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Sermão de Santo António

Disciplina: Português 11 ano

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1.1 CONTEXTO HISTÓRICO

Em que contexto político-cultural surge o Barroco?


O Barroco surge associado ao Absolutismo e ao movimento da Contrarreforma.
Perante a Reforma Protestante, que contestava a Igreja Católica, conduzindo à sua
divisão e originando o surgimento de outras doutrinas (como o luteranismo, o
anglicanismo, o calvinismo), surge o movimento da Contrarreforma.
Com o propósito de garantir o poder absoluto e combater as ideias protestantes,
a Contrarreforma da Igreja Católica promove algumas medidas:
– o fortalecimento do poder da Inquisição, como estímulo à disciplina e à exaltação
religiosa;
– a ostentação e exuberância na decoração das igrejas, a fim de provocar o
deslumbramento dos fiéis.
Assim, a arte barroca surge ao serviço da Igreja Católica, transformando as igrejas
em espaços cativantes pelo aparato, pela abundância de elementos decorativos
e grandiosidade. Com toda a imponência, brilho e magnificência, a Contrarreforma
pretendia, através da arte barroca, encobrir os medos, as tensões e angústias de
uma época e de uma sociedade.

Como se concretiza o Barroco na literatura portuguesa?


O Barroco foi amplamente difundido na poesia lírica por diversos poetas, como
Francisco Manuel de Melo ou D. Tomás de Noronha, e através de várias obras, mas
Padre António Vieira é a figura mais notável da literatura barroca em Portugal.

Quais as características do Barroco presentes na oratória de Padre António Vieira?


O sermão barroco foi o género literário predominante do século XVII e Vieira
chegou, através da pregação, a todas as camadas sociais, conseguindo,
efetivamente, usar a palavra como meio de ação e transformando a pregação numa
espécie de espetáculo, como difusão de ideias morais e políticas.
Deste modo, a oratória religiosa de Padre António Vieira envolve aspetos e
características próprios da estética barroca como:
 o espaço cénico deslumbrante, assente na iluminação e na ornamentação;
 o caráter teatral e grandioso da pregação, realizada do alto do púlpito;
 o pregador como ator expressivo, recorrendo à movimentação, aos gestos, à
 entoação;
 a vertente lúdica, apoiada na profusão de recursos expressivos;
 a complexidade e riqueza de conceitos e a forma do discurso.

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1.2 OBJETIVOS DO SERMÃO

O sermão, discurso de natureza religiosa, é o género literário que está na base da


pregação, com um caráter argumentativo e a intencionalidade de persuadir os
ouvintes à adoção de determinados comportamentos. Como tal, nos seus sermões,
Vieira recorre a um discurso capaz de deleitar e encantar («delectare»), uma vez que
pretende persuadir o auditório, levando-o a alterar o seu comportamento
(«movere»), através da transmissão de ensinamentos («docere»).

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1.3 ESTRUTURA INTERNA E EXTERNA DO SERMÃO

 Estrutura externa.

A obra está estruturada em 6 capítulos.

 Estrutura interna

Apresenta uma estrutura tripartida:

Exórdio - capítulo I - apresentação do tema que vai ser tratado no sermão, a partir
do conceito predicável (vós sois o sal da terra) e das ideias a defender e que,
geralmente, termina com uma breve oração, invocando a Virgem. Esta parte reveste-
se de grande importância dado que é o primeiro passo para captar a atenção e
benevolência dos ouvintes.
Exposição e confirmação - capítulos II a V - Retoma a explicitação do assunto, com
uma breve explicação da organização do discurso; desenvolvimento e enumeração
dos argumentos, contra-argumentos, seguidos de exemplos e/ou citações. A
exposição situa-se desde o início do capítulo II até à linha 12. A partir da linha 12
começa a confirmação até ao capítulo V.
Peroração- capítulo VI - conclusão do raciocínio com destaque para os argumentos
mais importantes. Esta é a parte que a memória dos ouvintes melhor retém, pelo
que deverá conter os aspetos principais desenvolvidos no sermão, de modo a deixar
clara a mensagem veiculada e a levar os ouvintes a pôr em prática os seus
ensinamentos.

2.1 INTRODUÇÃO

“Sermão de Santo António aos Peixes” , é uma peça oratória de Padre António
Vieira. O sermão foi proferido três dias antes de o jesuíta partir para Lisboa, na
cidade de São Luís de Maranhão, no dia 13 de junho de 1654, na sequência dos
litígios entre jesuítas e colonos do Brasil, que contestavam a escravidão dos povos
indígenas.

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2.2 EXÓRDIO (capítulo I)
Padre António Vieira apresenta o conceito predicável, “Vós sois o sal da Terra” e
explica as razões pelas quais a terra está tão corrupta. O pronome “Vós”, refere-se
aos pregadores. Uma vez que os pregadores são considerados “o sal da terra” e o sal
evita a corrupção, isto é, a degradação espiritual, aos pregadores caberá a função de
impedir a degradação moral dos fieis que o escutam. O orador cita Cristo para
conferir autoridade ao seu sermão, uma vez que as suas palavras serão sinónimo de
verdade absoluta.
Segundo o orador, tanto os pregadores como os ouvintes poderão ter a
responsabilidade no facto de a Terra estar corrupta e enumera as várias hipóteses:
ou os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, praticando ações distintas das
palavras que proferem ou pregam-se a si próprios e não a Cristo, isto é, defendem os
seus interesses pessoais e não a doutrina de Jesus. Por outro lado, os ouvintes não
são recetivos às pregações em vez das suas palavras, ou por último, preferem servir
os seus caprichos e não a Cristo.
Padre António Vieira inspira-se no exemplo de Santo António, após ter pregado sem
sucesso aos colonos do Brasil, uma vez que, aconteceu o mesmo a Santo António na
cidade de Arimino. Por conseguinte, Vieira opta por dirigir o seu sermão aos peixes, “
Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar-me da terra para o mar,
e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. ”(linhas 60 e 61, Página
41)

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2.3 RECURSOS EXPRESSIVOS EXÓRDIO

“… de manhã e de tarde, de dia e de noite…”: perífrase


- “… muito clara, muito sólida, muito verdadeira”: adjetivação superlativada
Repetição de frases declarativas negativas: “ou é porque o sal não…; ou
porque a terra não …” (reforço da negatividade da situação)
Repetição das disjuntivas: “ou … ou” (alternativa das hipóteses, visando,
assim, em cada frase chamar a atenção dos interlocutores)

3. 1 CAPÍTULO II ( Louvores dos peixes de carácter geral)

No primeiro parágrafo, o orador afirma que nunca teve pior auditório que os peixes,
embora tenham duas boas qualidades: “Ouvem e não falam”. No segundo
parágrafo , refere novamente o conceito predicável “Vós sois o sal da Terra”, uma
vez que mudou de auditório. Após mencionar as propriedades do sal: “(...conservar o
são e preservá-lo para que se não corrompa.” (linha 4, Página 45) , Padre António
Vieira refere que todos os Pregadores devem seguir o exemplo de Santo António.
De seguida, Padre António Vieira divide o seu sermão em duas partes: Na primeira
parte irá louvar as virtudes, enquanto que na segunda parte irá repreender os vícios.

Virtudes dos peixes:

 “Ouvem e não falam” (linha 2)


 Foram os primeiros seres que Deus criou
 Existem em maior número “entre todos os animais do mundo, os peixes são os
mais e os maiores”
 Revelam obediência “(... é aquela obediência, com que chamados acudistes
todos pela honra de vosso Criador e Senhor..)”- linhas 14 e 15
 Revelam respeito e devoção “(... e aquela ordem, quietação e atenção com que
ouvistes a palavra de Deus da boca do seu servo António. (...) Os homens
perseguindo a António (...) e no mesmo tempo os peixes (...) acudindo a sua voz,
atentos e suspensos às suas palavras, escutando com silêncio (...) o que não
entendiam.” ( linhas 15 a 25)
 Não se deixam domesticar “(... só eles entre todos os animais se não domam
nem domesticam. ” Linhas 31 a 33.

A crítica aos peixes é fundamentada por Aristóteles (argumento de autoridade).

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Ao apresentar as qualidades dos peixes, o pregador enumera, os defeitos dos
homens:
- A altivez e a presunção- “Os homens perseguindo a António, querendo-o lançar da
terra e ainda do mundo”.
- A violência e obstinação - “Os homens tão furiosos e obstinados”
A vaidade- “Longe dos homens e fora dessas cortesias”
- A crueldade irracional- “Os peixes irracionais se tinham convertido em homens e os
homens não em peixes, mas em feras”.

Por último, são referidos todos os animais que vivem próximos do homem, tais como
o o rouxinol, o papagaio, o bugio, o cavalo, os leões e ainda os tigres, que vivem
aprisionados e domados.
Por outro lado, os peixes que vivem afastados do homem, vivem livremente.

3.2 RECURSOS EXPRESSIVOS( CAPÍTULO II)

“Irmãos peixes”- Apóstrofe, que tem como objetivo identificar o novo público.
Anáfora- “lá” (linhas 41 a 43), tem como função referir que os peixes como vivem
distantes dos homens, vivem livremente
Antítese: “nenhum tão grande … nem tão pequeno”
Enumerações ( linhas 34 a 54)
A ironia: “E desta maneira satisfaremos às obrigações do sal, que melhor vos está
ouvi-las vivos, que experimentá-las depois de mortos.” (linhas 10-13)

4. 1 CAPÍTULO III (Virtudes dos peixes em particular )

Neste capítulo, são apresentadas as virtudes de alguns peixes em particular,


concretamente em quatro: Tobias, Rémora, Torpedo e Quatro olhos.
Padre António Vieira, inicia este capítulo, narrando a história do peixe bíblico Tobias. O
velho Tobias ordenou ao seu filho Tobias que fizesse uma viagem até junto do seu povo
para cobrar uma dívida e ao mesmo tempo tomar esposa entre as mulheres da sua tribo.
Acompanhado pelo Anjo São Rafael, quando caminhava à beira de um rio e tentou lavar
as mãos do pó do caminho, um peixe enorme abriu a boca para o comer. Ao ver-se
atacado, Tobias gritou e logo o socorreu o anjo, que lhe disse que não tivesse medo e o
aconselhou a puxar o peixe para terra, retirar-lhe as entranhas e guardá-las, que lhe “iam
servir de muito”. Tobias assim fez e retirou-lhe o fel e o coração, que possuíam duas
qualidades: o fel curava a cegueira e o coração afastava os demónios.

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Sendo o pai de Tobias cego, recuperou totalmente a visão depois de, a conselho de São
Rafael, lhe ter sido aplicado um pouco de fel extraído do peixe. Por outro lado, o
coração do peixe, quando queimado em casa, servia para expulsar os demónios que
nela existissem, o que se veio a comprovar no caso de Sara, que tinha na sua habitação
o demónio Asmodeu, que já lhe tinha matado sete maridos. Sara e Tobias filho
casaram, ele queimou na casa parte do coração do peixe, o demónio fugiu dali “e
nunca mais tornou”. Assim se comprovaram as virtudes das entranhas do peixe de
Tobias.
De seguida, o orador estabelece uma analogia entre o peixe e Santo António, referindo
que as suas palavras tinham o mesmo poder que as entranhas do peixe. De facto, o
santo “abria a boca contra os hereges e enviava-se a eles, levado do fervor e zelo da Fé
e da glória divina”, mas eles reagiram e gritaram contra ele como o peixe de Tobias,
porque “cuidavam que os queria comer”, isto é, não o entenderam e tentaram mata-lo.
Deste modo, Padre António Vieira critica os homens, que cheios de vícios e pecados,
não se deixam doutrinar nem corrigir os seus erros.
O louvor do peixe de Tobias finaliza com uma apóstrofe aos «moradores do
Maranhão», que constitui um apelo («Abri, abri estas entranhas; vede, vede este
coração.») para que vejam Padre Vieira e o seu coração puro e virtuoso. Contudo, ,
como recurso da ironia nas duas frases finais do parágrafo, o orador “relembra” que
não prega aos homens, mas aos peixes , servindo para cativar e prender a atenção do
seu auditório, mas também para demonstrar a sua mágoa pelo facto de esse mesmo
auditório ignorar a sua mensagem e a sua pregação, cuja única finalidade é curar-lhes
a cegueira e libertá-los do mal.
De seguida, Padre António vai apresentar outro peixe, a Rémora. A Rémora é
caracterizada como sendo “(.. peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força
e no poder..)”. Apesar disso, a Rémora é capaz de “prender e amarrar” a nau “mais
que as mesmas âncoras” . A interjeição «Oh» que abre o período seguinte introduz um
desejo do orador: o de que houvesse uma rémora na terra, com tanta força como a do
mar, que diminuiria o número de calamidades (“perigos na vida” e “naufrágios no
mundo”) que se abatem sobre os homens.
Padre Vieira estabelece uma analogia entre a Rémora e Santo António: a Rémora na
terra seria a língua do santo. Esta ideia é sustentada por um argumento de autoridade:
a citação de S. Gregório Nazianzeno (“Na verdade, a língua é pequena, mas tudo vence
pela força.”). Posteriormente , explica a relação existente entre a «língua» e os objetos
que têm como função guiar ou travar o percurso: o «leme» da nau e o «freio» do
cavalo (metáforas). A Rémora “é freio da nau e leme do leme”. Padre Vieira prossegue
o seu discurso alegórico, apresentando quatro exemplos que confirmam a ideia de que
Santo António foi uma Rémora entre os homens, porque conseguiu “domar a fúria das
paixões humanas”:

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 A nau Soberba, com as velas inchadas pelo vento, não se desfez contra os
rochedos, porque as palavras de Santo António a salvaram;
 A nau Vingança, carregada de ira e de ódio, encontrou a paz através das palavras
do santo;
 A nau Cobiça, sobrecarregada até às gáveas com uma “carga injusta”, foi salva das
garras dos corsários pela ação de Santo António;

▪ A nau Sensualidade, perdida na cerração e na noite, iludida pelos cantos das


sereias, encontrou a salvação, seguindo a luz das palavras do santo.

O recurso à alegoria das naus, em suma, confirma e exemplifica o poder e a virtude de


Santo António e da sua língua ao controlar e travar os vícios do ser humano.
O terceiro peixe apresentado é o Torpedo. Este por sua vez, é um peixe que produz
descargas elétricas que fazem tremer o braço do pescador que o pesca. Simboliza o
poder que a palavra de Deus tem de fazer tremer os pecadores que pescam na terra
tudo quanto apanham. Os pescadores representam aqueles que se aproveitam do
poder para satisfazer a sua ganância.
Por último é nos apresentado o Quatro-olhos, peixe que anda à superfície das águas
e tem a particularidade de ter um par de olhos que lhe permite ver para cima e
proteger-se das aves e outro par que lhe permite ver para baixo e proteger-se dos
peixes maiores. Simboliza o dever que os cristãos têm de afastar os olhos da vaidade
terrena, olhando para o Céu, sem esquecer o Inferno. Padre António Vieira, em
suma, ao apresentar as virtudes deste peixe, refere que os homens vivem cegos há
séculos “Tantos instrumentos de vista a um bichinho do mar, nas praias daquelas
mesmas terras vastíssimas, onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira
tantos milhares de gentes há tantos séculos?!”
No último parágrafo, o orador apela aos peixes no sentido de crescerem e se
multiplicarem porque são o sustento dos pobres “Crescei, peixes, crescei e
multiplicai, e Deus vos confirme a sua bênção. “

4.2 RECURSOS EXPRESSIVOS

Anáforas: “Quantos correndo… Quantos embarcados… Quantos navegando…”

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Gradações: Verifica-se uma gradação descendente, do pescador para o peixe,
e depois ascendente, do peixe para o pescador: “Está o pescador com a cana na
mão, o anzol no fundo (…) picando na isca a Torpedo”;"passa a virtude do
peixezinho, da boca ao anzol,do anzol à linha, da linha à cana e da cana ao braço do
pescador." Antíteses: “Tanto pescar, tão pouco tremer”; mar/terra, para cima/para
baixo, Céu/Inferno.Palavras de sentido oposto indicam as duas direções do sermão:
peixes - homens, bem -mal.
Comparações: "… parecia um retrato marítimo de Santo António"; o peixe de Tobias,
comum burel e uma corda, era uma espécie de Santo António do mar: as suas
virtudes eram como as de Santo António. "… unidos como os dois vidros de um
relógio de areia": o peixe Quatro-Olhos possuía grande visão e precisão.
Metáforas: "… águias, que são os linces do ar; os linces, que são as águias da
terra" :sentido de rapidez e de visão excecional.
Apóstrofe: “…olhai, peixes…”
Interrogação retórica: “Um peixe de tão bom coração e de tão proveitoso fel, quem
o não louvará muito?
Interjeição «Oh» que abre o período seguinte introduz um desejo do orador: o de que
houvesse uma Rémora na terra, com tanta força como a do mar, que diminuiria o
número de calamidades (“perigos na vida” e “naufrágios no mundo”) que se abatem
sobre os homens.
Modo condicional- para designar as catástrofes que podem advir das paixões humanas
A reiteração do quantificador interrogativo «quantos», sob a forma de anáfora, que
sugere a indefinição acerca do número de indivíduos que navegam nas diferentes naus;
Metáfora e a Interrogação «Pois a quem vos quer tirar as cegueiras, a quem vos quer
livrar dos Demónios, perseguis vós?!”, que acentua a ideia de que os homens vivem
cegos (isto é, em pecado) e atacam quem quer curar a sua cegueira (ou seja, recolocá-
los no caminho do bem) e exprime a indignação do orador com os seus ouvintes por
causa da hostilidade que demonstram relativamente a quem só quer o seu bem). No
entanto, há uma diferença entre Santo António e o peixe: o primeiro pregava (abrir a
boca) contra os hereges, contra aqueles que não se queriam purificar (observe-se o
trocadilho com a expressão «abrir a boca» a expressividade da metáfora / polissemia
do verbo «lavar») pela palavra de Deus, enquanto o segundo abria a boca “contra
quem se lavava”.

5.1 CAPÍTULO IV

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Neste capítulo Vieira apresenta os vícios dos peixes em geral, continuando a simetria
do sermão. A primeira crítica aos peixes é o facto destes se comerem uns aos outros,
“(..., peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros”, com a agravante de serem os
maiores a comerem os mais pequenos “(... senão que os grandes comem os
pequenos.” O orador vai justificar esta situação real, através do uso da citação
bíblica de Santo Agostinho “Os homens com suas más e perversas cobiças vêm a ser
como os peixes que se comem uns aos outros”.
Posteriormente dá dois exemplos: o exemplo de um homem que morreu “Morreu
algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaça-lo...) linhas 23-30 e de
um Réu em julgamento “ Vede um homem desses, que andam perseguidos de
pleitos, ou acusados de crimes, ...)” Linhas 35- 41

2º Repreensão- Ignorância e cegueira

Caracterização do homem da cidade: prepotente, vaidoso, parasita, ambiciosos,


hipócrita, traidor…
Peixes
Devido à ignorância e à cegueira, é facilmente enganado por um anzol e “um pedaço
de pano cortado e aberto em duas ou três pontas” porque “arremete cego a ele e
fica preso ou boqueando, até que, assim suspenso no ar, ou lançado no convés,
acaba de morrer.”
Ignorância – porque não entende o significado do pano;
Cegueira – porque se atira cegamente e fica preso.
Homens - “Um homem do mar com uns retalhos de pano”; “quatro panos e quatro
sedas”; “cada vez lhes sobe mais o preço”. Não conseguem resistir à tentação e à
vaidade, ficando, por isso, “engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro
ano...)” Os homens endividam-se por causa de um “triste farrapo com que saem à
rua, e para isso se matam todo o ano.”
Santo António - abandonou as vaidades e, com as suas roupas simples e as
suas palavras, “pescou muitos homens” para o bom caminho.

Em suma, o orador pretende evidenciar a agitação quotidiana dos homens, movidos


pela ambição, na procura de se explorarem uns aos outros.

5.2 RECURSOS EXPRESSIVOS

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Metáfora- “muito maior açougue é o de cá, muito mais se comem os brancos” (linha
18), destaca a brutalidade verificada na forma como os homens se relacionam
Enumeração e anáfora -“Come-o o Meirinho, come-o o Carcereiro, come-o o
Escrivão, come- o o Solicitador, come-o o Advogado, come-o o Inquiridor, come-o a
Testemunha, come-o o Julgador (...)” (linhas 37 e 38); salientam a quantidade de
agentes implicados no “comer” dos homens, evidenciando a desmesura da
exploração humana.
Comparação - São piores os homens que os corvos” (linha 39); enfatiza a gravidade
do comportamento dos homens, pois as aves aproveitam-se de outros seres sem
vida, ao contrário dos homens que se aproveitam dos outros ainda vivos.
Gradação- “(...)com tudo, e em tudo são comidos os miseráveis pequenos, não
tendo, nem fazendo ofício, em que os não carreguem, em que os não o multem, em
que os não defraudem, em que os não comam, traguem e devorem (...)” (linhas 52-
54), apresenta as ações dos “grandes”, num crescendo de violência, sugerindo a
brutalidade envolvida no “comer” dos “miseráveis pequenos”.
Comparação- “(... vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.”
Uso de verbos de movimento no infinito: “bulir”; “andar”; “concorrer”;
“subir”; “descer”; “entrar”, “sair”, para mostrar a agitação na cidade.
Polissemia - “Enfim, ainda ao pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido
toda a terra”- Linha 29, neste contexto, é explorado o campo semântico de “terra”,
jogando-se com um duplo sentido da palavra; na primeira ocorrência , refere-se a
sepultura, na segunda, a sociedade. Este jogo semântico, em forma de trocadilho,
confere uma maior riqueza ao discurso.
Paralelismo invertido: Padre António Vieira prega aos peixes e exemplifica nos
homens; Santo Agostinho pregava aos homens e exemplificava nos peixes.
- Repetição dos verbos: “Vejais”; “Olhai”
- Repetição da locução adverbial: “Para cá”
- Interrogações retóricas: “Vós virais os olhos… o Sertão?”, “Cuidais que só
os Tapuias se comem uns aos outros?”

6.1 CAPÍTULO V (Confirmação)

Neste capítulo, Padre António Vieira repreende os vícios dos peixes em particular.

Roncadores

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Os primeiros peixes a serem criticados são os roncadores, que simbolizam a
arrogância e a soberba. Tratam-se de peixes pequenos “peixinhos tão pequenos” e
muito vulneráveis (“com uma linha de coser e um alfinete torcido, vos pode pescar
um aleijado”) que emitem um som grave que se assemelha ao grunhido de um porco
e que os faz ser “as roncas do mar”. Posteriormente o desagrado e a ira do pregador
são expressos através de interrogações retóricas “… e vendo o seu tamanho, tanto
me moveram a riso como a ira”; “É possível que sendo vós uns peixinhos tão
pequenos, haveis de ser as roncas do mar”. Neste contexto,o recurso ao verbo
«roncar», o orador critica todo aquele que “faz grande alarde das suas ações, que
age com espalhafato, ostentação e aparato e que, como se não bastasse, também se
gaba, pavoneia-se e é arrogante.” Por outro lado, a antítese entre o tamanho dos
peixes e o som forte que produzem traduz o ridículo em que caem com a sua forma
de ser e, por extensão, o ridículo que cobre os homens arrogantes e soberbos, isto é,
aqueles que possuem poucas qualidades, mas se comportam como se as
possuíssem.
Já outros peixes, de maior dimensão, como o espadarte, não roncam e permanecem
em silêncio, o que, de certa forma, é um contrassenso, pois, se haveria alguém que
pudesse «roncar», seria o «peixe maior». Qual a razão disto? O orador responde:
“Porque, ordinariamente, quem tem muita espada, tem pouca língua.” (a espada
constitui uma metáfora de força, enquanto a língua simboliza o alarde por meio das
palavras) - linhas 6,7 . Deste modo, infere-se que os roncadores simbolizam aqueles
que se vangloriam, exibindo a sua vaidade e o seu poder, sendo, por isso, soberbos
e arrogantes. Seguidamente, é referido que Deus não se agrada dos roncadores “…
mas é regra geral que Deus não quer roncadores e que tem particular cuidado
de abater e humilhar aos que muito roncam.”- linhas 7-9
Padre Vieira exemplifica, os seus argumentos, com o caso de São Pedro, o
discípulo de Cristo: “… tinha tão boa espada, que ele só avançou contra um exército
de Soldados Romanos; e, se Cristo lha não mandara meter na bainham, eu vos
prometo que havia de cortar mais orelhas que a de Malco.” (este era um servo de
Caifás, um sacerdote a quem o santo cortou a orelha direita como ato de resistência
à prisão de Cristo). Assim, Pedro tinha-se gabado antecipadamente da sua bravura,
isto é, de que se todos fraquejassem, “só ele” defenderia Cristo até à morte, se fosse
necessário, porém (“foi tanto pelo contrário”) bastou a simples voz de uma
«mulherzinha», no pretório de Pilatos, após a Sua prisão, para tremer e negar que O
conhecia por três vezes: “… só ele fraquejou mais que todos, e bastou a voz de uma
mulherzinha para o fazer tremer e negar.” (esta é uma referência ao episódio bíblico
segundo o qual uma criada do sumo sacerdote perguntou a Pedro se conhecia Jesus,
o que ele negou, com medo de ser preso, como tinha acontecido a Jesus). Pedro
tinha já fracassado também no Horto das Oliveiras, onde se deixou adormecer
depois de Cristo lhe ter pedido que vigiasse (“Vós, Pedro, sois o valente que havíeis
de morrer por mim, e não pudestes uma hora vigiar comigo?”).

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Assim o orador conclui : “O muito roncar antes da ocasião é sinal de dormir nela.”,
ou seja, todos aqueles que se gabam muito de algo acabam por não cumprir o que
deles se espera no momento oportuno. Além disso, se isto aconteceu a Pedro (“Se
isto sucedeu ao maior pescador…”), bem menos razões terão os homens para serem
arrogantes (“… que pode acontecer ao menor peixe?”). Daí, o conselho final do
padre Vieira, para que se meçam e vejam como são ridículos e não têm fundamento
para a sua arrogância: “Medi-vos e logo vereis quão pouco fundamento tendes de
brasonar, nem roncar.”- linhas 23-25
Os próprios peixes maiores, como a baleia, não têm desculpa para a sua arrogância,
não obstante a sua «grandeza». Esta referência às baleias é o ponto de partida para
a introdução de novo exemplo: o de Golias e David. Golias era um gigante e a “ronca
dos Filisteus” e esteve durante quarenta dias no campo, armado, sem ser derrotado.
No entanto, foi vencido por um pequeno pastor, David (“Bastou um pastorzinho com
um cajado e uma funda para dar com ele em terra.”. Padre António Vieira recorre,
assim, a novo exemplo bíblico para reafirmar que os arrogantes e soberbos que se
julgam («tomam-se») Deus acabam sempre por ficar «debaixo», isto é, castigados,
porque “quem se toma com Deus sempre fica debaixo”.
Assim sendo, que conselho se pode dar aos “amigos roncadores” (ou seja, aos
homens arrogantes e soberbos)? De acordo com o orador, o que há a fazer é “calar e
imitar” Santo António.
Por outro lado, quais são as causas da arrogância? Segundo o orador as causas da
arrogância são o saber e o poder. Os exemplos humanos apresentados são os de
Caifás (“roncava de saber”), o sumo sacerdote dos judeus no processo que conduziu
Jesus à morte, e Pilatos (“roncava de poder”), o procurador romano da Judeia que
exerceu o papel de juiz, roncando “ambos contra Cristo”. linhas 38-40
Em contraste temos o exemplo de Santo António , possuidor de tanto saber e tanto
poder, o santo nunca se vangloriou das suas capacidades, mantendo o silêncio e
confinando-se à sua condição de servo de Deus: “E, porque tanto calou, por isso deu
tamanho brado.”(antítese) Linha 43

Pegadores

No excerto referente aos “Pegadores”, o autor começa por se referir aos


“Pegadores”
como peixes pequenos que, pegando-se às costas de peixes maiores, fazem assim
recair sobre estes a sua fome e o seu peso, como por exemplo, no caso do tubarão
que sempre que se encontra a nadar no oceano é acompanhado de “pegadores” às
costas, justificando assim o nome atribuído ao peixe repreendido.
Este modo de vida começa por ser criticado pelo autor como parasitismo,
acrescentando que tal forma de vida deve ter sido aprendida por estes peixes a
partir dos portugueses que navegavam atrás dos governadores e dos vice-reis para
os Descobrimentos, de maneira a conseguirem daí sustentar a sua vida como se
fossem eles mesmos governadores ou vice-reis, tal vida que não poderia ser
sustentada de outra maneira se não “pegando-se” aos grandes.

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“Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou, e pegou de um
elemento a outro, sem dúvida que o aprenderam os peixes do alto, depois que os
nossos Portugueses o navegaram; porque não parte vice-rei ou governador para as
Conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam a eles, para que
cá lhes matem a fome, de que lá não tinham remédio.” Linhas 53-57 O autor
pretende salientar deste modo, que as expedições de exploradores para a Índia e
para o Brasil iam repletas de gente parasita e interesseira cujo único interesse era a
partir dessas viagens conseguirem sustentar a sua vida a partir do trabalho/poder
dos outros maiores.

Voadores

Padre Vieira repreende a atitude dos peixes-voadores ao “voarem”, pois considera


que estes foram feitos para serem peixes e estarem no mar e não para voarem e
serem aves. Segundo ele, o mar foi feito por Deus para os peixes, tendo o ar sido
feito para as aves, pelo que os peixes-voadores devem deixar de voar e
contentarem-se com o que Deus lhes deu. Com isto, Padre António Vieira critica a
ambição dos peixes-voadores, pois estes não se contentam com o que já possuem e,
indiretamente, critica a ambição dos homens, pois estes, tal como os peixes, querem
sempre mais. Seguidamente, o pregador interpela os peixes para que observem a
sua própria morfologia (espinhas e escamas) – assim, aperceber-se-ão que são
apenas peixes, e mesmo entre os peixes existem espécies melhores que eles e com
mais louvor. Padre António Vieira repreende também a presunção dos peixes-
voadores por terem barbatanas maiores que os outros peixes, afirmando que por
terem barbatanas maiores não têm o direito de fazer destas asas ” Se acaso vos não
conheceis, olhai para as vossas espinhas e para as vossas escamas, e conhecereis que
não sois aves, senão peixes, e ainda entre os peixes não dos melhores.”(linha 113).
O orador refere assim que é preferível o peixe-voador ser humilde e deixar de voar,
podendo assim viver, do que ser ambicioso e voar, acabando por morrer (os homens
devem ser humildes e deixarem de ser ambiciosos, pois a ambição é a sua perdição).
Vieira refere ainda Santo António como exemplo de alguém que sempre se
desmarcou da ambição, porque reconhecia que as asas que fazem subir também
fazem descer, o que pode precipitar a destruição. Assim, Santo António preferiu
remeter-se à sua humildade: “Não estendeu as asas para subir, encolheu-as para
descer”

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Polvo
A última criatura marinha a ser criticada é o polvo. Este peixe, na verdade, parece
um Monge e uma estrela (....“parece um Monge, com aqueles seus raios estendidos ,
parece uma Estrela...)” -linha 181; Estimula brandura e mansidão, contudo, debaixo
desta aparência é, segundo S. Basílio e Santo Ambrósio, “o maior traidor do mar”.
Com a sua capacidade de dissimulação, o polvo engana os outros peixes com malícia
e mentira, caçando-os mais facilmente. A traição é de tal forma repugnante que
Vieira afirma que o polvo é pior que Judas, o paradigma do traidor no Evangelho,
porque o apóstolo planeou a entrega de Cristo às escuras mas executou a traição às
claras, enquanto o polvo, escurecendo a água com a sua tinta, rouba a luz à sua
presa para a apanhar. As palavras finais do pregador são violentas: “Vê, Peixe
aleivoso e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua comparação já é menos
traidor!”Linhas 198-199 Posteriormente há uma oposição entre as características da
água: “clara, diáfana, transparente, em que nada se pode ocultar, encobrir, nem
dissimular” e do Polvo: “monstro tão dissimulado, tão fingido, tão astuto, tão
enganoso e tão conhecidamente traidor”. A utilização da repitação “tão” enfatiza o
excesso da atitude enganadora do polvo, que o faz indigno do próprio lugar que
habita: a água.
O capítulo acaba com uma crítica feroz aos portugueses. Partindo do exemplo de
Santo António, “(...o mais puro exemplar da candura, da sinceridade, e da verdade,
onde nunca houve dolo, fingimento ou engano” , Vieira refere a deterioração dos
valores nacionais, uma vez que, no passado, as características exemplares de
Santo António eram extensivas a todo o povo português, não sendo, por isso,
atributos dos santos “bastava antigamente ser português, não era necessário ser
santo”. linhas 215-217

Paralelismo Anafórico- “Se está nos limos, faz-se verde; se está na areia faz-se
branco...)” , mostra que o polvo tem capacidade de metamorfose - Linhas 188-190

CAPÍTULO VI ( Peroração)
Página 71-ler
No primeiro parágrafo, o orador refere a sorte que os peixes têm, pois
embora irracionais, não ofendem a Deus nem com as palavras, nem com a
memória, nem com o entendimento, nem com a vontade; apenas desempenham a
missão para que Deus os criou, enquanto ele foi criado para servir Deus, missão que
não realiza na sua plenitude, pois não consegue converter os homens. O último
parágrafo constitui uma exortação aos peixes para que louvem a Deus (com recurso
à repetição), porque Ele os fez numerosos, belos e diversos, porque lhes deu a água
para nela viverem e se multiplicarem. O sermão termina de modo provocatório, pois
como a pregação foi destinada aos peixes e estes, pela sua condição, não são
capazes “de Glória nem de Graça”, o sermão também “não acaba (...) em Graça e
Glória”, ou seja, não atinge o seu objetivo. O pregador remete então para Deus a
bênção final, “(... assim como no princípio vos deu a sua bênção, vo-la dê também
agora”.

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Teste
https://1library.org/document/zww7k40z-testes-portugues-o-ano-com-
correcao.html
Compilações de exercícios de exame
https://gavetadenuvens.blogspot.com/2016/08/o-sermao-de-santo-antonio-aos-
peixes.html

http://exame.leyaeducacao.com/portugues_asa_12/Exames/
TestesExames_testes_ProvaModeloExame_2018_3.pdf

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