Você está na página 1de 18

O ADAMASTOR

1
CANTO V
Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora a
viagem da armada, de Lisboa a Melinde. Nesta etapa da viagem, os navegadores
enfrentam inú meros perigos que reforçam a ousadia dos portugueses. Os
fenó menos atmosféricos como o Fogo-de-santelmo e a Tromba Marítima geram
nos navegadores um grande receio, que estes conseguem superar.
Enfrentam a hostilidade dos nativos, no episó dio de Fernã o Veloso, um dos
marinheiros, e a fú ria de um monstro, no episó dio do Gigante Adamastor (est.37
a 60).
Ultrapassadas as dificuldades de navegaçã o, surge uma doença mortal: o
escorbuto, provocado pela falta de ingestã o de alimentos frescos.
Encerra-se aqui a longa narraçã o de Vasco da Gama ao rei de Melinde, iniciada
no canto III.
O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que
desprezam a Poesia.
ESTRUTURA DO EPISÓDIO
⮚ 1ª parte 🡪 Introdução (est.37 a 40)
▪ circunstâncias que preparam o aparecimento do Gigante – mudança inesperada
da bonança para sinais de grande tempestade (est.37 e 38);
▪ aparecimento e descrição do Adamastor (est.39 e 40).

⮚  2ª parte 🡪 Desenvolvimento (est.41 a 59)


▪ discurso ameaçador e profecias do Gigante (est.41 a 48);
▪ interpelação de Vasco da Gama – “Quem és tu?” (est.49);
▪ discurso autobiográfico do Gigante, relatando a sua história de amor por Tétis
(est.50 a 59)

⮚ 3ª parte 🡪 Conclusão (est.60)


▪ desaparecimento do Adamastor e prosseguimento da viagem de Vasco da Gama,
pedindo que os castigos anunciados pelo Gigante não se concretizem.
37 Localização no espaço e no tempo.
Porém já cinco Sóis eram passados Cinco dias/ Baia de St Helena
Que dali nos partíramos, cortando
Os mares nunca d'outrem navegados,
Prosperamente os ventos assoprando, A viagem corre sem percalços,
Quando ũa noite, estando descuidados estando os marinheiros
Na cortadora proa vigiando, despreocupados.
Ũa nuvem que os ares escurece,
Sobre nossas cabeças aparece.
  Aparecimento de uma nuvem e
38 ruídos feitos pelo mar.
Tão temerosa vinha e carregada, Aliteração b/d
Que pôs nos corações um grande medo;
Bramindo, o negro mar de longe brada,
Como se desse em vão nalgum rochedo.
- «Ó Potestade (disse) sublimada:
Estado de espírito dos
Que ameaço divino ou que segredo
navegadores que mostram medo.
Este clima e este mar nos apresenta,
Reação de Vasco da Gama.
Que mor cousa parece que tormenta?»
 
39 Vasco da Gama não havia
(Eu)Não acabava, quando ũa figura terminado de falar quando
Se nos mostra no ar, robusta e válida, surgiu uma figura enorme, de
De disforme e grandíssima estatura; rosto fechado, de olhos
O rosto carregado, a barba esquálida, encovados, de postura má, de
Os olhos encovados, e a postura cabelos crespos e cheios de
Medonha e má e a cor terrena e pálida; terra, de boca negra e de dentes
Cheios de terra e crespos os cabelos, amarelos. Esta passagem é
A boca negra, os dentes amarelos. descritiva, sendo a descrição
  importante para o objetivo do
40 narrador.
Tão grande era de membros que bem posso
Certificar-te que este era o segundo
De Rodes estranhíssimo Colosso, O Colosso de Rodes é uma das
Que um dos sete milagres foi do mundo. Sete Maravilhas do Mundo
Cum tom de voz nos fala, horrendo e grosso, Antigo. Mítica e imponente, era
Que pareceu sair do mar profundo. uma estátua de Apolo, à entrada
Arrepiam-se as carnes e o cabelo, de Rodes de aproximadamente
A mi e a todos, só de ouvi-lo e vê-lo! 40 metros que pesava 70
  toneladas. Era tão grande que os
Reação dos portugueses à visão navios passavam por baixo do
daquela figura. arco das suas pernas.
41 • Ira do Adamastor, justificada
E disse: - «Ó gente ousada, mais que quantas pela ousadia dos
No mundo cometeram grandes cousas, portugueses.
Tu, que por guerras cruas, tais e tantas,
E por trabalhos vãos nunca repousas, • Caracterização dos portugueses:
Pois os vedados términos quebrantas nunca repousam; são
E navegar meus longos mares ousas, persistentes, corajosos, ousados
Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, e atrevidos.
Nunca arados d'estranho ou próprio lenho;
 
42 Ênfase que se dá ao facto de
Pois vens ver os segredos escondidos aquelas águas nunca terem sido
Da natureza e do húmido elemento, navegadas por outros.
A nenhum grande humano concedidos
De nobre ou de imortal merecimento,
Ouve os danos de mi que apercebidos
Estão a teu sobejo atrevimento, Referência ao passado, presente e
Por todo o largo mar e pola terra futuro dos portugueses: guerras
Que inda hás-de sojugar com dura guerra. que travaram, ousadia que agora
  mostram e domínio futuro.
43
Sabe que quantas naus esta viagem Já que os portugueses descobriram os segredos do
Que tu fazes, fizerem, de atrevidas, mar, o gigante ordena-lhes que ouçam os sofrimentos
Inimiga terão esta paragem,
Com ventos e tormentas desmedidas; futuros, consequências do atrevimento.
E da primeira armada que passagem
Fizer por estas ondas insofridas, No ano de 1500, primeira armada de Pedro
Eu farei de improviso tal castigo Álvares Cabral perdeu ali quatro de suas naus.
Que seja mor o dano que o perigo!
 
Entre os desaparecidos estava Bartolomeu
44 Dias.
Aqui espero tomar, se não me engano,
De quem me descobriu suma vingança; A viagem para a índia decorre entre 1497 e
E não se acabará só nisto o dano 1499
De vossa pertinace confiança:
Antes, em vossas naus vereis, cada ano,
Se é verdade o que meu juízo alcança, Afirma que assim se vingará de seu
Naufrágios, perdições de toda sorte ,
Que o menor mal de todos seja a morte!
descobridor, Bartolomeu Dias, e que outras
  embarcações portuguesas serão destruídas por
45 ele.
E do primeiro Ilustre, que a ventura
Com fama alta fizer tocar os Céus,
Serei eterna e nova sepultura, É citado D. Francisco de Almeida, primeiro vice-
Por juízos incógnitos de Deus.
rei da Índia, que ali perderá a vida, em 1510.
Aqui porá da Turca armada dura
Os soberbos e prósperos troféus; Afirma que ali deixará os troféus da vitória
Comigo de seus danos o ameaça contra os turcos e que as cidades por ele
A destruída Quíloa com Mombaça. destruídas, Quíloa e Mombaça, o ameaçam.
 46
Outro também virá, de honrada fama,
Est. 46 Liberal, cavaleiro, enamorado,
Nesta estrofe, o gigante cita a E consigo trará a formosa dama
desgraça da família de Manuel de Que Amor por grão mercê lhe terá dado.
Triste ventura e negro fado os chama
Sousa Sepúlveda, cujo destino será Neste terreno meu, que, duro e irado,
tenebroso: depois de um naufrágio, Os deixará dum cru naufrágio vivos,
sofrerão muito. Este facto ocorre Pera verem trabalhos excessivos.
 
no ano de 1552.
47
  Verão morrer com fome os filhos caros,
Est. 47 Em tanto amor gerados e nascidos;
O gigante diz que os filhos queridos Verão os Cafres, ásperos e avaros,
de Manuel de Sousa Sepúlveda Tirar à linda dama seus vestidos;
Os cristalinos membros e perclaros
morrerão à fome e que a sua
À calma , ao frio, ao ar, verão despidos,
esposa será violentada pelos Depois de ter pisada, longamente,
habitantes de África, depois de Cos delicados pés a areia ardente.
caminhar pela areia do deserto.  
48
 
E verão mais os olhos que escaparem
Est. 48 De tanto mal, de tanta desventura,
Os sobreviventes do naufrágio Os dois amantes míseros ficarem
verão Manuel de Sousa Sepúlveda Na férvida, implacável espessura.
e sua esposa, que morrerão juntos, Ali, depois que as pedras abrandarem
Com lágrimas de dor, de mágoa pura,
ficarem no mato quente e inóspito.
Abraçados, as almas soltarão
Da formosa e misérrima prisão.»
Discurso profético do Gigante Adamastor.

A viagem para a Índia decorreu entre 1497 e 1499.


Passagem do Cabo das Tormentas por Vasco da Gama e seus marinheiros
ocorreu a 22 de novembro de 1497.
Luís Vaz de Camões concluiu a escrita da obra Os Lusíadas por volta de 1556.

Naufrágio da primeira armada e morte de Bartolomeu Dias: 1500


Morte do primeiro Vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida: 1510
Naufrágio e morte de Manuel de Sousa Sepúlveda e de sua família: 1552

10
49
Mais ia por diante o monstro horrendo,
Alteração da atitude de Vasco da
Dizendo nossos Fados, quando, alçado,
Lhe disse eu: - «Quem és tu? Que esse estupendo Gama. Simboliza a coragem e a
Corpo, certo, me tem maravilhado!» curiosidade dos portugueses
A boca e os olhos negros retorcendo (heroísmo desta figura que se
E dando um espantoso e grande brado, assume como representante de
Me respondeu, com voz pesada e amara,
uma nação).
Como quem da pergunta lhe pesara:
 
50
-«Eu sou aquele oculto e grande Cabo Alteração da atitude do Adamastor
A quem chamais vós outros Tormentório,
Que nunca a Ptolomeu, Pompónio, Estrabo, (humanização da figura).
Plínio e quantos passaram fui notório.
Aqui toda a Africana costa acabo
Neste meu nunca visto Promontório, Localização geográfica do Cabo
Que pera o Pólo Antártico se estende,
A quem vossa ousadia tanto ofende.
 
51
Fui dos filhos aspérrimos da Terra, Adamastor diz que era um dos
Qual Encélado, Egeu e o Centimano;
Chamei-me Adamastor, e fui na guerra Titãs, gigantes que lutavam contra
Contra o que vibra os raios de Vulcano; Júpiter e que sobrepunham montes
Não que pusesse serra sobre serra, para alcançar o Olimpo. Ele, no
Mas, conquistando as ondas do Oceano, entanto, buscava a armada de
Fui capitão do mar, por onde andava
Neptuno, nos mares.
A armada de Neptuno, que eu buscava.
52
Amores da alta esposa de Peleu
Me fizeram tomar tamanha empresa;
Todas as Deusas desprezei do Céu,
Só por amar das águas a Princesa.
Est. 52
Um dia a vi, com as filhas de Nereu,
Adamastor viu Tétis nua na praia e apaixonou-
Sair nua na praia e logo presa
A vontade senti de tal maneira se por ela, não havendo ainda algo que deseje
Que inda não sinto cousa que mais queira. mais do que ela.
   
53 Est. 53
Como fosse impossíbil alcançá-la, Como jamais conquistaria Tétis porque era
Pola grandeza feia de meu gesto, muito feio, Adamastor resolveu conquistá-la
Determinei por armas de tomá-la por meio da guerra, manifestando a sua
E a Dóris este caso manifesto. intenção a Dóris, mãe de Tétis.
De medo a Deusa então por mi lhe fala;  
Mas ela, cum formoso riso honesto, Est. 54
Respondeu: - «Qual será o amor bastante Tétis, para livrar o Oceano da guerra, tentará
De Ninfa, que sustente o dum Gigante? solucionar o problema com dignidade. O
  gigante afirma que, já que estava cego de
54
amor, não percebeu que as promessas que
Contudo, por livrarmos o Oceano
Dóris e Tétis lhe faziam eram mentirosas.
De tanta guerra, eu buscarei maneira
Com que, com minha honra, escuse o dano.»  
Tal resposta me torna a mensageira.
Eu, que cair não pude neste engano
(Que é grande dos amantes a cegueira),
Encheram-me, com grandes abondanças,
O peito de desejos e esperanças.
 55
Já néscio, já da guerra desistindo,
Ua noite, de Dóris prometida,
Me aparece de longe o gesto lindo
Da branca Tétis, única, despida.  
Como doudo corri de longe, abrindo Est. 55
Os braços pera aquela que era vida Uma noite, louco de amor e desistindo da
Deste corpo, e começo os olhos belos guerra, aparece-lhe o lindo rosto de Tétis,
A lhe beijar, as faces e os cabelos. única e nua. Como louco, o gigante correu
  abrindo os braços para aquela que era a vida
56 de seu corpo e começou a beijá-la.
Oh que não sei de nojo como o conte!  
Que, crendo ter nos braços quem amava, Est. 56
Abraçado me achei cum duro monte Encontrou-se abraçado a um duro monte.
De áspero mato e de espessura brava. Sem palavras e imóvel, sentiu-se como uma
Estando cum penedo fronte a fronte,
rocha diante de outra rocha.
Qu'eu polo rosto angélico apertava,
 
Não fiquei homem, não; mas mudo e quedo
E, junto dum penedo, outro penedo!
Est. 57
  Adamastor invoca Tétis, perguntando porque,
57 se ela não amava, não o manteve com a
Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano, ilusão de abraçá-la. Dali, ele partiu quase
Já que minha presença não te agrada, louco pela mágoa e pela desonra, procurando
Que te custava ter-me neste engano, outro lugar em que não houvesse quem risse
Ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada? de sua tristeza.
Daqui me parto, irado e quasi insano
Da mágoa e da desonra ali passada,
A buscar outro mundo, onde não visse 13
Quem de meu pranto e de meu mal se risse.
58
Eram já neste tempo meus Irmãos
Vencidos e em miséria extrema postos, Os Titãs já foram vencidos e
E, por mais segurar-se os Deuses vãos, soterrados para maior segurança
Alguns a vários montes sotopostos.
dos deuses, contra quem não é
E, como contra o Céu não valem mãos,
Eu, que chorando andava meus desgostos, possível lutar. Adamastor anuncia,
Comecei a sentir do Fado imigo, então, o seu triste destino.
Por meus atrevimentos, o castigo:
 
59
Converte-se-me a carne em terra dura; A carne do gigante transformou-se
Em penedos os ossos se fizeram; em terra e os ossos em pedra; os
Estes membros que vês, e esta figura, seus membros e a sua figura
Por estas longas águas se estenderam.
alongaram-se pelo mar; os Deuses
Enfim, minha grandíssima estatura
Neste remoto Cabo converteram fizeram dele um Cabo. Para que
Os Deuses; e, por mais dobradas mágoas, sofra a dobrar, Tétis costuma
Me anda Tétis cercando destas águas.» banhar-se nas águas próximas.
 
60
Assim contava; e, cum medonho choro,
O gigante desapareceu chorando e
Súbito d'ante os olhos se apartou;
Desfez-se a nuvem negra, e cum sonoro o mar soou longínquo. Vasco da
Bramido muito longe o mar soou. Gama ergue os braços ao céu e
Eu, levantando as mãos ao santo coro pede aos anjos que os casos futuros
Dos Anjos, que tão longe nos guiou, contados por Adamastor não se
A Deus pedi que removesse os duros
realizem.
Casos, que Adamastor contou futuros.
Este episódio é importante, pois nele concentram-se as grandes linhas da epopeia:

⮚ O real maravilhoso (dificuldade na passagem do Cabo);

⮚ A existência de profecias (História de Portugal);

⮚ Lirismo (história de amor, que irá ligar-se, mais tarde, à narração


maravilhosa da Ilha dos Amores);

⮚ É um episódio trágico, de amor e morte;

⮚ É também um episódio épico, em que se consolida a vitória do Homem sobre


os elementos (água, fogo, terra, ar).
Simbologia

Geograficamente Historicamente

Representa as dificuldades e os
Simboliza o Cabo das Tormentas obstáculos que os portugueses tiveram
que enfrentar nas suas viagens.

▪ Significa a frustração amorosa pelo


amor não correspondido;
Mitologicamente
▪ Simboliza também o castigo por
enfrentar os deuses
FICHA DE TRABALHO
“O Gigante Adamastor” “O Mostrengo”
Refere-se à viagem de Bartolomeu Dias,
✔Refere-se à viagem de Vasco da Gama, em 1497, quando ✔em 1487, quando foi dobrado o Cabo da
os navegantes passaram o Cabo da Boa Esperança.
Boa Esperança.
✔É uma figura enorme, disforme mas com aspeto e ✔O Mostrengo, semelhante a um animal,
atitudes humanas, surge numa noite escura e
tempestuosa. voa, chia e surge na noite escura.

✔Inspira medo através de movimentos


✔Inspira medo, que, mais tarde, irá ser superado. circulares, ameaçadores e opressivos;
mais tarde, esse medo, irá ser superado.
✔Existe uma relação de desigualdade. ✔Existe uma relação de desigualdade.
✔Reconhece a coragem do marinheiro,
✔Exalta e elogia o povo português. representante da vontade do Rei e do
povo português.
✔Desaparece subitamente.
✔Conhece bem os feitos dos portugueses.
✔Representa o Cabo da Boa Esperança ou das
Tormentas, as tempestades, os naufrágios, as ✔Simboliza todos os perigos que
mortes e todos os perigos que os portugueses advêm da navegação por mares
enfrentarão e simboliza a excelência do Homem em desconhecidos.
relação aos deuses.

Você também pode gostar