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Síntese dos capítulos

EXÓRDIO – Capítulo I
Este capítulo inicia-se com o conceito predicável (citação bíblica que serve de mote ao
sermão) – Vos estis sal terrae – a partir do qual o discurso se desenvolve.
O texto estrutura-se em torno da importância da palavra dos pregadores – equivalente
ao “sal” – na preservação da moralidade e integridade dos homens – a “terra”.
Tal como o sal impede a corrupção da matéria, também os pregadores devem impedir a
corrupção das almas, porém, tal não se verifica.
Vieira elogia aqueles que espalham a doutrina divina, ou seja, os pregadores que
ensinam e, ao mesmo tempo, fazem o que devem; e acusa aqueles outros que não
cumprem a sua função, ou seja, os pregadores que pregam ao contrário, sendo por isso,
merecedores de desprezo.
Vieira levanta também a hipótese de a culpa poder estar do lado dos ouvintes, porque
preferem imitar os atos dos pregadores ou porque se deixam levas pelos seus desejos.
O terceiro parágrafo introduz a figura de santo António e o milagre da pregação aos
peixes. Vieira narra um episódio da vida do santo, em Itália, quando os habitantes da
cidade não o quiseram escutar,tendo, então, António dirigido as suas palavras aos
peixes, que o ouviram.
Vieira enaltece Santo António; comparativamente aos outros doutores da Igreja, este
santo “foi sal da terra, e foi sal do mar”.
Refere, igualmente, que se sente próximo do santo, porque as suas palavras têm “tido
nesta terra uma fortuna tão parecida à de Santo António em Arimino”, o que o leva a
atuar como o seu mentor, ou seja, a pregar aos peixes e não aos homens.
O capítulo encerra com a tradicional invocação à Virgem (“Domina maris: Senhora do
Mar”) a quem Vieira pede a “costumada graça. Ave Maria”.

EXPOSIÇÃO E CONFIRMAÇÃO
Capítulo II
No primeiro parágrafo deste capítulo, o orador afirma que nunca teve pior auditório do
que os peixes,
porque são “gente (...) que se não há de converter”, embora apresentam boas
qualidades.
Depois de referir, novamente, as propriedades do “sal”, Vieira sublinha que as pregações
de Santo António devem servir de exemplo a todos os pregadores.
Vieira refere ainda as palavras de S. Basílio, que sublinham que os peixes não só são
dignos de repreensão, mas também de louvor e de exemplo a seguir, e o exemplo de
Cristo, que comparou a sua igreja a uma rede de pesca, sustentam a argumentação do
orador e ajudam a definir a estrutura do sermão.

Ao apresentar as qualidades dos peixes, o pregador enumera, implícita e explicitamente,


os defeitos dos homens:
● o deslumbramento face à adulação – “mas isto é lá para os homens, que se deixam
levar destas vaidades, e é também para os lugares em que tem lugar a adulação”;
● a altivez e a presunção – “Os homens perseguindo a António, querendo-o lançar da
terra e ainda do mundo”;
● a violência e a obstinação – “os homens tão furiosos e obstinados”;
● a crueldade irracional – “os peixes irracionais se tinham convertido em homens e
os homens não em peixes, mas em feras”;
● o exibicionismo e a vaidade – “longe dos homens e fora dessas cortesanias”.
A glorificação dos peixes e a crítica aos homens é ilustrada por exemplos bíblicos.
Também é fundamentada em referências a Aristóteles e Santo Ambrósio, que reforçam a
argumentação.
O capítulo termina com um novo apelo aos peixes para que sigam o exemplo de Santo
António, que tudo deixou, a sua cidade e o seu país, alterando a sua própria identidade e
o seu saber.

Capítulo III
Neste capítulo apresentam-se as virtudes de alguns peixes em particular.
O primeiro exemplo referido é o do peixe de Tobias, cujo fel serviria para curar a
cegueira, enquanto o coração seria usado para expulsar os demónios.
Tobias confirmou o poder curativo das entranhas do peixe: seu pai, que era cego,
recuperaria a visão, depois de, a conselho do anjo S. Rafael, lhe ter sido aplicado um
pouco de fel extraído do peixe; o coração, depois de queimado, expulsou um demónio
que já tinha matado sete maridos a Sara. Sara e Tobias casaram e o demónio “nunca
mais tornou”.Vieira retorna à figura do santo, referindo que as suas palavras tinham o
mesmo poder que as vísceras do peixe, uma vez que, se os homens lhe abrissem os seus
corações, António tirar-lhes-ia as cegueiras e livrá-los-ia dos demónios.
Em seguida, Vieira apresenta outro exemplo, o da rémora, um peixe que, quando se cola
ao leme das naus da Índia, consegue, apesar do seu diminuto tamanho, mudar-lhes o
rumo. Também as palavras de Santo António foram uma rémora na terra, porque
conseguiram “domar a fúria das paixões humanas”. Vieira continua o seu discurso
alegórico, apresentando exemplos que confirmam a afirmação anterior:
● a nau Soberba, com as velas inchadas de vento, não se desfez nos rochedos,
porque as palavras de António a salvaram;
● a nau Vingança, repleta de ira e de ódio, encontrou a paz através das palavras do
santo;
● a nau Cobiça, sobrecarregada com uma “carga injusta”, foi salva das garras dos
corsários pela ação de Santo António;
● a nau Sensualidade, perdida na cerração e na noite, iludida pelos cantos das
sereias, encontrou a salvação, seguindo a luz das palavras do santo.

O exemplo seguinte é o do torpedo, peixe que produz descargas elétricas, que fazem
tremer o braço do pescador que o tenta capturar; a descarga elétrica simboliza a
palavra de Deus, que deveria abalar a consciência dos homens.
O último exemplo que o pregador apresenta é o do quatro-olhos, peixe que, nadando à
superfície das águas, apresenta dois pares de olhos: um par permite-lhe defender-se das
aves, enquanto o outro o protege dos peixes predadores.
O capítulo encerra com novos louvores aos peixes, porque:
● são eles que alimentam as Cartuxas e os Buçacos (ordens religiosas), “que
professam a mais rigorosa austeridade”;
● são eles que ajudam os cristãos “a levar a penitência das quaresmas”;
● são eles que foram escolhidos por Cristo para festejar “a sua Páscoa, as duas
vezes que comeu com os seus discípulos depois de ressuscitado”;
● são os “companheiros do jejum e da abstinência dos justos”;
● são o alimento que pode ser comido todos os dias da semana;
● são “criaturas daquele elemento (a água), cuja fecundidade entre todos é própria
do Espírito Santo”.
Finalmente, Vieira enfatiza o facto de Deus ter abençoado os peixes para que eles
crescessem e se multiplicassem, podendo, assim, ser o alimento dos pobres. O exemplo
mais claro deste facto são as sardinhas que o Criador multiplica “em número tão
inumerável”, porque são “sustento dos pobres”, enquanto “Os Solhos, e os Salmões, são
muito contados porque servem à mesa dos Reis, e dos poderosos”.
Capítulo IV
A frase inicial deste capítulo funciona como uma charneira que estabelece a ligação
entre dois momentos diferentes do sermão: o anterior, em que se louvaram as virtudes
dos peixes, e o posterior, em que se apontarão os seus defeitos.
Sendo o sermão alegórico, o tema deste capítulo é o da exploração dos pobres e
indefesos pelos poderosos e prepotentes, a antropofagia social.
Vieira continua a criticar os peixes, afirmando que não percebe como, sendo todos
irmãos e vivendo no mesmo elemento, se comam uns aos outros. Para lhes mostrar quão
feio é o seu pecado, vai recorrer ao exemplo dos homens. Os peixes são, então,
convidados a olhar para a terra, não para os matos (oque seria previsível, visto que a
antropofagia não deveria se uma prática comum entre
homens “civilizados”), mas para a cidade. Desse modo, poderão constatar nos homens os
seus próprios defeitos, nomeadamente o modo como se comem, ou seja o modo como se
exploram uns aos outros.
Em seguida, Vieira assume um tom mais violento e interventivo, referindo-se à injustiça e
às maldades causadas por:
● serem “os maiores que comem os pequenos”;
● serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;
● serem os grandes aqueles “que tê mando das cidades e das províncias, não se
contenta a sua fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão
que devoram e engolem os povos inteiros”;
● serem os pequenos comidos como se fossem pão, ou seja, um alimentos que se
come quotidiana e indiscretamente – “o pão é comer de todos os dias, que sempre
e continuadamente se come”;
● serem os pequenos comidos em qualquer modo – “não só de dia, senão também,
de noite, às claras e às escuras, como também fazem os homens.

Vieira tenta, então, convencer os peixes a não se comerem uns aos outros, referindo-se
ao dilúvio e à arca de Noé. Na arca, os animais da terra e do ar, que costumavam comer-
se uns aos outros, não o fizeram por uma questão de sobrevivência e todos viveram em
paz. Por isso, os peixes devem seguir o seu exemplo, evidenciando atitudes de
temperança e benevolência.
Os peixes são, ainda, acusados de outros defeitos: a ignorância e a cegueira, que os faz
serem pescados e perderem a vida, sendo “Enganados por um retalho de pano” tal como
os homens.
O capítulo acaba com mais uma referência a Santo António como exemplo a seguir.
Santo António preferiu a sobriedade à ostentação, recusando galas e vaidades e, por
isso, atingiu a santidade. Foi com esta postura simples e humilde que conseguiu
converter muitos homens desviados da fé.

Capítulo V
Depois de apresentada a crítica generalizada, Vieira enuncia, neste capítulo, os
principais defeitos e vícios de alguns peixes, em particular.
A primeira espécie a ser criticada é o grupo dos roncadores. Estes peixes, apesar de
pequenos e aparentemente vulneráveis, emitem um som forte, ao contrário do que
acontece com outros peixes de maior envergadura. Vieira interroga-se sobre tal
contrassenso, embora, segundo o pregador, a resposta seja óbvio: os roncadores
simbolizam aqueles que se autopromovem, exibindo a sua vaidade e poder, sendo, por
isso, arrogantes.
Vieira exemplifica a triste sorte dos roncadores, referindo o exemplo de Pedro, o
discípulo de Cristo.
A este apóstolo, apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o seu Senhor,
bastou-lhe uma simples afronta de uma mulher, após a prisão de Cristo, para negar que
conhecia o seu Mestre. Ora, se tal aconteceu a S. Pedro, muito menos razões terão os
homens para exibirem a sua arrogância.
Vieira recorre, ainda, a outros exemplos bíblicos (Davi e Golias, Caifás e Pilatos) para
reiterar que os arrogantes e os soberbos pensem que são Deus, mas acabam por ser
diminuídos e humilhados, porque “quem se toma com Deus, sempre fica debaixo”. No
entanto, o símbolo da verdadeira sabedoria,
Santo António, nunca “blasonou” disso, ou seja, nunca se vangloriou das suas
capacidades, confinando-se à sua condição de servo de Deus – “E porque tanto calou,
por isso deu tamanho brado”.
Outra das espécies piscícolas são os pegadores. Estes peixes pequenos agarram-se ao
dorso dos peixes maiores, que não conseguem livrar-se deles, vivendo como parasitas às
custas dos seus hospedeiros.
Partindo deste exemplo, o pregador tece uma violenta crítica ao aparelho colonial
português, referindo que estes animais aprenderam a ser parasitas com os portugueses,
porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta para as conquistas sem ir
rodeado de larga comitiva. Os mais inteligentes tentam construir a sua vida
autonomamente, mas os mais preguiçosos acabam como os
pregadores que, quando o tubarão, que lhes serviu de hospedeiro, é pescado, morrem
com ele, porque a ele estão pegados.
Vieira refere, então, um exemplo bíblico que ilustra a triste sorte dos pegadores: a família
de Herodes, que perseguiu a Sagrada Família, e que se afundou com o sue patriarca.
Mas os pegadores não são apenas exemplo das más práticas, pois “Deus também tem os
seus pegadores”, aqueles que espalham a palavra divina: David pegou-se a Deus e Santo
António a Cristo e ambos foram bem-sucedidos.
Vieira centra, a seguir, a sua atenção nos voadores. Estes animais, criados por Deus para
serem peixes, como têm umas barbatanas maiores do que a generalidade dos peixes,
queriam imitar as aves. Esta ambição de os voadores se quererem transformar naquilo
que verdadeiramente não são, só lhes traz sofrimento porque estão sujeitos aos perigos
do mar e aos perigos do ar – no mar morrem enganados pelo isco e no ar morrem porque
as velas, as cordas e os laços dos barcos se transformam em redes, apanhando-os.
Vieira refere ainda Santo António como exemplo de alguém que sempre se desmarcou
da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir também fazem descer, o
que pode precipitar a destruição. Assim, Santo António preferiu remeter-se à sua
humildade: “Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para descer”.
A última criatura marinha a ser criticada é o polvo. Este peixe, na verdade, parece um
monge e uma estrela; simula brandura e mansidão, contudo, debaixo desta aparência é,
segundo S. Basílio e Santo Ambrósio, “o maior traidor do mar”. Com a sua capacidade de
dissimulação, o polvo engana os outros peixes com malícia e mentira, caçando-os mais
facilmente.
A tradição é de tal forma repugnante que Vieira afirma que o polvo é pior que Judas, o
paradigma do traidor no Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às
escuras mas executou a traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a
sua tinta, rouba a luz à sua presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são
violentas: “Vê, Peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação
já é menos traidor!”

O capítulo acaba com uma crítica feroz aos portugueses. Partindo do exemplo de Santo
António – “o mais puro exemplar da candura, da sinceridade, e da verdade, onde nunca
houve dolo, fingimento ou engano” –, Vieira refere a deterioração dos valores nacionais,
uma vez que, no passado, as características exemplares de Santo António eram
extensivas a todo o povo português, não sendo, por isso, atributos dos santos – “bastava
antigamente ser português, não era necessário ser santo”.

PERORAÇÃO – Capítulo VI
No primeiro parágrafo deste capítulo, Vieira refere o facto de os peixes nunca serem
animais escolhidos para os sacrifícios rituais, porque, como não vivem fora da água,
chegariam mortos ao altar.
O orador afirma que, tal como os peixes, há muitos homens que chegam ao altar
“mortos”, ou seja, em pecado mortal.
No segundo parágrafo, o orador refere a sorte que os peixes têm, pois embora
irracionais, não ofendem a Deus nem com as palavras, nem com a memória, nem com o
entendimento, nem com a vontade; apenas desempenham a missão para que Deus os
criou, enquanto ele foi criado para servir Deus, missão que não realiza na sua plenitude,
pois não consegue converter os homens.
O último parágrafo constitui uma exortação aos peixes para que louvem a Deus, porque
Ele os fez numerosos, belos e diversos, porque lhes deu a água para nela viverem e se
multiplicarem e porque escolheu os pescadores (os apóstolos) para com Ele privarem.
O sermão termina de modo provocatório, pois como a pregação foi destinada aos peixes
e estes, pela sua condição, não são capazes “de Glória nem de Graça”, o sermão também
“não acaba (...) em Graça e Glória”, ou seja, não atinge o seu objetivo. O pregador
remete então para Deus a bênção final – “assim como no princípio vos deu a sua bênção,
vo-la dê também agora”.

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