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4.

Intencionalidade comunicativa do pregador:


O sermão é um texto que pretende:
a) ensinar através do recurso a citações bíblicas, dados da História natural, exemplos
da sabedoria popular. Tem, portanto, uma função informativa (informa sobre diversos
saberes)
b) agradar aos ouvintes através do recurso a frases exclamativas, interrogações
retóricas, gradações, apóstrofes, alegorias. Tem uma função emotiva (desperta
emoções nos ouvintes)
c) Persuadir os ouvintes através da argumentação por meio do confronto com a Bíblia,
emprego do modo imperativo, do vocativo e interrogações retóricas. Tem uma função
apelativa(interpela os ouvintes, obrigando-os a refletir no que é dito)
d) intervir na sociedade portuguesa da sua época.
5. A estrutura do sermão (a organização temática e discursiva do texto)
1ª parte do sermão:
5.1 O conceito predicável como ponto de partida:
o sermão parte de uma afirmação retirada da Bíblia à qual se dá o nome de conceito
predicável. O conceito predicável que inicia este sermão é «Vós sois o sal da terra»,
afirmação retirada por Vieira do Evangelho de São Mateus.
Que pretende dizer o pregador aos seus ouvintes do Maranhão? O sal preserva os
alimentos impedindo-os de se estragarem (era assim que antigamente a carne e o peixe
eram conservados); ora, tal como o sal preserva os alimentos da corrupção, o mesmo faz
a palavra de Cristo a quem a ouve, visto que a palavra divina transmitida pelos
pregadores (eles são o sal) impede que os colonos (a terra) se afastem do caminho do
bem. O conceito predicável é uma verdade intemporal que tem raízes bíblicas e que, por
esse facto, dá credibilidade à pregação já que ninguém se atreve a contestar a palavra
de Cristo.
5.2 O Exórdio ou Introdução:
É uma parte importante porque é através dela que o pregador capta a atenção dos
ouvintes, logo, tem que prender e agradar.
O conceito predicável está inserido na 1ª parte do sermão – o Exórdio. Neste, o
pregador apresenta o tema do sermão: a necessidade dos colonos do Maranhão
alterarem a sua conduta desumana.
Resumidamente: no exórdio Vieira diz que se as palavras do pregador (o sal) não
cumprem a sua função de impedir a corrupção entre os homens, duas questões devem
ser analisadas:
será que o defeito está nos pregadores cujas palavras não convencem porque dizem uma
coisa e fazem o contrário do que pregam? A solução para este caso consiste em deitar
fora o sal porque não presta: «é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de
todos.» (cap.I)
Mas também pode acontecer que o pregador ou sal seja bom e a terra ou colonos o
desprezem: «E à terra que não se deixa salgar, que se lhe há de fazer?» (cap.I)
«Este ponto não resolveu Cristo Nosso Senhor no Evangelho; mas temos a sobre
ele a resolução do nosso grande português Santo António.»
Assim sendo, Vieira opta por imitar Sto António que deixou os homens e se virou para
melhores ouvintes: os peixes.
O Exórdio termina com uma invocação à Virgem Maria ou Domina Maris (Senhora do
mar) para obter a inspiração necessária à pregação convincente que deseja.
Fim do cap.I do sermão.
No que respeita à organização do discurso e linguagem figurada, notar alguns
exemplos de:
- encadeamento lógico das ideias;
- paralelismo sintático ou estrutural: «ou é porque (…) ou é porque (…) ou é porque (…)»;
- interrogações retóricas que confrontam diretamente os ouvintes: «Não é tudo isto
verdade?»
- Apóstrofe (vocativo): «Vós, diz Cristo, (…)»
- repetição da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que inicia várias frases com
estrutura idêntica.
- linguagem metafórica: «sal», «salgar», «e como erros de entendimento são
dificultosos de arrancar», «começam a ferver as ondas (…)»…
- exclamações retóricas: «Ó maravilhas do Altíssimo!»
- enumeração e gradação crescente: «sempre com doutrina muito clara, muito sólida,
muito verdadeira»
- trocadilhos: «é melhor pregar como eles que pregar deles»
- ironia: «o mar está tão perto que bem me ouvirão»
São ainda de notar as inúmeras afirmações, interrogações e citações bíblicas em latim:
mostrar erudição e dar validade ao discurso.
2ª parte do sermão
5.3 Os capítulos II – V
Correspondem à 2ª parte do sermão (o desenvolvimento) e neles o orador desenvolve,
através de um discurso fortemente argumentativo, a tese exposta no cap. I: é
necessário reformar os costumes dos colonos do Maranhão.
Assim, se existe o Bem e o Mal, o sermão, a partir do cap.I, será dividido em duas
partes, a saber:
- 1ª -louvor das atitudes/ 2ª repreensão dos vícios.
- louvor das virtudes dos peixes, em geral – cap. II
- louvores aos peixes em particular, no cap. III: serão louvados o Santo Peixe de
Tobias, a Rémora, o Torpedo e o peixe Quatro-Olhos.
- repreensão aos peixes em geral: cap. IV
- repreensão aos peixes em particular – cap. V: são repreendidos os peixes Roncadores,
Pegadores, Voadores e o Polvo.
Para defender as suas ideias, Vieira recorre a uma argumentação cerrada, a uma
linguagem alegórica* de modo a tornar claras e facilmente compreensíveis
determinadas realidades abstratas (os vícios e as virtudes humanas) e a citações
bíblicas e ou de padres famosos/ santos para melhor convencer acerca da pertinência
das suas ideias.
* a alegoria é uma figura de estilo através da qual se refere ideias abstratas
recorrendo a exemplos comuns do mundo material; os vários peixes elogiados e
repreendidos são alegorias da maldade e bondade humanas.
5.4 Capítulo II (1ª parte do desenvolvimento) – síntese das ideias:
As duas qualidades dos peixes mencionadas no início deste capítulo estabelecem um
contraste com 2 defeitos humanos:
- «os peixes ouvem e não falam», donde se depreende que os homens falam demais e
não ouvem os bons conselhos do pregador;
- seguidamente, Vieira informa que quer pregar com a mesma imparcialidade que Santo
António usou nas suas pregações porque essa é a atitude que deve manifestar qualquer
pregador digno desse nome: «Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o
bem para o conservar e repreender o mal para preservar dele.», isto é, o louvor
das virtudes (humanas) influencia a continuidade das mesmas e a crítica aos vícios
(humanos) leva a que quem os pratica se consciencialize dessa prática errada.
- Vieira justifica, com novos argumentos, o elogio das virtudes em geral dos peixes:
foram os primeiros animais criados por Deus, são os animais mais numerosos e com
maiores dimensões, são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a
mensagem de Santo António, contrariamente aos homens que a desprezaram «tão
furiosos e obstinados».
Jonas, personagem do Antigo Testamento a quem Deus encarregou de cumprir uma
missão, foi deitado ao mar pelos homens e salvo por uma baleia.
os peixes vivem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez
pois são independentes e livres:
«Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles,
Deus vos livre!»

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