rumo. Ainda que êle virasse de bordo para voltar às suas linhas,
não podería evitar o combate. As linhas francesas estão a mais de
trinta quilômetros.
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O segundo tenente Chambe e o aspirante Após sua vitória sôbre um A l b a t r o z , o
Pelletier-Doisy diante dos restos do A l - de Pelletier-Doisy “fica
M ora n e-S a u ln ier
b a t r o z que acabam de abater (2 de em pinado”.
abril de 1915).
L—~JL
A “ te r r a d e n in g u é m ” d e R e im s s ô b r e a q u a l se tr a v a r a m n u m e r o s o s c o m b a te s .
Fotografia tomada de um avião M o r a n e - P a r a s o l, por cima das trincheiras dos
Cavaliers-de-Courcy, entre as trincheiras francesas e alemãs.
N o tem po das carabinas
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A segunda vitória
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A segunda vitória
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A segunda v itó ria
14 de janeiro de 1915.
Grande Quartel General.
Ordem geral n.° 4.909
O General comandante em chefe aos Srs. generais comandantes
de exército:
O General Comandante em Chefe nomeia cavaleiros da Legião
de Honra o sargento-aviador Gilbert e o tenente-observador de
Puechredon, os quais, a 10 de janeiro_, abateram um avião inimigo
com uma carabina.
Premiando a sua audácia, o General em Chefe deseja encorajar
os pilotos e os observadores que diàriamente procuram o combate
aéreo.
Esta decisão será levada ao conhecimento de todo o pessoal
da aviação.
Joffre.
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O FACÃO DE NAVARRE
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O facão de Navarre
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O facão de N a v a r r e
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N o tem po das carabinas
Tal era o homem com quem havia três semanas eu vinha voando
todos os dias. Sem resultado. Nem o mais remoto encontro com
o inimigo. Quando, essa n o ite...
*
Nessa noite, pelas três horas da madrugada, a campainha do te
lefone retiniu. Eu ouvi-a imediatamente, porque ao anoitecer ela
ficava pendurada no quarto de Bernis, do qual me separava um
delgado tabique.
Nessa encantadora vila de Champigny-sur-Vesle, eu ocupava
um claro quartinho de menina, todo forrado de tela de Jouy rosa
desmaiado. Levantando-me cedo e deitando-me tarde, mal tinha opor
tunidade de contemplar as figuras Luís XV que ornavam as paredes.
Com os seus tricórnios agaloados, de abas ao vento, galopavam ale
gremente tocando a trompa sem descontinuar, atrás das matilhas
de cães sedentos de carnificina, lançados ao hallali de cervos e javalis
que não alcançavam nunca.
Eu tinha a certeza de que a jovem criatura que habitara êsse
quarto era linda, magra, loira e romântica. No ar flutuava o seu
perfume embriagador ainda não desaparecido, mistura de Origan
de Coty e de Jicky. Tôdas as noites aspirava com delícia aquêle
aroma indefinível, após as tarefas desumanas que nos tinham
ocupado durante o dia. Êle era como uma presença e prestava-se
admiràvelmente ao sonho. Cheguei a ordenar que nunca abrissem a
janela, de mêdo que o perfume se evolasse.
Por cima das meias-cortinas chamadas “mistérios”, eu podia
avistar através da vidraça os meandros de um parque inglês, com
as suas alamedas ondeantes e os grandes castanheiros que não tarda
riam a florescer, o brilho prateado dos seus lagos imóveis por trás
da ramaria baixa.
Nas prateleiras do recanto confortável reuniam-se, como pessoas
que partilhavam as mesmas idéias, cuidadosamente alinhados nas
suas belas capas amarelas ou côr de tijolo, livros de André Theuriet,
de Paul Bourget, de René Bazain e de Henry Bordeaux. Uma biblio
teca de adolescente distinta. Certa noite de insônia reatei as minhas
relações com a seráfica Raimunda de La robe de laine, e durante
algumas horas deixei de ouvir o troar do canhão, todavia muito
próximo, nas alturas de Saint-Thierry.
Essa vila como um sem número de outras, desde o Mar do
Norte até à fronteira da Suiça, era a imagem do drama da invasão,
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O facão de Navarre
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O facão de Navarre
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N o tem po das carabinas
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O facão de Navarre
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O facão de Navarre
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O facão de Navarre
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ENFIM, A OPORTUNIDADE
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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N o tem po das carabines
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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N o tem po das carabinas
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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Enfim, a oportunidade
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DIE WAFFEN NIEDER !
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Die W af f en n ieder!
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D ie W af f e n n ieder!
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D ie W af f en n ieder!
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êles não podem subir nem descer. Precaução excelente que resolvo
imitar logo à tarde. Isso distrai-me talvez uns dois minutos. Dois
minutos ganhos sôbre a impaciência que me sobe à garganta e começa
a apertar, a apertar. . .
Depois procuro identificar a paisagem sôbre a qual voamos.
Estamos seguindo o vale do Vesle, para cima ide Reims, e a estrada
nacional 44 que leva a Châlons. À nossa direita, eis a saliência
abrupta da Montanha de Reims, em que desfilam como contas de
rosário, as ricas povoações de Verzenay, Verzy e Villers-Marmery,
onde vamos a miúdo reabastecer-nos de champagne. De Verzenay
provinha o que bebemos ontem, para festejar a vitória de Navarre
e de Robert. Ainda ficaram algumas garrafas. Mais três minutos
ganhos a pensar no jantar da véspera. . . O tempo passa. . .
Pelletier-Doisy corta em corda, para abordar mais depressa o
avião desconhecido. Isso nos leva para Châlons-sur-Marne, sempre
invisível, mas cuja presença em baixo, a 25 quilômetros, se advi
nha pelo seu nevoeiro de fuligem.
6,10 h. — Estamos ganhando distância ! Penetramos cada vez
mais para o sul. Eis os telhados de Epernay que, à direita, emergem
do vale escarpado do Marne. Se, por uma sorte inaudita, fôsse um
alemão, iríamos lutar nas nossas linhas. E se o derrubássemos êle
seria nosso, poderiamos apreendê-lo. Paciência, paciência, não con
vém vender a pele do urso antes do tempo !
Insensivelmente Pelletier-Doisy desfaz a nossa diferença de alti
tude e ao mesmo tempo vamo-nos aproximando de verdade. Prova
de que somos muito mais velozes. Isto preocupa-me: sem dúvida é
um Me-Fe, tão lento, tão insuficiente.. .
Mais dez minutos de espectativa. ..
6,20. — É um alemão ! Não há mais dúvida ! acabo de firmar
fortemente o binóculo nas arcadas superciliares, para tentar ver. E
por sorte vi. É um biplano de fuselagem cheia. Alemão ! Bati
convulsivamente no ombro de Pelletier-Doisy e gritei-lhe ao ouvido:
“Aviatik !” Êle ergueu um braço entusiástico e vi-o sorrir-me Üe
lado com todos os seus dentes brancos. Seu capacete baixou por
três vêzes, numa afirmativa alegre. Sim, sim, êle compreendeu perfei-
tamente, é um Aviatik, um Aviatik !
Torno a sentar-me no meu banco, tomado de uma emoção
como nunca experimentei. O que nos acontece é deveras prodigioso,
excitante. Nunca ter encontrado até hoje rastro de avião inimigo,
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Die W aff en nieder!
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O monocoque Morane-Saulnier, com m e t r a lh a d o r a não s in c r o n iz a d a , a t ir a n d o
a tr a v é s d a h é l i c e m u n id a d e lâ m in a s d e a ç o à p r o v a d e b a la s .
— Das Feuer war auf. Damn würden wir gezwungen zum Boden
Zurückzukommen. Haben Sie gesehen ? O fogo ameaçava a bordo.
Porisso tivemos de voltar ao solo. Não viram ?
De modo que as minhas balas acertaram. Experimento uma
grande alegria ao certificar-me disso. Reclamo pormenores a von
Keussler. Duas vararam sucessivamente o tanque, na frente dêle,
a gasolina inundou o chão e determinou, pela pulverização, o penacho
branco que se formou atrás da empenagem e que nós havíamos no
tado. A terceira bala rebentou os instrumentos de bordo a poucos
centímetros do seu rosto. A quarta seccionou um dos dois tubos de
comando da direção, junto ao tacão da sua bota. O aparelho, desam
parado, deu então uma guinada que lhe foi difícil dominar. Mas logo
à primeira bala o combate estava decidido. Von Keusseler, quando
viu o lençol da gasolina invadir o fundo da fuselagem, teve de des
ligar o motor para evitar o incêndio. As linhas alemãs estavam
longe demais para poder ser alcançadas em vôo planado. Por ordem
de Bobruggle êle ainda o tentou, mas a terceira e a quarta balas pu
seram fim ao desígnio, e foi quando êle levantou o braço para indi
car que ia tentar pousar. Durante a descida, Bobruggle abandonou
a sua metralhadora para accionar um extintor. Os vapores da gaso
lina acumulados no aparelho ameaçavam perigosamente inflamar-
se. Com grande dificuldade conseguiram aterrissar sem maiores
danos.
Porque foi que o Albatroz pegou fogo no chão ? Desconfio muito
que êles aproveitaram os poucos minutos em que ficaram sozinhos
para jogar um fósforo na fuselagem inundada de gasolina. As chamas
irromperam logo que o avião acabou de rolar, mas isso nada prova,
pois um gesto depressa se faz.
Metade em alemão e metade em francês, interrogo o primeiro
tenente Bobruggle a êsse respeito. Êle deve ter compreendido per-
feitamente, mas não responde. Então insisto, dizendo-lhe que
nada tem a recear dêsse ato, pois mesmo nós, tripulantes franceses,
não deixaríamos de o fazer em circunstâncias idênticas. Bobruggle
continua não respondendo, mas seu rosto avermelha-se de satisfação
e não lhe é possível reprimir uma ligeira inclinação do busto, apenas
esboçada, que o atraiçoou. Por fim diz muito depressa:
— Foi um belo combate. Sehr schõn ! Prima ! Treue ! Rit-
terlich ! (Lealdade. Cavalheiresca). Tapfere, franceses aviadores 1
(Os aviadores franceses são destemidos).
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O MISTERIOSO M O R A N E
DE ROLAND GARROS
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wmwM
O capitão Chambe diante do seu avião de caça, atirando por cima da hélice
(inverno de 1916).
G uynem er (e n tã o sa r
g en to ) no d ia s e g u in te
ao da su a p r im e ir a v i
t ó r ia , c o m s e u m e c â n i c o
G u erder, em ju lh o de
1915.
O Morane-Parasol de
Guynemer, no qual êle
mandou instalar uma
metralhadora Lewis ati
rando por cima da hé
lice. A metralhadora
começa já a substituir a
carabina, que ainda se
vê de pé, no habitáculo
do passageiro.
O misterioso “M orane” de Roland Garros
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N o tem po das carabinas
oficiais aos quais se deve respeito na discussão, mas tão cabeçudos, tão
apegados às suas velhas carabinas, tão orgulhosos de poder, a trinta
passos, cortar uma moeda com uma bala. Ah ! nada é mais difícil
do que desalojar alguém dos seus hábitos, atacar uma fortaleza tão
solidamente construída. Garros não podia dizer-lhes isso, mas êles
já eram tão antiquados como os seus mosquetões, e não tardariam a
ser completamente inúteis ! O sistema de Saulnier é o dobre de
finados dos passageiros em vôo de caça, o dobre de finados das
carabinas. O caçador será único a bordo.
Mas para quê gastar palavras inúteis ? As palavras não con
vencem ninguém. Como no caso do parafuso, só a demonstração seria
concludente. Precisa ser feita e Garros a fará. Sem demora !
Sem demora, não, propriamente. A sorte recusa intervir. Como
no caso da M. S. 12, a caça é rara no sector da M. S. 23, tão rara
que vão decorrer dias e dias antes que Garros encontre o menor
Aviatik. E contudo êle voa sem descanço, fica no ar durante horas,
tanto aquém como além das nossas linhas. Esperanças sempre
malogradas. Varia ao infinito as suas horas de saída, mas estas
nunca coincidem com as do inimigo. Garros irrita-se, e para iludir
a sua impaciência volta aos antigos amores. Sempre teve uma predi
leção especial pelo bombardeio a baixa altitude. O reconhecimento
tem qualquer coisa de passivo, de platônico, que o não satisfaz por
completo. Êle possui um temperamento ofensivo. Gosta de dar
pancada no inimigo. Largar um obus em cima de determinado
objetivo e vê-lo rebentar no ponto desejado causa-lhe uma satisfação
de que êle nunca se farta. Conseguiu meter a bordo, embora o seu
avião seja apenas de um lugar, vários obuses de 90 com empenagem,
e embora continuando a vigiar o céu e mantendo-se pronto a encetar
instantâneamente a caça no caso de um encontro, diverte-se a bom
bardear aqui e além. Penetra profundamente dentro do território
inimigo, vai largar os seus projéteis em pontos fáceis de atingir, em
geral estações como as de Thielt, de Thourout e mesmo a de Bruges,
apesar da distância. De regresso, com o aparelho aliviado, dá-se ao
gôsto de descer a baixa altitude e de verificar o funcionamento
da sua metralhadora “atirando ao alvo” sôbre os elementos das
tropas alemãs que avista nas estradas. Assim se torna um pre
cursor não apenas da verdadeira caça, a que vai ser praticada em
avião de um lugar desde a primeira guerra mundial, mas também
do starfing, do ataque ao solo, que se praticará no decorrer da
segunda guerra mundial com os caças-bombardeiros.
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O misterioso “M orane” de Roland Garros
Nenhum avião alemão lhe cai sob as garras ! Apenas uma opor
tunidade perdida outro dia, na região de Furnes. Por um azar
inconcebível, quando conseguiu avistar e aproximar-se de um
Aviatik bem gordo e bem tranqüilo que perlongava as trincheiras,
a sua metralhadora encravou — coisa que nunca lhe sucedera. A tri
pulação do outro aparelho, tendo-o notado, deu imediatamente
meia volta e picou para as suas linhas.
Hoje, l.° de abril, Garros saiu para bombardear a estação de
Bruges. Leva consigo 95 quilos de obuses com empenagem. Vai, como
sempre, sozinho a bordo do seu monocoque. O céu está perfeita-
mente claro e sereno, tão sereno como em Champagne onde Navarre
e Robert acabavam de abater, nesse mesmo instante, o seu Aviatik.
Garros ignora-o. Só irá sabê-lo no dia seguinte.
Quando tinha penetrado cêrca de dez quilômetros sôbre o terri
tório ocupado, Garros descobre subitamente no céu, na retaguarda
e à esquerda, uma girândola de schrapnells que rebentam a 2.500
metros (500 metros acima dêle), na vertical da frente francesa.
Não pode haver dúvida, trata-se de um aparelho alemão sôbre o
qual atira a nossa artilharia. Meia volta ! O bombardeio da esta
ção de Bruges fica para mais tarde. Em primeiro lugar, a caça !
Garros manobra para interceptar o adversário, ou seja para se
interpor entre êle e a frente. Não tarda a avistá-lo, mancha escura
deslizando no ar límpido. Está com efeito bem mais alto do que
êle. Os obuses que o acompanham na corrida não mentem. A alça
é boa, os artilheiros disparam à altitude exata: 1.800 metros. É
necessário subir.
Decorrem dez minutos. O Monocoque é mantido em boa posição
e aproximou-se sensivelmente. Trata-se de um Albatroz, ostentando
numerosas cruzes negras. Garros fêz a sua aprendizagem no escritório
da esquadrilha, estudou cuidadosamente as silhuetas de aviões ale
mães. Identifica logo a prêsa: um Albatroz, sem a menor dúvida.
Portanto, passageiro à frente, piloto atrás. Metralhadora provável,
talvez mesmo em torrinha, mas campo de tiro limitado, observador
embaraçado na frente pela hélice, e atrás pelo piloto. Em conse-
qüência, tratar de colocar-se de modo a alvejá-lo exatamente na mesma
altura. Será o melhor.
Mas não é fácil. A tripulação inimiga está vigilante. Avista
Garros e manobra imediatamente para lhe escapar. Fiel à regra
geral, esforça-se por evitar o combate e procura alcançar as suas
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O misterioso “M orane” de Roland Garros
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deios, quando enfim há cinco dias, a l.° de abril, avistei um: larguei
a correr e alcancei-o a cerca de 15 quilômetros das nossas linhas e a
1.800 metros de altitude. Fui-lhe em cima, e a uns trinta metros
despejei-lhe na nuca uma série de ameixas tipo D. Sem hesitar
ele meteu a proa às ilhas, desfraldou tôdas as velas e rompeu em zigue-
zagues enquanto o seu passageiro me alvejava com um bacamarte.
Cuspi-lhe sucessivamente três carregadores de vinte e cinco balas. Êle
pegou fogo: não estava a mais de 1.000 metros mas achava-se ainda
bem alto. Vi-o revolutear durante vinte segundos, e depois espatifar-
se. Ã tarde fomos de altomóvel ao lugar do acidente: restavam apenas
migalhas do aparelho, e a tripulação morta mas não carbonizada.
Estava tudo crivado de balas. Tirei algumas fotografias que te
enviarei. A partir desse dia começou a chover, ninguém voa e eu
acho-me um pouco mais calmo. Gostaria de repetir a proeza, mas os
taubes são de uma raridade desanimadora. Manda-me notícias. Estou
chocando a idéia de um novo aparelho, de que te falarei quando ela
estiver um pouco mais amadurecida.
“Até quando, meu velho ?
Roland Garros”.
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OS DERRADEIROS COMBATES LEAIS
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Os derradeiros combates leais
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Os derradeiros combates leais
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senhor de si, sem dúvida duro de roer. Suas balas acertam. Pro-
duzem-se choques metálicos na proa do Morane. Bernis e Jacottet
percebem-nos claramente no carter. O motor é atingido, mas feliz
mente agiu como um escudo, sem o que ambos teriam sido varados.
É uma sorte Bernis não ter desviado antes para a esquerda, como
Jacottet desejara.
Bernis, num reflexo, abre completamente o gás e lança-se sôbre
o Albatroz. Quer esporeá-lo ? Não há perigo: êle não é louco,
conserva todo o seu sangue frio. Com um movimento da alavanca
recupera a altura perdida e procura manter-se pela direita, a curta
distância. Jacottet disparou por fim. Um carregador inteiro, outro
logo em seguida.
Nenhuma novidade a bordo do Albatroz. Nenhuma obra viva
deve ter sido atingida, pois êle continua a manter a sua linha de
vôo. O piloto é de classe excelente: por meio de incessantes oposi-
çÕes da fuselagem, diligencia alargar a distância e permitir ao
seu passageiro o reinicio do fogo. Por um instante consegue-o. Novas
balas alcançam o Parassol, agora na fuselagem. Uma delas rasga em
tôda a sua extensão a tampa do cofre do aparelho, atrás das costas
de Jacottet; outra vara o bordo de fuga da asa direita. Porém,
mais nada. Bernis compreendeu e não tornará a permitir seme
lhantes familiaridades. Como antes Gilbert e há pouco Pelletier-
Doisy, encurrala implacàvelmente o observador inimigo entre os
seus dois planos e interdita-lhe todo o campo de visão. Compete a
Jacottet fazer o resto, mas êle que se despache, pois já cheira a
chamusco ! São dois diabos que estão naquela caixa !
Jacottet despacha-se o mais depressa que pode. Terceiro, quarto
e quinto carregadores. Uma saraivada de projéteis cai sôbre o Alba
troz. Milagre ! o piloto continua vivo. Jacottet sente a dificuldade
das correções de tiro, mesmo a vinte metros. Mas a tripulação alemã
dá sinais de confusão. Não adianta ter sangue frio, uma coragem ma
gnífica: isso não impede de refletir. Serão irremediavelmente derru
bados por aquêles dois franceses, e sem nenhuma compensação ! O
aparelho dêstes é muito mais leve, mais maneável que o pesado
Albatroz. Diante dêle só resta inclinarem-se. E é preferível fazê-lo
antes que seja tarde dem ais...
O piloto alemão larga o volante e agita ostensivamente os dois
braços no ar. Em seguida põe o Albatroz em piquê. Bernis acom
panha-o logo. É a cena já conhecida que prossegue. Jacottet pára de
atirar, mas continua visando o adversário. Os dois aviões estão
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está bem equilibrado, não força a mão, não tende a descer. Está
bem. . .
Méseguich e Jacottet dão rédeas aos seus pensamentos. De há
dois meses para cá têm acontecido muitas coisas na aviação francesa,
e mais particularmente na 12. Em primeiro lugar, Bernis foi pro
movido a capitão, o que era natural depois da sua vitória de 28
de abril. Sua terceira divisa foi dignamente festejada. Navarre
viu homologar o seu avião abatido no mesmo dia diante de Saint-
Thierry. Não faltaram testemunhas. Todo o mundo viu o Avialik
procurar pousar e espedaçar-se perto de Brimont. Porém ainda na
mesma data o sargento Caron, de uma esquadrilha próxima, foi
derrubado em chamas por um avião de caça alemão. Isto foi novi
dade. Era a primeira vitória alemã conhecida e constituiu um
aviso. Significa que o inimigo começa por sua vez a dedicar-se à
caça. Qual é o tipo de avião de que se utiliza ? Cumpre pensar
nisso.. .
Enfim Navarre conseguiu uma terceira vitória sôbre Argone
(tinha saído do setor da frente e passou apertado) que não foi homo
logada. Recebeu duas balas na fuselagem, que lhe eram destinadas.
Escapou de boa.
Caça agora sozinho a bordo do seu Monocoque-Morane. Des
preza o pobre Parasol de dois lugares. Novos tempos se preparam.
Navarre foi, com os melhores pilotos do momento, Gilbert, Pégoud,
Védrines, Brindejonc-des-Moulinais e Brocard, um dos raros benefi
ciários do Monocoque armado em caça. Os exemplares só saem da
fábrica “a conta-gôtas”. Desde que há um mês Garros caiu prisio
neiro e se soube pelos jornais alemães que êle não pudera destruir
o seu aparelho, todo o mundo está de sobreaviso. Deve-se esperar
ver o inimigo construir ràpidamente uma réplica do Monocoque,
cujas possibilidades aliás já se mostram insuficientes. O disposi
tivo Alkan parece melhor que o da blindagem da hélice, sem o
inconveniente de reduzir a velocidade. Alkan foi destacado da
M. S. 12 para as oficinas do interior, onde trabalha sem descanso.
O perfeito ajuste da sua sincronização está para breve.
Também na firma Nieuport se trabalha com entusiasmo. Mur
mura-se que ela teria desenhado não apenas um biplace de caça
robusto, embora um tanto pesado, mas também um monoplace muito
leve, mantido em rigoroso segrêdo(x).1
(1) Será o 13 metros, ou Bebê-nieuport.
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Não há dúvida que tudo se orienta cada vez mais para o mono-
place de caça...
Meséguich considera com tristeza que o Morane-Saulnier Parosol,
tão apreciado na M. S. 12 pelas vitórias que lhe devem, está bastante
ameaçado. Envelheceu. É o motivo das conversas no refeitório. A
carabina também envelheceu. Tudo envelhece depressa na guerra.
Durante alguns meses o Parasol e o mosquetão de cavalaria foram os
reis dos ares, semearam o terror no céu. Mas todo o reinado co
nhece o seu fim. É a regra, tanto para as coisas como para os
seres vivos. Nasce-se, vê-se a luz, somos mimados, é a mocidade, a
fôrça em sua plenitude. Depois tudo se gasta, a idade vai passando,
declina-se, vem o fim, é-se substituído. O ciclo continua imutável,
seu curso inexorável. Mais algum tempo e o Morane-Parasol terá
alcançado o seu termo.
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0 REVOLVER DO CAPITÃO BROCARD
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das possibilidades “dêsse avião que voa há dois anos sob o pseudô
nimo de Sopwith” ?
Brocard impacienta-se. Decolou há três minutos, diante do
telefonema anunciando a aparição de um avião germânico acima das
suas linhas. Informação exata, porque do próprio campo de Vauci-
ennes se via, ao longe, rebentarem no céu numerosos obuses da
nossa artilharia. Tem consigo, como metralhador, um mecânico
de tôda confiança, Alfred Delage. Metralhador é um modo de dizer,
porque Delage leva uma simples carabina Winchester, de repetição.
Há três minutos já que saiu, e não consegue subir, vai-se arras
tando. . . Assim nunca alcançará o outro avião. Debalde cabra ao
máximo, sente que o Nieuport recusa estafar-se, galgar mais depressa
do que lhe permitem o coração e os pulmões. Seus comandos afrou
xam, espreita-o o desmaio cardíaco, atenção à perda de velocidade !
Não, assim não chegará nunca ! Brocard lamenta não ter utilizado,
como de costume, o seu velho Parasol. Volta-se para Delage e faz-
lhe sinal de que a coisa assim não vai, que é preciso regressar, voltar
ao campo. Delage concorda, a subida é muito lenta.
Daí a instantes as rodas do Nieuport encontram a erva da base
de Vauciennes, cuja área se estende até aos edifícios de uma impor
tante usina de açúcar.
Roehr, primeiro mecânico do capitão Brocard, observava o vôo.
Roehr é o homem de confiança. Sua competência em mecânica
não tem igual, sua dedicação não tem limites. Merece ficar na
história da guerra aérea, pois foi êle que teve a honra de desenhar
e pintar a primeira cegonha, que mais tarde alcançaria a celebridade,
a cegonha da M. S. 3, a de Guynemer, de pescoço estendido, ponta
da asa descaída, perna suspensa. Tivera o concurso de um pintor-
decorador da Ópera-Cômica, cujo nome infelizmente se perdeu. Pas
sava-se isto bem no comêço da guerra, na fronteira da Alsácia, onde
se formara a M. S. 3. Roehr não recebera a paga da sua inspiração...
Diante daquela ave de estranho perfil, que enfeitava o chassis de
um caminhão (a título de ensaio), o capitão Bellemois, então coman
dante da esquadrilha, mostrou-se muito descontente. Aquela ave
era antiestética, horrível, ridicularizaria a M. S. 3 ! Aplicou quatro
dias de guarda a Roehr. Dêsse modo Roehr entrou imprevistamente,
como a maioria dos grandes gênios, na falange dos artistas incom
preendidos. Mais tarde teria a sua desforra. E assim como a cego
nha da 3, seu vôo não se deteria mais. ..
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(1) Nota para os moços: houve um tempo em que a moeda francesa estava entre
as primeiras do mundo. O franco dividia-se em vinte moedas de um sôldo (5 cêntimos),
ou dez moedas de 2 soidos (10 cêntimos). Essas moedas eram de uma liga de bronze,
de cunho muito artístico. Representavam positivo valor de compra. Com um sôldo
g ra n d e , ou moeda de dois soidos, podiam-se comprar muitas coisas. Êsse tempo
voltará ao nosso país quando nêle se instalarem de novo a sabedoria e a moderação.
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apontar. Está tão perto ! Oito balas correm a varar a pele lustrosa
do monstro. Brocard furta-se com uma virada sêca para a esquerda,
como, após a estocada, se furta o toureiro.
Mas não é ainda a morte. O piloto alemão, o leutnant Klaus
von Allwoerden (1), é um mestre. Desta vez pica para a direita e
procura alcançar as suas linhas. Começa então uma perseguição
furiosa. Brocard previu a intenção do adversário, mas visto que êle
se pôs em piquê, tanto pior para êle: fica à sua mercê ! O piquê é o
feudo, o reino do Nieuport. Ninguém o vence nesse domínio. Em
cinco segundos o Albatroz é apanhado, coberto, metido nas suas
garras implacáveis. Brocard não o largará mais, mas não pode pensar
em substituir o carregador vazio da Winchester por outro cheio, pois
os movimentos dos dois aviões são demasiado rápidos. Uma idéia
que já em outra ocasião lhe ocorrera, atravessou-lhe a mente: seu
Mauser, depressa o seu revolver Mauser, que nunca o abandona para
o caso de uma aterragem forçada em terreno inimigo. Tem-no ali
na carlinga, a seu lado. Está carregado, ajustado ao estojo de
madeira ôca que lhe serve de coronha. Já que assim é, visto não poder
dar cabo dêle com a Winchester, é a parabellum, o revolver que
Brocard derrubará aquêle Albatroz.
Acerca-se ainda mais, apesar das manobras desordenadas do pi
loto. O observador, sem dúvida gravemente atingido logo no
início do combate, está impossibilitado de atirar. Ei-lo de pé na tor-
rinha, imóvel, como descaído sôbre si mesmo, o capacete puxado
para a frente, agarrado com as duas mãos aos montantes da carlinga.
O Albatroz, doravante sem defesa, corre mortalmente para as linhas
alemãs. Ah ! se êle se rendesse, se descesse para as linhas francesas,
Brocard deixaria de atirar, desistiría de dar-lhe o golpe de graça !
Mas não sucede assim. O leutnant Allwoerden sente o desejo
feroz de salvar o seu camarada, de salvar o seu avião, de não cair,
com ambos, prisioneiro nas mãos do inimigo. Quer, a todo custo,
voltar ao território alemão. Em cinco oportunidades diferentes Bro
card tem de alvejá-lo a revólver.
O Albatroz descreve uma senóide desesperada, passando de uma
asa para outra a fim de virar mais sêco. Então, numa dessas viradas
Brocard assiste a um espetáculo medonho que nunca mais esquecerá.
O observador ferido é imediatamente arrancado da sua torrinha, cai
sôbre a asa inferior sem poder agarrar-se a ela, escorrega ao longo da1
(1) Segundo a lista das perdas da aviação alemã de 3 de julho de 1915.
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0 capitão Brocard mandou-o inumar com as honras militares, conseguindo que sua
família fôsse avisada por intermédio da Cruz Vermelha.
(2) 0 relato pormenorizado dêste combate figura na obra G u y n e m e r , do mesmo
autor, ed. Marcus.
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DAS CARABINAS
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O ESTRANHO NATAL DA M . S. 12
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Mas para a aviação era realmente o fim de uma época, o fim das
carabinas. Elas iam empreender, uma a uma, o caminho do museu
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ÍNDICE
Preâmbulo ................................................................................. 7
Preparem as carabinas ! ........................................................... 15
O primeiro de todos os combates aéreos .............................. 25
Balas sem resultados ............................................................... 52
A segunda v itó ria...................................................................... 66
O facão de Navarre ............................................................... 78
Enfim, a oportunidade ........................................................... 94
Die Waffen nieder! ................................................................. 112
O misterioso Morane de Roland Garros ................................ 145
Os derradeiros combates leais ................................................ 161
O revólver do capitão Brocard ............................................... 183
O fim das carabinas. O estranho Natal da Aí. S. 12 ......... 194
O b r a e x e c u ta d a n a s o f ic in a s d a
São Paulo Editora S. A. — São Paulo, Brasil
É inesgotável a capacidade do homem para povoar de beleza as
coisas aparentemente mais desprovidas de encanto.
A narrativa de René Chambe, que é um depoimento dos remotos
começos da aviação, e sem dúvida a pré-história da caça aérea, cons
titui um exemplo de quanto pode a imaginação no sentido de trans
formar um ato cruel e de seca brutalidade num objetivo de alta vir
tude patriótica, premiado com medalhas e festejado com banquetes.
Abstraindo, porém, essa terrível contingência a que a fatalidade
obriga os povos, “No Tempo das Carabinas” é a deliciosa evocação
dos tempos recuados da primeira guerra mundial, quando a aviação de
caça ainda não existia, ou pelo menos não existia como recurso de
guerra conhecido, e os aviadores, pilotando aparelhos descarnados,
feitos quase de papel e de madeira, se fuzilavam à queima-roupa uti
lizando velhas carabinas e revólveres.
É difícil conceber algo mais frágil que um Morane-Parasol sul-
cando os ares desertos em busca de um taube inimigo, e a luta que
então se travava, tôda de astúcia e destreza (ambos correndo à louca
velocidade de 120 quilômetros horários!) enche de enternecimento os
contemporâneos das poderosas máquinas modernas, que relampejandó
a mais de 1.000 quilômetros vomitam a destruição e a morte com
exatidão implacável, ao simples toque de botões de galalite.
Homens lendários como Frantz e Quénault, Gilbert e Puechredon,
Navarre e Pelletier-Doisy, Roland Garros e Guynemer encheram a
crônica desses tempos com a refulgência das suas vitórias, e todo o
livro ressoa do entusiasmo das multidões que acorriam, e mesmo das
tropas que se imobilizavam nas trincheiras, contemplando a estranha
luta e torcendo alanceadamente pelos seus compatriotas, até verem
despencar das alturas, como uma flor de lume com seu caule de negra
fumaça, o aparelho vencido.
São esses dias heróicos que Chambe ressuscita com amor em No
Tempo das Carabinas, dias de ontem que a técnica já tão fundamente
revolucionou, mas que guardam todo o seu frescor e quase ingenuidade
em páginas repassadas de emoção.