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A atualidade da mensagem de Padre António Vieira, no “Sermão de Santo António”

Apesar de ter sido pregado há quatro séculos atrás, o “Sermão de Santo António”
continua uma obra-prima da nossa literatura, transmitindo uma mensagem cada vez
mais pertinente e atual. Padre António Vieira, autor deste sermão intemporal,
procurou nele criticar os mais variados vícios e defeitos dos homens da sua época,
recorrendo aos peixes como metáfora dos homens. Contundo, surpreendentemente,
ou não, esta corrupta maldade fortemente criticada permanece entre os homens nos
dias de hoje.
Efetivamente, um dos aspetos mais condenados por Padre António Vieira mantém-se
extremamente abundante na nossa sociedade. Trata-se da manipulação, controlo e
exploração de outros seres humanos em prol dos interesses dos malignos
manipuladores. Desta forma, Padre António Vieira critica todos aqueles que se
apoderaram impiedosamente dos colonos, procurando tirar proveito da sua falta de
conhecimento e instrução.
Assim sendo, o nosso benevolente orador português constata, no Capítulo IV, através
da habitual referência aos peixes, “que os grandes comem os pequenos”. De facto,
esta célebre frase de Padre António Vieira assume um duplo significado, uma vez que
tanto os peixes grandes comem os peixes mais pequenos, como os homens mais
pequenos são “comidos” pelos homens grandes. Por um lado, na alusão aos peixes as
palavras “grandes”, “comem” e “pequenos” são utilizadas no seu sentido literal. Por
outro lado, na referência aos homens, estas mesmas palavras são utilizadas no seu
sentido figurado. Deste modo, os homens grandes eram os homens ricos e poderosos,
neste caso “os nobres do Maranhão”, enquanto que os homens pequenos eram os
mais frágeis e vulneráveis, neste caso “os índios do Maranhão”. Para além disso, a
palavra “comem” assume o significado de exploram, ou aproveitam-se.
Nos dias de hoje, esta situação é bastante evidente. A título de exemplo, recordo-vos
que, o ano passado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deu conta de imigrantes
ilegais, sobretudo no Alentejo, a viver em condições altamente precárias, a trabalhar
largas horas por dia, em estufas, ao sol e à chuva, a troco de 100 euros ou apenas de
cama e alimentação.

Padre António Vieira procura realçar a abundância desta antropofagia social


mencionando o negócio da morte. Com efeito, denuncia a exploração dos socialmente
vulneráveis e critica todos os que vêm a morte como uma oportunidade negócio.
Desta forma, Padre António Vieira condena a velocidade com que os herdeiros, os
testamenteiros, os legatários e os credores, entre muitos outros, se apoderam de
alguém assim que essa pessoa deixa de viver. De facto, o pregador afirma que “ainda
ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra”. Por outras
palavras, ainda o frágil corpo do morto não entrou em decomposição, já todos se
apropriam do morto. Infelizmente, esta exploração radical dos falecidos continua
imensamente presente nos dias de hoje. Muitos são os que, assim que ouvem da
morte de um familiar, se apressam a tratar da parte da herança que lhes diz respeito,
antes de realizaram qualquer outra ação.

Padre António Vieira critica também o negócio da justiça, outro tema muitíssimo
oportuno e atual. Nesse sentido, critica quem tira proveito de todo e qualquer réu para
satisfazer os seus próprios interesses. Critica o Meirinho, o Carcereiro, o Escrivão, o
Solicitador, o Advogado, o Inquiridor, o Testemunha e o Julgador. Todos eles vêm nos
réus uma belíssima oportunidade de negócio, levando o orador a afirmar que “são
piores os homens que os corvos”. Na verdade, esta situação vai-se tornando cada vez
mais frequente e significativa com o passar do tempo. Há cada vez mais réus que,
apesar de estarem inocentes, vão sendo explorados ao longo de todo o processo por
diversos profissionais desta área. Na semana passada, por exemplo, foi libertado
Maurice Hastings, um homem norte-americano que, apesar de estar inocente, passou
mais de 38 anos na prisão, tendo sido, dessa forma, aproveitado por aqueles que têm
o poder nas mãos.

De modo a acentuar este domínio dos grandes e poderosos sobre os pequenos e


frágeis, Padre António Vieira serve-se de uma metáfora particularmente interessante.
Com efeito, o orador considera que “[Os pequenos] são o pão quotidiano dos
grandes”. Desta forma, associa os pequenos, os mais desprotegidos ao pão. Assim, tal
como o pão acompanha sempre os outros alimentos, também o povo é alimento
constante para os poderosos. Através desta metáfora, Vieira sublinha, por um lado, a
insaciável ganância dos poderosos e, por outro, a vulnerabilidade dos pequenos,
submetidos a uma exploração sem tréguas. Um exemplo perfeito deste domínio cruel
dos mais preponderantes são as declarações prestadas pelo ministro da economia de
Bolsonaro, durante a campanha eleitoral. Dessa forma, Paulo Guedes, ex-ministro da
economia do Brasil, afirmou que Bolsonaro “rouba menos” que Lula. Assim, confirmou
que Bolsonaro, à semelhança de muitos outros líderes políticos, se apodera dos
cidadãos do seu país, os quais permitiram que ele governasse, ao votarem nele.

No entanto, o sincero orador não se limita a criticar os que desrespeitam e se


apoderam dos mais frágeis. Assim sendo, critica também os mais frágeis por se
deixarem enganar. Por outras palavras, condena a ignorância e a cegueira dos que se
deixam ser desrespeitados e aproveitados pelos mais influentes. De maneira a
concretizar a sua crítica, volta a comparar os peixes aos homens, à semelhança de todo
o Sermão. Consequentemente, constata que tanto os peixes como os homens se
deixam enganar por um simples pedaço de pano. Por um lado, a expressão “pedaço de
pano” é utilizada no seu sentido literal quando Padre António Vieira se refere aos
peixes, uma vez que estes atacam qualquer pedaço de pano que vêm no mar, sobre o
risco de perderem as suas vidas. Por outro lado, essa mesma expressão é também
usada no seu sentido figurado no momento em que Vieira se refere aos homens. De
facto, os homens, por vaidade, por materialismo, também se lançam a diversos bens
materiais, sem sequer darem conta das enormíssimas dívidas com que ficarão. Assim
como diversos aspetos já mencionados, esta situação é também imensamente atual.
Efetivamente, …. (dá, por favor, um exemplo de alguém que ficou com dívidas para o
resto da vida por ter comprado diversos bens materiais)

Concluindo, o Sermão de Santo António é, sem dúvida, uma obra intemporal, que nos
confirma e mostra que os valores (ou falta deles) da nossa sociedade são
extremamente parecidos aos valores da sociedade do século XVII. De facto, o
aproveitamento e o domínio dos mais importantes sobre os restantes permanece
evidente nos dias de hoje. Desse modo, a mensagem deste Sermão revela-se bastante
atual, relevante e digna de ser espalhada e conhecida por todos.

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