Assim sendo, Padre António Vieira, do dia da festa em honra de Santo António,
em vez de falar do Santo, decidiu que seria preferível falar como ele, pregando também,
aos peixes, já que as suas pregações, tal como tinha acontecido com as do Santo,
também não estavam a ser ouvidas. Vieira fez, então, a costumada Invocação à Virgem,
pedindo-lhe inspiração para o seu sermão.
Padre António Vieira elogia a qualidade peculiar dos peixes de serem capazes
de ouvir e de não falar. Contudo, têm o defeito de não poderem converter-se, mas o
pregador já está habituado a essa dor (observação irónica em relação aos homens).
“Vos, diz Chriſto Senhor noſſo, fallando com os Prègadores, ſois o ſal da terra: &
chama-lhe ſal da terra, porque quer que façaõ na terra, o que faz o ſal. O effeito do ſal he
impedir a corrupção, mas quando a terra ſe vê taõ corrupta como eſtá a noſſa, havendo
tantos nella, que tem officio de ſal, qual ſerá, ou qual pòde ſer a cauſa deſta corrupção? Ou
he porque o ſal naõ ſalga, ou porque a terra ſe não deyxa ſalgar.”
Peixe de Tobias
o Cura a cegueira
o Expulsa os demônios
«(...) tendo um demônio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara,
casou com ela o mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu dali
o demónio e nunca mais tornou;»
Rémora
Torpedo
Quatro Olhos
Passando às repreensões dos peixes, Vieira critica-os por se comerem uns aos
outros (sentido denotativo ou literal) e por serem os grandes que comem os pequenos,
mas com os homens passa-se um fenómeno semelhante.
Padre António Vieira alerta os peixes que Deus os pode castigar, tal como
castiga os homens, pois poderão encontrar sempre outros peixes maiores que os
"comerão" a eles. Vieira aconselha os peixes a não se destruírem uns aos outros, pois já
basta a perseguição que lhes movem os homens. Os peixes poderão alegar, como fazem
os homens, que não têm outro meio de sobrevivência, mas o mar é tão grande que eles
se poderão sustentar só com o que ele deita à praia. Após o dilúvio, se os animais se
comessem, não se teriam multiplicado, uma vez que só havia dois de cada espécie. Outro
defeito dos peixes consiste em deixarem-se tentar por um bocado de pano atado num
anzol. Do mesmo defeito padecem os homens e pelo mesmo motivo se guerreiam uns
aos outros. Vieira faz referência às ordens de Cristo, Santiago, Avis e de Malta, cujos
hábitos os homens ambicionam envergar. No Maranhão também os homens se deixam
iludir com os panos que chegam de Portugal, contraindo dívidas para os obter. Ora, se
essa vaidade é a loucura nos homens, mais o é nos peixes, a quem Deus dotou de uma
pele tão vistosa. Santo António, desprezando a vaidade, vestiu-se de burel, com uma
corda atada à cintura.
- O Polvo: Traição.
Padre António Vieira despede-se dos peixes, dizendo que, dos animais que
Deus tinha escolhido para lhe serem sacrificados, os peixes tinham sido excluídos, porque
os outros animais, ao contrário dos peixes, podiam ir vivos aos sacrifícios. Entre os
homens, havia muitos que chegavam ao altar com as suas almas mortas pelo pecado e,
por isso, era preferível não se ser sacrificado a Deus do que ser-se sacrificado morto.
Vieira termina com um apelo, pedindo aos peixes para louvarem a Deus. Na
última frase, parece que o público real e o ficcional se coincidem, percebendo-se que
Vieira se dirige mais aos homens, ao dizer que não pode acabar o sermão em graça,
porque os peixes (ou seja, os homens) também não estão em graça.