Você está na página 1de 23

Pré-Modernismo

(1902-1922)
A pátria
Pedro Bruno, 1919
Caipira picando fumo
Almeida Júnior, 1893
Violeiro
Almeida Júnior, 1899
Os sertões
Euclides da Cunha

“Na significação integral da palavra, um crime”


Os sertões
Euclides da Cunha
✓ Guerra de Canudos (1896 – 1897)
✓ 1902 – publicação de Os sertões
✓ Antônio Conselheiro
✓ Desprezo das metrópoles pelo sertão e pelo sertanejo
✓ Genocídio interno
✓ Consolidação da República
✓ Truculência do Estado
✓ Denúncia da falsa justificativa para o massacre (ameaça à República)
✓ Virada de consciência do autor ao longo da narrativa
✓ Paisagem arruinada
✓ Ecos contemporâneos – violência institucionalizada
Os sertões, Euclides da Cunha
O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-
lhe a plástica impecável, o desempenho, a estrutura corretíssima das organizações
atléticas.
É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a
fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gigante e sinuoso,
aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente
abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade
deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou
parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um
conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela.
Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança
celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os
meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para
enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeiramente conversa com um amigo,
cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de
equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés,
sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.
É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na
palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na
cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à
quietude. Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.
Nada é mais surpreendedor do que vê-lo desaparecer de improviso.
Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações
completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o
desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se.
Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no
gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes, aclarada
pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa
descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos
órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro, reponta, inesperadamente,
o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento
surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
Urupês, Monteiro Lobato
Jeca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne
onde se resumem todas as características da espécie.
Ei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro
movimento após prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de
fumo e disparar a cusparada d’esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os
calcanhares. Só então destratava a língua e a inteligência.
(...)
De pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não
há de dizer coisa com coisa. (...)
Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade! Jeca
mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...
(...)
Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do
menor esforço — e nisto vai longe.
Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos
bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. (...) Às
vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas — para os
hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio, inútil, portanto, meter a
quarta, que ainda o obrigaria a nivelar com o chão. Para que
assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares
sobre os quais se sentam?
Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo —
colher, garfo e faca a um tempo?
(...) Seus remotos avós não gozaram de maiores comodidades.
Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se
bem sem isso. (...) Remendo... Para quê? Se uma casa dura dez anos
e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia
economiza reparos. (...) Todo o inconsciente filosofar do caboclo
grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada
paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se
vive.
Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto
Errava quem quisesse encontrar nele qualquer regionalismo; Quaresma
era antes de tudo brasileiro. Não tinha predileção por esta ou aquela parte
de seu país, tanto assim que aquilo que o fazia vibrar de paixão não eram
só os pampas do Sul com seu gado, não era o café de São Paulo, não eram o
ouro e os diamantes de Minas, não era a beleza da Guanabara, não era a
altura da Paulo Afonso, não era o estro de Gonçalves Dias ou o ímpeto de
Andrade Neves – era tudo isso junto, fundido, reunido, sob a bandeira
estrelada do Cruzeiro.

Logo aos dezoito anos quis fazer-se militar; mas a junta de saúde julgou-o
incapaz. Desgostou-se, sofreu, mas não maldisse a Pátria. O ministério era
liberal, ele se fez conservador e continuou mais do que nunca a amar a
"terra que o viu nascer." Impossibilitado de evoluir-se sob os dourados do
Exército, procurou a administração e dos seus ramos escolheu o militar.
Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a Pátria, nas suas
riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na
sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais,
que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por
Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai, as nascentes e o
curso de todos os rios. Defendia com azedume e paixão a proeminência do
Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime
de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do "seu" rio
que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral,
calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a
extensão do Amazonas em face da do Nilo.
Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a
língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que por esse
fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem
na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos
proprietários da língua; sabendo além, que dentro do nosso país os autores
e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no
tocante à correção gramatical, vendo-se diariamente surgir azedas
polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma – usando
do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso
Nacional decrete o tupi-guarani como língua oficial e nacional do povo
brasileiro.

O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em


favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta
manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e
original; e portanto, a emancipação política do país requer como
complemento e consequência a sua emancipação idiomática.
Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima,
aglutinante, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em
relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos
vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda
vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para
que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias
gramaticais oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra
região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal –
controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária,
científica e filosófica.

Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para


realizar semelhante medida, e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão
o seu alcance e utilidade

P. e E. deferimento
Augusto dos Anjos
Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
O morcego

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.


Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."


– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego


A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!


Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto.
Idealização da humanidade futura

Rugia nos meus centros cerebrais


A multidão dos séculos futuros
— Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! —

Não sei que livro, em letras garrafais,


Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários


Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,


Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
Versos a um coveiro

Numerar sepulturas e carneiros,


Reduzir carnes podres a algarismos,
Tal é, sem complicados silogismos,
A aritmética hedionda dos coveiros!

Um, dois, três, quatro, cinco... Esoterismos


Da Morte! E eu vejo, em fúlgidos letreiros,
Na progressão dos números inteiros
A gênese de todos os abismos!

Oh! Pitágoras da última aritmética,


Continua a contar na paz ascética
Dos tábidos carneiros sepulcrais

Tíbias, cérebros, crânios, rádios e úmeros,


Porque, infinita como os próprios números,
A tua conta não acaba mais!
Brasil:
❖ subdesenvolvimento
❖ conflitos internos (Revolta da Vacina, Chibata, Canudos etc.)
❖ desigualdades regionais profundas (Amazônia e São Paulo X
Nordeste)
❖ nascimento da República (1889)

Tipos brasileiros:
❖ suburbanos
❖ sertanejos
❖ imigrantes
❖ caipiras (figura do Jeca Tatu – acomodado e ignorante)
Principais elementos estéticos:

❖ denúncia da realidade brasileira


❖ preferência por temas políticos, econômicos, sociais
❖ literatura se aproxima da realidade factual (literatura e história)
❖ linguagem jornalística
❖ anseio do público leitor por acompanhar os acontecimentos
contemporâneos
❖ linguagem mais livre, menos acadêmica (mas ainda conservadora
em relação aos autores modernistas)
❖ mistura de tendências da segunda metade do século XIX e anúncio
de elementos modernistas
❖ principais autores: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça
Aranha, Monteiro Lobato, Augusto dos Anjos

Você também pode gostar