O sermão é um texto que pretende: a) ensinar através do recurso a citações bíblicas, dados da História natural, exemplos da sabedoria popular. Tem, portanto, uma função informativa (informa sobre diversos saberes) b) agradar aos ouvintes através do recurso a frases exclamativas, interrogações retóricas, gradações, apóstrofes, alegorias. Tem uma função emotiva (desperta emoções nos ouvintes) c) Persuadir os ouvintes através da argumentação por meio do confronto com a Bíblia, emprego do modo imperativo, do vocativo e interrogações retóricas. Tem uma função apelativa(interpela os ouvintes, obrigando-os a refletir no que é dito) d) intervir na sociedade portuguesa da sua época. 5. A estrutura do sermão (a organização temática e discursiva do texto) 1ª parte do sermão: 5.1 O conceito predicável como ponto de partida: o sermão parte de uma afirmação retirada da Bíblia à qual se dá o nome de conceito predicável. O conceito predicável que inicia este sermão é «Vós sois o sal da terra», afirmação retirada por Vieira do Evangelho de São Mateus. Que pretende dizer o pregador aos seus ouvintes do Maranhão? O sal preserva os alimentos impedindo-os de se estragarem (era assim que antigamente a carne e o peixe eram conservados); ora, tal como o sal preserva os alimentos da corrupção, o mesmo faz a palavra de Cristo a quem a ouve, visto que a palavra divina transmitida pelos pregadores (eles são o sal) impede que os colonos (a terra) se afastem do caminho do bem. O conceito predicável é uma verdade intemporal que tem raízes bíblicas e que, por esse facto, dá credibilidade à pregação já que ninguém se atreve a contestar a palavra de Cristo. 5.2 O Exórdio ou Introdução: É uma parte importante porque é através dela que o pregador capta a atenção dos ouvintes, logo, tem que prender e agradar. O conceito predicável está inserido na 1ª parte do sermão – o Exórdio. Neste, o pregador apresenta o tema do sermão: a necessidade dos colonos do Maranhão alterarem a sua conduta desumana. Resumidamente: no exórdio Vieira diz que se as palavras do pregador (o sal) não cumprem a sua função de impedir a corrupção entre os homens, duas questões devem ser analisadas: será que o defeito está nos pregadores cujas palavras não convencem porque dizem uma coisa e fazem o contrário do que pregam? A solução para este caso consiste em deitar fora o sal porque não presta: «é lançá-lo fora como inútil para que seja pisado de todos.» (cap.I) Mas também pode acontecer que o pregador ou sal seja bom e a terra ou colonos o desprezem: «E à terra que não se deixa salgar, que se lhe há de fazer?» (cap.I) «Este ponto não resolveu Cristo Nosso Senhor no Evangelho; mas temos a sobre ele a resolução do nosso grande português Santo António.» Assim sendo, Vieira opta por imitar Sto António que deixou os homens e se virou para melhores ouvintes: os peixes. O Exórdio termina com uma invocação à Virgem Maria ou Domina Maris (Senhora do mar) para obter a inspiração necessária à pregação convincente que deseja. Fim do cap.I do sermão. No que respeita à organização do discurso e linguagem figurada, notar alguns exemplos de: - encadeamento lógico das ideias; - paralelismo sintático ou estrutural: «ou é porque (…) ou é porque (…) ou é porque (…)»; - interrogações retóricas que confrontam diretamente os ouvintes: «Não é tudo isto verdade?» - Apóstrofe (vocativo): «Vós, diz Cristo, (…)» - repetição da conjunção coordenativa disjuntiva “ou” que inicia várias frases com estrutura idêntica. - linguagem metafórica: «sal», «salgar», «e como erros de entendimento são dificultosos de arrancar», «começam a ferver as ondas (…)»… - exclamações retóricas: «Ó maravilhas do Altíssimo!» - enumeração e gradação crescente: «sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito verdadeira» - trocadilhos: «é melhor pregar como eles que pregar deles» - ironia: «o mar está tão perto que bem me ouvirão» São ainda de notar as inúmeras afirmações, interrogações e citações bíblicas em latim: mostrar erudição e dar validade ao discurso. 2ª parte do sermão 5.3 Os capítulos II – V Correspondem à 2ª parte do sermão (o desenvolvimento) e neles o orador desenvolve, através de um discurso fortemente argumentativo, a tese exposta no cap. I: é necessário reformar os costumes dos colonos do Maranhão. Assim, se existe o Bem e o Mal, o sermão, a partir do cap.I, será dividido em duas partes, a saber: - 1ª -louvor das atitudes/ 2ª repreensão dos vícios. - louvor das virtudes dos peixes, em geral – cap. II - louvores aos peixes em particular, no cap. III: serão louvados o Santo Peixe de Tobias, a Rémora, o Torpedo e o peixe Quatro-Olhos. - repreensão aos peixes em geral: cap. IV - repreensão aos peixes em particular – cap. V: são repreendidos os peixes Roncadores, Pegadores, Voadores e o Polvo. Para defender as suas ideias, Vieira recorre a uma argumentação cerrada, a uma linguagem alegórica* de modo a tornar claras e facilmente compreensíveis determinadas realidades abstratas (os vícios e as virtudes humanas) e a citações bíblicas e ou de padres famosos/ santos para melhor convencer acerca da pertinência das suas ideias. * a alegoria é uma figura de estilo através da qual se refere ideias abstratas recorrendo a exemplos comuns do mundo material; os vários peixes elogiados e repreendidos são alegorias da maldade e bondade humanas. 5.4 Capítulo II (1ª parte do desenvolvimento) – síntese das ideias: As duas qualidades dos peixes mencionadas no início deste capítulo estabelecem um contraste com 2 defeitos humanos: - «os peixes ouvem e não falam», donde se depreende que os homens falam demais e não ouvem os bons conselhos do pregador; - seguidamente, Vieira informa que quer pregar com a mesma imparcialidade que Santo António usou nas suas pregações porque essa é a atitude que deve manifestar qualquer pregador digno desse nome: «Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar e repreender o mal para preservar dele.», isto é, o louvor das virtudes (humanas) influencia a continuidade das mesmas e a crítica aos vícios (humanos) leva a que quem os pratica se consciencialize dessa prática errada. - Vieira justifica, com novos argumentos, o elogio das virtudes em geral dos peixes: foram os primeiros animais criados por Deus, são os animais mais numerosos e com maiores dimensões, são ordeiros, tranquilos e ouviram com atenção e devoção a mensagem de Santo António, contrariamente aos homens que a desprezaram «tão furiosos e obstinados». Jonas, personagem do Antigo Testamento a quem Deus encarregou de cumprir uma missão, foi deitado ao mar pelos homens e salvo por uma baleia. os peixes vivem retirados do convívio com os humanos, facto que revela a sua sensatez pois são independentes e livres: «Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!»