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Sermão de Santo António aos peixes

Contextualização/ aspetos gerais


Sermão: Discurso primordialmente oral, de assunto e propósitos religiosos e/ou
moralizadores.
Temas (habitualmente desenvolvidos a partir de versículos da Sagrada Escritura):
 Aspetos da vida social (acontecimentos mundanos, cerimónias públicas,
panegíricos (homenagens/críticas) de pessoas e atos);
 Ideias políticas;
 Críticas a comportamentos individuais e coletivos.
Estrutura do sermão
Introdução: Exórdio, introdução ao tema;
Desenvolvimento: Exposição (apresentação do assunto e das partes do sermão) e
Confirmação (apresentação de argumentos e exemplos);
Conclusão: Peroração, recuperação dos melhores argumentos.
Objetivos da Eloquência
Os objetivos da eloquência, no sermão, exprimem-se pelas seguintes palavras
latinas:
Docere - ensinar. O sermão dava a conhecer o Evangelho e os seus preceitos,
ensinando os fiéis a distinguir o bem do mal e a reconhecer os seus erros
Conceitos doutrinais, argumentos de autoridade, exemplos bíblicos, citações e
afirmações sentenciosas.
Delectare – agradar/deleitar. A catequização dos fiéis, em perfeita consonância
com o espírito da Contrarreforma, era feita sobretudo pelos sentidos, pelo prazer.
Daí que o orador procurasse deslumbrar o auditório.
Recursos não verbais (entoação, ritmo, pausas, gestos, olhar), recursos
expressivos (anáfora, antítese, apostrofe, enumeração gradação…), paralelismo,
frases exclamativas e interrogações retóricas.
Movere – convencer. Através do seu discurso, o orador queria influenciar os
ouvintes, levando-os a mudar de vida e de comportamentos, despertando neles o
terror e a piedade. Frases imperativas, interrogações retóricas, argumentos
de autoridade, recursos expressivos (apóstrofe).

Intenção persuasiva e exemplaridade


Com este sermão, Padre António Vieira pretende:
 Persuadir os fiéis a seguirem a palavra de Deus;
 Encantá-los com o seu engenho e virtuosismo;
 Ensiná-los a seguir uma vida reta (justa).
O Padre António Vieira satiriza o poder dos colonos do Maranhão, que
pretendem continuar a escravizar os índios, utilizando um esquema alegórico que
lhe permita referir-se-lhes, simulando um discurso aos peixes e exemplificando,
com as suas virtudes e os seus defeitos, a realidade que pretende criticar. Por
exemplo, ao criticar nos peixes o defeito de se devorarem uns aos outros, o Padre
António Vieira está alegoricamente a insurgir-se contra o exercício do poder dos
mais fortes perante os mais fracos.

Linguagem, estilo e estrutura- Visão global e estrutura argumentativa


O “Sermão de Santo António aos peixes” divide-se em quatro partes
 Exórdio- Capítulo I
 Exposição e confirmação- Capítulo II ao V
 Peroração- Capítulo VI

Alegoria do Sermão
 Ao dirigir-se aos peixes, Padre António Vieira quer, na realidade apelar aos
homens;
 Ao louvar os peixes, o orador pretende mostrar o exemplo das virtudes a
seguir, condenando, indiretamente, a ausência delas no ser humano;
 Ao repreender os peixes, Vieira visa condenar os pecados dos homens do
Maranhão e, por extensão, os pecados de todos os homens que maltratam os
mais fracos e indefesos, mostrando-se arrogantes, oportunistas, vaidosos e
hipócritas.
Por vezes, a alegoria concretiza-se por meio de metáforas e comparações. Ex.:
Conceito predicável – Vos estis sal terrae (vós sois o sal da terra)
Vos - pegadores
Sal – doutrina metáfora
Terrae - ouvintes

Capítulo I
Exórdio- parte inicial, que inclui a apresentação do tema e a captação da atenção
do auditório.
 Conceito predicável (ponto de partida) - “Vos estis sal terrae”
argumentação assente na metáfora.
 Elogio a Santo António – modelo de pregação a seguir pregar aos
peixes.
 Invocação a Maria.

Neste primeiro capítulo, é apresentada a função do sal, que é salgar, portanto, a


função dos pregadores é espalhar a doutrina (sal). Espalha-se a doutrina para que
não haja corrupções e para que o homem mude o seu comportamento.
Temos presente nas linhas 3,4 e 5 uma interrogação retórica e um paradoxo “O
efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como
está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será ou qual pode ser
a causa desta corrupção?”. Recorre também ao paralelismo para colocar a
hipótese de resposta à pergunta que coloca. 3 das hipóteses culpam os
pregadores, as outras 3 culpam os ouvintes “Ou é porque o sal não salga, ou que
a terra não se deixa salgar”(e linhas restantes).
Na linha 18, torna a fazer uma interrogação retórica “Não é tudo isto verdade?”,
ou seja, por outras palavras seria “Não tenho razão? Tenho, mas não devia ter!”
Na linha 24 recorre a uma citação bíblica que diz que correm com os pregadores
que não cumprem com a sua função.
Nas linhas 28 a 31, é dito que ao pregador que cumpre bem a sua função, deve-se
elogiá-lo, quando cumpre mal, deve ser desprezado. “Ser metido debaixo dos
pés”.
Na linha seguinte, linha 32, é dito “Isto é o que se deve fazer ao sal que não
salga”, ou seja, deitá-lo fora.
A partir da linha 33, o orador elogia Santo António, dizendo que a sua
simplicidade e humildade fizeram com que não desistisse de pregar, “Mas
António de pés descalços não podia fazer esta protestação…”
Na linha 45, há uma sequência de interrogações retóricas, “Que faria logo?
Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?”
Na linha 48 temos presente um elogio a Santo António pelo meio de uma anáfora
uma antítese e uma aliteração, que fazem referência ao facto de este ter deixado
de pregar às pessoas, que não o escutavam, e passou a pregar aos peixes, “Mudou
somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da doutrina. Deixa as praças,
vai-se às praias; deixa a terá, vai-se ao mar, e começa a dizer a altas vozes: Já que
não me querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes.”
Nos 4º e 5º parágrafos estão presentes diversas exclamações, com o intuito de
cativar o auditório.
Na linha 52 temos presente uma gradação “Começam a ferver as ondas,
começam a concorrer os peixes, os grandes, os maiores, os pequenos, e postos
todos por sua ordem com as cabeças fora de água, António pregava e eles
ouviam.”
É dito também na linha 57 que Santo António serve de exemplo “É muito bom
texto para os outros santos doutores.”
No final do exórdio, temos presenta a invocação da Virgem Maria (Nossa
Senhora do Mar)

Capítulo II
Exposição- Referência ao assunto a desenvolver e apresentação da sua divisão
em partes.
 Estrutura do sermão: “dividirei, peixes, o vosso sermão em dois
pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas virtudes, no segundo
repreender-vos-ei os vossos vícios.”
 Louvor dos peixes em geral.
No primeiro parágrafo, é dito que há um problema para os pregadores, que é o
facto de estes terem dificuldade em converter o seu auditório.
Temos presente na linha 7 uma apóstrofe e um vocativo, quando dito “Haveis de
saber, irmãos peixes…”, e nessa mesma linha, é retomado o conceito predicável.
Na linha 9 é dito que Santo António teve as mesmas dificuldades, relativamente
ao poder de converter o auditório. Diz também qual o objetivo do sal:
 Conservar o são De modo a evitar a corrupção, tal como as
 Preservá-lo pregações de Santo António.
De seguida, diz como vai ser dividido o sermão, primeiro, vai louvar as virtudes
dos peixes, e depois repreender os seus vícios.
No parágrafo seguinte, elogia aos peixes a sua grande virtude, a obediência,
dizendo que no mar é tudo diferente do que na terra. É dito também que, quando
António repreendia os vícios aos homens, eles queriam acabar com ele, e quando
começou a pregar aos peixes, eles ouviam-no atentamente. Estamos perante uma
oposição entre os peixes e os homens.
“Quem olhasse neste passo para o mar e para a terra, e visse na terra homens
tão furiosos e obstinados, e no mar peixes tão quietos e tão devotos, que devia de
dizer?”. Temos aqui presente uma oposição, uma antítese e uma interrogação
retórica. É dito nas linhas seguintes que os peixes se converteram em homens
porque pareciam ter raciocínio, e os homens transformados em feras porque são
imparáveis nos seus maus comportamentos “Poderia cuidar que os peixes
irracionais se tinham convertido em homens, e os homens não em peixes, mas
em feras”.
Temos assim, a grande qualidade dos peixes, ouvem e não falam.
Nas linhas seguintes temos uma enumeração extensa de animais que se deixam
domesticar, sendo isso uma grande repreensão. Em oposição, os peixes não se
deixam domesticar, sendo isso a sua segunda qualidade.
É dito que mesmo que não fosse já da natureza dos peixes viver longe dos
homens, que estes por eles próprios o fariam, porque são prudentes.
“Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham
nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande
que se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele.” Aqui, temos presente
uma anáfora, uma enumeração e uma grad
ação.
Assim, as vantagens dos peixes são:
 Ouvem e não falam;
 São obedientes, atentos e devotos;
 Comportam-se de maneira diferente dos homens;
 Prudência (afastamento dos homens);
Virtudes dos peixes:
 Primeiras criaturas criadas e nomeadas por Deus;
 Criaturas mais numerosas, e as maiores;
 Bons ouvintes e obedientes;
 Salvadores de Jonas, que havia sido lançado ao mar pelos homens;
 Livres e puros por viverem longe dos homens (não se deixam domesticar
nem corromper)
Em oposição, temos as críticas aos homens:
 Deixam-se levar pelas vaidades;
 Não respeitam os pregadores da palavra de Deus;
 Possuem o “uso da razão”, mas agem irracionalmente;
 Aprisionam e corrompem.

Capítulo III
Confirmação- Apresentação de argumentos e exemplos que os sustentam.
Aqui, o orador vai enumerar as características dos peixes em particular:
 Peixe Tobias- o poder curativo da cegueira e o afastamento dos demónios;
 Rémora- a persistência, a força e poder;
 Torpedo- o poder persuasivo, a energia;
 Quatro-olhos- a capacidade de distinção entre o bem e o mal, a capacidade
de olhar para cima e para baixo.
No contexto deste elogio ressalta a analogia com Santo António.
 Curava os ouvintes da cegueira e afastava os demónios;
 Como pregador, orientava e indicava o caminho correto aos homens;
 Fazia tremer os homens, convertendo-os;
 Alertava os homens para a existência do Céu e do Inferno.
Basicamente, no manual só tem o excerto da rémora, então não faz muito sentido
fazer a análise detalhada de só um, mas a única dificuldade é com os recursos
expressivos, o resto é só saber as qualidades, e a analogia com Santo António
relativamente a cada peixe.

Capítulo IV
Continuamos perante a confirmação. Neste capítulo, Padre António Vieira vai
repreender no geral os peixes:
 Comem-se uns aos outros;
 Cegueira e ignorância.
Na primeira linha, dirige-se diretamente ao auditório, dizendo que vai repreender
os seus vícios. Começa por dizer que o escandaliza o facto de os peixes se
comerem uns aos outros, ainda por cima, os grandes comerem os pequenos.
Transportando a situação dos peixes para os homens, temos que ao orador
escandaliza o facto de os homens maiores e que têm mais poder ataquem os mais
fracos. Temos na linha 5 presente uma gradação “Não só vos comeis uns aos
outros, senão que os grandes comem os pequenos.”
Na linha 8 temos presente um argumento de autoridade.
De seguida, diz que não entende, que os peixes, sendo todos irmãos, como é que
se conseguem comer-se uns aos outros. Transportando a situação para os homens,
Padre António Vieira não entende que, por meio religioso, sendo todos irmãos,
como é que conseguem tratar-se desta forma.

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