Você está na página 1de 3

Capítulo III – síntese das ideias

Neste capítulo, o pregador passa à enumeração dos peixes que serão elogiados e das razões que levam a
esses elogios. Cada peixe representa, alegoricamente, virtudes humanas.

1º peixe elogiado: o peixe de Tobias, personagem do Antigo Testamento que, no momento em que ia lavar
os pés ao rio, é surpreendido por «um grande peixe com a boca aberta em ação de que o queria tragar.
Gritou Tobias assombrado (…)»
Acontece que este peixe assustador ia, afinal, salvar Tobias com as suas entranhas: «o fel era bom para
salvar da cegueira e o coração para lançar fora os demónios.»
2º peixe elogiado: a rémora «peixezinho tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder»; a
rémora é alegoria da energia e força de vontade que devem ser o “leme”/ a orientação das ações humanas.
A rémora representa todos os que são imunes, como Santo António, à «fúria das paixões», guiando-se na
vida pela racionalidade.
À alegoria da rémora seguem-se outras alegorias: as “naus” soberba, vingança, cobiça e sensualidade.
Estes são vícios humanos decorrentes da falta de racionalidade que arrastam o homem para
comportamentos indevidos.
3º peixe elogiado: «aquele outro peixezinho, a que os latinos chamam torpedo»; este peixe produz uma
descarga elétrica que passa para a mão do pescador, fazendo-lhe tremer o braço. Isto quer dizer que a
virtude deste peixe contagia o ser humano, sendo essa virtude a energia para lutar contra a atração pelo
mal. Com esta nova alegoria, Vieira critica os padres pregadores que se interessam apenas por falar sem
atender à qualidade das suas mensagens evidenciando ausência de espírito crítico e descuido
relativamente aos fiéis que “pescam” com os respetivos discursos. Isto nunca acontecia com os sermões de
Santo António visto que aqueles que os ouviam “tremiam” de tanta emoção que, «tremendo, confessaram
seus furtos; (…) todos enfim mudaram de vida e de ofício e se emendaram.»
4º peixe elogiado: o quatro-olhos -«Tantos instrumentos de vista a um bichinho do mar, nas praias
daquelas mesmas terras vastíssimas, onde permite Deus que estejam vivendo em cegueira tantos
milhares de gentes há tantos séculos!»
Tantos olhos num único peixe (2 virados para o céu e 2 virados para baixo) devem-se ao facto de serem
muito perseguidos no mar e no ar, pelas aves marítimas. Deste facto o pregador conclui que este peixe
ensina os homens a olharem para o céu para praticarem a virtude e a não esquecerem o inferno sempre
que olham para a terra.
O capítulo III termina com um elogio a todos os peixes que alimentam os pobres (as solhas); já os salmões
alimentam os ricos. Devido a esta boa ação dos peixes, o pregador deseja que se reproduzam em
abundância: «Crescei, peixes, crescei e multiplicai, e Deus vos confirme a sua benção.»

Capítulo IV – síntese das ideias

Neste capítulo, Vieira repreende os peixes em geral porque os peixes grandes comem os pequenos
(alegoricamente é referida a antropofagia social, isto é, os homens poderosos aniquilam os mais frágeis, os
marginalizados da sociedade: os ameríndios e negros do Brasil). Assim sendo, a terra parece «um açougue»
ou matadouro, já que os marginalizados vão morrendo de cansaço, fome e doença, diante da indiferença
dos colonos. Mas os homens também se comem uns aos outros mesmo dentro da mesma classe social,
porque cobiçam os bens uns dos outros, são interesseiros:
«Pois tudo aquilo é andarem buscando os homens como hão de comer e como se hão de comer. Morreu
algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a despedaçá-lo e a comê-lo. Comem-nos os herdeiros,
comem-no (…) ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a terra.»
Os homens deviam preocupar-se em lutar pela independência da sua terra atacada pelos piratas ingleses e
holandeses em vez de se perderem em lutas por bens menores sem objetivo que as justifique.

1
Os peixes comem-se uns aos outros no mar por razões de sobrevivência, mas os seres humanos aniquilam-
se e desprezam-se por amor excessivo ao dinheiro. Esta constatação leva a uma 2ª repreensão geral aos
peixes alegoria dos homens: estes dão a vida por insignificâncias, «um retalho de pano», mas os bens
terrenos são ilusórios e fonte de discórdias; o costume de se aproveitarem dos bens dos naufragados é
condenável: «Pode haver maior ignorância e mais rematada cegueira que esta?» Deviam seguir o
exemplo de Santo António que, tendo nascido rico, abandonou tudo para imitar Jesus Cristo.

Capítulo V – síntese das ideias

Neste capítulo, Vieira repreende alguns peixes em particular:


«Descendo ao particular, direi agora, peixes, o que tenho contra alguns de vós»
Os peixes criticados são alegorias dos piores vícios humanos, ainda que haja uma gradação nesta
enumeração porque o polvo será o “peixe” mais criticado.
-1º peixe repreendido:
o roncador – é a alegoria dos homens arrogantes e vaidosos que prometem e não cumprem porque «o
muito roncar antes da ocasião, é sinal de dormir nela»; «Assim que, amigos roncadores, o verdadeiro
conselho é calar e imitar a Santo António. Duas cousas há nos homens que os costumam fazer
roncadores, porque ambas incham: o saber e o poder.»
-2º peixe repreendido:
o peixe pegador – é a alegoria da adulação e do parasitismo, vícios da alta nobreza e classe política, gostam
de receber favores e da adulação daqueles que deles dependem. Estes peixes nadam presos a um
«tubarão», membro mais importante na escala social que eles vão explorando como podem: «porque não
parte vice-rei ou governador para as Conquistas, que não vá rodeado de pegadores, os quais se arrimam
a eles, para que cá lhes matem a fome, de que lá |em Portugal continental| não tinham remédio.»
-3º peixe repreendido:
o peixe voador – é a alegoria dos sempre insatisfeitos com a vida e ambiciosos porque não se contentando
em nadar no mar, querem voar como os pássaros: «Dizei-me, voadores, não vos fez Deus para peixes?
Pois porque vos meteis a ser aves? (…) Peixes, contente-se cada um com o seu elemento. (…) À vista
deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: quem quer mais do que lhe convém,
perde o que quer e o que tem.»
-4º peixe repreendido:
o polvo, alegoria da hipocrisia e da traição, os vícios piores entre todos. Contra o polvo ergueram-se as
vozes de dois santos importantes: S. Basílio e Santo Ambrósio porque o polvo aparenta ser aquilo que não
é: «com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos parece uma
estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão.»
Percebemos o alcance da crítica ao polvo: como ele, também os monges enganam os fiéis, passando por
homens piedosos quando não passam de homens imorais e interesseiros que utilizam a palavra de Deus
para melhor conseguirem os seus verdadeiros intentos.
Através de anáforas, frases paralelísticas e comparações, Vieira descreve a aparência enganadora o polvo
que, devido ao mimetismo, se disfarça para melhor enganar os inocentes e que é pior traidor do que foi
Judas, o traidor de Cristo.
«Se está nos limos faz-se verde, se está na areia, faz-se branco, se está no lodo, faz-se pardo (…) E daqui
que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado (…) Fizera mais
Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto. Judas abraçou a Cristo, mas outros o prenderam; o polvo é
o que abraça e mais o que prende.»
Para além das razões já invocadas contra o polvo, Vieira refere o contraste entre a “sujidade” moral do
polvo e a transparência do elemento natural em que habita – o mar:
«Oh que excesso tão afrontoso e tão indigno de um elemento tão puro, tão claro e tão cristalino como o
da água, espelho natural não só da terra, senão do mesmo céu!»
Vieira intui os argumentos que os peixes/ homens empregariam, se pudessem falar, para rebater as
acusações contra o polvo:

2
«Vejo, peixes, que pelo conhecimento que tendes das terras em que batem os vossos mares, me estais
respondendo e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes, ciladas e
muito maiores e mais perniciosas traições. (…) Mas ponde os olhos António, vosso pregador, e vereis
nele o mais ouro exemplar da candura, da sinceridade e da verdade, onde nunca houve dolo, fingimento
ou engano.»
Isto é, é verdade que a terra está infestada de traidores e não apenas o mar onde vivem os peixes
acusados, sobretudo o polvo, pior entre os piores. Mas também é verdade que há habitantes da terra que
se destacam pela pureza de coração e amor à verdade, como é o caso de Santo António a quem Vieira imita
e cita frequentemente no seu sermão. Que se há de então fazer, já que Santo António é inimitável? Para
Vieira, basta que os portugueses do seu tempo se mantenham fiéis aos valores morais e éticos que outrora
existiam em Portugal e que agora parecem estar arredados das intenções dos colonos do Maranhão: «E
sabei também que para haver tudo isto em cada um de nós, bastava antigamente ser português, não era
necessário ser santo.»
O capítulo V termina com uma censura àqueles que roubam os bens dos náufragos que dão à costa e avisa:
«Para os homens não há mais miserável morte, que morrer com o alheio atravessado na garganta.»

A Peroração/epílogo ou Conclusão do sermão – cap. VI

No último capítulo, Vieira quer “consolar” os peixes, eles que para além de terem sido alvo de duras
críticas, também foram excluídos do terceiro livro da Bíblia – O Levítico. Esta desconsideração feita aos
animais marinhos num livro sagrado deve-se a esta razão:
«(…) foi porque os outros animais podiam ir vivos ao sacrifício |entenda-se que se tratava de uma
oferenda a Deus que passava por sacrificar animais, tal como era habitual nas práticas religiosas ancestrais|
e os peixes geralmente não, senão mortos; e cousa morta não quer Deus que se lhe ofereça, nem chegue
aos seus altares.»
Ora, tal como os peixes que morrem antes de chegar a Deus, também «quantas almas chegam àquele altar
mortas (…) estando em pecado mortal!»
No entanto, os peixes estão em vantagem relativamente aos humanos já que nem chegam a aproximar-se
de Deus, não o podendo ofender; opostamente, os homens chegam a Deus cheios de pecados, facto que
leva o pregador a exclamar:
«Peixes, dai muitas graças a Deus de vos livrar deste perigo, porque melhor é não chegar ao sacrifício,
que chegar morto.»
Mas as vantagens dos peixes não se resumem apenas ao que foi referido antes: o pregador também é
humano e dotado de razão, contrariamente aos peixes que agem segundo as leis da natureza. Assim sendo,
o pregador inveja «a bruteza» dos peixes porque estes não ofendem a Deus já que nem pensam nem têm
vontade própria.
Vieira termina reconhecendo, numa atitude humilde, as fraquezas inerentes aos seres humanos que falham
perante Deus porque a inteligência destrói a inocência e pureza que os peixes, seres irracionais, conservam
e o livre-arbítrio que falta aos peixes nem sempre o conduz à prática mais cristã:
«Vós fostes criados por Deus para servir ao homem, e conseguis o fim para que fostes criados; a mim
criou-me para o servir a ele, e eu não consigo o fim para que me criou.»
Acrescenta a esta confissão da sua indignidade face a Deus, o pedido aos peixes para que louvem a Deus,
criador da vida e a quem tudo se deve.

Você também pode gostar