Você está na página 1de 8

APRESENTAÇÃO ORAL DE PORTUGUES

Sermão de Santo António aos peixes


A frase inicial do capítulo IV ("Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os
vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões." funciona como uma
charneira que estabelece a ligação entre dois momentos diferentes do sermão: o anterior
em que se louvaram as virtudes dos peixes, o posterior em que se apontarão os seus
defeitos. O principal defeito dos peixes é, segundo Vieira, que apoia a sua argumentação
no pensamento de Santo Agostinho, o facto de se comerem uns aos outros. Este
escândalo é intensificado pela circunstância de serem os grandes que comem os
pequenos, daí que "como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos,
nem mil, para um só grande". Se a situação fosse inversa, isto é, se os pequenos
comessem os grandes, o mal não seria tão grande, porque "bastara um grande para
muitos pequenos".
Não esqueçamos que toda o sermão é alegórico, dai que o tema trabalhando neste
capítulo seja o da exploração dos pobres e indefesos pelos poderosos e prepotentes, a
antropofagia social. Vieira recorre às palavras de Santo Agostinho para credibilizar a
sua opinião: "Os homens, com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes
que se comem uns aos outros." Vieira continua a criticar os peixes, afirmando que não
percebe como sendo todos irmãos e vivendo no mesmo elemento, se comem uns aos
outros. Para lhes mostrar quão feio é o seu pecado, vai recorrer ao exemplo dos homens.
Os peixes são, então, convidados a olhar para a terra, não para os matos (o que seria
previsível, visto que a antropofagia não deveria ser uma prática comum entre homens
“civilizados"), mas mais precisamente para a cidade. Assim, poderão constatar nos
homens os seus próprios defeitos, nomeadamente o modo como se comem, ou seja se
explorar uns aos outros. A repetição da forma verbal "comer', asso ciada à sua
polissemia. sublinha a vasta dimensão desta antropofagia social- Pois tudo aquilo é
andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer. A partir
desta generalização, Vieira centra-se num caso particular. o de alguém que acabou de
morrer e cujos familiares e amigos querem logo despedaçá-lo e come-lo Os herdeiros,
os testamenteiros, os legatários os acredores os oficiais decorados das defunto e dos
ausentes, o médico que "o curou ou ajudou a morrer", o sangrador a mulher, o coveiro,
“o que lhe tange os sinos", e "os que, cantando, o levam a enterrar. Embora o exemplo
apresentado mostre o quão mórbida e inaceitável é esta situação, Vieira desculpa
aqueles que "comeram", ou seja, tiraram dividendos do morto, porque, para o orador,
pior São aqueles que comem exploram, sem escrúpulos, os vivos. E o caso dos
inúmeros Job que povoam a terra. Geralmente são homens perseguidos pela justiça
perversa e viciada, homens "perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, explorados
pelo meirinho, pelo carcereiro, pelo escrivão, pelo solicitador, pelo advogado, pelo
julgador, sendo sentenciados e executados, antes mesmo de julgados. O orador sublinha
a crueldade dos homens, referindo que até mesma os corvos só comem o enforcado
depois de executado. Em seguida, Vieira assume um tom mais violento e interventivo,
referindo-se à injustiça e às maldades causadas por: serem "os maiores que comem os
pequenos" serem os pequenos comidos "de qualquer modo”; serem os grandes aqueles
"que têm o mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome de comer os
pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos
inteiros “serem os pequenos comidos como se fossem pão, ou seja, um alimento que se
come quotidiana e indiscriminadamente “o pão é comer de todos as dias, que sempre e
continuadamente se come", serem os pequenos comidos em qualquer momento “não só
de dia, senão também de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens".
As críticas à crueldade dos peixes maiores para com os mais pequenos continuam e
Vieira alerta os primeiros que ninguém está imune de ser "apanhado" por outro ainda
maior: "Vai o xaréu correndo atrás do bagre, como o cão após a lebre, e não vê o cego
que lhe vem nas costas o tubarão com g quatro ordens de dentes, que o há de engolir de
um bocado.” Vieira tenta, então, convencer os peixes a não se comerem uns aos outros,
referindo-se ao dilúvio e à arca de Noé. Na arca, os animais da f terra do ar, que
costumavam comer-se uns aos outros, não o fizeram por uma questão de sobrevivência
e todos viveram em paz, Por isso, os peixes devem seguir o seu exemplo, evidenciando
atitudes de temperança e benevolência. Os peixes são, ainda, acusados de outros
defeitos: a ignorância e a cegueira, que os faz serem pescados e perderem a vida, sendo
"Enganados por um retalho de pano”. Mais uma vez, o orador mostra que também os
homens se deixam enganar por "uns retalhos de pano", dando o exemplo dos homens do
Maranhão que se endividam, perdendo tudo o que ganharam durante um ano por
"quatro varreduras' das lojas" que já não se usam em Portugal "Todos a trabalhar toda a
vida, ou na roça, ou na cana, ou no engenho, ou no tabacal; e este trabalho de toda a
vida, quem o leva?[...] No triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo
o ano.”
O capítulo termina com mais uma referência a Santo António. Vieira começa por referir
que os peixes não necessitam de se perder, como os homens, pelos panos, pois Deus
vestiu-os com escamas brilhantes e vistosas. Melhor será seguir o exemplo do santo que
preferiu a sobriedade à ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a
santidade "Sendo moço e nobre, deixou as galas, trocou-as por uma loba de sarja e uma
correia de cónego regrante; e depois. trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda."
Foi com esta postura simples e humilde que Santo António conseguiu converter muitos
homens desviados da fé.

No capítulo V o Padre António Vieira depois de ter apresentado uma crítica à


generalidade dos peixes, no capítulo anterior, Vieira enuncia agora os principais
defeitos e vícios de alguns destes animais, em particular.
 A primeira espécie a ser criticada é o grupo dos roncadores, símbolo dos
arrogantes e dos soberbos.
Estes "peixinhos tão pequenos" e tão vulneráveis que ("com uma linha de coser e um
alfinete torcido vos pode pescar um aleijado") emitem um som forte que os faz ser "as
roncas do mar", enquanto outros peixes de maior envergadura, como o espadarte, se
limitam ao seu silêncio. Vieira interroga-se sobre tal contrassenso, embora a resposta
seja óbvia, segundo o pregador: “Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem
pouca língua”.
 Assim, os roncadores simbolizam aqueles que se autopromovem, exibindo a sua
vaidade e poder, sendo, por isso, arrogantes.
Vieira exemplifica a triste sorte dos roncadores, referindo o caso de Pedro, o
discípulo de Cristo. A este apóstolo, apesar de ter afirmado que defenderia até à
morte o seu Senhor, bastou-lhe uma simples invetiva de uma mulher, após a prisão
de Cristo, no Horto das Oliveiras, para negar que conhecia o seu Mestre: "e bastou a
voz de uma mulherzinha para o fazer tremer e negar."
O conselho final de Vieira parece irrebatível, pois se tal aconteceu a S. Pedro, muito
menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância. Mesmo os peixes
maiores, como as baleias, não teriam razão para roncar, porque também o gigante
Golias foi vencido por um pequeno pastor, David. Vieira recorre, de novo, a um
exemplo bíblico para reiterar que os arrogantes e os soberbos pensam que são Deus,
mas acabam por sair diminuídos e humilhados, porque "quem se toma com Deus
sempre fica debaixo".
Os homens que "roncam" são, geralmente, os que têm o saber ou o poder, tal como
Caifás e Pilatos, os algozes de Cristo. No entanto, o símbolo da verdadeira sabedoria,
Santo António, nunca teve de se "blasonar disso," ou seja, nunca se vangloriou das suas
capacidades, confinando-se à sua condição de servo de Deus “E porque tanto calou, por
isso deu tamanho brado".
 Os pegadores, representação dos oportunistas, são outra das espécies
piscícolas criticadas.
Estes peixes pequenos agarram-se ao dorso dos peixes maiores, que não conseguem
livrar-se deles, vivendo como parasitas às custas dos seus hospedeiros: "o peixe
grande não pode dobrar a cabeça, nem voltar a boca sobre os que traz às costas, e
assim lhes sustenta o peso e mais a fome."
Partindo do exemplo destes pequenos peixes, Vieira tece uma violenta crítica ao
aparelho colonial português, referindo que estes animais aprenderam a ser parasitas
com os portugueses, porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta para as
conquistas sem ir rodeado de larga comitiva. Os mais inteligentes tentam construir a
sua vida autonomamente, mas os mais preguiçosos acabam como os pegadores que,
quando o tubarão, que Ihes serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele,
porque a ele estão pegados.

Vieira refere, então, um exemplo bíblico que ilustra a triste sorte dos pegadores: a
familia de Herodes, que perseguiu a Sagrada Familia e que soçobrou com o seu
patriarca. Mas os pegadores não são apenas exemplo das más práticas, pois "Deus
também tem os Seus pegadores", aqueles que espalham a palavra divina: David seguiu
Deus, Santo Cristo e ambos foram bem-sucedidos.
O conselho que Vieira deixa aos pegadores é o de que se despeguem dos seus
hospedeiros, para não pagarem pelos pecados que eles cometeram: "Que morra o
tubarão porque comeu, matou-o a sua gula; mas que morra o pegador pelo que não
comeu, é a maior desgraça que se pode imaginar!"
Vieira centra, a seguir, a sua atenção nos voadores, representação dos ambiciosos.
Estes animais criados por Deus para serem peixes, como têm umas barbatanas maiores
do que a generalidade dos peixes, querem imitar as aves.
Esta ambição de se quererem transformar naquilo que verdadeiramente não são só lhes
traz sofrimento ("mata-vos a vossa presunção e o vosso capricho"), porque estão
sujeitos aos perigos do mar e aos perigos do ar: no mar morrem enganados pelo isco e
no ar morrem porque as velas as cordas e os laços dos barcos transformam-se em redes,
apanhando-os.
O conselho do pregador é o de que os homens se devem contentar com aquilo que são,
porque "Quem quer mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem."
Como é recorrente neste sermão, Vieira refere Santo António como exemplo de alguém
que sempre se demarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir
também fazem descer, o que pode precipitar a destruição. Santo António preferiu, pois,
remeter-se à sua humildade: "Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para
descer." Tal como Santo António, também os voadores deverão, humildemente,
recolher-se às covas do mar, onde não estarão expostos à insegurança e à morte
prematura.
A última criatura marinha a ser criticada é o polvo, símbolo dos falsos, hipócritas e
traidores.
Na verdade, o polvo parece um monge "com aquele seu capelo na cabeça" e uma
estrela "com aqueles seus raios estendidos", simula brandura e mansidão por "não ter
osso nem espinha", contudo, debaixo desta aparência, o polvo é, segundo S. Basílio e
Santo Ambrósio, “o maior traidor do mar".
Com efeito, ao dissimular-se, tomando a cor daquilo que o rodeia, o polvo engana as
suas incautas vítimas com malícia e mentira, caçando-as mais facilmente. A traição é de
tal forma hedionda que Vieira afirma que o polvo é pior que Judas, o paradigma do
traidor no Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às escuras, mas
executou a traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a sua tinta,
rouba a luz à sua presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são violentas:
"Vê, peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é
menos traidor!"
O capítulo termina com uma critica feroz aos portugueses. Partindo uma vez mais, do
exemplo de Santo António - "o mais puro exemplar da candura, da sinceridade e da
verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou engano"- Vieira refere a
degenerescência dos valores nacionais, uma vez que, no passado, as características
exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo português, não sendo, por
isso, atributos dos santos - "bastava antigamente ser português, não era necessário ser
santo."
Finalmente, o pregador, de forma irónica, sublinha que tudo o que pregou até então
seria o ideal para a conduta dos homens, se ele não tivesse estado a pregar aos
peixes não tendo, por isso, o seu sermão qualquer efeito sobre os homens: "Oh, que
boa doutrina era esta para a terra, se eu nāo pregara para o mar!"

Os Lusíadas
O Canto V é preenchido pela narrativa da viagem da armada de Vasco da Gama de
Lisboa a Melinde, sendo denominado como o "canto maritimo". Vasco da Gama conta,
então, ao rei de Melinde episódios como:

 o cruzeiro do Sul

 o fogo de Santelmo

 a tromba marítima

 a aventura de Fernão Veloso, um dos tripulantes que resolve ir explorar onde se


encontravam;

 o aparecimento do gigante Adamastor, no qual se destacam as profecias dos


desastres e naufrágios a ocorrer no cabo das Tormentas [ests. 37-73]

 o escorbuto

Após Vasco da Gama terminar a sua narrativa ao rei de Melinde, o poeta encerra o
canto com uma invetiva contra os portugueses seus contemporâneos pelo desprezo
demonstrado pelas Letras, particularmente pela poesia: "E não se ver prezado o verso e
rima, / Porque quem não sabe arte, não na estima." [est. 97].

No Canto VIII mais uma vez, o poeta dá a voz a outro narrador: Paulo da Gama. Este
navegador relatará ao Catual alguns episódios da História de Portugal, destacando, a
coragem de alguns heróis míticos elou verdadeiros: Ulisses, Viriato, Sertório o Conde
D. Henrique, Egas Moniz, Dom Fuas Roupinho, Nuno Alvares Pereira os infantes D.
Pedro e D. Henrique, entre outros. Baco, que continua a sua cruzada contra os
portugueses, aparece em sonhos a um sacerdote brâmane, indispondo-o contra os nautas
lusos na segundo o deus, apenas vinham com o intuito de saquear e pilhar. Vasco da
Gama, interrogado pelo Samorim, que fora advertido pelo sacerdote das "más intenções
do navegador, procura esclarecer a situação e chegar a um entendimento, que passará
pela troca de fazendas europeias por especiarias orientais No entanto, o Catual opõe-se
a esta decisão e prende o capitão, impedindo de regressar à armada. Vasco da Gama só
conseguirá a liberdade após subornar o Catual, que, a troco de fazendas europeias, o
deixa regressar a bordo. Lamentações do poeta acerca do vil poder do "metal luzente e
louro" enceram o canto.

Tétis no Canto X e as restantes ninfas oferecem um banquete aos portugueses, durante


o qual uma ninfa, através de um discurso profético, narra os futuros feitos dos
"lusíadas" no Oriente; não sem antes, todavia, o poeta ter, de novo, invocado Calíope. A
ninfa prossegue, centrando o seu discurso nos heróis e governadores da índia. Tétis leva
o Gama até ao alto de um monte e aí mostra-lhe a máquina do mundo, ainda numa
perspetiva geocêntrica, e os locais por onde se estenderá o império português. Por fim,
os navegadores embarcam rumo a Portugal, até que "Entraram pela foz do Tejo
ameno", trazendo para a sua pátria e para o seu rei glória e títulos novos. O canto
encerra com o poeta a lamentar-se pelo facto de o seu talento não ser reconhecido,
sobretudo por aqueles a quem canta. Exorta D. Sebastião a continuar a glória dos
portugueses, oferecendo-se para servir o rei e a pátria “Pera servir-vos, braço às armas
feito; / Pera cantar-vos, mente às Musas dada;" [est. 155] e apontando como caminho
o do Norte de Africa “o monte Atlante, campos de Ampelusa/Os muros de Marrocos e
Trudante." [est. 156]

Você também pode gostar