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Oratória – arte de bem falar em público, foi colocada ao serviço da pregação.

O sermão era o instrumento mais importante para pregar a palavra de Deus e corrigir os erros
dos ouvintes. O sermão devia ser um exemplo de eloquência.

OBJETIVOS DO SERMÃO / da eloquência:

Docere – ensinar através de argumentos lógicos

Delectare – agradar e captar a atenção do auditório

Movere – persuadir o auditório, através da captação da sua adesão e emoção

- Denúncia e condenação dos comportamentos dos colonos ( corrupção e ambição


desmedidas)

- defesa dos direitos humanos – dos mais fracos (indígenas)

INTENÇÃO PERSUASIVA E EXEMPLARIDADE

O orador para persuadir o auditório (para o levar a atuar num determinado sentido) tem que
ter um comportamento e um carácter exemplar. E os exemplos escolhidos para fundamentar
o seu discurso têm que ser argumentos sólidos (baseados na bíblia ou na vida dos santos).

Propósito do sermão: emendar e reformar os vícios. Vieira pretende convencer os fiés de quais
os comportamentos a adotar e de quais se devem desviar – INTENÇÃO PERSUASIVA .

Os peixes representam os homens.( DISCURSO FIGURATIVO). Os peixes que são elogiados são
os que servem de modelo a seguir – EXEMPLARIDADE. Santo António é também um modelo a
seguir

CRITICA SOCIAL E ALEGORIA

Os elogios feitos aos peixes pressupõem uma critica aos homens, pela ausência dessas
virtudes no homem. A crítica social é mais evidente nos capítulos IV e V, quando Vieira faz
repreensões aos peixes. Santo António surge como modelo a seguir por apresentar um
comportamento contrário ao dos peixes referidos.

Discurso figurativo: alegoria, comparação e metáfora

O sermão é um discurso figurativo, na medida em que através da alegoria (representação


simbólica) se aborda uma realidade abstrata.

Exemplos de alegoria:

Ao dirigir-se aos peixes, Vieira quer, na realidade apelar aos homens

Ao louvar os peixes, Vieira pretende mostrar exemplos de virtudes a seguir, condenando


indiretamente a ausência delas no ser humano.

A alegoria concretiza-se, muitas vezes, por meio de metáforas e de comparações

Ao repreender os peixes, Vieira visas condenar os pecados dos homens do Maranhão, e por
extensão todos os homens que maltratam os mais fracos e indefesos, mostrando-se
arrogantes, oportunistas, vaidosos e hipócritas.
CAPITULO I - EXÓRDIO

Parte inicial que inclui a apresentação do tema e a captação da atenção do auditório

- conceito predicável - são expressões retiradas da bíblia que introduz o tema.

Tema do sermão: palavra dos pregadores que evita a corrupção da terra. Tal não acontece e o
tema é deslocado para a própria corrupção ----BASE DE TODA A ARGUMENTAÇÃO

- CONCEITO PREDICÁVEL

- COMEMORAÇÃO DO DIA DE SANTO ANTÓNIO

- MUDANÇA DE AUDITORIO, HOMENS – PEIXES

- LOUVORES E REPREENSÕES DIRIGIDOS AOS PEIXES

Vos estis sal terrae ( METÁFORA) “ Vós sois o sal da terra .”

Vós – pregadores

Mensagem Evangélica – sal

Ouvintes - terra

Elogio a Santo António – modelo de pregação a seguir – pregar aos peixes

Propriedades Sal Pregadores ► Conservar ► Evitar a corrupção ► Louvar o bem ► Impedir o


mal. A terra está corrupta Porque o sal não salga. (pregadores) Porque a terra não se deixa
salgar. (ouvintes)

PROPRIEDADES DO SAL: Preservar do mal e Conservar o são

Propriedades das pregações de Santo António: Louvar o bem para conservá-lo. Repreender o
mal para preservar o bem. As duas grandes partes do Sermão Louvar as virtudes e repreender
os vícios

Motivos :

- Os pregadores não pregam a verdadeira doutrina

- Os pregadores dizem uma coisa e fazem outra.

- Os pregadores pregam-se a si mesmos e não a Cristo.

- Os ouvintes não querem receber a verdadeira doutrina.

- Os ouvintes querem imitar o que os pregadores fazem e não o que eles dizem.

- Os ouvintes querem servir aos seus apetites em vez de servir a Deus.

O que se há de fazer quando não cumprem com as suas funções? Possível solução: Ao sal -
Resposta de Cristo e Resposta de Santo António - Lança-lo fora como inútil . Ser pisado por
todos. O pregador: Mudou de púlpito. Mudou de auditório. Deixa as praças, vai-se às praias,
deixa a terra, vai-se ao mar;.

A partir deste capítulo todo o sermão é uma alegoria porque os peixes são metáfora dos
Homens. As suas virtudes são, por contraste, metáforas dos defeitos dos Homens e os seus
vícios são directamente metáfora dos defeitos dos homens. O pregador fala aos peixes, mas
o alvo é o Homem. Os peixes são melhores que os Homens, pelo que, quanto mais longe
destes estiverem, melhor.

Desenvolvimento EXPOSIÇÃO (capítulo II) E CONFIRMAÇÃO (Capítulos II, III, IV e V)

Capítulo II - EXPOSIÇÃO

Referência ao assunto a desenvolver e apresentação da sua divisão em partes

para que procedamos com alguma clareza, dividirei, peixes, o vosso sermão em dois pontos:
no primeiro louvar-vos-ei as vossas atitudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios;

Capítulo II - Louvores dos peixes em geral (os louvores em geral já fazem parte da confirmação)

VIRTUDES NATURAIS E GERAIS DOS PEIXES

 foram as primeiras criaturas criadas por Deus


 são os mais numerosos e os maiores
 Os peixes ouvem e não falam (obediência e bons ouvintes)
 os peixes não se domam. não se domesticam. (virtude natural)
 livres e puros, longe dos homens
 escaparam todos do dilúvio porque viviam longe dos homens

• obediência (a Deus), atenção, respeito e devoção com que ouviram a pregação de Santo
António. Virtudes naturais dos peixes Virtudes que dependem sobretudo de Deus – não se
domesticam

Sermão de Santo António aos Peixes Os peixes não foram castigados por Deus no dilúvio,
sendo, por isso, exemplo para os homens que pouco ouvem e falam muito. Os homens têm
pouco respeito pela palavra de Deus. Evidencia-se que os animais que convivem com os
homens estão domados e domesticados, sem liberdade (rouxinol, papagaio). Animais
próximos dos homens morreram no dilúvio

Capítulo III – CONFIRMAÇÃO

Louvores de peixes em particular

PEIXE DE TOBIAS - poder curativo ( o fel cura a cegueira e o coração expulsa os demónios);
este peixe representa a alegoria do verbo divino – iluminar ( tirar a cegueira), guiar, colocar no
bom caminho, afastar dos demónios (os demónios são os vícios dos homens)
SANTO ANTÓNIO – PREGRAVA CONTRA OS HEREGES PARA OS CURAR DA CEGUEIRA E
EXPULSAR OS DEMÓNIOS DE SUAS CASAS.

PEIXE DE TOBIAS ABRIU A BOCA CONTRA QUEM SE PURIFICAVA E O SANTO ANTÓNIO


PREGAVA (ABRIA A BOCA) PARA OS QUE NÃO SE QUERIAM PURIFICAR ( DEIXAR OS VÍCIOS)

RÉMORA - força e no poder ( prende-se ao leme de uma nau, impedindo-se de se mexer)

A “LÍNGUA” ( O PODER DA PALAVRA) DE SANTO ANTÓNIO TINHA UMA FORÇA CAPAZ DE


PARAR OS ÍMPETOS DO ARBÍTRO E AS PAIXOES HUMANAS ( SOBERBA, VINGANÇA, COBIÇA E
SENSUALIDADE), OU SEJA, SIMBOLIZA O PODER DA PALAVRA DE SANTO ANTÓNIO PARA GUIAR
OS HOMENS.

TORPEDO – energia (produz descargas elétricas que fazem, tremer o braço do pescador ao
tentar pescá-lo)

SANTO ANTÓNIO – AS SUAS PALAVRAS TINHAM UMA ENERGIA QUE LEVAVA AO


ARREPENDIMENTO E À MUDANÇA DE VIDA DAQUELES QUE AS ESCUTAVAM

QUATRO-OLHOS - vigilante (dois olhos voltados para cima para se vigiarem das aves; dois
olhos voltados para baixo para se vigiarem dos peixes)

Simboliza o dever dos cristãos de afastar os olhos da vaidade divina, olhando para o céu, sem
esquecer a existência do inferno

Capítulo IV – repreensões em geral

“ Antes porém que vos vades, assi como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as
vossas repreensões.” – EXPLICITAÇÃO DA ESTRUTURA INTERNA DO SERMÃO, COM A
FINALIDADE DE ORIENTAR O AUDITÓRIO EM TERMOS DE ORGANIZAÇÃO GLOBAL DO SERMÃO

A primeira grave condenação que tem a fazer é ao facto de os peixes se comerem uns aos
outros e, sobretudo, os maiores comerem os mais pequenos (ictiofagia). “antropofagia
social“ – os brancos aproveitam-se dos que se encontram em situação de fragilidade social
( CRITICA À COBIÇA E AO OPORTUNISMO DO HOMEM)

Ignorância e cegueira – os peixes são enganados por um retalho de pano. Os homens


enganam os homens do maranhão com trapos ( sedas, restos de tecido) que vendem a preços
elevados e os homens ficam endividados ( exploração – trabalham muito para terem uns
trapos)

O verbo comer tem um sentido denotativo (real) e conotativo (explorar, roubar, vigarizar,
enganar)

Capítulo V - REPREENSÃO DOS VÍCIOS EM PARTICULAR

Roncadores – (arrogância) – SANTO ANTÓNIO: exemplo de alguém que se calou, ou seja, que
não se mostrou arrogante, apesar de saber e poder

Pegadores – (oportunistas, parasitismo) – SANTO ANTÓNIO: exemplo de seguidor de cristo

Voadores – (vaidade, ambição, presunção) – SANTO ANTÓNIO: exemplo de humildade – voou


para baixo
Polvo – (hipócrita, dissimulado, traidor, fingido) – SANTO ANTÓNIO: exemplo de candura, da
sinceridade e da verdade

Capítulo VI - Peroração

Conclusão com a utilização de um desfecho forte, capaz de impressionar o auditório e levá-lo


a pôr em prática os ensinamentos do pregador. Os peixes não foram escolhidos para os
sacrifícios. Só poderiam ir mortos. Deus não quer que lhe ofereçam coisa morta Os homens
também chegam mortos ao altar porque vão em pecado mortal. Ofereçam a Deus o respeito
e a obediência.

MENSAGEM DE HUMILDADE

O orador quer que os homens imitem os peixes, isto é, guardem respeito e obediência a Deus.
Numa palavra, pretende que os homens se convertam. • Têm mais vantagens do que o
pregador. • A sua “bruteza” é melhor do que a razão do orador. • Não ofendem a Deus com a
memória. • O seu instinto é melhor que o livre arbítrio do orador; não falam; não ofendem a
Deus com o pensamento; não ofendem a Deus com a vontade; atingem sempre o fim para que
Deus os criou. Tem inveja dos peixes. Ofende a Deus com palavras. Tem memória. Ofende a
Deus com o pensamento. Ofende a Deus com a vontade. Não atinge o fim para que Deus o
criou.

A escolha do hino Benedicite reforça objectivo final do Sermão “Louvai a Deus”, encerrando o
Sermão com um tom festivo, adequado à comemoração de Santo António, cuja festa se
celebrava. A palavra Ámen significa que todos louvem a Deus;.

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A discussão sobre as virtudes e os vícios humanos passa necessariamente por uma
preocupação social. A ideia de que peixes maiores comem os peixes menores, ou seja, que a
grandeza de cada um na sociedade tem valor relativo, surge espantosamente à frente do seu
tempo. Em plena era mercantil, o texto de Vieira, por meio da alegoria, desvenda para os
colonos do Maranhão a realidade da competição proto-capitalista: são peixes grandes na
colônia, pois escravizam os nativos, que consideram inferiores, porém, uma vez na metrópole,
serviriam de alimento para outros peixes maiores, contra os quais não teriam defesa.

Portanto, o texto de Vieira traz para nós uma inquietante contemporaneidade, pois seus temas
principais são a ganância humana e a corrupção da sociedade, assuntos mais do que presentes
em nosso quotidiano. Por meio de sua linguagem finamente elaborada, Vieira nos faz refletir
sobre os desafios da sociedade de seu tempo, nos ajudando também a pensar sobre a nossa
realidade.

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1 Síntese dos capítulos EXÓRDIO – Capítulo I Este capítulo inicia-se com o conceito
predicável (citação bíblica que serve de mote ao sermão) – Vos estis sal terrae – a partir do
qual o discurso se desenvolve. O texto estrutura-se em torno da importância da palavra dos
pregadores – equivalente ao “sal” – na preservação da moralidade e integridade dos homens –
a “terra”. Tal como o sal impede a corrupção da matéria, também os pregadores devem
impedir a corrupção das almas, porém, tal não se verifica. Vieira elogia aqueles que espalham
a doutrina divina, ou seja, os pregadores que ensinam e, ao mesmo tempo, fazem o que
devem; e acusa aqueles outros que não cumprem a sua função, ou seja, os pregadores
que pregam ao contrário, sendo por isso, merecedores de desprezo. Vieira levanta também a
hipótese de a culpa poder estar do lado dos ouvintes, porque preferem imitar os atos dos
pregadores ou porque se deixam levas pelos seus desejos. O terceiro parágrafo introduz a
figura de santo António e o milagre da pregação aos peixes. Vieira narra um episódio da vida
do santo, em Itália, quando os habitantes da cidade não o quiseram escutar, tendo, então,
António dirigido as suas palavras aos peixes, que o ouviram. Vieira enaltece Santo António;
comparativamente aos outros doutores da Igreja, este santo “foi sal da terra, e foi sal do mar”.
Refere, igualmente, que se sente próximo do santo, porque as suas palavras têm “tido nesta
terra uma fortuna tão parecida à de Santo António em Arimino”, o que o leva a atuar como o
seu mentor, ou seja, a pregar aos peixes e não aos homens. O capítulo encerra com a
tradicional invocação à Virgem (“Domina maris: Senhora do Mar”) a quem Vieira pede a
“costumada graça. Ave Maria”.

EXPOSIÇÃO E CONFIRMAÇÃO

Capítulo II

No primeiro parágrafo deste capítulo, o orador afirma que nunca teve pior auditório do que os
peixes, porque são “gente (...) que se não há de converter”, embora apresentam boas
qualidades. Depois de referir, novamente, as propriedades do “sal”, Vieira sublinha que as
pregações de Santo António devem servir de exemplo a todos os pregadores. Vieira refere
ainda as palavras de S. Basílio, que sublinham que os peixes não só são dignos de
repreensão, mas também de louvor e de exemplo a seguir, e o exemplo de Cristo, que
comparou a sua igreja a uma rede de pesca, sustentam a argumentação do orador e ajudam a
definir a estrutura do sermão.

Ao apresentar as qualidades dos peixes, o pregador enumera, implícita e explicitamente, os


defeitos dos homens:  o deslumbramento face à adulação – “mas isto é lá para os homens,
que se deixam levar destas vaidades, e é também para os lugares em que tem lugar a
adulação”;  a altivez e a presunção – “Os homens perseguindo a António, querendo-o lançar
da terra e ainda do mundo”;  a violência e a obstinação – “os homens tão furiosos e
obstinados”;  a crueldade irracional – “os peixes irracionais se tinham convertido em homens
e os homens não em peixes, mas em feras”;  o exibicionismo e a vaidade – “longe dos
homens e fora dessas cortesanias”. A glorificação dos peixes e a crítica aos homens é
ilustrada por exemplos bíblicos. Também é fundamentada em referências a Aristóteles e
Santo Ambrósio, que reforçam a argumentação. O capítulo termina com um novo apelo aos
peixes para que sigam o exemplo de Santo António, que tudo deixou, a sua cidade e o seu país,
alterando a sua própria identidade e o seu saber.

Capítulo III

Neste capítulo apresentam-se as virtudes de alguns peixes em particular. O primeiro exemplo


referido é o do peixe de Tobias, cujo fel serviria para curar a cegueira, enquanto o coração
seria usado para expulsar os demónios. Tobias confirmou o poder curativo das entranhas do
peixe: seu pai, que era cego, recuperaria a visão, depois de, a conselho do anjo S. Rafael, lhe
ter sido aplicado um pouco de fel extraído do peixe; o coração, depois de queimado, expulsou
um demónio que já tinha matado sete maridos a Sara. Sara e Tobias casaram e o demónio
“nunca mais tornou”. Vieira retorna à figura do santo, referindo que as suas palavras tinham o
mesmo poder que as vísceras do peixe, uma vez que, se os homens lhe abrissem os seus
corações, António tirar-lhes-ia as cegueiras e livrá-los-ia dos demónios. Em seguida, Vieira
apresenta outro exemplo, o da rémora, um peixe que, quando se cola ao leme das naus da
Índia, consegue, apesar do seu diminuto tamanho, mudar-lhes o rumo. Também as palavras de
Santo António foram uma rémora na terra, porque conseguiram “domar a fúria das
paixões humanas”. Vieira continua o seu discurso alegórico, apresentando exemplos que
confirmam a afirmação anterior:  a nau Soberba, com as velas inchadas de vento, não
se desfez nos rochedos, porque as palavras de António a salvaram;  a nau Vingança,
repleta de ira e de ódio, encontrou a paz através das palavras do santo;  a nau Cobiça,
sobrecarregada com uma “carga injusta”, foi salva das garras dos corsários pela ação de Santo
António;  a nau Sensualidade, perdida na cerração e na noite, iludida pelos cantos das
sereias, encontrou a salvação, seguindo a luz das palavras do santo. O exemplo seguinte é o do
torpedo, peixe que produz descargas elétricas, que fazem tremer o braço do pescador que o
tenta capturar; a descarga elétrica simboliza a palavra de Deus, que deveria abalar a
consciência dos homens. O último exemplo que o pregador apresenta é o do quatro-olhos,
peixe que, nadando à superfície das águas, apresenta dois pares de olhos: um par permite-lhe
defender-se das aves, enquanto o outro o protege dos peixes predadores. O capítulo encerra
com novos louvores aos peixes, porque:  são eles que alimentam as Cartuxas e os Buçacos
(ordens religiosas), “que professam a mais rigorosa austeridade”;  são eles que ajudam os
cristãos “a levar a penitência das quaresmas”;  são eles que foram escolhidos por Cristo para
festejar “a sua Páscoa, as duas vezes que comeu com os seus discípulos depois de
ressuscitado”;  são os “companheiros do jejum e da abstinência dos justos”;  são o alimento
que pode ser comido todos os dias da semana;  são “criaturas daquele elemento (a água),
cuja fecundidade entre todos é própria do Espírito Santo”. Finalmente, Vieira enfatiza o facto
de Deus ter abençoado os peixes para que eles crescessem e se multiplicassem, podendo,
assim, ser o alimento dos pobres. O exemplo mais claro deste facto são as sardinhas que o
Criador multiplica “em número tão inumerável”, porque são “sustento dos pobres”, enquanto
“Os Solhos, e os Salmões, são muito contados porque servem à mesa dos Reis, e dos
poderosos”.

Capítulo IV A frase inicial deste capítulo funciona como uma charneira que estabelece a
ligação entre dois momentos diferentes do sermão: o anterior, em que se louvaram as
virtudes dos peixes, e o posterior, em que se apontarão os seus defeitos. Sendo o sermão
alegórico, o tema deste capítulo é o da exploração dos pobres e indefesos pelos poderosos e
prepotentes, a antropofagia social. Vieira continua a criticar os peixes, afirmando que não
percebe como, sendo todos irmãos e vivendo no mesmo elemento, se comam uns aos outros.
Para lhes mostrar quão feio é o seu pecado, vai recorrer ao exemplo dos homens. Os peixes
são, então, convidados a olhar para a terra, não para os matos (oque seria previsível, visto
que a antropofagia não deveria se uma prática comum entre homens “civilizados”), mas
para a cidade. Desse modo, poderão constatar nos homens os seus próprios defeitos,
nomeadamente o modo como se comem, ou seja o modo como se exploram uns aos outros

Em seguida, Vieira assume um tom mais violento e interventivo, referindo-se à injustiça e às


maldades causadas por

- Serem “os maiores que comem os pequenos”

- serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;

serem os grandes aqueles “que tê mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua
fome de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem
os povos inteiros”;

serem os pequenos comidos como se fossem pão, ou seja, um alimentos que se come
quotidiana e indiscretamente – “o pão é comer de todos os dias, que sempre e
continuadamente se come”;

serem os pequenos comidos em qualquer modo – “não só de dia, senão também, de noite, às
claras e às escuras, como também fazem os homens. Vieira tenta, então, convencer os peixes a
não se comerem uns aos outros, referindo-se ao dilúvio e à arca de Noé. Na arca, os animais da
terra e do ar, que costumavam comer-se uns aos outros, não o fizeram por uma questão de
sobrevivência e todos viveram em paz. Por isso, os peixes devem seguir o seu exemplo,
evidenciando atitudes de temperança e benevolência. Os peixes são, ainda, acusados de
outros defeitos: a ignorância e a cegueira, que os faz serem pescados e perderem a vida, sendo
“Enganados por um retalho de pano” tal como os homens. O capítulo acaba com mais uma
referência a Santo António como exemplo a seguir. Santo António preferiu a sobriedade à
ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com esta postura
simples e humilde que conseguiu converter muitos homens desviados da fé.

Capítulo V

Depois de apresentada a crítica generalizada, Vieira enuncia, neste capítulo, os principais


defeitos e vícios de alguns peixes, em particular. A primeira espécie a ser criticada é o
grupo dos roncadores. Estes peixes, apesar de pequenos e aparentemente vulneráveis,
emitem um som forte, ao contrário do que acontece com outros peixes de maior envergadura.
Vieira interroga-se sobre tal contrassenso, embora, segundo o pregador, a resposta seja
óbvio: os roncadores simbolizam aqueles que se autopromovem, exibindo a sua vaidade e
poder, sendo, por isso, arrogantes. Vieira exemplifica a triste sorte dos roncadores, referindo o
exemplo de Pedro, o discípulo de Cristo. A este apóstolo, apesar de ter afirmado que
defenderia até à morte o seu Senhor, bastou-lhe uma simples afronta de uma mulher, após a
prisão de Cristo, para negar que conhecia o seu Mestre. Ora, se tal aconteceu a S. Pedro, muito
menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância. Vieira recorre, ainda, a outros
exemplos bíblicos (Davi e Golias, Caifás e Pilatos) para reiterar que os arrogantes e os soberbos
pensem que são Deus, mas acabam por ser diminuídos e humilhados, porque “quem se toma
com Deus, sempre fica debaixo”. No entanto, o símbolo da verdadeira sabedoria, Santo
António, nunca “blasonou” disso, ou seja, nunca se vangloriou das suas capacidades,
confinando-se à sua condição de servo de Deus – “E porque tanto calou, por isso deu tamanho
brado”. Outra das espécies piscícolas são os pegadores. Estes peixes pequenos agarram-se ao
dorso dos peixes maiores, que não conseguem livrar-se deles, vivendo como parasitas às
custas dos seus hospedeiros.

Partindo deste exemplo, o pregador tece uma violenta crítica ao aparelho colonial
português, referindo que estes animais aprenderam a ser parasitas com os portugueses,
porque não há nenhum vice-rei ou governador que parta para as conquistas sem ir
rodeado de larga comitiva. Os mais inteligentes tentam construir a sua vida
autonomamente, mas os mais preguiçosos acabam como os pregadores que, quando o
tubarão, que lhes serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele, porque a ele estão
pegados. Vieira refere, então, um exemplo bíblico que ilustra a triste sorte dos pegadores: a
família de Herodes, que perseguiu a Sagrada Família, e que se afundou com o sue patriarca.
Mas os pegadores não são apenas exemplo das más práticas, pois “Deus também tem
os seus pegadores”, aqueles que espalham a palavra divina: David pegou-se a Deus e Santo
António a Cristo e ambos foram bem-sucedidos. Vieira centra, a seguir, a sua atenção nos
voadores. Estes animais, criados por Deus para serem peixes, como têm umas barbatanas
maiores do que a generalidade dos peixes, queriam imitar as aves. Esta ambição de os
voadores se quererem transformar naquilo que verdadeiramente não são, só lhes traz
sofrimento porque estão sujeitos aos perigos do mar e aos perigos do ar – no mar morrem
enganados pelo isco e no ar morrem porque as velas, as cordas e os laços dos barcos se
transformam em redes, apanhando-os. Vieira refere ainda Santo António como exemplo de
alguém que sempre se desmarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem
subir também fazem descer, o que pode precipitar a destruição. Assim, Santo António
preferiu remeter-se à sua humildade: “Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para
descer”. A última criatura marinha a ser criticada é o polvo. Este peixe, na verdade, parece um
monge e uma estrela; simula brandura e mansidão, contudo, debaixo desta aparência é,
segundo S. Basílio e Santo Ambrósio, “o maior traidor do mar”. Com a sua capacidade de
dissimulação, o polvo engana os outros peixes com malícia e mentira, caçando-os mais
facilmente. A tradição é de tal forma repugnante que Vieira afirma que o polvo é pior que
Judas, o paradigma do traidor no Evangelho, porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às
escuras mas executou a traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a sua
tinta, rouba a luz à sua presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são violentas:
“Vê, Peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos
traidor!” O capítulo acaba com uma crítica feroz aos portugueses. Partindo do exemplo de
Santo António – “o mais puro exemplar da candura, da sinceridade, e da verdade, onde nunca
houve dolo, fingimento ou engano” –, Vieira refere a deterioração dos valores nacionais,
uma vez que, no passado, as características exemplares de Santo António eram extensivas a
todo o povo português, não sendo, por isso, atributos dos santos – “bastava antigamente ser
português, não era necessário ser santo”

PERORAÇÃO – Capítulo VI

No primeiro parágrafo deste capítulo, Vieira refere o facto de os peixes nunca serem
animais escolhidos para os sacrifícios rituais, porque, como não vivem fora da água, chegariam
mortos ao altar. O orador afirma que, tal como os peixes, há muitos homens que chegam ao
altar “mortos”, ou seja, em pecado mortal. No segundo parágrafo, o orador refere a sorte
que os peixes têm, pois embora irracionais, não ofendem a Deus nem com as palavras,
nem com a memória, nem com o entendimento, nem com a vontade; apenas desempenham a
missão para que Deus os criou, enquanto ele foi criado para servir Deus, missão que não
realiza na sua plenitude, pois não consegue converter os homens. O último parágrafo constitui
uma exortação aos peixes para que louvem a Deus, porque Ele os fez numerosos, belos e
diversos, porque lhes deu a água para nela viverem e se multiplicarem e porque escolheu os
pescadores (os apóstolos) para com Ele privarem. O sermão termina de modo provocatório,
pois como a pregação foi destinada aos peixes e estes, pela sua condição, não são capazes “de
Glória nem de Graça”, o sermão também “não acaba (...) em Graça e Glória”, ou seja, não
atinge o seu objetivo. O pregador remete então para Deus a bênção final –“assim como no
princípio vos deu a sua bênção, vo-la dê também agora”

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dos roncadores: embora tão pequenos, roncam bastante, simbolizando assim os arrogantes (É
possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?);

Peroração: o orador retoma os pregadores de que falava no conceito predicável, servindo-se


dele próprio como exemplo alegando que não estava a cumprir a sua função. Alega também
que ele (homens) e os peixes, nunca vão chegar ao sacrifício final, uma vez que os peixes já vão
mortos e os homens vão mortos de espírito. Padre António Vieira diz que a irracionalidade, a
inconsciência e o instinto dos peixes, são melhores do que a racionalidade, o livre arbítrio, a
consciência, o entendimento e a vontade do homem.

Conclui-se assim, fazendo um apelo aos ouvintes e louvando-se a Deus, tornando esta última
parte do sermão um pouco mais familiar, para que se estabeleça de novo a proximidade entre
os ouvintes e o orador.

Recursos estilísticos predominantes


O Sermão de Santo António aos peixes é uma alegoria, na medida em que os peixes são a
personificação dos homens. O Padre António Vieira toma como ponto de partida uma frase
bíblica irrefutavelmente aplicável às condições políticas e sociais da sua época. A pessoa
gramatical privilegiada é, obviamente, a segunda, visto que o seu objectivo é persuadir e
contar com a adesão dos ouvintes.

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