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O pregador parte de um conceito predicável: “Vós sois o sal da terra”(Vos estis sal terrae, S.
Mateus). Vós dirige-se aos pregadores, sal representa a mensagem evangélica e terra significa
o auditório, aqueles que ouvem a palavra dos pregadores. Tal como o efeito do sal é
conservar, “impedir a corrupção”, assim a mensagem evangélica, pregada pelos divulgadores
da palavra de Cristo, deverá ter a credibilidade necessária para impedir o mal e, neste caso,
para impedir que os colonos, movidos pela ganância, cometam injustiças, explorando os
índios até à sua destruição.
Os motivos porque o sal não salga, isto é, por que os pregadores não impedem a corrupção, e
por que a terra se não deixa salgar, isto é, por que os ouvintes continuam a explorar e a
destruir os índios, vão surgindo lentamente: os pregadores não pregam a verdadeira doutrina,
os pregadores dizem uma coisa e fazem outra, os pregadores pregam-se a si mesmos e não a
Cristo; os ouvintes não querem receber a verdadeira doutrina, os ouvintes querem imitar o
que os pregadores fazem e não o que eles dizem, os ouvintes querem servir os seus apetites
em vez de servir a Cristo.
O orador acaba por condenar os maus pregadores.
A censura aos maus ouvintes, aos colonos que não querem seguir a mensagem evangélica,
decide Vieira fazê-la através do exemplo de Santo António. Assumindo-se como narrador,
Vieira conta a história de Santo António que deixou de pregar na cidade aos homens e foi
pregar para os peixes do mar. Assim, louvando Santo António, o Padre Vieira, cansado
também ele de não ter colhido o fruto da sua doutrina, propõe, no final deste primeiro
capítulo, imitar Santo António e pregar aos peixes, invocando a ajuda de Maria, cujo nome
significa “Senhora do mar”.
Capítulo II
O texto assume-se como uma alegoria, uma vez que o auditório passa a ser os peixes que
representam os homens. O orador começa por expor, de novo, o tema, a matéria, a tese que o
sermão vai desenvolver e demonstrar, e justifica a sua opção de seguir o exemplo de Santo
António, evidenciando as qualidades dos peixes como ouvintes (“ouvem, e não falam”) e
também a sua característica mais negativa: “serem gente os peixes, que se não há de
converter”. Retoma o conceito predicável, expresso no exórdio, para melhor esclarecer o seu
significado e associá-lo às pregações de Santo António. Tal como o sal serve para conservar
aquilo que é são e preservá-lo para que não se corrompa, assim as pregações de Santo António
serviam para louvar o bem para o conservar e repreender o mal para preservar dele.
Seguidamente, o orador apresenta a divisão a que irá proceder para melhor estruturar o seu
sermão e defender a sua tese: em primeiro lugar, irá louvar as virtudes dos peixes e, em
segundo lugar, irá repreender os seus vícios.
Relativamente aos louvores, António Vieira começa por louvar os peixes e as suas virtudes em
geral e só posteriormente as irá particularizar. As suas principais virtudes são as seguintes: a
obediência, a ordem, a quietação e a atenção.
Outra grande virtude dos peixes é o facto de, entre todos os animais, serem eles os únicos que
não se domam nem domesticam. Quer os animais terrestres (o cão, o cavalo, o boi, o bugio,
os leões, os tigres), quer os animais do ar (o papagaio, o rouxinol, o açor, as grandes aves de
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rapina), todos se amansam ou domesticam. Os peixes, pelo contrário, “não há nenhum tão
grande, que se fie do homem, nem tão pequeno, que não fuja dele”. A liberdade em que vivem
os peixes é contraposta à prisão em que vivem os restantes animais.
No fim do capítulo, o orador estabelece um paralelo entre os peixes e Santo António, que
“quanto mais buscava Deus, tanto mais fugia dos homens”.
Capítulo III
Capítulo IV
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Vieira junta outro argumento que, decididamente, impressionaria o auditório e levaria os
colonos à reflexão e à alteração do seu comportamento: aqueles que abusam da sua condição
no Brasil, explorando miseravelmente os índios, quando regressam a Portugal, são explorados
e destruídos por outros com maior poder e força que eles.
E assim Vieira chega a um conselho, porventura amistoso, para que males maiores não
sucedam. Tais são os perigos que cercam os peixes, que viver em concórdia, os peixes grandes
e os pequenos, isto é, os colonos e os índios, só seria proveitoso para todos. Os colonos
deverão tomar verdadeira consciência da situação e modificar o comportamento.
Em seguida, o orador apresenta a contra-argumentação dos peixes/colonos: não têm com que
se sustentar e, portanto, necessitam de comer os outros. Mas Vieira refuta este contra-
argumento. A comida que existe no mar sobeja para sustentar todos os peixes. E exemplifica
com o Dilúvio, em que todos os animais viveram juntos dentro da Arca e aceitaram viver com a
ração que Noé lhes distribuía, sem necessitarem de se consumir una aos outros.
Uma última repreensão faz o orador neste capítulo: a facilidade com que peixes e homens se
deixam enganar pelo engodo de um isco.
Os homens, em Portugal, movidos pela vaidade de um hábito, entram nas Ordens Religiosas de
Avis, de Cristo ou de Santiago e aí encontram a morte. No Maranhão, não há ambição de
hábitos, mas os colonos deixam-se enganar facilmente pelos comerciantes de panos que
chegam, em navios, de Portugal. O capítulo termina com a comprovação da grande loucura e
fraqueza de espírito doas colonos, que desperdiçam a vida e se matam pela vaidade de um
retalho de pano, “triste farrapo”. E, no final, surge, mais uma vez, o exemplo de Santo
António, que não se deixou enganar pelas vaidades deste mundo.
Capítulo V
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Para finalizar as repreensões, Vieira faz ainda uma advertência: que não enriqueçam os
homens daquelas terras à custa dos naufrágios que acontecem naquelas costas. Esta última
advertência vem ainda acompanhada da ameaça da excomunhão para os que se aproveitam
dos bens dos naufragantes.
Capítulo VI
O orador despede-se dos peixes e pretende com as últimas palavras movere (comover) o
auditório.
Assim, mostra como os peixes são superiores aos outros animais porque, de acordo com o
Levítico (livro do Antigo Testamento), Deus apenas escolheu animais terrestres ou aves para
lhe serem sacrificados, excluindo totalmente os peixes. Os peixes só poderiam chegar aos
altares depois de mortos e Deus não quer coisas mortas nos seus altares. E, numa exclamação,
Vieira lamenta as Almas que chegam mortas ao Altar de Deus porque estão em pecado mortal.
Mais um alerta subtil para que os colonos se emendem.
Neste final de sermão, Vieira coloca-se como pecador à frente dos outros pecadores e reitera
o apelo ao louvor a Deus por parte dos peixes, para que os colonos do Maranhão, o
verdadeiro auditório, se sintam impressionados, mas não ofendidos, e também eles louvem a
Deus e sigam a sua palavra. Não desperta a agressividade, desperta a emoção e a reflexão.
Este sermão critica os pregadores que, pela sua palavra e pelo seu comportamento, não
conseguem levar a mensagem evangélica aos colonos do maranhão e critica estes pelos
abusos de poder e pelas atrocidades cometidas em relação aos índios e aos escravos negros.
Inspirando-se na história de Santo António, que pregava em Itália, na cidade de Arimino,
contra os hereges, e, como estes não o quisessem ouvir, mudou o púlpito e o auditório e,
deixando a cidade e os homens, virou-se para o mar e para os peixes, Vieira constrói uma
alegoria em que o auditório do sermão é constituído por peixes que representam os homens
em geral e os colonos do Maranhão em particular.
Através da alegoria, falando quase sempre aos peixes para que a crítica surja mais subtil, o
Padre António Vieira procura captar a atenção serena dos colonos e, progressivamente, vai
procurando que estes se consciencializem dos defeitos dos homens em geral, e dos deles em
particular: a vaidade, o prazer de subjugar os outros, de os aprisionar, a ausência de
compaixão, de amor a Cristo e aos homens, a preocupação excessiva em enriquecer, o
aproveitamento das instituições sociais para explorar os mais fracos, a “antropofagia social”
que se verificava nas terras do Maranhão, a ambição excessiva que cega e leva à própria
destruição, a pobreza de espírito e o fascínio por coisas fúteis, a arrogância e a soberba, o
parasitismo e a adulação, a desonestidade, a hipocrisia e a traição, a falta de sinceridade,
enfim, um inventário complexo dos defeitos humanos intemporais e que compõe o cenário de
malvadez e corrupção que caracterizava a sociedade brasileira da época.
Também os Portugueses de Portugal são alvo de crítica: os negócios em torno dos defuntos, o
sistema judiciário, o parasitismo ligado às viagens marítimas, e a ambição que envolve as
Ordens Religiosas de Avis, de Cristo e de Santiago. No entanto, os homens do Maranhão, o
verdadeiro auditório deste sermão, são o objeto prioritário da crítica, acompanhada quase
sempre de advertências para que o seu comportamento melhore e possam todos viver felizes
e alcançar a salvação eterna.