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INSTITUTO FRANCISCA PAULA DE JESUS

LÍNGUA PORTUGUESA – 1º TRIMESTRE

Nome: ____________________________________________Nº ___ 3ª Série


Referência: Pré-Modernismo Ensino Médio
Data: ___/ ___/ 2023 Professora: Andresa Bernardino
PRÉ-MODERNISMO: TEXTOS IMPORTANTES!

TEXTO I

VERSOS ÍNTIMOS

Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

(Eu e outros poemas, 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965)

TEXTO II

PSICOLOGIA DE UM VENCIDO

Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia,
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário de ruínas —


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida, em geral, declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
(Eu e outros poemas, 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965)
TEXTO III

Ao sobrevir das chuvas, a terra, como vimos, transfigura-se em mutações fantásticas, contrastando com a
desolação anterior. Os vales secos fazem-se rios. Insulam-se os cômoros escalvados, repentinamente verdejantes.
A vegetação recama de flores, cobrindo-os, os grotões escancelados, e disfarça a dureza das barrancas, e
arredonda em colinas os acervos de blocos disjungidos — de sorte que as chapadas grandes, intermeadas de convales,
se ligam em curvas mais suaves aos tabuleiros altos. Cai a temperatura. Com o desaparecer das soalheiras anula-se a
secura anormal dos ares. Novos tons na paisagem: a transparência do espaço salienta as linhas mais ligeiras, em todas
as variantes da forma e da cor.
Dilatam-se os horizontes. O firmamento sem o azul carregado dos desertos alteia-se, mais profundo, ante o
expandir revivescente da terra.
E o sertão é um vale fértil. É um pomar vastíssimo, sem dono.

Trecho de “Uma categoria geográfica que Hegel não citou”, capítulo 5 do livro I, “A Terra”. In Os Sertões, 1902.

TEXTO IV

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o
desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O
andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-
o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A
pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o
animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da
sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear
característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo
motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo —
cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo
fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e
adorável.
É o homem permanentemente fatigado.

Trecho de “O sertanejo”, capítulo 3 do livro II, “O Homem”. In Os Sertões, 1902.

TEXTO V

O mal era antigo.


O trato do território, que recortam as cadeias de Sincorá até às margens do S. Francisco, era, havia muito,
dilatado teatro de tropelias às gentes indisciplinadas do sertão.
Opulentada de esplêndidas minas, aquela paragem, malsina-a a própria opulência. Procuram-na há duzentos
anos irrequietos aventureiros ferrotoados pelo anelo de espantosas riquezas, e eles, esquadrinhando afanosamente os
flancos das suas serranias e as nascentes dos rios, fizeram mais do que amaninhar a terra com a ruinaria das catas e o
indumento áspero das grupiaras: legaram à prole erradia e, de contágio, aos rudes vaqueiros que os seguiram, a mesma
vida desenvolta e inútil livremente expandida na região fecunda, onde por muitos anos foram moeda corrente o ouro
em pó e o diamante bruto.
De sorte que, sem precisarem despertar pela cultura as energias de um solo em que não se fixam e atravessam
na faina desnorteada de faiscadores, conservaram na ociosidade turbulenta a índole aventureira dos avós, antigos
fazedores de desertos. E como, a pouco e pouco, se foram exaurindo os cascalhos e afundando os veeiros, o
banditismo franco impôs-se-lhes como derivativo à vida desmandada.
O jagunço, saqueador de cidades, sucedeu ao garimpeiro, saqueador da terra. O mandão político substituiu o
Capangueiro decaído.

Trecho de “Preliminares”, capítulo 1 do livro III, “A Luta”. In Os Sertões, 1902.

TEXTO VI

Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os
cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas
bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos
arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes
de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas...
A catinga, mirrada e nua, apareceu repentinamente desabrochando numa florescência extravagantemente
colorida no vermelho forte das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos talins e
estribos oscilantes...
Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho
seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo.
Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas
pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.

Trecho de “Uma diversão cruel”, capítulo 4 do livro III, “A Luta”. In Os Sertões, 1902.

TEXTO VII

LENTZ – Não acredito que da fusão com espécies radicalmente incapazes resulte uma raça sobre que se possa
desenvolver a civilização. Será sempre uma cultura inferior, civilização de mulatos, eternos escravos em revoltas e
quedas. Enquanto não se eliminar a raça que é o produto de tal fusão, a civilização será sempre um misterioso
artifício, todos os minutos rotos pelo sensualismo, pela bestialidade e pelo servilismo inato do negro. O problema
social para o progresso de uma região como o Brasil está na substituição de uma raça híbrida, como a dos mulatos, por
europeus. A imigração não é simplesmente para o futuro da região do País um caso de simples estética, é antes de tudo
uma questão complexa, que interessa o futuro humano.

MILKAU – A substituição de uma raça não é remédio ao mal de qualquer civilização. Eu tenho para mim que
o progresso se fará numa evolução constante e indefinida. Nesta grande massa da humanidade há nações que chegam
ao maior adiantamento, depois definham e morrem, outras que apenas esboçam um princípio de cultura para
desaparecerem imediatamente; mas o conjunto humano, formado dos povos, das raças, das nações, não para em sua
marcha, caminha progredindo sempre, e os seus eclipses, os seus desmaios não são mais que períodos de
transformações para épocas fecundas e melhores. É a fatalidade do Universo que se cumpre nesse Todo que é uma
parte dele... Quando não há um trabalho à flor das coisas, luminoso e doce, há uma elaboração subterrânea, tenebrosa
e forte. Às vezes, é num ponto isolado da superfície que se dá a opacidade das trevas, e pela fusão um povo aí se
forma recapitulando a civilização desde o seu ponto inicial e preparando-se para levar o progresso mais longe que os
povos geradores...
Trecho de Canaã, 1902.
TEXTO VIII

LENTZ – Não, Milkau, a força é eterna e não desaparecerá; cada dia ela subjugará o escravo. Essa civilização,
que é o sonho da democracia, da fraternidade, é uma triste negação de toda a arte, de toda a liberdade e da própria
vida. O homem deve ser forte e querer viver, e aquele que um dia atinge a consciência de sua personalidade, que se
entrega a uma livre expansão dos seus desejos, aquele que na opulência de uma poesia mágica cria para si um mundo
e o goza, aquele que faz tremer o solo, e que é ele próprio uma floração da força e da beleza, esse é homem e senhor.
O fim de toda a sua vida não é a ligação vulgar e mesquinha entre os homens; o que ele busca no mundo é realizar as
expressões, as inspirações da Arte, as nobres, indomáveis energias, os sonhos e as visões do poeta, para conduzir
como chefe, como pastor, o rebanho. Que importam a solidariedade e o amor? Viver a vida na igualdade é apodrecer
num charco...

MILKAU – Toda a marcha humana é uma aspiração da liberdade; esta é o verdadeiro apoio, o estímulo, a
razão de ser de uma sociedade. A ordem não é um princípio moral; é apenas um fator preexistente e indispensável ao
conceito social; não pode haver sociedade sem ordem, como cálculo sem números; a harmonia existirá por momentos,
mesmo num regímen de escravos e de senhores, mas será instável, e sem a liberdade não há ordem possível; a busca e
a realização da liberdade como fundamento da solidariedade são o fim de toda a existência... Mas para aí chegar, que
caminho não percorreu o homem!... A liberdade é como a própria vida, nasce e cresce na dor...

Trecho de Canaã, 1902.

TEXTO IX

Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas as características
da espécie.
Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre os lábios a palha
de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada de esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só
então destrava a língua e a inteligência.
– “Não vê que...”
De pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa.
De noite, na choça de palha, acocora-se em frente ao fogo para “aquentá-lo”, imitado da mulher e da prole.
Para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostar um cabo de foice, fazê-lo noutra posição será
desastre infalível. Há de ser de cócoras.
Nos mercados, para onde leva a quitanda domingueira, é de cócoras, como um faquir do Bramaputra, que
vigia os cachinhos de brejaúva ou o feixe de três palmitos.
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...
Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama
pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jiçara, guabirobas, bacuparis,
maracujás, jataís, pinhões, orquídeas; ou artefatos de taquara-poca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de
caçador; ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilõezinhos, colheres de pau. Nada mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe.

Trecho de ”Urupês”, conto do livro homônimo Urupês, 1918.

TEXTO X

Vê-se assim que sua predileção pela poética de Porto Alegre e Magalhães não lhe vinha de uma irremediável
ignorância das línguas literárias da Europa; ao contrário, o major conhecia bem sofrivelmente francês, inglês e
alemão; e se não falava tais idiomas, lia-os e traduzia-os correta- mente. A razão tinha que ser encontrada numa
disposição particular de seu espírito, no forte sentimento que guiava sua vida. Policarpo era patriota. Desde moço, aí
pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um
sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou
melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os
seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa.

Trecho de O triste fim de Policarpo Quaresma, 1915.

TEXTO XI

E era agora que ele chegava a essa conclusão, depois de ter sofrido a miséria da cidade e o emasculamento da
repartição pública, durante tanto tempo! Chegara tarde, mas não a ponto de que não pudesse antes da morte travar
conhecimento com a doce vida campestre e a feracidade das terras brasileiras. Então pensou que foram vãos aqueles
seus desejos de reformas capitais nas instituições e costumes: o que era principal à grandeza da pátria estremecida, era
uma forte base agrícola, um culto pelo seu solo ubérrimo, para alicerçar fortemente todos os outros destinos que ela
tinha de preencher.
Demais, com terras tão férteis, climas variados, a permitir uma agricultura fácil e rendosa, este caminho estava
naturalmente indicado. [...]
Abriu a porta; nada viu. Ia procurar nos cantos, quando sentiu uma ferroada no peito do pé. Quase gritou.
Abaixou a vela para ver melhor e deu com uma enorme saúva agarrada com toda a fúria à sua pele magra. Descobriu a
origem da bulha. Eram formigas que, por um buraco no assoalho, lhe tinham invadido a despensa e carregavam as
suas reservas de milho e feijão, cujos recipientes tinham sido deixados abertos por inadvertência. O chão estava negro,
e carregadas com os grãos, elas, em pelotões cerrados, mergulhavam no solo em busca da sua cidade subterrânea. [...]
Quis afugentá-las. Matou uma, duas, dez, vinte, cem; mas eram milhares e cada vez mais o exército
aumentava. Veio uma, mordeu-o, depois outra, e o foram mordendo pelas pernas, pelos pés, subindo pelo seu corpo.
Não pôde aguentar, gritou, sapateou e deixou a vela cair.

Trecho de O triste fim de Policarpo Quaresma, 1915.

TEXTO XII

Desde dezoito anos que o tal patriotismo o absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe
importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem… Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos
heróis do Brasil? Em nada… O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi,
do folklore, das suas tentativas agrícolas… Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a
agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o
seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a
viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção.
A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era
um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seu gabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual,
nem a política que julgava existir, havia.

Trecho de O triste fim de Policarpo Quaresma, 1915.

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