Você está na página 1de 5

Sermão de Santo António aos Peixes

Sermão pregado a 13 de junho de 1654, na cidade de S. Luís do Maranhão, três dias


antes de António Vieira embarcar ocultamente para o reino, a procurar o remédio da
salvação dos índios. Todo o sermão é alegórico, os peixes vão corporizar os vícios e
defeitos dos homens.

Capítulo I - Exórdio – Parte-se do conceito predicável (intemporal) “Vós estis sal terrae”
– é o ponto de partida das ideias a desenvolver pelo orador; apresenta um valor
metafórico que consiste em associar as seguintes ideias:

Sal pregadores

impede a corrupção devem impedir a corrupção


na terra nos ouvintes(homens)

➢ As causas da ineficácia do sal são:

• Os pregadores não pregam a verdadeira doutrina;


• Os pregadores dizem uma coisa e fazem outra;
• Os pregadores pregam-se a si e não a Cristo, ou seja, cedem às suas vaidades,
não cumprindo a palavra de Deus;
• A terra não se deixa salgar, porque os homens não querem receber a verdadeira
doutrina, preferindo, muitas vezes, imitar os pregadores que fazer o que dizem.

➢ A intencionalidade argumentativa parte de um jogo linguístico e


discursivo, no qual assume um papel de relevo:
• O articulador disjuntivo “ou”, de modo a inventariar-se as possíveis causas da
corrupção na terra;
• A interrogação retórica, a fim de captar a atenção dos ouvintes, levando-os a
refletir;
• Os tempos e modos verbais: o presente do indicativo traduz a intemporalidade
dos factos, apresentando-os como reais; o pretérito perfeito apresenta situações
ocorridas no passado; o futuro do conjuntivo sugere o levantamento
de hipóteses; o presente do conjuntivo levanta suposições e apresenta um valor
exortativo.

➢ Atendendo à ineficácia do sal, deve-se desprezar e considerar inútil todo


aquele que não cumpre verdadeiramente a sua função de pregador.

➢ A palavra “terra” surge polissemicamente, pois não se refere só à sua


designação denotativa de solo, mas essencialmente ao seu valor conotativo
associado aos homens.

➢ O tom panegírico resulta do discurso elogioso que o orador faz


relativamente à figura de Santo António e às suas ações “…o nosso grande português
Santo António…”, “…mais galharda e gloriosa resolução…”, “…ânimo generoso do
grande António…”
I
➢ Identificação padre António Vieira (século XVII) Santo António (século
XIII)- Santo António quis pregar aos homens de Arimino, mas, como estes não o
quiseram ouvir e até quase o atacaram, foi pregar aos peixes, mudando o púlpito e
o auditório, não desistindo da doutrina e os peixes vieram ouvi-lo. Também António
Vieira pregava a sua doutrina numa terra corrompida pelos vícios, a um auditório
que não o ouvia e que estava contra ele. Vai então proceder como o santo e pregar
aos peixes.
CAPÍTULO II

Estrutura do discurso:

1 - Causas da mudança de auditório: os peixes "ouvem e não falam" enquanto os


homens ouvem pouco e falam muito.

2 - Retoma o conceito predicável: como recomeça o sermão para um novo auditório,


explica novamente a função do sal:
a) conservar o são;
b) preservar do mal

analogia com as propriedades do sermão de Santo António:

a) louvar o bem para o conservar


b) repreender o mal para preservar dele.
Assim, o Padre António Vieira pretende, no sermão, assumir a função de sal.

3 - Clarificação do Sermão, quanto à estrutura: o sermão será dividido em dois pontos:

a) louvor das qualidades/virtudes dos peixes;


b) repreensão dos seus vícios.

"E desta maneira satisfaremos às obrigações do sal, que melhor vos está ouvi-las vivos,
que experimentá-las depois de mortos".

Nestas palavras está presente a ironia, na medida em que António Vieira tenta alertar
os homens para o facto de ser melhor escutar a doutrina agora do que chamar por
ela depois de mortos. Ou seja, acabou por se referir ao Céu e ao Inferno, mas de forma
subentendida.

Neste capítulo, Vieira refere que irá apresentar as qualidades e as virtudes dos peixes,
em geral. Assim sendo,
As qualidades dos peixes são:
- ouvem e não falam;
- a obediência, quando chamados pela honra do Criador;
- “ordem, quietação e atenção" com que ouviram as palavras de santo António.
- sensatez;
- afastamento dos homens, não querendo qualquer tipo de familiaridade com eles.

EM CONTRASTE

Os homens:

- perseguiram Santo António porque este os repreendia e porque não era


condescendente com os seus erros.

"Aos homens deu Deus a razão, e não aos peixes; mas neste caso os homens tinham a
razão sem o uso, e os peixes o uso sem a razão." Através do quiasmo, Vieira revela que
os homens são dotados de inteligência, racionalidade mas não a utilizam, enquanto os
peixes, que não possuem essa capacidade, revelam-se mais perspicazes que os próprios
homens.
➢ O discurso de Vieira segue com a apresentação de uma comparação que justifica
a escolha dos peixes para seu auditório: contraste entre os peixes e os outros
animais (rouxinol, papagaio, açor, bugio, cão, boi, cavalo, tigre e leão).

CONCLUSÃO: todos estes animais servem e são domesticados pelo homem. Os peixes,
por sua vez, são autónomos e vivem felizes. Não confiam nos homens e fogem deles. Na
opinião do autor, os peixes devem afastar-se dos homens por prudência. (exemplo do
Dilúvio).

Analogia com Santo António: referindo-se ao episódio bíblico do Dilúvio, o orador


apresenta o exemplo que comprova o argumento dos benefícios do afastamento dos
peixes relativamente aos homens. Demonstra, assim, que também Santo António se
afastou dos homens para se aproximar de Deus, "tanto mais unido com Deus, quanto
mais apartado dos homens".

Você também pode gostar