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Exposição e confirmação
Capítulo II
No primeiro parágrafo deste capítulo, o orador afirma que nunca teve pior auditório do que os peixes,
porque são “gente (...) que se não há de converter”, embora apresentam boas qualidades.
Depois de referir, novamente, as propriedades do “sal”, Vieira sublinha que as pregações de Santo
António devem servir de exemplo a todos os pregadores.
Vieira refere ainda as palavras de S. Basílio, que sublinham que os peixes não só são dignos de
repreensão, mas também de louvor e de exemplo a seguir, e o exemplo de Cristo, que comparou a sua
igreja a uma rede de pesca, sustentam a argumentação do orador e ajudam a definir a estrutura do
sermão. Ao apresentar as qualidades dos peixes, o pregador enumera, implícita e explicitamente, os
defeitos dos homens:
❖ o deslumbramento face à adulação – “mas isto é lá para os homens, que se deixam levar dessas
vaidades, e é também para os lugares em que tem lugar a adulação”;
❖ a altivez e a presunção”;
❖ a violência e a obstinação – “os homens tão furiosos e obstinados”;
❖ a crueldade irracional – “os peixes irracionais se tinham convertido em homens e os homens não
em peixes, mas em feras”;
❖ o exibicionismo e a vaidade – “longe dos homens e fora dessas cortesias". o – “Os homens
perseguindo a António, querendo-o lançar da terra e ainda do mund
Padre António Vieira
A glorificação dos peixes e a crítica aos homens é ilustrada por exemplos bíblicos. Também é
fundamentada em referências a Aristóteles e Santo Ambrósio, que reforçam a argumentação. O capítulo
termina com um novo apelo aos peixes para que sigam o exemplo de Santo António, que tudo deixou, a
sua cidade e o seu país, alterando a sua própria identidade e o seu saber.
Capítulo III
Neste capítulo apresentam-se as virtudes de alguns peixes em particular. O primeiro exemplo referido é o
do peixe de Tobias, cujo fel serviria para curar a cegueira, enquanto o coração seria usado para expulsar
os demónios. Tobias confirmou o poder curativo das entranhas do peixe: seu pai, que era cego,
recuperaria a visão, depois de, a conselho do anjo S. Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco de fel extraído
do peixe; o coração, depois de queimado, expulsou um demônio que já tinha matado sete maridos a Sara.
Sara e Tobias casaram e o demónio “nunca mais tornou”. Vieira retorna à figura do santo, referindo que
as suas palavras tinham o mesmo poder que as vísceras do peixe, uma vez que, se os homens lhe abrissem
os seus corações, António tirar-lhes-ia as cegueiras e livrá-los-ia dos demónios.
Em seguida, Vieira apresenta outro exemplo, o da rémora, um peixe que, quando se cola ao leme das
naus da Índia, consegue, apesar do seu diminuto tamanho, mudar-lhes o rumo. Também as palavras de
Santo António foram uma rémora na terra, porque conseguiram “domar a fúria das paixões
humanas”. Vieira continua o seu discurso alegórico, apresentando exemplos que confirmam a
afirmação anterior:
● a nau Soberba, com as velas inchadas de vento, não se desfez nos rochedos, porque as
palavras de António a salvaram;
● a nau Vingança, repleta de ira e de ódio, encontrou a paz através das palavras do santo;
● a nau Cobiça, sobrecarregada com uma “carga injusta”, foi salva das garras dos corsários pela
ação de Santo António;
● A nau Sensualidade, perdida na cerração e na noite, iludida pelos cantos das sereias,
encontrou a salvação, seguindo a luz das palavras do santo.
O exemplo seguinte é o do torpedo, peixe que produz descargas elétricas, que fazem tremer o braço do
pescador que o tenta capturar; a descarga elétrica simboliza a palavra de Deus, que deveria abalar a
consciência dos homens.
O último exemplo que o pregador apresenta é o do quatro-olhos, peixe que, nadando à superfície das
águas, apresenta dois pares de olhos: um par permite-lhe defender-se das aves, enquanto o outro o
protege dos peixes predadores. O capítulo encerra com novos louvores aos peixes, porque:
são eles que alimentam as Cartuxas e os Buçacos (ordens religiosas), “que professam a mais
rigorosa austeridade”;
são eles que ajudam os cristãos “a levar a penitência das quaresmas”;
são eles que foram escolhidos por Cristo para festejar “a sua Páscoa, as duas vezes que comeu
com os seus discípulos depois de ressuscitado”;
são os “companheiros do jejum e da abstinência dos justos”;
são o alimento que pode ser comido todos os dias da semana;
são “criaturas daquele elemento (a água), cuja fecundidade entre todos é própria do Espírito
Santo”.
Padre António Vieira
Finalmente, Vieira enfatiza o facto de Deus ter abençoado os peixes para que eles crescessem e se
multiplicassem, podendo, assim, ser o alimento dos pobres. O exemplo mais claro deste facto são as
sardinhas que o Criador multiplica “em número tão inumerável”, porque são “sustento dos pobres”,
enquanto “Os Solhos, e os Salmões, são muito contados porque servem à mesa dos Reis, e dos
poderosos”.
Capítulo IV
A frase inicial deste capítulo funciona como uma charneira que estabelece a ligação entre dois
momentos diferentes do sermão: o anterior, em que se louvaram as virtudes dos peixes, e o posterior, em
que se apontaram os seus defeitos.
Sendo o sermão alegórico, o tema deste capítulo é o da exploração dos pobres e indefesos pelos
poderosos e prepotentes, a antropofagia social*.
Vieira continua a criticar os peixes, afirmando que não percebe como, sendo todos irmãos e vivendo no
mesmo elemento, se comam uns aos outros. Para lhes mostrar quão feio é o seu pecado, vai recorrer
ao exemplo dos homens. Os peixes são, então, convidados a olhar para a terra, não para os matos (o que
seria previsível, visto que a antropofagia não deveria ser uma prática comum entre homens
“civilizados”), mas para a cidade.
Desse modo, poderão constatar nos homens os seus próprios defeitos, nomeadamente o modo como
se comem, ou seja o modo como se exploram uns aos outros. Em seguida, Vieira assume um tom mais
violento e interventivo, referindo-se à injustiça e às maldades causadas por:
➔ serem “os maiores que comem os pequenos”;
➔ serem os pequenos comidos “de qualquer modo”;
➔ serem os grandes aqueles “que te mando das cidades e das províncias, não se contenta a sua fome
de comer os pequenos um por um, ou poucos a poucos, senão que devoram e engolem os povos
inteiros”;
➔ serem os pequenos comidos como se fossem pão, ou seja, um alimentos que se come
quotidiana e indiscretamente – “o pão é comer de todos os dias, que sempre e
continuadamente se come”;
➔ serem os pequenos comidos em qualquer modo – “não só de dia, senão também, de noite, às
claras e às escuras, como também fazem os homens.
Vieira tenta, então, convencer os peixes a não se comerem uns aos outros, referindo-se ao dilúvio e à arca
de Noé.
Na arca, os animais da terra e do ar, que costumavam comer-se uns aos outros, não o fizeram por uma
questão de sobrevivência e todos viveram em paz. Por isso, os peixes devem seguir o seu exemplo,
evidenciando atitudes de temperança e benevolência.
Os peixes são, ainda, acusados de outros defeitos: a ignorância e a cegueira, que os faz serem pescados e
perderem a vida, sendo "enganados por um retalho de pano” tal como os homens. O capítulo acaba com
mais uma referência a Santo António como exemplo a seguir. Santo António preferiu a sobriedade à
ostentação, recusando galas e vaidades e, por isso, atingiu a santidade. Foi com esta postura simples e
humilde que conseguiu converter muitos homens desviados da fé.
Padre António Vieira
Capítulo V
Depois de apresentada a crítica generalizada, Vieira enuncia, neste capítulo, os principais defeitos e
vícios de alguns peixes, em particular.
A primeira espécie a ser criticada é o grupo dos roncadores. Estes peixes, apesar de pequenos e
aparentemente vulneráveis, emitem um som forte, ao contrário do que acontece com outros peixes de
maior envergadura. Vieira interroga-se sobre tal contrassenso, embora, segundo o pregador, a resposta
seja óbvia: os roncadores simbolizam aqueles que se auto promovem, exibindo a sua vaidade e poder,
sendo, por isso, arrogantes.
Vieira exemplifica a triste sorte dos roncadores, referindo o exemplo de Pedro, o discípulo de Cristo. A
este apóstolo, apesar de ter afirmado que defenderia até à morte o seu Senhor, bastou-lhe uma simples
afronta de uma mulher, após a prisão de Cristo, para negar que conhecia o seu Mestre. Ora, se tal
aconteceu a S. Pedro, muito menos razões terão os homens para exibirem a sua arrogância. Vieira
recorre, ainda, a outros exemplos bíblicos (Davi e Golias, Caifás e Pilatos) para reiterar que os arrogantes
e os soberbos pensem que são Deus, mas acabam por ser diminuídos ou humilhados, porque “quem se
toma com Deus, sempre fica debaixo”. No entanto, o símbolo da verdadeira sabedoria, Santo
António, nunca se vangloriou das suas capacidades, confinando-se à sua condição de servo de Deus –
“E porque tanto calou, por isso deu tamanho brado”.
Outra das espécies piscícolas são os pegadores. Estes peixes pequenos agarram-se ao dorso dos peixes
maiores, que não conseguem livrar-se deles, vivendo como parasitas às custas dos seus hospedeiros.
Partindo deste exemplo, o pregador tece uma violenta crítica ao aparelho colonial português,
referindo que estes animais aprenderam a ser parasitas com os portugueses, porque não há nenhum
vice-rei ou governador que parta para as conquistas sem ir rodeado de larga comitiva. Os mais
inteligentes tentam construir a sua vida autonomamente, mas os mais preguiçosos acabam como os
pregadores que, quando o tubarão, que lhes serviu de hospedeiro, é pescado, morrem com ele,
porque a ele estão pegados.
Vieira refere, então, um exemplo bíblico que ilustra a triste sorte dos pegadores: a família de Herodes,
que perseguiu a Sagrada Família, e que se afundou com o seu patriarca.
Mas os pegadores não são apenas exemplo das más práticas, pois “Deus também tem os seus
pegadores”, aqueles que espalham a palavra divina: David pegou-se a Deus e Santo António a Cristo e
ambos foram bem-sucedidos.
Vieira centra, a seguir, a sua atenção nos voadores. Estes animais, criados por Deus para serem peixes,
como têm barbatanas maiores do que a generalidade dos peixes, queriam imitar as aves. Esta ambição de
os voadores se quererem transformar naquilo que verdadeiramente não são, só lhes traz sofrimento
porque estão sujeitos aos perigos do mar e aos perigos do ar – no mar morrem enganados pelo isco e no
ar morrem porque as velas, as cordas e os laços dos barcos se transformam em redes, apanhando-os.
Vieira refere ainda Santo António como exemplo de alguém que sempre se desmarcou da ambição,
porque reconhecia que as asas que fazem subir também fazem descer, o que pode precipitar a
destruição. Assim, Santo António preferiu remeter-se à sua humildade: “Não estendeu as asas para subir,
encolheu-as para descer”.
Padre António Vieira
A última criatura marinha a ser criticada é o polvo. Este peixe, na verdade, parece um monge e uma
estrela; simula brandura e mansidão, contudo, debaixo desta aparência é, segundo S. Basílio e Santo
Ambrósio, “o maior traidor do mar”. Com a sua capacidade de dissimulação, o polvo engana os outros
peixes com malícia e mentira, caçando-os mais facilmente. A tradição é de tal forma repugnante que
Vieira afirma que o polvo é pior que Judas, o paradigma do traidor no Evangelho, porque o apóstolo
planeja a entrega de Cristo às escuras mas executou a traição às claras, enquanto o polvo, escurecendo a
água com a sua tinta, rouba a luz à sua presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são
violentas: “Vê, Peixe aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos
traidor!” O capítulo acaba com uma crítica feroz aos portugueses. Partindo do exemplo de Santo António
– “o mais puro exemplar da candura, da sinceridade, e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento ou
engano” –, Vieira refere a deterioração dos valores nacionais, uma vez que, no passado, as
características exemplares de Santo António eram extensivas a todo o povo português, não sendo, por
isso, atributos dos santos – “bastava antigamente ser português, não era necessário ser santo”.
Peroração
Capítulo VI
No primeiro parágrafo deste capítulo, Vieira refere o facto de os peixes nunca serem animais
escolhidos para os sacrifícios rituais, porque, como não vivem fora da água, chegaram mortos ao altar.
O orador afirma que, tal como os peixes, há muitos homens que chegam ao altar “mortos”, ou seja, em
pecado mortal. No segundo parágrafo, o orador refere a sorte que os peixes têm, pois embora
irracionais, não ofendem a Deus nem com as palavras, nem com a memória, nem com o entendimento,
nem com a vontade; apenas desempenham a missão para que Deus os criou, enquanto ele foi criado para
servir Deus, missão que não realiza na sua plenitude, pois não consegue converter os homens.
O último parágrafo constitui uma exortação aos peixes para que louvem a Deus, porque Ele os fez
numerosos, belos e diversos, porque lhes deu a água para nela viverem e se multiplicarem e porque
escolheu os pescadores (os apóstolos) para com Ele privaram.
O sermão termina de modo provocatório, pois como a pregação foi destinada aos peixes e estes, pela sua
condição, não são capazes “de Glória nem de Graça”, o sermão também “não acaba (...) em Graça e
Glória”, ou seja, não atinge o seu objetivo. O pregador remete então para Deus a bênção final – “assim
como no princípio vos deu a sua bênção, vo-la dê também agora”.