Você está na página 1de 3

Sermão de Santo António – Padre António Viera

Marcado pela clareza da linguagem, que o leva a ser convincente e a atingir públicos
diversificados, neste Sermão, Padre António Vieira dirige-se, alegoricamente, aos
peixes, servindo-se dos seus defeitos e virtudes para denunciar os pecados dos
homens.
Os objetivos do sermão
 Docere (educar/ensinar) – função pedagógica, que serve para ensinar a doutrina
cristã conseguida através de citações bíblicas e de obras clássicas (como Aristóteles,
por ex.)
 Delectare (agradar) – função estética possível através de um discurso rico em
recursos expressivos (metáfora, alegoria, gradação, enumeração…), trocadilhos, jogos
de palavras…
 Movere (persuadir) – função critica com objetivo de influenciar os ouvintes, leva-los a
moverem-se e mudarem de comportamentos, através de uma forte argumentação,
com argumentos de autoridade (exemplos bíblicos) e um discurso apelativo (com
interpelações (apostrofes), interrogações retoricas, frases exclamativas e
imperativas)
O discurso alegórico e a critica social
A crítica aos homens é o elemento fundamental de qualquer sermão e também
está presente neste. Mas assume uma forma diferente.
É que o padre António Vieira neste sermão prega aos peixes criticando alegoricamente
e metaforicamente os homens.
Isto porque uma alegoria é representação de uma realidade abstrata através
de uma realidade concreta. E é de forma concreta (através das características dos
peixes) que Vieira critica a vaidade, exploração, ambição, traição… dos homens
Ex.: ao dizer que os peixes são bons ouvintes e ouviram Santo António, Vieira critica os
que não ouviram o Santo.
E é através de metáforas (utilização de um termo ou ideia com sentido de
outro com qual mantêm uma relação de semelhança) que Vieira usa as características
dos peixes para criticar os homens, pela existência (no caso dos defeitos) ou ausência
(no caso das virtudes dos peixes) dessas características nos homens,
Ex.: ao referir-se à ambição dos voadores, Vieira estabelece, sem o expressar, um
paralelismo com a ambição desmedida dos Homens que os leva ao sofrimento.

Estrutura da obra
1. Exórdio (Cap. 1) apresentação a matéria a desenvolver e a captação da atenção do
auditório
2. Desenvolvimento (Cap. 2 a 5) críticas aos homens com base em características dos peixes
3. Peroração (Cap. 6) conclusão do discurso; elevação dos peixes e incitamento (aos
homens)
Nos capítulos de desenvolvimento, a estrutura dos é a seguinte, do positivo para o
negativo e do geral para o particular:
1. Enumeração de características dos peixes e critica (por inferência) aos homens
2. Comparação dos peixes com exemplo da bíblia ou com Santo António

O primeiro capítulo
Momento da apresentação do conceito predicável (ponto de partida para o sermão
“vos estis sal terrrae” (retomado no capítulo II) e da definição da tese - a sociedade
está corrompida; a ação dos pregadores evita a corrupção
O conceito predicável é, assim, uma frase dita por Cristo os pregadores. Isto porque o
sal, na época, conservava os alimentos, ou seja, impedia que estes se corrompessem
em termos físicos. E isso faz com que os pregadores sejam como o sal da terra pois
estes também impedem que algo se corrompa, neste caso, o seu auditório, em termos
morais.

O segundo capítulo
É o início da exposição, ou seja, do desenvolvimento da matéria a apresentar.
Aqui referem-se as virtudes dos peixes em geral (não se deixam levar por vaidades ou
adulação; não se deixam domesticar; ouviram S. António …) e critica-se os Homens por
não as terem.

O terceiro capítulo
Aqui são feitos louvores a alguns peixes em particular e, mais uma vez, criticados (a
cinzento) os Homens por oposição. Sendo esses peixes:
 O peixe do Tobias – expulsa demónios e cura cegueira - Heresia e cegueira moral
 A rémora – apesar de pequeno é forte, capaz de desviar barcos - Apatia para controlar a
Soberba, cobiça e sensualidade
 Torpedo – faz tremer o braço do pescador evitandos ser pescado - Ausência de freio (choque) no
pecado como o oportunismo dos pescadores
 E o quatro-olhos - olha, ao mesmo tempo, para o céu e inferno - Incapacidade de discernimento
entre Ceu e Inferno

O quarto capítulo
Neste capítulo, padre António viera deixa de falar das virtudes dos peixes e passa a
falar dos seus defeitos de modo geral. Ou seja, faz critica aos homens a partir de
traços gerais dos peixes.
 Aproveitam-se dos mais pequenos/fracos – tal como os homens
 São cegos e ignorantes – tal como os homens que se deixam cair na vaidade
(no caso da cegueira moral) e tentação (no caso da ignorância)

O quinto capítulo
Neste capítulo, o padre António Viera enumera os defeitos dos peixes, mas em
particular, sempre com o objetivo de criticar o seu auditório.
 Roncadores – representam a arrogância e orgulho
 Pegadores -  oportunismo, parasitismo social e subserviência
 Voadores -  ambição desmedida os que lhes traz + sofrimentos e os faz cair
em + perigos, pois passavam a enfrentar também os perigos das aves
 O polvo – tem capacidade de mudar de cor para enganar os outros e lançar
tinta para poder caça-los  traição, dissimulação, hipocrisia e falsidade

Capítulo IV
Referência à exclusão dos peixes dos sacrifícios consagrados a Deus, pois Este não quer
que lhe ofereçam “coisa morta”. Havendo aqui uma crítica ao homem que se dirige a
Deus (moralmente) morto.
Há depois uma comparação entre os peixes e o orador, que reforça a tese defendida e
eleva os peixes (estes estão acima dos outros animais e do pregador).
 Os peixes, embora irracionais, não ofendem a Deus e cumprem a missão que
lhes foi destinada.
 Já o padre foi criado para servir a Deus, mas não realiza essa função pois não
consegue converter os Homens, mostrando-se igual a todos os outros, por não
respeitar Deus e a vocação que este lhe deu.
Incitação ao seu auditório para, tal como os peixes, respeitar Deus, cumprir a sua
palavra e a função que Este lhes destinou.

Você também pode gostar