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Professor: Augusto Rodrigues da Silva Junior

Aluna: Priscilla Haueisen Dias Ruas


Matrícula: 170154386
Disciplina: Barroco e Arcadismo
Texto Final

O Sermão uma bençãopara os Peixes e para o Reino


Salvação do Índio e do Reino

Vos estis sal terrae. São Mateus V, 13.

Este texto tem como objetivo trazer, de forma breve, os principais elementos do
Sermão de Santo Antônio aos peixes na tentativa de se compreender um pouco sobre a
forma com que o Padre Antônio Vieira usava seus textos religiosos para transmitir
mensagens pastorais e sobre a vida social do Brasil colônia numa estrutura poética,
retórica e performática.

Padre Antônio Vieira profere o Sermão de Santo Antônio, em São Luís do


Maranhão, em 13 de junho de 1654, como uma denúncia das injustiças e contradições
da sociedade do período. O Sermão se insere num contexto em que os colonos
mantinham a escravidão indígena e negra (para este último o jesuíta não foi tão
assertivo) para sustentar a produção agrícola e a obter lucro. A Coroa, em 1570,
publicou a primeira lei que proibia a escravização de indígenas; e, em 1609, reafirmou a
liberdade desses povos no Brasil. Diante disso, o Padre profere o Sermão dias antes de
embarcar para Portugal a fim de denunciar o não cumprimento da lei por parte dos
colonos.

É importante compreender que a defesa do Padre aos povos indígenas se dá a


partir de uma conjuntura política específica e que trazia incertezas para Portugal:
Contrarreforma, a Guerra Holandesa (1624-1654) e a restauração do reino de Portugal
(1640). Nesse contexto era importante que a Igreja Católica (religião oficial do Reino de
Portugal) reforçasse seu domínio entre os povos e seu poder. O Padre Vieira fazia parte
da Companhia de Jesus, um movimento da Contrarreforma para expandir o catolicismo
que via nos povos indígenas uma oportunidade de expandir a fé católica na colônia. Isso
mostra que o interesse era pela alma do índio e, em certo sentido, pela “alma do reino”.
A estrutura da pregação tem como base o versículo inicial “Vós sois o sal da
terra” (Mt. 5:13), desenrolando-se em várias articulações de pensamento organizadas
em seis partes. No início, o Padre trata do versículo da epígrafe para colocar em
questão o porquê de tanta corrupção em um mundo habitado por tantos seguidores de
Cristo. O Padre questiona: seria o sal incapaz de salgar (os seguidores não estavam
praticando a Palavra e seguem seus); ou a terra que não era propicia ao tempero
(ninguém ouvia a pregação)?
A Carta IX de Padre Vieira enviada ao rei de Portugal, em 20 de maio de 1653,
que trata sobre as necessidades espirituais do Maranhão, deixa claro que tipo de
corrupção preocupava o Padre naquele contexto:
“Este damno é commun a todos os índios. Os que vivem em casa dos
portugueses têem, demais os captiveiros injustos que muitos d’eles
padecem, de que vossa majestade tantas vezes ha sido informado, e
que por ventura é a principal causa de todos os castigos que se
experimentam em todas nossas conquistas. As causas d’este damno se
reduzem todas à cubiça, principalmente dos maiores, os quaes
mandam fazer entradas pelos sertões, e das guerras injustas sem
autoridade, nem justificação alguma; e ainda que trazem alguns
verdadeiramente captivos por estarem em cordas para serem comidos
ou por serem escravos em suas terras” (VIEIRA, 1871, p. 43-44)

Na carta, que é contemporânea ao Sermão, o Padre relata ao rei a situação precária que
viviam os índios como escravos em suas próprias terras. O que está por trás dessa
denuncia é a intensão do Padre em catequisar esses índios e fazê-los parte do domínio
de Portugal nesse momento de fragilidade política:
“Que as entradas do sertão se façam só a fim de ir converter os
gentios, e reduzi-los à sujeição da egreja e da corôa de vossa
majestade (como vossa majestade me tem ordenado)..” (VIEIRA,
1871, p. 47)

Como afirmado por Alfredo Bosi,

O pregador opta por articular a segunda opção - não abordada pela Bíblia -.
Baseando-se no exemplo de Santo Antônio para lidar com uma terra que não salga, a
melhor alternativa seria, segundo o Padre, ir pregar aos animais, e no caso do sermão,
aos peixes. A partir desse ponto a pregação é articulada como se os peixes fossem os
destinatários.
A relação feita do Sermão proferido por Santo Antônio na cidade de Rimini,
conforme afirma Conte e Mugge (2017), traz uma relação de comparação entre o
sermão feito na costa do mar Adriático em protesto aos hereges que impediam

Falar sobre o começo do sermão: cuja iniciativa de pregar aos peixes, ainda como Frei
Antônio, é imitada por Vieira. Tal qual o predecessor, que, em 1223, na cidade de
Rimini, dirige seu sermão aos peixes na costa do mar Adriático, em protesto contra os
hereges da região os quais impediam o povo de assistir a suas pregações; Vieira também
invoca os peixes, devido à indiferença dos fiéis, para estabelecer considerações sobre
virtudes e vícios humanos. Ao fazê-lo, refere-se a alguns peixes conhecidos na região
do Maranhão, como o roncador, o pegador, o voador e o polvo, instalando uma relação
metafórica com os colonizadores, a fim de provocar um efeito de sentido mais
contundente entre os ouvintes

Padre Vieira afirma que assim como o sal tem duas propriedades essenciais
(conservar o são e preservá-lo), assim também era a pregação de Santo Antônio (louvar
o bem e repreender o mal). Para seguir o exemplo do Santo, importava, então, louvar as
virtudes dos peixes e repreender os seus vícios.
Sobre as virtudes, ele começa a dizer que os peixes foram as primeiras criaturas
criadas por Deus e nomeadas pelos homens e são as maiores criaturas e em maior
quantidade. Diferentes dos homens, que não queriam ser repreendidos, os peixes eram
tão atentos e devotos às pregações. Segundo o Padre “Os homens tinham a razão sem
uso e os peixes o uso sem razão”, já que se atentavam para a doutrina. Os peixes
também, como retratado ao longo da Bíblia eram capazes de salvarem os homens da
perdição (quando o peixe engole Jonas para que eu pregue para Nínive). O Padre
também aponta sobre a capacidade única dos peixes (assim como cita Aristóteles) em
não se deixar domar e viverem longe dos homens. Isso seria uma virtude, já que o
homem aprisiona e manipulam aqueles que os servem. Cita também a fala do Santo
Ambrósio que afirmou que no dilúvio os peixes foram os únicos animais que se
salvaram, pois estavam longes do mal dos homens e do pecado. Segundo o Padre, Santo
Antônio também se afastou dos homens para evitar o pecado e buscar mais a Deus. O
Padre segue o raciocínio de falar de várias virtudes de espécies específicas de peixe
(rêmora, torpedo, quatro-olhos, sardinha), comparando-as com a vida santa que tinha
Santo Antônio. Ele relaciona também várias passagens bíblicas que narram cenas com
peixes, atestando suas virtudes.
Após tratar das virtudes o Padre passa a falar no sermão sobre os vícios dos
peixes. O principal vício abordado é o fato dos peixes comerem uns aos outros,
principalmente os grandes aos pequenos e o povo humilde. O Padre, citando Santo
Agostinho, compara essa característica dos peixes com os homens que também, por
cobiça, comem uns aos outros. Há que se atentar, segundo Vieira, para a justiça divina,
já que os grandes comem os pequenos em alguma circunstância, e são comidos por
maiores em outra: “Guarde-se o peixe que se persegue o mais fraco para o comer, não
se ache na boca do mais forte”. O Padre ainda afirma que mesmo que haja a necessidade
de suprimento, a virtude deve ser ainda maior. Antônio Vieira continua seu raciocínio
mencionando que os peixes são enganados por anzol com pedaço de pano por causa da
sua cegueira e vaidade. Além disse, há peixes, como o roncador para tratar daqueles que
muito falam e são os primeiros a dormir e a negar Cristo (assim como Cristo). Ele fala
também dos peixes pegadores, para fazer alusão àqueles que vivem como bajuladores e
a custas dos restos dos grandes e os peixes voadores que não se contentam em ser
peixes. O padre conclui falando do polvo, um ser marinho que é dissimulado e engana
suas presas, assim como alguns homens e dos peixes que se aproveitam dos náufragos,
fazendo uma alusão ao peixe pescado por Pedro para pagar impostos.
Padre Vieira encerra o sermão fazendo um louvor a Deus por várias
características dos peixes, insinuando que eles devem agradecer a Deus pela sua
condição.
Tendo como base essa breve explicação de como o sermão é organizado e
articulado, algumas observações podem ser relevantes para iniciar a compreensão sobre
a complexidade do texto do Padre Antônio Vieira.
Em primeiro lugar, é interessante pensar que o padre inicia uma longa discussão
tendo como ponto de partida apenas um versículo. Esse artificio está presente em muitos
sermões realizados pelo Padre: o início da pregação se estabelece por meio na análise
apurada de um versículo e vários de seus desdobramentos e divagações do Padre. Para
desenvolver o raciocínio, o Padre lança mão de uma metamensagem. Esse tipo de
estrutura está presente também no Sermão da Sexagésima e no Sermão do Mandato, já
que o Padre apresenta o versículo central, traz uma reflexão sobre a mensagem do
versículo e a partir disso dá pistas de como desenvolverá toda a pregação. Essa é uma
característica marcante de sua obra.
Em segundo lugar, e se tratando especificamente do sermão em questão, é
possível também perceber que o versículo usado pelo Padre o leva de forma antagônica
e complementar a tratar de um tema próximo dos ouvintes. O público era formado por
pessoas que viviam no litoral e possivelmente tinham uma relação com a vida marinha e
com peixes. Dessa forma, as descrições e narrativas propostas pelo Padre sobre os
peixes tinham um grande potencial de fixar no imaginário daquelas pessoas. O uso da
metáfora do peixe e sua vida, espécies, virtudes e vícios é instrumento poderoso para
que ensinamentos bíblicos e pastorais encontrassem espaço na reflexão diária de cada
um dos ouvintes. Por um lado, essa imagem pode ser tida como antagônica, pois ao
apresentar um versículo sobre a terra, ele fala do mar e dos peixes. Por outro, é
complementar porque de forma indireta o Padre falava da humanidade e da vida na terra
dos homens representados pelas virtudes que os peixes tinham e os homens não (mas
deveriam ser seguidas ou preservadas com o sal) e vícios que os peixes tinham e que
também eram vícios humanos. Essa imagem faz o sermão ter uma linguagem poética e
bonita, mas muito presente na rotina.
Em terceiro lugar, há que se destacar a linguagem poética ao longo do Sermão.
Assim como no Sermão da Sexagésima (texto que o Padre Antônio Vieira usa
linguagem poética para transmitir a mensagem com combinação de palavras,
sonoridade, metáforas), no Sermão de Santo Antônio há muitos elementos da poesia
com anáfora (nas repetições de várias expressões para se ter ênfase) e nas várias
metáforas sobre a vida dos peixes e dos homens.

Em quarto lugar, e por fim, nota-se que Padre Antônio Vieira lança mão
de elemento retórico no seu texto, assim como em outros Sermões como no da
sexagésima. O raciocínio do texto é articulado muito mais para a eloquência e a oratória
do que propriamente para desenvolver racionalmente uma linha de pensamento que
fosse puramente racional. Para ilustrar isso, pode-se citar a parte em que o Padre diz que
iria pregar para os peixes porque os homens não queriam ouvir a doutrina. Apesar de na
realidade o Padre estar pregando aos homens, a imagem e eloquência de se dizer “deixa
as praças, vai-se às praias; deixai a terra, vai-se ao mar” por si só é envolvente e
cativante. Esse é um dos instrumentos marcantes ao longo de todo sermão

E por que não defender a libertação dos escravos negros e sua catequização?
Conforme abordado por Alfredo Bosi, no caso dos negros, o Padre compara a vida do
escravo à paixão de cristo:

O trânsito da imanência subjetiva à transcendência aciona-se


a partir de um presente vivido e sofrido, aqui e agora, mas à luz de um
passado exemplar que a palavra litúrgica faz reviver: o drama da
Paixão. Estreitas correspondências asseguram coesão interna ao
enunciado: Em um engenho sois imitadores de Cristo crucificado:
porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo
Senhor padeceu na sua cruz, e em toda a sua paixão.

A moral da cruz-para-os-outros é uma arma reacionária que, através dos séculos,


tem legitimado a espoliação do trabalho humano em benefício de uma ordem cruenta.
Cedendo à retórica da imolação compensatória, Vieira não consegue extrair do seu
discurso universalista aquelas conseqüências que, no nível da práxis, se contraporiam,
de fato, aos interesses dos senhores de engenho. A condição colonial erguia, mais uma
vez, uma barreira contra a universalização do humano.

Ao desdobrar concretamente as questões, o orador firma um princípio de


analogia na esfera dos valores, um eixo que vai norteá-lo pelo sermão adentro
ministrando-lhe um esquema de apoio para toda a argumentação: a vida do escravo
semelha a Paixão de Cristo
De acordo com Augusto Rodrigues da Silva Junior (2010), no contexto
antagônico do período de colonização do Brasil, o púlpito pode ser um espaço
privilegiado para se tratar, por um lado, de questões relacionadas à
espiritualidade dos fies, conversão de gentis e visões do paraíso; e, por outro,
abordar questões sociais de sua época.
No caso do Padre Antonio Vieira, esse espaço era utilizado por meio de
performace. O pregador lança mão da sua habilidade performática, fazendo
uso de vocalidades, corporalidade e outras formas de tatear o cotidiano. Os
instrumentos da oralidade, como o uso da voz para o efeito de uma
poeticidade, devem ser considerados quando se pretende compreender as
formas de expressão literária brasileira no período colonial. Limitar-se à
produção escrita da época seria ignorar um conjunto de manifestações que
fazem parte da formação da literatura do Brasil.

Além disso, o Padre também


Conforme Alfredo Bosi pontua, o Padre António Vieira tinha um desafio

Como pregador da Corte, o jesuíta tem acesso aos estratos do privilégio. Mas a
sua máquina oratória deve, paradoxal e temerária, investir precisamente contra as
regalias e as isenções de que gozavam os nobres e os religiosos nessa fase de
reerguimento do Império duplamente ameaçado: pela Espanha, no xadrez europeu; pela
Holanda, na estratégia atlântica e colonial. O seu problema retórico fundamental é este:
como compor um discurso persuasivo, isto é, suficientemente universal nos argumentos
para mover particularmente a fidalguia e o clero a colaborar na reconstrução do Reino,
até então escorada sobretudo pela burguesia e pelos cristãos-novos?

Referências Bibliográficas:
VIEIRA, Antonio. Sermão da Sexagésima. In Sermões Seleta. Rio de Janeiro:
Fundação Darcy Ribeiro. 2012. p. 3 - 35

VIEIRA, Antonio. Sermão de Santo Antônio. In Sermões Seleta. Rio de Janeiro:


Fundação Darcy Ribeiro. 2012. p. 36 - 70
Cartas: https://books.google.com.br/books?id=-
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