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“Os Lusíadas”, canto V, estrofes 37-60

O gigante Adamastor
Este episódio é o mais rico e complexo episódio do poema, de
natureza simbólica, mitológica e lírica.
Informações gerais
Estrutura externa - Canto V (estrofes 37 a 60)

Estrutura interna - insere-se na Narração

Plano narrativo - plano da viagem

Classificação do episódio - episódio simbólico

Vasco da Gama narra também este episódio ao rei de


Melinde, revelando toda a sua experiência e sentimentos
(narrativa principal).
Compõe-se de vinte e quatro estrofes (canto V, 37-60), assim
distribuídas:
 Estrofes 37-38: introdução (2 estrofes)
 Estrofes 39-40: o gigante Adamastor 1 (2 estrofes)
 Estrofe 41-48: primeiro discurso do gigante - transição/mudança (8
estrofes)
 Estrofes 49-59: Interpelação de Gama e segundo discurso do
Adamastor (10 estrofes)
 Estrofe 60: desaparecimento do gigante - epílogo/desfecho (1
estrofe)

Há uma distribuição muito equilibrada das partes: das vinte e quatro estrofes,
quatro destinam-se à introdução, transição e epílogo/desfecho; as vinte
restantes, divididas ao meio, apresentam o herói da sequência. Tanto Vasco da
Gama como o Adamastor aparecem como narradores e como personagens.
No plano histórico, simboliza a superação pelos
portugueses do medo do “Mar Tenebroso”, das
superstições medievais que povoavam o Atlântico e o
Índico de monstros e abismos.

Adamastor é uma visão, um espectro, uma alucinação


que existe só nas crendices dos portugueses. É contra
os seus próprios medos que os navegadores triunfam.
No plano lírico é um dos pontos altos do poema,
retomando dois temas constantes da lírica camoniana:
o do amor impossível e o do amante rejeitado:
Adamastor, um dos gigantes filhos da Terra, apaixonou-
se pela nereida Tétis. Não correspondido, tenta tomá-la
à força, provocando a cólera de Júpiter, que o
transforma no Cabo das Tormentas, personificado numa
figura monstruosa, lançada nos confins do Atlântico.
Este episódio é importante, pois nele concentram-se as
grandes linhas da epopeia:

1. O real maravilhoso (dificuldade na passagem do cabo).


2. A existência de profecias (história de Portugal).
3. Lirismo (história de amor, que irá ligar-se mais tarde à
narração maravilhosa da Ilha dos Amores);
4. É também um episódio trágico, de amor e morte;
5. É um episódio épico, com a vitória do homem sobre os
elementos (água, fogo, terra, ar).
Cinco dias depois de terem deixado a baía de Santa Helena, os
navegadores lusos viajavam por mares “nunca d’outrem
navegados” com o vento de feição, mas, certa noite, uma nuvem
escura surgiu sobre a frota e os marinheiros encheram-se de
medo.
De repente, uma figura medonha apareceu: um ser
disforme, um gigante, tinha um ar carrancudo (pesado),
a barba suja e maltratada, os cabelos ásperos/crespos e
cheios de terra, a boca escura e os dentes amarelos.
Camões (através do narrador que é agora Vasco da
Gama) compara-o a uma das sete maravilhas do mundo:
o Colosso de Rodes.
O Gigante dirige-se aos marinheiros num tom de voz “grave e
horrendo”, provocando-lhes grande temor, dizendo:

“Ó povo audacioso que não descansa, como ousas navegar


estes mares, que nunca foram cortados por qualquer outro
navio? Viestes descobrir os segredos marítimos? Pois desde
já vos digo que os que tentaram antes de vós pagaram com a
vida. E vós, pela ousadia, também sereis castigados. Os
vossos barcos hão-de naufragar e enfrentareis males de toda a
espécie. O sofrimento será tal, que será preferível a morte. O
primeiro ilustre que passar aqui ficará sepultado. Outros hão-
de ver os filhos morrer de fome e eles próprios morrerão
também.”
Então, Vasco da Gama, corajosamente, interpela o
Gigante perguntando-lhe: Quem és tu? E ele começa a
relatar a sua história:
“Eu sou o que vós chamais Cabo das
Tormentas. Ptolomeu, Plínio, Pompónio, e
Estrabo não me conheceram, mas jamais
ousariam desafiar-me.

Fui outrora um dos gigantes que


guerrearam contra Júpiter, chamava-me
Adamastor. Apaixonei-me pela “Princesa
das Águas” – Tétis; um amor impossível,
devido ao meu aspeto assustador.
Amedrontei Dóris, mãe dela, que me deu
esperanças e combinou um encontro.
Cego de amor abandonei a guerra, e uma noite Tétis vem, toda
nua, ao meu encontro. Corri, abracei-a e cobri-a de beijos, mas
era apenas uma ilusão, um engano, e de repente dei por mim
abraçado a um monte, e eu próprio transformado em monte e
rocha, e, sendo eu tão grande, formou-se este Cabo. E também
os deuses me castigaram, pois estou rodeado de água, o que
significa que Tétis anda sempre à minha volta.”

Terminado o discurso Adamastor afastou-se, chorando.


Vasco da Gama agradece a Deus por terem chegado até ali e
roga-lhe que não permita que se concretizem as profecias do
gigante.
Análise breve do episódio
37 - A viagem da frota é rápida e próspera até surgir uma
nuvem que escurece os ares, sobre as cabeças dos
navegantes. Cinco dias se passam até que, numa noite,
avistam o gigante Adamastor.

Porém já cinco sóis eram passados


Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca doutrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando,
Quando uma noite, estando descuidados
Na cortadora proa vigiando,
Uma nuvem, que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
38 - A nuvem escura que surgiu vinha tão carregada que encheu de
medo os navegantes. O mar, ao longe, fazia grande ruído ao bater
contra os rochedos. Vasco da Gama, atemorizado, lança voz à
tempestade perguntando o que era ela, que ela lhe parecia mais que
uma simples tormenta marinha. O cenário aterrador fará a imagem do
Gigante ainda mais terrível e assustadora.

Tão temerosa vinha e carregada,


Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
"Ó Potestade (disse) sublimada:
Que ameaço divino ou que segredo
Este clima e este mar nos apresenta,
Que mor cousa parece que tormenta?"
O gigante conta suas desventuras, até as suas
carnes se transformarem em terra dura (38 a 59).
39 - Vasco da Gama não havia terminado de falar quando surgiu
uma figura enorme, de rosto fechado, de olhos encovados, de
postura má, de cabelos crespos e cheios de terra, de boca negra
e de dentes amarelos. Esta passagem é meramente descritiva.

Não acabava, quando uma figura


Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura;
O rosto carregado, a barba esquálida,
Os olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos,
A boca negra, os dentes amarelos.
40 - A figura era tão enorme que poder-se-ia jurar ser ela o
segundo Colosso de Rodes. Surge no quarto verso a introdução
da fala do Gigante, cuja voz fazia arrepiar os cabelos e a carne
dos navegantes.

Tão grande era de membros, que bem posso


Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso,
Que um dos sete milagres foi do mundo.
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso,
Que pareceu sair do mar profundo.
Arrepiam-se as carnes e o cabelo,
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo!
41 - O gigante chama os portugueses de ousados e afirma que nunca
repousam e que tem por meta a glória particular, pois chegaram aos
confins do mundo. Repare-se na ênfase que se dá ao facto de aquelas
águas nunca terem sido navegadas por outros: o gigante diz que
aquele mar, que há tanto ele guarda, nunca foi conhecido por outros.

E disse: "Ó gente ousada, mais que quantas


No mundo cometeram grandes cousas,
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas,
Pois os vedados términos quebrantas
E navegar nos longos mares ousas,
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho,
Nunca arados d’estranho ou próprio lenho:
42 - Já que os portugueses descobriram os segredos do mar, o
gigante lhes ordena que ouçam os sofrimentos futuros,
consequências do atrevimento de cruzar os mares.

Pois vens ver os segredos escondidos


Da natureza e do úmido elemento,
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento,
Por todo largo mar e pola terra
Que inda hás de sojugar com dura guerra.
43 - O gigante afirma que os navios que fizerem a viagem que Vasco da
Gama está a fazer terão aquele cabo como inimigo. A primeira armada
a que se refere Adamastor é a de Pedro Álvares Cabral, que perdeu ali
quatro de suas naus: o dano - o naufrágio – foi maior que o perigo,
pois os navegantes foram surpreendidos.

Sabe que quantas naus esta viagem


Que tu fazes, fizerem, de atrevidas,
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas!
E da primeira armada, que passagem
Fizer por estas ondas insufridas,
Eu farei d’improviso tal castigo,
Que seja mor o dano que o perigo!
44 - O gigante afirma que se vingará ali mesmo do seu
descobridor, Bartolomeu Dias, e que outras embarcações
portuguesas serão destruídas por ele. As afirmações são
ameaçadoras, como se verá: o menor mal será a morte.

Aqui espero tomar, se não me engano,


De quem me descobriu suma vingança. (vingança máxima, suprema…)
E não se acabará só nisto o dano
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus verei, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança,
Naufrágios, perdições de toda sorte,
Que o menor mal de todos seja a morte!
45 - É citado D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei da Índia, e
a sua vitória sobre os turcos. O gigante continua ameaçador:
junto a ele continua a haver perigo.

E do primeiro ilustre, que a ventura


Com fama alta fizer tocar os céus,
Serei eterna e nova sepultura,
Por juízos incógnitos de Deus.
Aqui porá a turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus;
Comigo de seus danos o ameaça
A destruída Quíloa com Mombaça.
46 - Nesta estrofe o gigante cita a desgraça da família de Manuel
de Sousa Sepúlveda, cujo destino será tenebroso: depois de um
naufrágio, sofrerão muito.

Outro também virá, de honrada fama,


Liberal, cavaleiro, enamorado,
E consigo trará a fermosa dama
Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Neste terreno meu, que, duro e irado,
Os deixará dum cru naufrágio vivos,
Pera verem trabalhos excessivos.
47 - O gigante diz que os filhos queridos de Manuel de Sousa
Sepúlveda morrerão de fome e a sua esposa será violentada,
desonrada pelos habitantes da África, depois de caminhar
pela areia do deserto.

Verão morrer com fome os filhos caros,


Em tanto amor gerados e nascidos;
Verão os Cafres, ásperos e avaros,
Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e preclaros
À calma, ao frio, ao ar verão despidos,
Despois de ter pisada longamente
Cos delicados pés a areia ardente;
48 - Os sobreviventes do naufrágio verão Manuel de Sousa
Sepúlveda e a sua esposa, que morrerão juntos, ficarem no
mato quente e inóspito.

E verão mais os olhos que escaparem


De tanto mal, de tanta desventura,
Os dous amantes míseros ficarem
Na férvida e implacábil espessura.
Ali, despois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
Abraçados, as almas soltarão
Da fermosa e misérrima prisão.
49 - O gigante continuaria fazendo as previsões se Vasco da
Gama não o interrompesse perguntando quem era aquela
figura maravilhosa. O monstro responderá com voz pesada,
porque relembraria o seu triste passado.

Mais ia por diante o monstro horrendo


Dizendo nossos fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - Quem és tu? Que esse estupendo
Corpo certo me tem maravilhado!
A boca e os olhos negros retorcendo
E dando um espantoso e grande brado,
Me respondeu, com voz pesada e amara,
Como quem da pergunta lhe pesara:
O gigante é “encontrado” no Cabo das
Tormentas (estrofe 50).
50 - O gigante apresenta-se: ele é o Cabo Tormentoso, nunca
conhecido pelos geógrafos da Antiguidade, última porção de
terra do continente africano, que se alonga para o Pólo Sul,
extremamente ofendido com a ousadia dos portugueses.

Eu sou aquele oculto e grande Cabo


A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo,
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a africana costa acabo
Neste meu nunca visto promontório,
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.
51 - Adamastor diz que era um dos Titãs, gigantes que lutavam
contra Júpiter e que sobrepunham montes para alcançar o
Olimpo. Ele, no entanto, buscava a armada de Neptuno, nos
mares.

Fui dos filhos aspérrimos da Terra,


Qual Encélado, Egeu e Centimano;
Chamei-me Adamastor e fui na guerra
Contra o que vibra os raios de Vulcano; (Júpiter)
Não que pusesse serra sobre serra,
Mas conquistando as ondas do Oceano,
Fui capitão do mar, por onde andava
A armada de Neptuno, que eu buscava.
52 - Adamastor cometeu a loucura de lutar contra neptuno por
amor a Tétis, por quem desprezou todas as Deusas. Um dia viu-a
nua na praia e apaixonou-se por ela… Ainda hoje não há algo
que deseje mais do que ela.

Amores da alta esposa de Peleu


Me fizeram tomar tamanha empresa;
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a princesa;
Um dia a vi, coas filhas de Nereu,
Sair nua na praia e logo presa
A vontade senti de tal maneira,
Que inda não sinto cousa que mais queira.
53 - Como jamais conquistaria Tétis porque era muito feio,
Adamastor resolveu conquistá-la por meio da guerra e
manifestou sua intenção a Dóris, mãe de Tétis, que ouviu da filha
a seguinte resposta: como poderia o amor de uma ninfa
aguentar o amor de um gigante?

Como fosse impossíbel alcançá-la


Pola grandeza feia de meu gesto,
Determinei por armas de tomá-la
E a Dóris meu caso manifesto.
De medo a Deusa então por mi lhe fala.
Mas ela, cum fermoso riso honesto,
Respondeu: - Qual será o amor bastante
De ninfa, que sustente o dum Gigante?
54 - Continua a resposta de Tétis: ela, para livrar o Oceano da
guerra, tentará solucionar o problema com dignidade. O
gigante afirma que, já que estava cego de amor, não percebeu
que as promessas que Dóris e Tétis lhe faziam eram
enganadoras.

Contudo, por livrarmos o Oceano


De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano.
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.
55 - Uma noite, louco de amor e desistindo da guerra, aparece-
lhe o lindo rosto de Tétis, única e nua. Como louco, o gigante
correu abrindo os braços para aquela que era a vida de seu
corpo e começou a beijá-la.

Já néscio, já da guerra desistindo,


Uma noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.
Como doudo corri de longe, abrindo
Os braços pera aquela que era a vida
Deste corpo e começo os olhos belos
A lhe beijar, as faces e os cabelos.
56 - Adamastor não consegue expressar a mágoa que sentiu,
porque, achando que beijava e abraçava Tétis, encontrou-se
abraçado a um duro monte. Sem palavras e imóvel, sentiu-se
como uma rocha diante de outra rocha.

Oh! Que não sei de nojo como o conte!


Que, crendo ter nos braços quem amava,
Abraçado me achei cum duro monte
De áspero mato e de espessura brava.
Estando cum penedo fronte a fronte,
Que eu polo rosto angélico apertava,
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo
E junto dum penedo outro penedo!
57 - Adamastor invoca Tétis, perguntando porque, se ela não
amava, não o manteve com a ilusão de abraçá-la. Dali ele partiu
quase louco pela mágoa e pela desonra procurando outro lugar
em que não houvesse quem risse de sua tristeza.

Ó Ninfa, a mais fermosa do Oceano,


Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada?
Daqui me parto, irado e quase insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.
58 - Os Titãs já foram vencidos e soterrados para maior
segurança dos deuses, contra quem não é possível lutar.
Adamastor anuncia, então, o seu triste destino.

Eram já neste tempo meus Irmãos


Vencidos e em miséria extrema postos,
E, por mais segurar-se Deuses vãos,
Alguns a vários montes sotopostos.
E, como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos,
Comecei a sentir do fado imigo,
Por meus atrevimentos, o castigo:
59 - A carne do gigante transformou-se em terra e os ossos em
pedra; os seus membros e a sua figura alongaram-se pelo mar; os
Deuses fizeram dele um Cabo. Para que sofra em dobro, Tétis
costuma banhar-se nas águas próximas.

Converte-se-me a carne em terra dura;


Em penedos os ossos se fizeram;
Estes membros que vês e esta figura
Por estas longas águas se estenderam;
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas,
Me anda Tétis cercando destas águas.
60 - O gigante desapareceu chorando e o mar soou longínquo.
Vasco da Gama ergue os braços ao céu e pede à Providência
Divina (a Deus) que os casos futuros contados por Adamastor não
se realizem. Revela que foi aprisionado em virtude de seu amor
por Tétis e lamenta o seu destino chorando medonhamente .

Assi contava; e, cum medonho choro,


Súbito d’ante os olhos se apartou.
Desfez-se a nuvem negra e cum sonoro
Bramido muito longe o mar soou.
Eu, levantando as mãos ao santo coro
Dos Anjos, que tão longe nos guiou,
A Deus pedi que removesse os duros
Casos que Adamastor contou futuros.
SIGNIFICADO E SIMBOLISMO DO ADAMASTOR

a) Geograficamente – simboliza o Cabo das Tormentas,


posteriormente chamado Cabo da Boa Esperança;
b) Mitologicamente – gigante apaixonado pela deusa
Tétis, transformado em promontório pelos deuses, que
não toleram ousadias; símbolo da frustração amorosa;
c) Simbolicamente – representa toda a série de
perigos e dificuldades que os portugueses tiveram de
enfrentar e vencer.
RESUMO DO EPISÓDIO DO GIGANTE
O episódio do Gigante Adamastor é relativamente curto.
Abarca apenas 24 estrofes. Boa parte do episódio é dialógico.
O espanto do encontro, do seu aparecimento (38), é seguido
pela descrição do gigante (39, 40).
Adamastor toma a palavra e ameaça os navegantes (41, 42, 44,
45, 46, 47 e 48). Perguntado acerca da sua identidade (49), o
Gigante revela que é o cabo das tormentas (50) e relata como,
em virtude de seu amor, foi transformado em pedra dura (51 à
59).
Assim como apareceu, o Adamastor desaparece, Vasco da
Gama fica apenas com a lembrança das ameaças feitas por ele
e a frota segue viagem (60 e 61)
 Camões coloca lado a lado uma personagem
histórica e uma mitológica. Vasco da Gama agiganta-
se diante do semideus pelo seu destemor (não foge,
questiona-o);

 Adamastor diminui-se diante do Capitão da frota ao


reconhecer-se prisioneiro de seu destino.

O poeta, através do confronto de personagens tão


singulares, ressalta o antropocentrismo. Ao homem
tudo é permitido, até mesmo desafiar um semideus.
Expressividade da Linguagem – alguns aspetos:

Quanto à sintaxe, predomina a inversão: Em ordem direta ficaria mais ou menos


assim:
(hipérbato e anástrofe)

"Eu sou aquele oculto e grande Cabo "Eu sou aquele grande Cabo oculto

A quem chamais vós outros Tormentório A quem vós outros chamais Tormentório

Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo Que nunca fui notório a Ptolomeu, Pompónio,

Plínio e quantos passaram fui notório. Estrabo, Plínio e quantos passaram.

Aqui toda a Africana costa acabo Toda a costa Africana aqui acabo,

Neste meu nuca visto Promontório, Neste meu nunca visto Promotório,

Que pera o Polo Antártico se estende, Que se estende para o Polo Antártico,

A quem vossa ousadia tanto ofende." A quem vossa ousadia tanto ofende."
Anástrofe – Inversão da ordem direta das palavras.

Exemplo:

“Tirar Inês ao mundo determina.”

Hipérbato – Inversão violenta da ordem dos elementos na


frase.

Exemplos:

“Casos/Duros que Adamastor contou futuros.”

“Estas sentenças tais o velho honrado Vociferando estava.”


(37) "Porém já cinco sóis eram passados"
(42) "Da natureza e do húmido elemento"

Através destas metonímias, o autor quer referir-se ao


tempo de cinco dias e cinco noites (est. 37) e ao mar
(est. 42) - definido pela sua qualidade.
Metonímia – Emprego de um vocábulo por outro, com o
qual estabelece uma relação de contiguidade (o continente
pelo conteúdo; o lugar pelo produto, o autor pela sua obra,
etc.).

Exemplos:

• O continente pelo conteúdo:

Tomar um copo (=um copo de vinho). Beber um Porto (=um cálice de


vinho do Porto).

• O escritor pelos escritos:

"ler Camões", "ler Aquilino"

Ando a ler Eugénio de Andrade (=a obra de…)


(38) "Bramindo o negro mar de longe brada“
(onomatopeias)

(43) "Fizer por estas ondas insofridas"


Através destas personificações (prosopopeias), o
autor atribui ao mar e às ondas atributos
genuinamente humanos. Aliás, "bramir" é sinónimo
de "bradar“ e este vocábulo pode referir-se
indistintamente ao barulho da natureza e à voz
humana.
“Bramindo o negro mar de longe brada.”

Onomatopeia – Conjunto de sons que reproduzem


ruídos do mundo físico. Este conjunto de sons pode
formar palavras com sentido (palavras onomatopaicas).
(45) "Serei eterna e nova sepultura"
Através desta metáfora (dupla adjetivação), o gigante
Adamastor comunica como pretende dar fim à vida dos
navegantes.

(42) "Pois vens ver os segredos escondidos


Da natureza e do húmido elemento
A nenhum grande humano concedidos"
Esta passagem é antitética. O gigante Adamastor pretende
revelar aos navegantes segredos a nenhum grande humano
revelados. Ora, se os navegantes são humanos, ainda que
grandes, não deveriam conhecer os segredos!
(39) "Não acabava, quando uma figura (nome)
Se nos mostra no ar, robusta e válida,
De disforme e grandíssima estatura (nome)
(40) "Tão grande era de membros que bem posso (verbo)
Certificar-se que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso (nome)

Como vimos anteriormente, as oitavas do poema apresentam


rimas abababcc. Destaque-se um exemplo de rima pobre e
outro de rima rica .

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