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RETÓRICA,

COMUNICAÇÃO
E HOMILÉTICA
PROF. DAVI DAGOSTIM MINATTO
FACULDADE CATÓLICA PAULISTA

Prof. Davi Dagostim Minatto

RETÓRICA,
COMUNICAÇÃO
E HOMILÉTICA

Marília/SP
2022
Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior


A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma
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SUMÁRIO
CAPÍTULO 01 BASES BÍBLICAS E TEOLÓGICAS DA 07
PREGAÇÃO

CAPÍTULO 02 HISTÓRIA DA PREGAÇÃO CRISTÃ 20

CAPÍTULO 03 A PREGAÇÃO NO CONTEXTO DA PÓS- 31


MODERNIDADE

CAPÍTULO 04 O SIGNIFICADO E A IMPORTÂNCIA DA 42


HOMILÉTICA

CAPÍTULO 05 ALGUNS SERMÕES BÍBLICOS EXEMPLARES 53

CAPÍTULO 06 O PREPARO E A MINISTRAÇÃO DO SERMÃO 66

CAPÍTULO 07 TIPOS DE SERMÕES E SUA CONSTRUÇÃO: 75


TÓPICO, TEXTUAL E EXPOSITIVO

CAPÍTULO 08 PRINCÍPIOS DE COMUNICAÇÃO DA 86


MENSAGEM CRISTÃ

CAPÍTULO 09 TEORIA DA COMUNICAÇÃO E COMO APLICA- 97


SE NA HOMILÉTICA

CAPÍTULO 10 EVANGELIZAÇÃO NOS MEIOS DE 107


COMUNICAÇÃO SOCIAL

CAPÍTULO 11 A COMUNICAÇÃO HOJE: NOVA 118


EVANGELIZAÇÃO

CAPÍTULO 12 CONCEITO DE RETÓRICA E ORATÓRIA 128

CAPÍTULO 13 RETÓRICA CLÁSSICA E RETÓRICA BÍBLICA 140

CAPÍTULO 14 INTRODUÇÃO À RETÓRICA SAGRADA 152

CAPÍTULO 15 ABORDAGENS MODERNAS DE RETÓRICA 162


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E HOMILÉTICA
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INTRODUÇÃO

Prezadas alunas e prezados alunos, bem-vindos ao nosso curso de Homilética,


Comunicação e Retórica. Esta é uma disciplina que une perfeitamente a teoria e a
prática, ou seja, une a teologia que estudamos (inclusive em outras matérias) e a
evangelização concreta à qual somos chamados.
Nas aulas que estamos iniciando, procuraremos alcançar alguns objetivos:
compreender o conceito de Homilética e sua relação com a pregação cristã em geral;
adquirir noções básicas de como preparar e expor uma homilia ou um sermão bíblico;
conhecer os princípios fundamentais das Teorias da Comunicação e sua aplicação na
homilética; e aplicar os principais elementos da Retórica no processo de evangelização
cristã.
Seguindo os próprios termos do título deste curso, nas primeiras aulas trataremos
da disciplina teológica da Homilética, que inclui a pregação em geral, a homilia em
específico, a preparação e ministração de sermões. Vamos abordar todos esses temas
sob o ponto de vista bíblico, teológico, histórico e conceitual. Depois teremos algumas
aulas sobre a Comunicação, passando pelas Teorias da Comunicação, a comunicação
cristã, os meios de comunicação e a evangelização nos nossos dias. As últimas aulas
do curso serão sobre a Retórica, destacando sua relação com a oratória e com a
homilética, partindo da retórica clássica, passando pela retórica sagrada e chegando
nas novas retóricas.
Como você pode perceber, nosso percurso de estudo será teórico, porém voltado para
a prática. A principal missão da Igreja é a evangelização, pois foi Jesus quem confiou
esta missão aos seus discípulos, depois de ter dedicado a sua vida ao anúncio da Boa
Nova. No intuito de buscar melhorar sempre mais a nossa atividade evangelizadora,
vamos estudar, nas aulas a seguir, os aspectos conceituais e práticos da homilia e
da pregação cristã. Comecemos, então, nosso percurso nesta fascinante estrada da
comunicação da Palavra de Deus.

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CAPÍTULO 1
BASES BÍBLICAS E
TEOLÓGICAS DA PREGAÇÃO

Olá, caro estudante! Vamos iniciar nosso percurso de estudo sobre a pregação
cristã lá onde a Teologia realmente tem início: nas Sagradas Escrituras. Como vocês
sabem, a Bíblia é a primeira fonte da Teologia, seguida pela Tradição da Igreja e pelo
Magistério. Então vamos começar falando sobre a pregação na Bíblia, desde o anúncio
feito pelos profetas no AT, até a pregação de Jesus e dos apóstolos. Depois disso,
poderemos estabelecer as bases teológicas da pregação, ou seja, a reflexão teológica
sobre a missão da Igreja de anunciar o evangelho no mundo.

1.1 Fundamentos bíblicos da pregação


Para a fundamentação bíblica da pregação, tomaremos alguns exemplos do AT e
outros do NT. Quanto ao AT, nos concentraremos na pregação feita pelos profetas.
Quanto ao NT, falaremos primeiro da missão de Jesus e depois da evangelização feita
pelos apóstolos. Uma vez terminado este percurso cronológico sobre a pregação na
Bíblia, vamos observar com maior atenção a terminologia usada pelo NT para falar
de pregação, pois esta terminologia nos revela como a Bíblia define o ministério do
anúncio da Palavra de Deus.

1.1.1 Anúncio profético


Toda a Bíblia é Palavra de Deus, de modo que todos os autores da Bíblia são
mensageiros de Deus. Mas no AT, os personagens e autores que mais enfatizaram o
tema da pregação com certeza foram os profetas. Desde seu chamado, eles foram
enviados por Deus para pregar uma palavra aos homens de seu tempo. Então, vamos
começar por aqui o nosso estudo. Vamos ver como algumas narrações de vocação
dos profetas revelam a necessidade de pregar a Palavra de Deus.
A era dos profetas é inaugurada por Samuel. Antes dele, a Palavra de Deus era
transmitida pelos Juízes; e antes dos Juízes, pelos Patriarcas e por Moisés, o grande
Legislador. Com Samuel, tem início uma forma de pregação mais enfática, direcionada

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a situações concretas, com fortes advertências ou anúncios de salvação. Na narração


da vocação profética de Samuel (1Sm 3,1-21), depois de responder a Deus “fala, teu
servo escuta” (v. 10), o jovem Samuel recebe o anúncio da condenação da casa de
Eli (vv. 11-14), e essa será a primeira profecia pronunciada por ele (v. 18). Aqui, já
compreendemos que o anúncio profético deve ser fiel à Palavra de Deus, mesmo
quando este anúncio é duro às pessoas que nos são próximas, como Eli era próximo
de Samuel.
Também a vocação de Isaías (Is 6,1-13) inclui duras palavras a serem dirigidas ao
povo. Depois da visão que ele teve, o profeta ouviu a pergunta: “Quem enviarei?”, e
respondeu: “Eis-me aqui, envia-me” (v. 8). Em seguida, o Senhor lhe diz que o coração
do povo se enveredou para o pecado, e que a terra de Judá ficará deserta, pois seus
habitantes serão levados para longe (o exílio na Babilônia). Isaías também profetiza
a esperança (como quando anuncia a volta do exílio em 14,1-2), mas o seu chamado
é marcado pelas palavras de condenação que deve dirigir ao povo.
Provavelmente, a narração de vocação profética mais conhecida é o chamado de
Jeremias (Jr 1,4-19). O diálogo inicial entre Deus e o profeta traz uma beleza poética
única: “Antes que te formasse no seio de tua mãe, eu te conheci, antes de saíres
do ventre, eu te consagrei e te fiz profeta para as nações” (v. 5). O problema é que
raramente lemos a narração até o final, quando Deus comunica a Jeremias o que está
prestes a fazer, e que será o conteúdo principal das profecias de Jeremias: vai trazer a
desgraça contra os habitantes de Judá através da invasão dos reinos do norte, porque
eles abandonaram a Deus e adoraram os ídolos (vv. 14-16). Com uma pregação tão
dura a fazer, Jeremias recebe, em seguida, a garantia de que Deus fará dele uma
“cidade fortificada” (v. 18) e que “farão guerra contra ti, mas não te vencerão, porque
eu estou contigo” (v. 19). São palavras confortantes, mas são palavras dirigidas ao
profeta que será perseguido e até condenado à morte por sua fidelidade ao anúncio
do que Deus lhe revelou.
Estas três narrações de vocação profética tem um elemento comum, que é o
fundamento bíblico da pregação: se o Senhor envia, é preciso anunciar, mesmo que
seja uma palavra dura, que desagrade os ouvintes; mesmo que o profeta corra o risco
de não ser acolhido. Neste sentido, podemos acrescentar um outro profeta, do qual
não temos a narração de sua vocação, mas conhecemos a sua resposta a alguém
que lhe ordenou o silêncio. Estamos falando de Amós. Depois que Amós pronunciou
condenações ao reino de Israel, o sacerdote de Betel, Amasias determinou que ele

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fosse profetizar em Judá e se afastasse da casa e do santuário do rei (Am 7,10-13).


Amós então respondeu: “Eu não sou profeta nem filho de profeta, mas vaqueiro e
cultivador de sicômoros. Mas o Senhor tomou-me de detrás do rebanho e me disse:
‘Vai, profetiza a meu povo Israel’” (Am 7,14-15). Mesmo ameaçado, Amós não pôde
deixar de anunciar a Palavra de Deus, pois estava obedecendo ao mandato que recebeu.
Esta obediência à Revelação divina é um elemento essencial da pregação bíblica.
Vimos aqui a situação de alguns profetas. Não há espaço para falar de todos eles,
mas estes exemplos nos ajudam a compreender como os profetas do AT sentiam que
a pregação era um imperativo para eles. Nem todas as profecias são de condenação,
como estas que vimos aqui. Há muitas profecias de salvação e de esperança. Mas
estes exemplos servem para compreender como os profetas são chamados a pregar
a Palavra de Deus com fidelidade, independente das consequências deste anúncio
para eles mesmos. O imperativo de anunciar e a obediência à Palavra de Deus são
algumas características essenciais da pregação, que nascem aqui com os profetas,
mas continuarão ao longo de toda a história da pregação bíblica e cristã.

1.1.2 A pregação de Jesus

Chegando ao NT, o primeiro grande pregador é Jesus, e o conteúdo do seu anúncio


tem um nome: o Reino de Deus. Já no início do evangelho de Marcos lemos: “Depois
que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o Evangelho de Deus:
‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e credes no
Evangelho’” (Mc 1,14-15; cf. Mt 4,17). A boa-nova que Jesus anuncia é a chegada do
Reino de Deus, que suscita a conversão e a fé por parte de seus ouvintes.
Além do anúncio do Reino de Deus, Jesus ensinava seus discípulos e a multidão
em várias ocasiões (Mc 2,13; 4,19; Mt 4,23; 7,29; 13,54; Lc 4,15; 6,6; 19,47; etc.). Se
o anúncio do Reino de Deus é marcado pela urgência, os ensinamentos de Jesus se
desenvolvem com menos pressa e vão incluindo várias situações do dia a dia, ou lições
para o futuro, instruções de como agir para cumprir a vontade de Deus, etc. Muitos
destes ensinamentos se apresentam em parábolas, ou seja, Jesus sabia adaptar sua
linguagem conforme o público que estava diante dele.

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Figura 1: Jesus ensinando


Fonte: https://www.testifygod.org/teachings-of-the-Lord-Jesus.html

O evangelho de Lucas explicita uma outra característica fundamental da pregação


de Jesus: o forte enraizamento na Palavra de Deus, revelada na Bíblia judaica que Ele
tinha na sua época, e que nós chamamos de “Antigo Testamento”. A primeira pregação
de Jesus, segundo Lucas, aconteceu na sinagoga de Cafarnaum e se concentrou
no texto do profeta Isaías (Lc 4,14-30). Jesus proclamou que a profecia de Isaías se
cumpriu nele. Logo em seguida, ele citou também os profetas Elias e Jonas, e foi
expulso da sinagoga, vivendo em sua pele aquilo que os profetas recordados por Ele
também haviam experimentado. Com isso, aprendemos que a pregação de Jesus é
ancorada na Palavra de Deus revelada na Bíblia, e que a sua fidelidade à Palavra o
leva a compartilhar a mesma sorte dos profetas do AT.
Por fim, o evangelho de João também nos revela um outro aspecto importante da
pregação de Jesus: “Para isso nasci e para isto vim ao mundo: para dar testemunho
da verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Em outras ocasiões
Jesus também afirmou seu compromisso em anunciar a verdade (cf. 8,40.45; 16,13). Ele
chegou a se apresentar como encarnação da Verdade: “Eu sou o caminho, e a verdade,
e a vida” (Jo 14,6). Esta é outra característica da pregação de Jesus: o compromisso
com a verdade, que vem de Deus e que é o próprio Deus. Por isso mesmo, Ele, que é o
Verbo encarnado, viveu a verdade plenamente e a anunciou sem medo. O compromisso

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com a verdade, mesmo diante daqueles que o condenariam (os sumos sacerdotes
e Pilatos), marca a pregação de Jesus e deve continuar a nortear a nossa pregação.
Os elementos que acabamos de elencar certamente não são exaustivos. Haveria
muito ainda por dizer sobre a pregação de Jesus, mas já temos aqui alguns elementos
essenciais. Em poucas palavras: o principal conteúdo da pregação de Jesus é o reino
de Deus; mas ele também prega ensinando a agir e a cumprir a vontade de Deus em
várias situações da vida; sua pregação está sempre ancorada na Revelação Bíblica
e é marcada pelo compromisso com a verdade. Essas são algumas características
da pregação de Jesus e deverão fazer parte também da nossa pregação em todos
os tempos.

1.1.3 A evangelização dos Apóstolos

Terminada a sua missão na terra, Jesus confiou aos apóstolos a continuidade do


seu anúncio. Por isso, agora vamos ver como os apóstolos receberam esta missão
de Jesus e como se dedicaram à evangelização.
A necessidade de pregar o evangelho parte do comando dado por Jesus aos
apóstolos: ‘‘Ide pelo mundo inteiro e proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc
16,15). Este princípio é confirmado mais tarde pelos próprios apóstolos, quando as
autoridades judaicas ordenaram que não falassem em nome de Jesus: “É preciso
obedecer a Deus antes que aos homens” (At 5,29). Também a prática dos apóstolos
testemunhava o empenho que eles devotavam à pregação: “Entretanto, aqueles que
se tinham dispersado iam por toda a parte, anunciando a palavra” (At 8,4).
Além dos apóstolos que seguiram Jesus ao longo de sua vida terrena, o apóstolo
dos gentios, Paulo de Tarso, também entrou nessa corrente de insistente anúncio do
evangelho: “Pois eu me sinto devedor a gregos e a bárbaros, a sábios e a ignorantes.
Daí meu propósito de levar o evangelho também a vós que estais em Roma” (Rm
1,14-15). Tão forte era sua convicção, que chegou a escrever aos coríntios: “Anunciar
o evangelho não é título de glória para mim; é, antes, uma necessidade que se me
impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho!” (1Cor 9,16). Da sua experiência,
nasce o conselho que lemos na carta endereçada a Timóteo: “proclama a palavra,
insiste, no tempo oportuno e no inoportuno, refuta, ameaça, exorta com toda paciência
e doutrina” (2Tm 4,2).

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Estas passagens nos fazem compreender que, para os primeiros evangelizadores


(os apóstolos), pregar a palavra de Deus era um imperativo que sentiam ressoar no
coração, e que estava ancorado no próprio ensinamento e exemplo dado por Jesus.
Além deste impulso, Paulo traz uma outra razão para anunciar: “Mas como poderiam
invocar aquele em quem não creram? E como poderiam crer naquele que não ouviram?
E como poderiam ouvir sem pregador?” (Rm 10,14). A pregação é um caminho essencial
para tornar Jesus conhecido e para suscitar a fé. Deus poderia ter falado diretamente
a todos os que são chamados à salvação, mas Ele quis contar com a colaboração de
homens e mulheres dispostos a se dedicarem ao evangelho para que Sua mensagem
de salvação chegasse a todos.
Dedicar-se à pregação não significa encontrar a acolhida e a compreensão de
todos os ouvintes. Paulo mesmo adverte que o conteúdo anunciado, às vezes, é
incompreensível ou inaceitável para muitos: “nós, porém, anunciamos Cristo crucificado,
que para os judeus é escândalo, para os gentios é loucura” (1Cor 1,23).

Figura 2: Paulo pregando em Atenas


Fonte: https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/paul-preaching-in-the-areopagus

Diante destas passagens bíblicas, North (1971, p. 8) afirma que “pregar, então, é o
papel mais vital entre os homens, pois o pregador se torna um mensageiro de Deus,

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um canal através do qual a mensagem divina pode fluir”. Ser um canal para que a
mensagem divina possa fluir implica que o pregador não tem o direito de modificar
esta mensagem de acordo com o seu gosto. A fidelidade à Palavra de Deus, revelada
nas Sagradas Escrituras, permanece como um elemento essencial para toda pregação
cristã.

ANOTE ISSO

A partir do que vimos até aqui, podemos elaborar uma definição bíblica da
pregação. Eis aí: a pregação é um imperativo, uma necessidade sentida por
aqueles que são chamados por Deus. É também o meio principal para tornar
Jesus conhecido. O conteúdo principal da pregação é a própria Palavra de Deus. A
obediência à Revelação divina e o compromisso com a verdade são os elementos
que garantem a autenticidade desta pregação.

1.1.4 A terminologia do Novo Testamento

Olyott (2018, p. 14-17) apresenta quatro verbos gregos que, no NT, significam
“pregar”:
• Kerysso: recorrendo mais de 60 vezes no NT, este verbo significa “declarar”.
Originalmente, este verbo era utilizado no contexto de uma proclamação oficial,
uma mensagem do rei levada pelo arauto até os súditos. A ênfase do verbo
está na transmissão exata da mensagem enviada. Também se destaca o
fato de que o mensageiro é sempre um enviado de alguém maior do que ele.
Anunciar fielmente a mensagem de Outrem é o significado essencial de kerysso
no NT. Palavras ligadas a este verbo (como kerigma “mensagem pregada” e
kerix “pregador”), são usadas para descrever a pregação de Jonas (Mt 12,41),
de João Batista (Mt 3,1), de Jesus (Lc 3,18b-19) e de seus apóstolos (1Tm
2,7; 2Tm 1,11).
• Euangelizo: significa “anunciar boas-novas”, e está na origem do nosso verbo
“evangelizar”. Este verbo aparece, por exemplo, em Lc 2,10 quando os anjos
anunciam a boa-nova aos pastores. Em Lc 4,18-19 os verbos kerysso e euangelizo
aparecem juntos para descrever a missão de Jesus, citando o profeta Isaías:
“ele me ungiu para evangelizar (euangelizo) os pobres; enviou-me para proclamar
(kerysso) a remissão aos presos… e para proclamar (kerysso) um ano de graça do

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Senhor”. Ou seja, ambos os verbos expressam o anúncio de Jesus. Paulo aplica


o verbo euangelizo para indicar a evangelização dos cristãos já convertidos
(Rm 1,15).
• Martyreo: o sentido deste verbo é “dar testemunho dos fatos”. Mas “testemunhar”
na Bíblia nada tem a ver com o uso que muitas vezes fazemos deste termo, no
sentido de contar uma experiência pessoal. Martyreo vem do campo jurídico,
indicando o testemunho dado diante do juiz. No NT, este verbo é usado, por
exemplo, quando a mulher samaritana anuncia o que Jesus lhe falou (Jo 4,39);
quando Paulo apela a um testemunho a seu favor diante da corte (At 26,5); e
quando o apóstolo João dá testemunho de tudo o que viu e ouviu (1Jo 1,2).
Em Lc 24,48 Jesus pede que os apóstolos sejam mártyres (testemunhas) de
tudo o que Ele fez e falou.
• Didasko: significa “pronunciar em termos concretos o que a mensagem significa
em referência ao viver”. Podemos dizer que a didache (ensinamento) é uma
parte essencial da pregação. De fato, no NT, várias vezes aparecem juntos os
verbos didasko e euangelizo: os apóstolos não cessavam “de ensinar e de pregar
Jesus, o Cristo” (At 5,42); Paulo e Barnabé ficaram um tempo na Antioquia
“ensinando e pregando” (at 15,35); Paulo permaneceu em uma casa em Roma
para “pregar” e “ensinar” (At 28,31).

São quatro verbos, cada um com sua especificidade, mas a ideia neotestamentária
de pregação só está completa com esses quatro termos. Por isso, a definição
de “pregação”, para Olyott (2018, p. 19) deve conter os elementos destes quatro
verbos: proclamar a mensagem dada por Alguém que tem autoridade (kerysso); uma
mensagem qualificada como boa-nova (euangelizo); dando testemunho dos fatos
com toda a veracidade (martyreo); sempre esclarecendo sobre as implicações desta
mensagem na vida dos ouvintes (didasko). Nesta definição, a pregação é dirigida
tanto a quem nunca ouviu falar do evangelho, quanto aos crentes que já tem um
caminho de fé; inclui tanto o anúncio de uma novidade (kerigma) quanto de uma
doutrina consolidada (didache); parte da Palavra de Deus, mas deve chegar na vida
das pessoas.

1.2 Fundamentos teológicos da pregação

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A partir dos fundamentos bíblicos, podemos dar um passo a mais e chegarmos aos
fundamentos teológicos da pregação. Para isso, vamos pedir a ajuda de um grande
teólogo do século passado, Karl Barth (1886-1968), além de algumas contribuições
de teólogos mais recentes. Vamos dividir este estudo em duas partes: primeiro
buscando uma definição teológica de pregação; depois elencando as principais
características da pregação cristã.

1.2.1 Definição teológica de “pregação”

Em seu livro intitulado “A pregação do Evangelho”, Barth procura antes de tudo


dar algumas definições para a pregação cristã. Em primeiro lugar, “a pregação é a
Palavra de Deus pronunciada por Ele mesmo” (BARTH, 1963, p. 3). Esta é a pregação
que lemos no texto bíblico, pois por trás do texto existem homens e mulheres que
ouviram a voz de Deus e proclamaram a Sua palavra no tempo deles. A segunda
parte desta definição é que “a pregação resulta da ordem dada à Igreja de servir à
Palavra de Deus, por meio de um homem chamado para esta tarefa” (BARTH 1963,
p. 3). Ou seja, o pregador anuncia aos seus contemporâneos o que o texto bíblico
tem a lhes dizer pessoalmente.
A partir desta dupla definição, Barth (1963, p. 4) enfatiza que a pregação se
apresenta como Palavra de Deus e palavra humana ao mesmo tempo. O homem e
a mulher que pregam estão conduzindo outras pessoas a Deus, o qual não pode ser
encerrado em um conceito. Ou seja, nosso anúncio da Palavra de Deus é fragmentário
e imperfeito, mas é Deus quem completa de maneira perfeita aquilo que nós iniciamos.
Nós emprestamos a voz a Deus, como faziam os profetas, mas só Ele conhece
perfeitamente as pessoas a quem dirigimos nossa pregação de modo imperfeito,
então só Ele pode falar pessoalmente e livremente aos ouvintes. Nós anunciamos
o que conseguimos compreender das Escrituras Sagradas, mas Deus é quem sabe
profundamente o que o texto diz, por isso toda pregação só alcança seu objetivo
se for iluminada por Ele. No final das contas, é Deus quem fala, não o pregador.
Pois o anúncio da Palavra de Deus exige uma decisão do ouvinte, mas essa decisão
acontece entre ele e Deus, em um campo que o pregador não pode chegar. Portanto,
o fundamento da pregação cristã é um conceito teológico, que depende da fé, e vai
além daquilo que é simplesmente empírico.

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De modo semelhante, John Stott define a pregação com estas palavras: “expor as
Escrituras é esclarecer o texto inspirado com tal fidelidade e sensibilidade que a voz
de Deus seja ouvida e seu povo lhe obedeça” (STOTT, 2009, p. 27). Desta definição
decorrem duas implicações. A primeira é que o texto é inspirado, ou seja, parte de
uma iniciativa de Deus para se fazer conhecido pelos seres humanos. Se Deus não
tivesse falado através das Sagradas Escrituras, nós não teríamos nada para falar sobre
Ele, a não ser especulações triviais. A segunda implicação é que o texto inspirado é,
de certo modo, um texto fechado, ou seja, concluído. Não temos que inventar uma
nova Bíblia, mas devemos interpretar o que está escrito, alargando sua compreensão.
De fato, o texto bíblico é maior do que seus autores poderiam imaginar: Deus nos
fala hoje, através das Sagradas Escrituras, coisas que nem os autores sagrados
poderiam compreender quando escreveram. Por isso, não precisamos acrescentar
nada à Revelação divina, mas somos chamados a compreender profundamente o
que o texto escrito da Bíblia tem a nos dizer hoje: e esse é o conteúdo da pregação
cristã (STOTT, 2009, p. 27-29).

1.2.2 Características da pregação

Para tratar das características essenciais da pregação, vamos continuar


conversando com Karl Barth, que meditou muito sobre esse assunto.
A primeira característica é que a pregação deve ser conforme a Revelação. Isso
significa que a pregação não consiste em defender a verdade de Deus ou provar
intelectualmente que ele existe; também não consiste em apresentar a Palavra de
Deus como se fosse uma obra de arte a ser admirada, pois essa Palavra muitas
vezes é dura. A tarefa do pregador é construir o Reino de Deus. Em outras palavras,
é conduzir as pessoas a uma decisão. Ele deve pôr às claras a situação dos seres
humanos e colocá-los diante de Deus. Dizer que a pregação é conforme a Revelação
significa, também, que o próprio Deus deseja se revelar para os seres humanos hoje
como já se revelou no passado. Por isso, a obediência do pregador à vontade de
Deus é essencial. O ponto de partida da pregação é a Revelação, aliás, a Revelação
inteira. Sendo assim, é preciso falar do pecado, mas também da redenção; é preciso
falar da boa-nova do evangelho, mas também da Lei antigo-testamentária. Nenhum
pregador tem o direito de recortar a Palavra de Deus conforme seu gosto pessoal. E
o ponto de chegada da pregação é o cumprimento da revelação, ou seja, a salvação.

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Por isso, o anúncio cristão deve sempre manter aquele clima de esperança, de
confiança na graça divina, orientando-se para a Parousia, ou seja, o dia do Senhor
(BARTH, 1963, p. 5-10).
A segunda característica é o caráter eclesiástico da pregação. Por um lado, o lugar
privilegiado da pregação é a Igreja; por outro lado, a existência e a missão da Igreja
provêm da pregação. Onde os seres humanos recebem a Palavra, aí está a Igreja, ou
seja, a assembleia de todos os que foram chamados pelo Senhor. A Igreja é fundada
sobre o terreno da Revelação. De fato, a Igreja está presente onde a Palavra de Deus
é proclamada e os sacramentos são celebrados: ambos os elementos constitutivos
da Igreja (Palavra e sacramento) dependem da Revelação. A vida sacramental dos
cristãos é necessariamente acompanhada pela pregação (BARTH, 1963, p. 10-14).
Outro caráter essencial é a fidelidade doutrinária da pregação. A função primária
da Igreja não é educar ou ensinar uma moral. Existem instituições civis que exercem
melhor estas funções. A principal função da Igreja é a pregação, pois ela nasceu
da missão confiada por Jesus aos apóstolos para que anunciassem o evangelho.
Portanto, se a Igreja também pode educar e ensinar valores morais, o espaço para
fazer isso é a pregação: uma pregação fiel à fé professada (o Creio), mas ao mesmo
tempo capaz de edificar, de construir algo novo. Construir o reino de Deus no mundo
de hoje, a partir da proclamação fiel e sempre renovada da Palavra de Deus (BARTH,
1963, p. 15-16).
A fidelidade apostólica da pregação é o próximo elemento a ser considerado.
Os apóstolos receberam a missão de pregar o evangelho, e assim nasceu a Igreja.
A fidelidade apostólica consiste em continuar anunciando o evangelho, assim a
Igreja continua nascendo de novo em cada tempo, continua sempre se renovando.
O pregador deve reconhecer que ele não é um apóstolo, nem um sucessor dos
apóstolos, mas apenas um servo chamado por Deus, subordinado à comunidade (não
acima dela). Por isso, ele deve ser sempre fiel àquilo que os apóstolos ensinaram
(BARTH, 1963, p. 16-20).
A quinta característica apresentada por Barth pode nos surpreender: trata-se do
caráter provisório da pregação. O sentido desta definição é que “a pregação precede
alguma coisa da qual ela é sinal anunciador. Ela é como o arauto que precederia um
rei” (BARTH, 1963, p. 21). Isso significa, antes de tudo, que o pregador é sempre um
ser humano e, como tal, pecador. A graça divina lhe auxilia, mas não elimina sua
condição de pecador. Por isso, a pregação não é fim em si mesma: como o arauto

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que precede o rei, a pregação prepara o caminho, mas é Deus quem santifica os
ouvintes.
Depois vem o caráter bíblico da pregação. O conteúdo da pregação não são as
ideias pessoais, nem as ideologias de certos grupos, mas somente a Revelação que
se encontra na Bíblia. Por isso, todo pregador deve antes de tudo confiar na Sagrada
Escritura. Em seguida, deve estudar com zelo a Bíblia, para conhecer profundamente
aquilo que lhe compete anunciar. Estudar também de maneira científica, ou seja, a
partir dos métodos exegéticos reconhecidos pela Igreja. Por fim, o pregador deve
ter modéstia e humildade para aceitar que muitas vezes a Sagrada Escritura vai
contrariar o que ele mesmo pensa (BARTH, 1963, p. 23-25).
O sétimo elemento é a originalidade da pregação, pois a fidelidade ao texto bíblico
não implica que o pregador deve desaparecer em sua personalidade. Quem anuncia
a Palavra de Deus é sempre um ser humano, de carne e osso, com uma história, uma
personalidade, problemas, carismas. E foi esta pessoa, em sua situação concreta,
que Deus escolheu para evangelizar. Para ser original na pregação não é preciso ser
espetacular. Aliás, o espetáculo afasta a atenção da Palavra de Deus. A originalidade
está no fato que cada pregador é, antes de tudo, alguém que foi alcançado pela
Palavra de Deus, que foi perdoado e que busca conformar sua vida ao evangelho que
anuncia. Sendo assim, o pregador não vai repetir o que leu na Bíblia, mas vai traduzir
o texto sagrado em vida, com simplicidade e naturalidade (BARTH, 1963, p. 27-28).
Além disso, a pregação deve ser adaptada à comunidade. O pregador é chamado
a conduzir a Deus as pessoas concretas que tem diante de si. Por isso, quem prega
a uma comunidade deve, antes de tudo, amar aquela comunidade, sentindo-se como
parte do corpo que é a Igreja. O pregador é alguém que vive na comunidade: não está
acima dela. Para ter uma palavra adequada à sua comunidade, é preciso conhecer
o momento presente, a situação concreta das pessoas, a conjuntura histórica. A
partir deste conhecimento, torna-se possível traduzir a Palavra de Deus no contexto
da comunidade concreta (BARTH, 1963, p. 29-30).
A última questão neste elenco de Karl Barth é a inspiração da pregação. Não é
difícil imaginar qual deve ser a inspiração: é sempre a Palavra de Deus. Isso implica
que devemos permanecer humildes e discretos. Além disso, visto que a pregação se
ocupa de Deus, a vida de oração se torna um elemento essencial para o pregador
e para a comunidade (BARTH, 1963, p. 30).

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ISTO ESTÁ NA REDE

Papa Francisco, em sua homilia na missa matutina do dia 30 de abril de 2020,


falou sobre o testemunho e a oração necessários para fazer uma pregação
apostólica. Na sua reflexão, ele parte da seguinte frase de Jesus no evangelho de
João: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer” (Jo 6, 44).
E relaciona esta passagem do evangelho com a narração do etíope convertido
pela pregação do apóstolo Filipe (At, 8, 26-40): o Pai havia atraído o etíope a Jesus
através da leitura do profeta Isaías, por isso ele estava predisposto a acolher o
anúncio de Filipe. Assim também é a nossa pregação: nós fazemos a nossa parte,
mas é Deus quem converte e atrai as pessoas. Duas coisas estão ao nosso alcance
para que o Pai se disponha a atrair as pessoas: a oração e o testemunho. “O nosso
testemunho abre as portas ao povo e a nossa oração abre as portas ao coração do
Pai, para que ele atraia as pessoas”. A homilia completa pode ser encontrada neste
link: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/cotidie/2020/documents/papa-
francesco-cotidie_20200430_testimonianza-e-preghiera.html

O que vimos acima é uma síntese dos caracteres essenciais da pregação, segundo
Karl Barth. E todos reconhecemos que são sábias as palavras deste grande teólogo
do Novecento. Com isso concluímos nossa reflexão sobre as bases teológicas da
pregação.
Em síntese, o fundamento teológico da pregação é a Palavra de Deus, a qual
transforma a vida do pregador, levando-o a anunciar a uma comunidade concreta tudo
aquilo que a Revelação lhe inspira. O pregador tem a missão de transmitir fielmente o
texto inspirado, a partir de uma compreensão profunda do que este texto tem a nos
dizer hoje. Depois disso, é Deus quem vai agir, chamando o ouvinte à conversão e a
uma decisão de vida. E este movimento provocado pela pregação continua renovando
a Igreja a cada dia, a mesma Igreja que é gerada e transformada pela evangelização.

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CAPÍTULO 2
HISTÓRIA DA PREGAÇÃO CRISTÃ

Caros estudantes, na aula anterior nós tratamos dos fundamentos bíblicos e teológicos
da pregação. Nesta aula, vamos ver como esta pregação aconteceu concretamente
ao longo da história cristã, desde o período do Novo Testamento até a atualidade.
Para isso, vamos elaborar uma panorâmica da história da pregação cristã, seguindo
alguns autores que escreveram sobre isso recentemente.
Sendo uma panorâmica, não podemos entrar nos detalhes, mas trabalhamos com
generalizações. Por exemplo: para cada era da história do cristianismo, vamos destacar
pelo menos uma forma de pregação, que é a mais característica daquele período. Mas
advertimos desde já que a realidade é muito mais diversificada: não existe uma única
forma de pregação em determinado período. Aquela forma de pregação indicada para
cada fase da história serve para compreendermos qual era a tendência da época,
mesmo sabendo que existiam outras práticas de pregação no mesmo período. No
entanto, é importante estudarmos a história da pregação, mesmo que seja de forma
panorâmica, pois no final teremos uma visão da diversidade de pregações ao longo
da história do cristianismo no mundo.

2.1 A pregação na Era Apostólica (século I)

Começamos com o início da história do cristianismo, então o primeiro pregador que


encontramos é o próprio Jesus. Para Quicke (2009, p. 75), Jesus era um “pregador
mensageiro”, pois anunciava boas novas em si mesmo: “Hoje se cumpriu aos vossos
ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21). Ele também anunciava o Reino de Deus,
de maneira forte e enfática (Mc 1,14; Lc 4,43) e confiou aos discípulos o mesmo anúncio
(Mt 28,20; Lc 9,2; 10,9). Às vezes, Jesus se apresentava como um “pregador narrativo”,
quando contava parábolas (especialmente em Lc 15-16). Por meio de parábolas, ele
ensinava de forma eficaz, evidenciando o poder da narração para comunicar o que
se pretende.

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Terminada a sua missão na terra, Jesus confiou a pregação aos seus apóstolos,
dando início à Igreja da Era Apostólica. A Igreja nasceu em Pentecoste, e a pregação
de Pedro marcou esse início (At 2,14-41). Esse primeiro anúncio tinha como foco
apresentar Jesus. Na medida que a Igreja entrava no mundo gentio, a proclamação
da graça inclusiva se tornou um tema importante (At 10,34-40; 13,16-49; 17,22-34). O
principal conteúdo da pregação apostólica era o querigma, ou seja, os fatos essenciais
a respeito de Jesus Cristo (1Cor 15,3-4). A pregação de ensino passou a ser importante
para edificar a Igreja, como vemos especialmente nas cartas de Paulo. E a pregação
indutiva também foi um modelo utilizado por Paulo no Areópago de Atenas (At 17,16-
31) e em outros momentos (QUICKE, 2009, p. 75).
Não vamos aprofundar ulteriormente a pregação apostólica, visto que já tratamos
sobre isso na aula anterior quando falamos das bases bíblicas da pregação cristã. Aqui
destacamos apenas a variedade da pregação na era apostólica: anúncio do Evangelho
e do querigma, ensino e pregação indutiva.

2.2 A pregação patrística (séculos II-V)

Quando o cristianismo se tornou uma das religiões aceitas no Império Romano,


especialmente depois da conversão do imperador Constantino no ano 312 d.C., a
pregação se viu em grande dificuldade, pois era difícil competir com a retórica clássica
praticada pelos intelectuais de cultura greco-romana. Neste momento, se desenvolve
uma consistente tradição cristã que nós chamamos de “patrística”.
Com a patrística, o caráter mais espontâneo da pregação dos apóstolos dá lugar
a uma pregação mais técnica, expositiva, voltada ao ensino. Nasce o gênero literário
chamado “sermão”, com suas regras internas ditadas pela retórica. É neste período
que a prédica passa a fazer parte sistematicamente da liturgia, como atesta um dos
primeiros padres apologistas, Justino Mártir (100-165), o qual afirma, ao descrever a
celebração dominical, que depois da leitura tinha lugar uma exortação por parte de
quem preside. Tertuliano (160-220) descreve reuniões feitas pelos cristãos para ler
os textos sagradas e fala do sermão como “palavras sagradas” que nutrem a fé e a
esperança. A mais antiga pregação protocristã que chegou até nós se encontra na
Segunda Epístola de Clemente (datada por volta do ano 150), na qual o autor buscava
inspiração na literatura grega clássica para comentar o texto bíblico (STOTT, 2000,
p. 16-17).

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Os padres da Igreja dos séculos III e IV adotaram de maneira sempre mais sistemática
os princípios da retórica e os aplicaram na pregação da Palavra de Deus. É neste
contexto que se colocam grandes padres da Igreja Oriental como Orígenes (185-245) e
Crisóstomo (337-407). São pregadores mestres, que elaboram sermões cuidadosamente
estruturados a partir de uma profunda exegese bíblica. A Igreja Ocidental também
seguiu esta tendência, com grandes gênios como Agostinho de Hipona (354-430),
cujos sermões eram caracterizados por uma exposição discursiva sobre uma parte
da Bíblia, seguida por amplas digressões que buscavam aplicar o texto bíblico à vida
dos ouvintes. A pregação indutiva era usada especialmente para refutar as heresias,
formuladas com o método filosófico indutivo (QUICKE, 2009, p. 75-76). A importância
dada ao sermão nesta época é visível até mesmo na arquitetura das catedrais, com
púlpitos construídos artisticamente para dar destaque ao pregador.

Figura 1: Púlpito da Catedral de Parma, Itália


Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Parma,_duomo,_pulpito.jpg

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O grande exemplo deixado pelos Padres da Igreja é a capacidade de dialogarem com


a alta cultura de sua época, pregando o evangelho com a linguagem de seu tempo. O
conhecimento da cultura clássica, somada a um grande apreço ao texto bíblico, bem
como a atenção à realidade concreta de seus ouvintes, fizeram nascer os grandes
sermões dos Padres da Igreja que continuam inspirando ainda hoje.

2.3 A pregação na Idade Média (séculos V-XV)

Em seguida, com o declínio da civilização Romana, veio a Idade das Trevas, e


a pregação também decaiu, reduzindo-se muitas vezes a repetições mecânicas de
sermões antigos. Depois de um período de crise, nasceu a Escolástica (séculos IX-
XVI) e, com ela, uma nova pregação. No contexto do surgimento das Universidades,
os sermões passam a exercer uma função de ensino. Algumas Ordens religiosas se
especializam na pregação, como os Dominicanos e os Franciscanos. Todavia, este
período também conhece formas incomuns e controversas de pregação, como aquelas
que motivaram as cruzadas, particularmente as cruzadas contra os árabes (QUICKE,
2009, p. 75-76).
A Escolástica recorreu às antigas tradições religiosas e filosóficas, incluindo os
grandes filósofos gregos (pagãos), árabes e judeus. O maior representante deste
período e desta metodologia é Tomás de Aquino (c. 1224-1227), grande conhecedor
da filosofia aristotélica, que aplicava tais conhecimentos para explicar as Sagradas
Escrituras. Todavia, a pregação não evoluiu junto com a Teologia Escolástica. A maioria
dos presbíteros tinha pouca preparação doutrinal, tanto que a homilia era reservada
normalmente aos bispos. Na ausência do bispo, muitas vezes um diácono era chamado
para ler um sermão dos santos padres. Mesmo levando em conta os sermões eruditos
elaborados nesta época, é preciso destacar que a Palavra de Deus não ocupava o seu
espaço devido: os sermões assumiram a forma de discursos teológicos especulativos,
não mais de uma exposição do texto bíblico (RAMOS, 2005, p. 52-53).
O surgimento das Ordens Mendicantes (Dominicanos, Franciscanos, etc.) a partir
do século XII foi uma resposta a essa crise da pregação. A homilética dos pregadores
mendicantes queria superar ao mesmo tempo o despreparo do clero secular e a erudição
dos pregadores catedráticos. Personagens como Bernardo de Claraval (1090-1153),
Domingos de Gusmão (1170-1221) e Pedro Valdo (1140-1217) marcam essa era. São
responsáveis por tirar a exclusividade da pregação no púlpito, que se tinha afastado da

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realidade concreta do povo, e levá-la novamente à praça, junto das pessoas. O grande
herdeiro desta tendência foi Francisco de Assis (1182-1226), que superou o clericalismo
da época e levou uma pregação simples e genuína para a praça, falando de Jesus e
da Bíblia, com um discurso acessível a todos. Sua pregação já não entra na categoria
Escolástica, mas representa a corrente de homilética mística. O problema desta fase
final da Idade Média foi a separação entre o sermão pronunciado no púlpito durante
solenes liturgias, com discursos altamente eruditos, e a pregação mística dos frades
mendicantes nas praças e nos campos (RAMOS, 2005, p. 54-57).

ISTO ESTÁ NA REDE

O portal de notícias da UNISINOS publicou um artigo em 16 de agosto de 2019


sobre a pregação de São Francisco de Assis. Destaca-se que São Francisco não
tinha o perfil de um pregador, mas se aproximava do estilo de um orador político,
porque conseguia impressionar fortemente o público, mediante suas palavras, suas
expressões e seus gestos. Suas pregações eram praticamente representações
teatrais. Ele não seguia as regras do gênero da pregação, mas usava elementos da
vivência cotidiana. O seu método era tão eficiente que multidões corriam para ouvi-
lo, e até mesmo famílias nobres iam aconselhar-se com ele. A reportagem completa
pode ser encontrada neste link:
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591708-15-de-agosto-de-1222-o-sermao-de-
sao-francisco-os-anjos-os-homens-os-demonios

Para finalizar, a pregação na Idade Média não pode ser resumida em um adjetivo
apenas, pois ela teve várias fases: da crise à Escolástica; da erudição à reaproximação
ao povo. Os dois momentos mais positivos desta época deixaram dois modelos
interessantes de pregação: o sermão inspirado no método escolástico, voltada ao
ensino; e a prédica mística dos Mendicantes, acessível ao povo mais simples.

2.4 Período da Reforma (século XVI)

No final da Idade Média, a Bíblia havia se tornado propriedade de poucos: pouco


conhecida, pouco anunciada. A Palavra de Deus, que deveria ser o centro de toda
pregação, tinha ficado em segundo plano. Para contrastar esta tendência, surgiu um
movimento de renovação a partir da Bíblia. O iniciador desta tendência foi Erasmo

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de Roterdã, que publicou uma edição do Novo Testamento grego e uma tradução em
latim no ano 1516. Esta versão da Bíblia se tornou, em seguida, a base do estudo e
da pregação dos reformadores. Lutero (1483-1546) foi o primeiro deste grupo a trazer
a Palavra de Deus ao centro, por meio de uma pregação mensageira que favorecia o
conteúdo, a simplicidade e a aplicação quotidiana da Bíblia (STOTT, 2000, p. 21-23). É
emblemático o modo como ele descrevia a Palavra de Deus em três formas: Palavra
encarnada (Jesus), Palavra escrita (Bíblia) e palavra proclamada (pregação). A pregação
bíblica voltou a ter o seu lugar a partir de Erasmo e Lutero (QUICKE, 2009, p. 76).
Outros reformadores foram ganhando espaço como pregadores mensageiros,
tais como João Calvino (1509-1564) na França e Zwinglio (1484-1531) na Suíça. Os
reformadores desenvolveram um estilo simples e direto de ensinar. Não podemos
esquecer que a pregação da Reforma teve uma ajuda significativa da técnica: a invenção
da imprensa por parte de João Gutenberg (por volta de 1456). A impressão da Bíblia,
dos catecismos e até mesmo dos sermões acelerou a elaboração de pregações sempre
mais completas (QUICKE, 2009, p. 76-77).
Dada a ignorância geral do povo quanto à Bíblia, que tinha ficado como propriedade
exclusiva do clero por séculos, a pregação dos reformadores era predominantemente
didática, voltada à instrução. Até mesmo a toga acadêmica, adotada como veste
litúrgica por Zwinglio na Suíça e por Lutero na Alemanha, mostra como o sermão
era visto por eles como um momento de ensinar. A contribuição positiva da Reforma
para a pregação é o retorno da Palavra de Deus como centro de toda prédica; além
da máxima que afirma solus Christus praedicandus (somente Cristo deve-se pregar);
e a pregação novamente inserida na celebração litúrgica (RAMOS, 2005, p. 59-61).

2.5 Pregação no pós-Reforma (séculos XVII-XVIII)

A situação geral no período da pós-Reforma é de uma divisão crescente dentro


da Igreja Católica e entre as Igrejas reformadas. Na Igreja Católica, o Concílio de
Trento (1545-1563) definiu a sua doutrina, separando-a claramente das tendências
protestantes. A reforma interna da Igreja, impulsionada pelo Concílio, buscou criar um
novo clero por meio de uma formação teológica consistente. Todo este movimento
ficou conhecido como “Contrarreforma”. Os maiores pregadores da Contrarreforma
foram os Jesuítas, que buscavam recuperar a importância da retórica por meio de um
ensino humanista. No Brasil, por exemplo, se destaca o padre Antônio Vieira (1608-

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1697) com sua “oratória sagrada”, que tratava de questões da vida humana a partir
do Evangelho, mas que servia também para refutar os calvinistas holandeses que
chegavam no Brasil. Por sua vez, as Igrejas da Reforma também foram consolidando
sua doutrina e desenvolvendo sua prédica, em contraposição à doutrina católica. Dos
dois lados, a apologética e a controvérsia doutrinária marcaram a pregação deste
período (RAMOS, 2005, p. 59-61).

Figura 2:: Padre Antônio Vieira pregando aos índios


Fonte: https://nationalgeographic.pt/historia/actualidade/1719-padre-antonio-vieira-defensor-dos-indios

Na segunda metade do século XVI surgiu, na Inglaterra, o movimento do Puritanismo.


Os puritanos eram essencialmente pregadores: para eles, a reforma da igreja aconteceria
por meio da pregação. Richard Baxter (1615-1691), um dos grandes expoentes do
puritanismo, afirma que a Igreja é a escola de Cristo, e que os ministros devem ensinar
diariamente a Bíblia, como sendo sua gramática. Ele dedicava seu tempo à catequese
familiar e à pregação pública da Palavra. Nas décadas que se seguiram, outros puritanos
se destacaram como grandes pregadores: Cotton Mather nos Estados Unidos; John
Wesley e George Whitefield na Grã-Bretanha. Todos eles tinham em comum a dedicação
ao estudo da Bíblia e a pregação como principal trabalho (STOTT, 2000, p. 26-29).
Outro movimento importante deste período foi o Pietismo, que surgiu na segunda
metade do século XVII, dentro do luteranismo norte-europeu. Tratava-se de um
movimento religioso que buscava a conversão do crente e sua santificação. A
pregação tinha um papel fundamental neste processo, para convencer os ouvintes
quanto à necessidade da salvação e da edificação do coração pervertido pelo pecado.

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Esta transformação do fiel aconteceria a partir de uma experiência de fé oriunda da


prédica. Em oposição ao luteranismo oficial da época, o Pietismo pretendia voltar à
livre interpretação da Bíblia, sem a interferência da teologia, do culto e de qualquer
organização eclesiástica. Os principais representantes do Pietismo foram Filipe Jacó
Spener (1635-1705) e Hermann Francke (1663-1727). A pregação desenvolvida por
eles procurava relacionar o conteúdo da fé com a situação vivencial dos fiéis. Toda
prédica estava subordinada à Bíblia, mas deveria ser orientada para a condução da
vida quotidiana das pessoas. Este aspecto, originalmente positivo, acabou levando a
uma nova degradação da homilética, porque o princípio utilitário acabou dominando
o púlpito: falava-se de vacina, de alimentação, do alcoolismo, etc. Mas o elemento
religioso acabou sendo deixado de lado (RAMOS, 2005, p. 63-65).
Aos poucos, o Pietismo foi se radicalizando. Friedrich Daniel Schleiermacher
(1768-1834), por exemplo, considerava que a prédica não tinha um caráter instrutivo
nem precisaria motivar uma ação, mas devia estimular as emoções religiosas como
expressão de fé. O sermão era entendido como um diálogo entre o pregador e a
assembleia, para contagiar os ouvintes com a autoconsciência piedosa. O texto bíblico
era o ponto de partida, porém o objetivo da prédica não era a exposição da Bíblia ou
de doutrinas, mas comover o coração dos fiéis. A contribuição de Schleiermacher no
âmbito acadêmico foi a sistematização das disciplinas teológicas nas universidades
europeias e a fundação da assim chamada “teologia prática”, que inclui a homilética,
a liturgia, a catequética e a administração eclesiástica (RAMOS, 2005, p. 64-65).
Os aspectos positivos da pregação no período pós-Reforma são esses:
conscientização, por parte dos católicos, da necessidade de uma melhor formação
do clero; o retorno da retórica entre os pregadores jesuítas; a centralidade da pregação
bíblica no Puritanismo; a prédica atenta às situações concretas da vida (pelo menos
no início do Pietismo). Houveram exageros em todos os lados, durante este período
pós-Reforma, mas isso não elimina a positividade das intuições que vimos acima.

2.6 A pregação no tempo das missões (séculos XIX-XX)

A Igreja católica já havia iniciado antes a missão fora da Europa, mas nos séculos
XIX e XX houve um incremento significativo da obra missionária estrangeira nas Igrejas
católica e protestantes. Observou-se um grande fervor por parte de missionários em
difundir o evangelho em terras estrangeiras, especialmente na África e na Ásia (a missão

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nas Américas já se tinha iniciado nos séculos anteriores e continuou neste período).
O problema é que, junto ao evangelho, os missionários levaram sua cultura ocidental,
muitas vezes com uma pretensão de superioridade cultural, ainda que inconsciente.
No entanto, muitos missionários tomaram consciência dos preconceitos culturais e
se colocaram do lado dos povos africanos e asiáticos, alguns inclusive lutando contra
a escravidão, que ainda não tinha sido abolida em todas as partes do mundo (no
Brasil vai até 1888). Em todo caso, a pregação do evangelho nos séculos XIX e XX é
marcada sobretudo pelo proselitismo (RAMOS, 2005, p. 68-69).
Os pregadores deste período podem ser classificados, de modo genérico (nenhuma
classificação é precisa), em três grupos: os conservadores, que buscavam conter o
progresso e voltar a formas medievais ou patrísticas de ser igreja; os progressistas,
que se opunham à hierarquia das Igrejas e se engajavam nas lutas pela justiça social;
e os moderados, que buscavam uma conciliação entre a cultura religiosa antiga e a
cultura moderna, junto aos novos conhecimentos adquiridos nas terras de missões
(RAMOS, 2005, p. 69).
Em todo caso, o período das missões deixou claro que a pregação precisa entrar
na cultura local, falar a sua linguagem e absorver os seus valores. E mostrou que o
lugar dos pregadores é do lado dos povos evangelizados, não acima deles por razões
culturais ou por qualquer outro motivo.

2.7 A pregação no tempo das revoluções (século XX)

As mudanças que ocorreram no mundo durante os séculos XIX e XX aconteceram


numa velocidade nunca vista antes: revoluções políticas, econômicas, culturais e,
sobretudo, tecnológicas. O resultado é o surgimento de um mundo que nós chamamos
de globalizado. Neste contexto, surgiram novas formas de pregação, que convivem
com formas mais antigas e podem ser simultâneas entre elas. Ramos (2005, p. 71)
distingue três correntes novas de pregação: a homilética das libertações, dos carismas
e das mídias.
A homilética das libertações está ligada a um movimento teológico que nasceu
já no final do século XIX e que alcançou seu auge na segunda metade do século XX:
no mundo protestante recebeu o nome de “Evangelho Social”; no mundo católico,
“Teologia da Libertação”. O maior expoente desta corrente entre os teólogos católicos
foi Gustavo Gutiérrez, que publicou em 1972 o livro intitulado “Teologia da Libertação”.

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Seu método consiste em partir do Evangelho em diálogo com a história, a sociologia


e a experiência humana. A proposta é uma ação radical para a Igreja: colocar-se ao
lado dos mais pobres e oprimidos. As Comunidade Eclesiais de Base (CEBs) tornaram
popular essa forma de fazer teologia, com um método simples mas muito eficaz: ver-
julgar-agir. As CEBs desenvolveram a prática de partilhar a vida e a fé, à luz do texto
bíblico. A homilia pode ser chamada “partilha da Palavra” e assume a forma de um
diálogo familiar. Essa nova homilética foi revolucionária porque deslocou a atenção do
pregador para o povo; e porque lê a Bíblia a partir da situação vivencial das pessoas
para, em seguida, formular compromissos concretos de transformação da realidade
(RAMOS, 2005, p. 71-74).
Neste contexto, o sermão proferido do alto de um púlpito foi perdendo espaço, porque
o progresso da ciência, da música e das artes cênicas ocuparam o lugar da pregação. A
homilética proposta pelas CEBs não foi acolhida pelas igrejas históricas, mas permaneceu
nas periferias e foi perdendo força. Surgiram movimentos fundamentalistas, opostos
ao progressismo, às teologias liberais e às teologias da libertação. As dificuldades
enfrentadas pela homilética libertadora, além das frustrações políticas e eclesiais, tanto
nas igrejas protestantes quanto no catolicismo, deram espaço para uma nova forma
de pregação, no final do século XX e início do século XXI: a homilética carismática
(RAMOS, 2005, p. 76-77).
O Movimento Carismático surgiu nos Estados Unidos, entre os protestantes, no
início do século XX, mas não demorou para se disseminar na Europa e na América
Latina, também em ambiente católico. Este movimento prega o “Batismo no Espírito
Santo”, que provoca inclusive reações físicas como as lágrimas, o riso, os arrepios
e, às vezes, os êxtases. A pregação carismática já não busca articular a inteligência
da fé, mas provocar uma experiência de dons espirituais especiais nos ouvintes, tais
como a glossolalia, as curas e os exorcismos. Orações, louvores, encontros, procissões,
novelas e outras expressões de religiosidade são bem acolhidas, mas o compromisso
social não é incentivado pelo movimento carismático-pentecostal. Os sermões são
emocionais, voltados para o indivíduo (não à comunidade) e encorajam a conversão.
A função do pregador não é tanto expor o texto bíblico, mas provocar comoção, curas
e conversões (RAMOS, 2005, p. 77-79).
A principal mudança do período das revoluções certamente é o uso maciço das
tecnologias de informação. Os meios de comunicação se tornaram o centro de gravidade
da sociedade pós-moderna. As religiões não podiam ficar indiferentes. Resistentes no

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início da era tecnológica, as religiões têm aderido sempre mais à cultura dos mass
media: nasce então a pregação midiática. Os cristãos pioneiros no mundo midiático
foram os neo-pentecostais (não o catolicismo nem o protestantismo histórico), com
discursos fundamentalisas, ao lado de uma economia capitalista e uma política de
direita. Isso aconteceu inicialmente nos Estados Unidos, nas décadas de 50 e 60, mas
logo se espalhou pelo mundo. Com o tempo, todas as formas religiosas do cristianismo
encontraram seu lugar nos meios de comunicação, particularmente na TV e no rádio
(RAMOS, 2005, p. 80-85).
A pregação midiática hoje é a mais variada que se possa imaginar, e não há espaço
para descrevê-la aqui: há homilias bíblicas, mas há também testemunhos pessoais;
prega-se a teologia da prosperidade, mas não faltam pregadores comprometidos com
os problemas sociais. O mesmo podemos dizer sobre a homilética das libertações e
as pregações carismáticas: a síntese apresentada acima não é completa, mas é feita
mediante generalizações, pois nosso objetivo é lançar um olhar panorâmico sobre a
história da pregação cristã.
Sendo assim, você poderia me dizer: “mas existem outras formas de pregação
no movimento carismático”, por exemplo. E eu responderia: “claro que sim”. Mas em
todas as outras épocas apresentadas brevemente nesta aula também existiam outras
formas de pregação que não cabem nesta síntese. Enfim, a realidade é muito mais
complexa, mas nesta aula conseguimos ter uma visão generalizada de uma parte da
grande variedade de formas de pregação cristã ao longo da história. Na próxima aula,
falaremos dos desafios da pregação no contexto da pós-modernidade.

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CAPÍTULO 3
A PREGAÇÃO NO CONTEXTO
DA PÓS-MODERNIDADE

Alunas e alunos, na última aula, vimos, de forma panorâmica, a história da pregação


cristã desde a Era Apostólica até o início da pós-modernidade. Nesta aula, vamos
concentrar nossa atenção sobre a pregação na pós-modernidade. Vamos começar
observando as características da pós-modernidade: sua definição e suas crenças.
Depois, vamos falar sobre a crise da pregação na pós-modernidade secularizada e
sobre a pregação em tempos de crise. Por fim, lançaremos um olhar sobre os novos
espaços para a pregação no mundo pós-moderno.

3.1 Caracterização da pós-modernidade

Para caracterizar a pós-modernidade, vamos primeiro definir o significado deste


conceito, tentando entender sua relação com a religião; em seguida, procuraremos
explicitar a rede de crenças ocultas na secularidade pós-moderna, para visualizar o
espaço que o cristianismo realmente tem neste contexto.

3.1.1 Definindo a “pós-modernidade”

De modo geral, a modernidade (séculos XVII-XX) é caracterizada pela confiança na


razão e na ciência como caminho para construir um mundo melhor, enquanto a era
pós-moderna (a partir do final do século XX até hoje) se distingue pelo abandono das
certezas e a perda de confiança na construção de uma ordem racional e controlável.
A modernidade pretendia abandonar toda tradição e crença religiosa para chegar à
verdade através da razão pura. Essa pretensão fez nascer o individualismo moderno:
cada indivíduo pode chegar à verdade sem o auxílio da sabedoria antiga ou da revelação
divina. A pós-modernidade não superou esse individualismo, mas o modificou no sentido
que o indivíduo pode até mesmo criar suas verdades. A religião era vista como algo
positivo no início da modernidade, pelo menos em seu arcabouço moral, visto que a

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sociedade deveria ser guiada por princípios morais. No entanto, a pós-modernidade


pressupõe uma autonomia do sujeito até mesmo na moralidade, de modo que a religião
acaba sendo uma inimiga desta autonomia (KELLER, 2017, p. 185-188). Cada um
constrói a sua identidade e a sua moralidade. A escultura de Bobbie Carlyle, intitulada
“self made man ” (o homem que se formou) representa bem esta época.

Figura 1: “Self made man”, escultura de Bobbie Carlyle (1997)


Fonte: https://racstl.org/public-art/self-made-man/

Na verdade, a pós-modernidade abriu espaço para Deus, mas reduziu o espaço da


religião. O cristianismo, particularmente, enfrenta um grande descrédito, visto que suas
metanarrativas ajudaram a legitimar as barbáries da modernidade: lembremos, por
exemplo, do discurso anti-judaico baseado em interpretações errôneas do evangelho
e que levou à Shoá; ou da colonização violenta na África e na América Latina em
nome da evangelização. A pós-modernidade é definida por alguns estudiosos como a

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incredulidade em relação às metanarrativas, ou seja, os “mitos” que fundaram o mundo


ocidental, incluindo o iluminismo, o idealismo europeu e o cristianismo. Neste contexto,
pregar o evangelho significa falar a uma sociedade que olha para o cristianismo com
desconfiança e incredulidade (JIMÉNEZ, 2009, p. 60-62).
Diante destas constatações, muitos representantes de várias igrejas passaram a
condenar a pós-modernidade, por sua aparente incompatibilidade com a religião. Keller
(2017, p. 188) parte de um pressuposto bem diferente: para pregar aos pós-modernos
(ou à “mente moderna tardia”, como ele chama), é preciso identificar as narrativas
culturais que lhes servem de referência, como veremos em seguida.

3.1.2 A rede de crença oculta da secularidade

A pós-modernidade se caracteriza pela percepção de que não precisamos de Deus


para explicar o mundo, pois a ciência se encarrega de fazer isso. Não precisamos da
religião para sermos morais, mas somos capazes de construir um mundo melhor a
partir da nossa liberdade. A religião, ao contrário, restringe a nossa liberdade e cria
divisões, atrapalhando o projeto de construir um mundo melhor. No entanto, essa
narrativa da pós-modernidade não significa o fim da religião. Ao contrário, o ser humano
é naturalmente religioso e o pós-moderno não foge dessa regra. O próprio secularismo
é uma teia de crenças não declaradas, que as pessoas acreditam sem questionar. E
surpreendentemente grande parte dessas crenças foram herdadas do cristianismo.
Keller (2017, p. 192-199) elenca cinco destas crenças, as quais apresentamos a seguir
de forma resumida:
a) “O corpo e o mundo material são bons. É importante melhorá-los. A ciência é
possível”. Essa crença nasceu com o cristianismo. Antes do cristianismo, grande
parte da filosofia grega via o corpo e o mundo material como menos importantes
e reais do que o mundo das ideias. O logos por trás do universo era visto como
um princípio racional e impessoal. Também as culturas orientais acreditavam
que a personalidade individual era uma ilusão temporária. Para o cristianismo,
o mundo material é parte da boa criação de Deus, uma realidade confiável,
que tem a sua racionalidade própria, impressa por Deus. A pós-modernidade
simplesmente tomou esta afirmação e tirou a palavra “Deus”, e esse se tornou
o fundamento da ciência pós-moderna.

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b) “A história progride”. Este princípio, aceito naturalmente hoje, contradiz a


concepção grega e mesopotâmica de história como sendo cíclica e sem direção.
Para o cristianismo, a história é conduzida por Deus com um propósito, a fim de
chegar a um clímax grandioso e irreversível. A pós-modernidade reciclou esta
crença e retirou a ideia de um controle divino. Hoje, a sociedade aceita, como
um dogma não pronunciado, que tudo o que é novo ou atualizado é melhor do
que aquilo que havia antes: eis o novo clímax glorioso da história.
c) “Todos os indivíduos são importantes, têm dignidade e merecem nossa ajuda
e respeito”. No mundo pré-cristão, o clã e a tribo eram muito mais importantes
do que o indivíduo. O valor de cada um era medido pela sua participação a
um determinado grupo: a dignidade humana não era reconhecida em cada ser
individualmente. O cristianismo trouxe a ideia de que cada indivíduo tem sua
dignidade inviolável por ser criado à imagem de Deus. O secularismo ocidental
se apropriou desta ideia e a radicalizou: a ordem social não visa o interesse do
coletivo, mas o bem do indivíduo. A comunidade é importante, mas não pode
prejudicar a liberdade do indivíduo de viver como ele bem quiser.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Um exemplo atual do individualismo pós-moderno é a vívida discussão sobre a


obrigatoriedade da vacina contra a COVID 19. No fundo, a dificuldade de muitos em
aceitar que todos devem ser vacinados pelo bem coletivo não é nada mais do que
a aplicação deste dogma da pós-modernidade: o bem coletivo não está acima da
minha liberdade individual de viver como eu quero. Aqui não estamos expressando
juízos de valores sobre a questão. Estamos apenas constatando como este dogma
da pós-modernidade está presente na mentalidade das pessoas sem que elas
percebam. Para aprofundar o tema, veja este artigo de João Marcos Constante de
Figueiredo: https://filosofia.arcos.org.br/liberdade-em-tempos-de-covid/

a) “As escolhas humanas são importantes e somos responsáveis por nossas


atitudes”. Os antigos acreditavam que as escolhas humanas não eram reais,
pois o nosso destino já estava traçado. Os seres humanos deviam apenas
descobrir qual era o seu destino e submeter-se de maneira corajosa a ele. Para
o cristianismo, Deus criou os seres humanos como agentes responsáveis: Deus
se importa com o comportamento humano, mas não o determina. O secularismo

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radicalizou a visão cristã, pois não aceita nenhuma determinação do universo nem
de Deus. A moral é valorizada enquanto busca a justiça social, a benevolência
e os direitos humanos. Mas quem determina esta moralidade é o próprio ser
humano.
b) “As emoções e os sentimentos são bons e importantes. Eles devem ser entendidos
e direcionados”. As culturas antigas (e algumas culturas tradicionais ainda vivas)
acreditavam que os sentimentos individuais e o interesse pessoal deveriam ser
suprimidos para dar espaço ao cumprimento do dever para com a família e a
tribo. O cristianismo, por mais que valorize a família e a sociedade, mesmo assim
reconhece o valor intrínseco dos sentimentos e intuições humanas. Também
neste caso, a pós-modernidade levou ao extremo essa perspectiva cristã: cada
um determina a sua identidade a partir de seus desejos, sentimentos e vontades,
a despeito da comunidade.
Diante da constatação destas narrativas culturais da pós-modernidade, Keller
(2017, p. 199) destaca que o pregador deve reconhecer, com humildade e apreço,
os valores exaltados na atualidade, pois boa parte deles provém do cristianismo. No
entanto, deve também expor os erros e perigos destas narrações culturais quando
absolutizam e divinizam situações humanas. Por fim, deve mostrar como o evangelho
não contradiz o espírito pós-moderno, mas pode orientá-lo corretamente lá onde as
narrativas simplesmente culturais falham.

3.2 Crise da pregação e a pregação em tempos de crise

Temos que reconhecer que a pregação passa por uma crise. Muitos pregadores
se sentem perdidos neste mundo multifacetado da pós-modernidade. Porém, não é
só a pregação: a própria sociedade está em crise em vários aspectos. Então, vamos
falar agora sobre a crise da pregação e sobre como a pregação deveria se configurar
em tempos de crise.

3.2.1 A crise da pregação cristã

Trota (2019, p. 7-15) inicia o seu estudo sobre a proclamação do evangelho falando
sobre a crise da pregação na atualidade. Para ele, muitos pregadores estão anunciando
o que o povo deseja ouvir, pervertendo, amenizando ou mutilando o evangelho com essa

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finalidade. O autor fala de uma “psicologização” da pregação, no sentido de transmitir


uma visão subjetiva da Bíblia, com fins terapêuticos mais do que fins espirituais. O
pregador vive com a torturante preocupação de agradar o público em uma espécie de
“mercado gospel”, por isso acaba transformando o que a Palavra de Deus realmente diz
em uma versão mais leve da Bíblia, cheia de tolerância e permissividade. O problema por
trás disso seria aquilo que já tratamos na seção anterior: a subjetividade individualista
pós-moderna, segundo a qual ninguém tem o direito de dizer como eu devo viver, nem
mesmo a Bíblia.
Neste contexto de crise da pregação, alguns conceitos fundamentais do cristianismo
vão sendo adulterados para agradar o ouvinte: o pecado acaba sendo reduzido à
falta de coragem de se autodeclarar vencedor; o culto gira em torno do sucesso;
avivamento se tornou sinônimo de agitação litúrgica, não mais de transformação de
comportamento. Em poucas palavras, a pregação busca, acima de tudo, provocar
emoções e sentimentos, não mais gerar convicção de pecado, consciência doutrinária
ou transformação da vida. O pregador deve realizar espetáculos para atrair o ouvinte
com seus dotes artísticos, mas deste modo acaba apenas distraindo o público,
sem tocar nos problemas reais dos fiéis. A pregação antropocêntrica visa apenas
os sonhos pessoais dos ouvintes, seu sucesso financeiro, sua saúde corporal, sua
alegria momentânea. Com isso, abandona-se o centro da pregação, que deveria ser a
Bíblia, para colocar o homem e suas necessidades no centro (TROTA, 2019, p. 9-10).
As palavras de Trota, ao descrever a crise da pregação, parecem duras demais,
como ele mesmo admite, mas ele também observa que nem todos os pregadores se
encaixam nesta descrição: há pregadores comprometidos com a Palavra de Deus,
fiéis estudiosos e expositores da Bíblia. No entanto, existe uma crise da pregação
que precisa ser enfrentada com coragem e determinação para colocar o evangelho
novamente no centro, o evangelho tal como ele é, não o evangelho distorcido com
fins publicitários (TROTA, 2019, p. 14).
Além da crise da pregação, que acabamos de ver, há outro aspecto que devemos
acrescentar neste quadro dos desafios da pregação contemporânea: a diversidade
religiosa. A pós-modernidade abriu espaço para Deus, porém não a um Único Deus,
como aquele anunciado pelo cristianismo. O mundo é globalizado também em seus
aspectos espirituais, e a espiritualidade globalizada coloca todas as expressões
religiosas na mesma prateleira, como em uma livraria, onde os livros sobre cristianismo,
esoterismo, espiritualismo, judaísmo, islamismo e budismo se encontram na mesma

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seção. Sendo assim, a pregação clássica, entendida como anunciar a verdade do


evangelho a toda criatura, não encontra espaço neste mundo globalizado (JIMÉNEZ,
2009, p. 64-69). Perguntamo-nos, então: há algum espaço para a pregação no mundo
globalizado? Qual pregação? Veremos a seguir.

3.2.2 A pregação em tempos de crise

Para que o anúncio do evangelho tenha algum sentido no mundo globalizado, isto é,
no mundo da crise da pregação, é preciso encontrar uma nova definição de pregação.
Jiménez (2009, p. 69-70) propõe como nova definição que a pregação seja entendida
como uma interpretação teológica da vida dentro de uma comunidade de fé. Ou seja,
a pregação tem em vista ajudar a comunidade de fé a desenvolver um estilo de vida
conforme o evangelho; em outras palavras, ajudar o povo a lidar com os problemas
reais da vida desde a perspectiva da fé cristã, de modo que os cristãos vivam como
agentes morais responsáveis no mundo. Interessante que nesta definição de Jiménez,
não se fala de convencer nem converter os não cristãos, mas de conduzir os cristãos
a uma vida conforme o evangelho. A conversão de quem está fora pode até acontecer,
mas será através do testemunho de uma vida cristã coerente por parte daqueles que
professam essa fé.
A pregação no mundo globalizado deve levar em conta, segundo Jiménez (2009, p.
70-75), a crise pós-moderna. Para compreender essa crise, o autor trata de três aspectos
da pós-modernidade: a sociedade do espetáculo, a simulação e a proliferação dos “não-
lugares”. A sociedade do espetáculo é baseada no entretenimento, de modo que não
precisa se preocupar com os problemas reais da vida. A simulação é a substituição da
realidade por modelos criados para parecerem reais: o mundo cibernético é um bom
modelo de simulacro pós-moderno. E os não lugares são os espaços do anonimato,
onde o intercâmbio com outras pessoas é mínimo ou inexistente. O problema de
tudo isso é que aumenta a solidão, a depressão, o abandono, o anonimato, a falta de
relações sociais saudáveis, etc. Neste contexto, a Igreja é chamada a criar espaços
de relações reais entre as pessoas e de integração da personalidade de cada um.
Diante deste quadro, Jiménez (2009, p. 79-84) propõe algumas estratégias para
pregar o evangelho na crise pós-moderna, das quais apresento uma síntese a seguir:

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• Pregação como interpretação: interpretar a vida à luz dos valores do Reino de


Deus. Isso implica um choque entre os valores do evangelho e as situações que
vimos acima: espetáculo, simulação e não-lugares;
• Pregação como missão: neste caso, o campo de missão é a sociedade que
desconfia da fé cristã e precisa ser levada à pureza da fé em Cristo;
• Pregação crítica e desconstrutiva: como profetas, realizar a necessária crítica
social e a desconstrução dos conceitos negativos da sociedade;
• Pregação a partir de vários modelos de sermão: o clássico sermão dedutivo (que
tira implicações das leituras) já não é suficiente. Hoje, existem vários modelos
de homilética, como o sermão narrativo, que é muito mais compreendido pela
atual geração;
• Pregação interdisciplinar: em uma sociedade aberta a múltiplas disciplinas, a
pregação não pode ser apenas teológica, mas deve dialogar com a economia,
a filosofia, a ética, a ciência e outras disciplinas, sem extrapolar o seu limite;
• Pregação forja a identidade: visto que na pós-modernidade cada um define a
sua própria identidade, a pregação pode contribuir para que as pessoas de fé
compreendam e definam sua identidade cristã.
Estes são alguns caminhos para a pregação na era pós-moderna. Os tempos de
crise podem não ser momentos ideais, mas não deixam de oferecer espaço para
uma pregação aberta e criativa. A pós-modernidade eliminou alguns confortos do
cristianismo, mas criou a oportunidade para que os cristãos sejam profetas de seu
tempo, anunciadores autênticos do evangelho: o importante é abrir os olhos para ver
esses novos espaços. Falaremos um pouco mais sobre isso a seguir.

3.3 Novos espaços para a pregação cristã

Em seu livro “Os desafios da evangelização’’, Andrade (2016, p. 74-203) apresenta


alguns novos espaços que desafiam a pregação cristã: evangelização urbana, grupos
desafiadores (drogados, prostitutas, etc.), mundo acadêmico e político, grupos religiosos,
crianças, família, pessoas com deficiência e o mundo digital. Vamos, então, percorrer
brevemente alguns destes espaços.
A evangelização urbana tem seu fundamento na Bíblia, pois a evangelização
dos apóstolos foi dirigida a diversas cidades estratégicas, como Jerusalém (At 1,8),
Antioquia (At 11,26; 13,1-2), Filipos (At 16,12) e Roma (At 28,16-31). A evangelização

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urbana exige trabalho em equipe, estabelecimento em postos-chaves, constância no


trabalho e formação de núcleos evangelizadores. Por exemplo, somente uma família
que mora em um condomínio pode alcançar outras pessoas dentro daquele espaço
(ANDRADE, 2016, p. 74-91).
A evangelização de grupos desafiadores. Andrade (2016, p. 92-103) considera
três grupos: drogados, homossexuais e prostitutas. Falar em “grupos desafiadores”
não significa dizer que eles são o desafio: na verdade o desafio está em nós, na
nossa resistência de nos aproximarmos destes grupos levando a mensagem cristã.
Quanto ao primeiro grupo, pensemos nos centros cristãos de recuperação de drogados.
Quanto ao segundo grupo, é preciso reconhecer que as Igrejas abriram suas portas
para os homossexuais (o termo mais abrangente hoje é comunidade LGBTQIA+) há
pouco tempo, por isso o diálogo ainda é muito precário. O caminho é o anúncio do
amor incondicional de Deus. A preocupação das Igrejas com as prostitutas não é
nova: há séculos existem associações cristãs que oferecem ajuda a esses grupos e
buscam resgatá-las do mundo da prostituição. Atualizando a terminologia de Andrade,
hoje falamos de “pastoral da mulher marginalizada”, que é mais abrangente e mais
respeitoso.
O mundo acadêmico e político é outro espaço importante para a evangelização
hoje. Andrade (2016, p. 104-118) apresenta como exemplo bíblico de evangelização
em um ambiente acadêmico-filosófico o episódio de Paulo em Atenas (At 17,16-34). E
como exemplo bíblico de anúncio da Palavra de Deus no mundo político, a história de
Daniel na corte da Babilônia (Dn 1-6). Podemos acrescentar que o mundo acadêmico
e político normalmente não está aberto para evangelizadores externos. Neste caso, os
pregadores devem ser acadêmicos que testemunham sua fé no ambiente da cultura,
e políticos cristãos que agem de maneira íntegra no espaço governamental.
A pregação no ambiente digital é uma exigência da nossa época, mas difere da
pregação tradicional a qual estamos acostumados. Em primeiro lugar, o mundo digital
é feito de informações rápidas e mensagens curtas: para pregar neste ambiente, é
preciso concentrar nosso discurso naquilo que é essencial: o evangelho. Todo o resto
fica para um segundo momento. Em segundo lugar, os recursos para evangelização vão
se modernizando, vão se tornando sempre mais diversificados, e podemos usar todos
os recursos modernos para pregar a Palavra. Porém, o modelo de evangelização é único,
é aquele que Jesus nos deixou: o amor para com todos. Discursos condenatórios não

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evangelizam. Jesus atraía as pessoas pelo amor, e assim é preciso agir até mesmo
nos meios de comunicação digitais (ANDRADE, 2016, p. 197-214).

Figura 2: Rede de comunicação global


Fonte: https://thefintechtimes.com/wp-content/uploads/2020/03/iStock-1154360052.jpg

ISTO ESTÁ NA REDE

Em um breve artigo publicado no site da CNBB, Dom Antonio de Assis Ribeiro


fala sobre “Evangelizar através das mídias digitais”, com particular atenção à
evangelização durante a pandemia da COVID-19. Ele destaca que o Magistério
recente (Concílio Vaticano II, papa João Paulo II, etc.) incentiva o uso dos meios
de comunicação modernos na evangelização. Em momentos de isolamento
social à causa da pandemia, as comunidades virtuais encurtaram as distâncias
e favoreceram a comunhão entre as pessoas, de modo que os fiéis puderam
manter o vínculo com suas próprias comunidades. No entanto, a igreja não é
uma comunidade virtual. Nada substitui a comunidade concreta de pessoas que
sentem a necessidade do encontro interpessoal para a partilha da Palavra. Porém,
em tempos delicados, a virtualidade serve para manter os corações em comunhão
até que a comunhão física possa ser restabelecida. O artigo completo pode ser
acessado neste link:
https://www.cnbb.org.br/evangelizar-atraves-das-midias-digitais/

Bem, esses são alguns caminhos para a evangelização na pós-modernidade, são


alguns espaços que foram encontrados pelos evangelizadores nas últimas décadas.

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Além dos espaços que acabamos de descrever, com certeza existem outros ambientes
importantes sendo explorados pelos evangelizadores cristãos. Não só! Com certeza,
ainda há outros caminhos a serem descobertos pela pregação.
Para concluir esta aula, eu diria que é fundamental conhecer a pós-modernidade
para saber como agir. É claro que conhecemos a pós-modernidade, pois vivemos
dentro dela. Mas estou falando em conhecimento crítico, em tentar olhar de fora, para
compreender seus mecanismos e dinâmicas que acabam nos envolvendo sem que
nos demos conta. Nesta aula, vimos algumas destas dinâmicas, algumas redes de
crenças, alguns desafios. Não basta conhecer. O segundo passo é superar as atitudes
condenatórias, que nada ajudam na pregação. Por fim, o terceiro e mais importante
é percorrer os novos caminhos que a pós-modernidade abriu e que permanecem em
silêncio quanto à pregação.

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CAPÍTULO 4
O SIGNIFICADO E A
IMPORTÂNCIA DA HOMILÉTICA

Até aqui falamos da pregação: seus fundamentos bíblicos e teológicos, sua história
e os desafios da pregação na pós-modernidade. Agora, vamos afunilar um pouco mais
o nosso discurso e vamos tratar sobre um tipo específico de pregação: a homilia.
Nos nossos dias, ouvimos pregações em retiros, encontros, palestras, congressos,
reuniões, etc. Mas certamente a pregação mais cotidiana e comum é a homilia. Nesta
aula, vamos, antes de tudo, definir o que é homilia e homilética. Em seguida, vamos
trazer indicações concretas da homilética, dividindo-as em duas partes: os recursos
importantes para a homilia (linguagem, gestos, concisão, etc.); e os elementos que
garantem uma boa homilia.

4.1 Definindo Homilia e Homilética

A disciplina teológica da Homilética trata da homilia, como o próprio nome diz. Então
vamos começar definindo o que é homilia, e em seguida falaremos da homilética e
sua importância.

4.1.1 O que é homilia?

Em seu estudo sobre a homilia, antes de responder o que é, Peri (2014, p. 10-14) faz
um longo elenco do que ela não é ou não deveria ser. Eis uma síntese de seu elenco:
• Não é uma dissertação de índole sociopolítica ou cultural (homilia sociológica);
• Não é um manifesto para propagar soluções político-administrativas (homilia
comício);
• Não é um discurso em defesa de pessoas ou instituições eclesiais (homilia
apologética);
• Não é a rememoração de aniversário, de fatos importantes ocorridos em
determinada data (homilia rememorativa);

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• Não é uma exortação moralista, com jargões repletos de obrigações, proibições


e receitas genéricas;
• Não é exaltação de um santo (homilia elogiosa): mesmo em uma memória, ao
falar de um santo, é preciso dar centralidade à Palavra de Deus;
• Não é invectiva contra os ausentes ou contra os males do tempo (homilia de
trovões e relâmpagos);
• Não é um modo de entediar os eventuais ouvintes com divagações genéricas
(homilia talk show);
• Não é um pretexto para exibir elucubrações eruditas, numa tentativa de exaltar
a si mesmo (homilia autocelebrativa);
• Não é uma exposição histórica e crítica (homilia exegética) do texto bíblico
proclamado. A exegese é importante para compreender o texto, porém o objetivo
da homilia não é explicar, mas atualizar a Escritura;
• Não é ilustração sistemática da verdade da fé ou de qualquer aspecto do rito
que se celebra (homilia catequese).

Passando à concepção positiva, Peri (2014, p. 15) define a homilia a partir de três
pilares:
• É uma parcela do Cristo total: as leituras bíblicas, de fato, realizam a presença
de Cristo de forma análoga à própria eucaristia;
• É um “lugar” espiritual que favorece o encontro pessoal com Jesus: por meio
do sermão, deve-se transformar a escuta da Palavra em um encontro pessoal
com o Cristo ressuscitado e vivo;
• É o momento mais elevado da mistagogia (ou seja, da iniciação aos mistérios
cristãos).

A Constituição Sacrosanctum Concilium do Vaticano II afirma que a homilia “é parte


da ação litúrgica”. E acrescenta:

Exerça-se com toda a fidelidade e exatidão o ministério da pregação,


cujas fontes principais são a Sagrada Escritura e a Liturgia, como
anúncio das maravilhas de Deus na história da salvação, isto é, no
mistério de Cristo, o qual está sempre presente e operante em nós,
sobretudo nas celebrações litúrgicas (Sacrosanctum Concilium, 1963,
n.º 35).

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A homilia é o momento mais favorável, dentro da liturgia cristã, para transmitir a


riqueza espiritual das Sagradas Escrituras, que são a norma de vida do cristão. Não
se trata só de transmitir um conhecimento, mas uma experiência. No rito que se
celebra, as Escrituras são cumpridas. Essa ideia já estava presente na antiga tradição
judaica, no Talmud sobre o Êxodo: “cada um, de geração em geração, deve sentir-se
pessoalmente saindo do Egito”. Ou seja, ao ouvir a leitura do Êxodo, o fiel deve sentir-
se envolvido naquela história narrada. O mesmo princípio aparece no Vaticano II:
“Cristo está presente em sua Palavra, eis que é Ele quem fala quando na Igreja é lida
a Sagrada Escritura” (Sacrosanctum Concilium, 1963, n.º 7).
Dois episódios do Evangelho nos mostram como a homilia deveria ser concretizada;
o exemplo é dado pelo próprio Jesus. Em Lc 14,16-32, Jesus atualiza o texto do profeta
Isaías ao afirmar: “Hoje se cumpriu aquela Escritura que ouvistes” (v. 21). Em Lc 24,13-
53, na perícope sobre os discípulos de Emaús, Jesus atualiza novamente as Escrituras,
aplicando-as a tudo o que lhe aconteceu. Com isso, Jesus leva os discípulos a dar um
grande passo na fé: “Então se abriram os seus olhos e o reconheceram” (v. 31). Em
ambos os casos, Jesus atualiza a Escritura e suscita a fé dos ouvintes. Exatamente o
que uma homilia deveria fazer. Além disso, as palavras de Jesus mostram a perfeita
continuidade e harmonia entre o Antigo e o Novo Testamento, e este também é um
desafio da homilia, visto que a liturgia normalmente tem leituras de ambas partes da
Bíblia.
Em poucas palavras, a homilia trata dos textos bíblicos para que estes sejam
reproduzidos na vida de quem participa da ação litúrgica; para que os ouvintes
experimentem, pelo poder do Espírito Santo, a presença do Senhor que se une a cada
um para aquecer o coração e iluminar a mente (PERI, 2014, p. 17-19). Como dizia
Bento XVI: “A homilia constitui uma atualização da mensagem da Sagrada Escritura,
de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra
de Deus no momento atual da sua vida” (Verbum Domini, 2010, n.º 59).
Na sua primeira Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, papa Francisco define a
homilia como um diálogo entre o Senhor e seu povo:

Reveste-se de um valor especial a homilia, derivado do seu contexto


eucarístico, que supera toda a catequese por ser o momento mais alto
do diálogo entre Deus e o seu povo, antes da comunhão sacramental.
A homilia é um retomar este diálogo que já está estabelecido entre o
Senhor e o seu povo. Aquele que prega deve conhecer o coração da
sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente o desejo

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de Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou


não pôde dar fruto (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 137).

Diante de tudo isso, podemos definir a homilia como parte da ação litúrgica, que
realiza a presença de Deus através da sua Palavra, atualizando a mensagem das
Sagradas Escrituras na vida dos fiéis, instaurando, assim, um diálogo contínuo entre
Deus e o seu povo.

ANOTE ISSO

Como dissemos no início desta aula, a homilia é um tipo específico de pregação.


É importante notar que estas duas palavras não são sinônimos. Na primeira aula,
definimos a pregação como o anúncio da Palavra de Deus, que transforma a vida
do pregador e do ouvinte. Essa definição pode ser aplicada também para a homilia,
mas aqui é preciso acrescentar um detalhe fundamental: o contexto litúrgico. A
homilia é, necessariamente, parte da ação litúrgica e, por isso realiza a presença de
Deus de modo muito mais evidente que as outras formas de pregação.

4.1.2 O que é homilética?

A homilética é a arte de preparar e pregar mensagens bíblicas. A palavra “homilia” vem


do grego homileo, que significa “estar acompanhado de; conversar; comunicar”. Sendo
assim, homilética significa “conversação, comunicação, transmissão de informações”.
A homilética não é, por definição, uma disciplina exclusivamente teológica e cristã,
mas certamente esse é o ambiente que mais a desenvolveu. Como disciplina teológica,
a homilética é o estudo de tudo o que está relacionado com a arte de comunicar a
mensagem bíblica. Sendo uma arte, a homilética pode ser aprendida e aperfeiçoada:
aqui está a importância do estudo desta disciplina teológica (EVARISTO FILHO, 2016,
p. 28).
A homilética também pode ser definida como ciência que ensina os princípios
fundamentais do discurso religioso, ou seja, daquele discurso que expõe os ensinamentos
cristãos em público, normalmente no contexto do culto divino. Como ciência teológica,
e homilética inclui a análise, a classificação, a preparação e a entrega dos sermões.
Homilética não é sinônimo de pregação, mas se ocupa com a pregação bíblica, pois
trata das técnicas de comunicação que a facilitam. É claro que o princípio de inspiração

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da pregação é a ação do Espírito Santo, mas a homilética contribui com a técnica para
que a mensagem seja entregue com mais clareza e objetividade (SOUZA, 2020, p. 7).
A importância da homilética deriva da centralidade da pregação para o cristianismo:
visto que pregar o evangelho é a principal tarefa da Igreja, é fundamental que esta
missão seja cumprida com o devido preparo, e essa é a função da homilética. O sermão
deve ser elaborado de tal forma que os ouvintes possam compreender a mensagem,
causando impacto imediato nos ouvintes. Para que isso aconteça, a pregação não pode
ser ambígua nem conter digressões que se afastem do tema principal da mensagem.
O sermão deve concatenar as ideias de modo coerente, com um objetivo definido, que
dá a direção de todo o discurso. Os ouvintes precisam compreender o ponto principal
da mensagem e também seus vários aspectos. Neste sentido, o papel da homilética
é auxiliar no planejamento e execução da pregação bíblica, para que esta tenha uma
lógica, estrutura coerente e clareza para ser compreendida e possa envolver os ouvintes
(SOUZA, 2020, p. 7-8).

4.2 Recursos importantes para a homilia

Um belo discurso escrito nem sempre corresponde a um belo discurso pronunciado.


A oralidade contém mais do que palavras, contém símbolos, gestos, imagens, silêncios,
etc. O próprio anúncio do evangelho não é só questão de palavras: “O que vimos
e ouvimos, nós vos anunciamos” (1Jo 1,3). Normalmente, nós lembramos mais do
que vimos do que aquilo que ouvimos. Por isso Jesus não fazia apenas discursos
objetivos: ele usava parábolas, imagens do cotidiano, cumpria gestos significativos,
etc. É preciso dar “visibilidade” à homilia (PERI, 2014, p. 33-34). Nesta seção, veremos
alguns recursos importantes para dar “visibilidade” à homilia, ou seja, para que as
palavras realmente alcancem seu objetivo.

4.2.1 Linguagem

Em geral, a homilia se coloca no espaço da linguagem eclesial, em ambiente de


culto. Em específico, a linguagem da homilia deve ter várias qualidades: ser atualizada,
simbólica, sensível, humilde, inculturada, etc. Não deve ser uma linguagem monótona
(sem convicção), muito menos moralista, excludente ou popularesca. O pregador precisa
demonstrar convicção e emoção (não emotividade) para envolver os ouvintes. Deve

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usar uma linguagem culturalmente atualizada, adaptada e inserida na pós-modernidade;


estruturada não segundo modelos de pensamento racionalizados, mas relacionais;
linguagem comunitária, acessível aos ouvintes, construída com simplicidade e correção.
Enfim, uma linguagem que busca educar na fé e ensinar a sermos mais humanos
(RIGO, 2008, p. 36-39).
A homilia contempla dois sujeitos: quem fala e quem ouve. Ambos são agentes de
uma única realidade, que é a compreensão da Palavra de Deus. O pregador não é dono
da mensagem, mas transmite uma mensagem que vem de Deus. E o instrumento
usado para transmitir a Palavra de Deus é a linguagem. As palavras ditas podem gerar
comunhão, alianças, entendimentos ou incompreensões. Sendo assim, a linguagem
deve ser utilizada de forma a minimizar as incompreensões. Eis algumas indicações
práticas de Rigo (2008, p. 71-72) para facilitar a compreensão na linguagem: uso correto
do português e de suas figuras de linguagem, sem floreios ou expressões rebuscadas;
evitar termos dúbios, ambíguos e vagos; contextualizar o discurso, mantendo-o ancorado
na realidade concreta; criar um discurso envolvente, com inteligência e coração; manter
o raciocínio em uma só direção, evitando digressões que fazem perder o raciocínio;
usar uma linguagem ao alcance da religiosidade popular, não em forma de aula de
teologia; estar atento à cultura popular da assembleia; falar com concisão ao invés
de ser prolixo e repetitivo.
O grande filósofo da linguagem Wittgenstein dizia que “tudo o que se pode dizer
pode ser dito claramente”. A clareza é um elemento fundamental da linguagem. Falar
de modo obscuro não significa ser profundo, significa parecer profundo. As verdades
mais profundas podem e devem ser ditas de maneira clara. Às vezes, é necessário
usar um termo técnico da teologia em uma homilia (escatologia, epiclese, mistagogia,
etc.), mas neste caso é preciso explicar. Não há sentido em fazer um discurso para
que ele não seja compreendido, por isso a clareza na linguagem é indispensável (PERI,
2014, p. 42-43).
Quando o pregador considera a realidade concreta dos ouvintes, estuda o texto
bíblico com seriedade, prepara seu discurso com zelo, fala com clareza e tem amor
pelas pessoas, a possibilidade de ser compreendido é muito maior (RIGO, 2008, p.
73). A linguagem utilizada é que demonstrará tudo isso.

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4.2.2. Gestualidade

A comunicação se dá por palavras e gestos. Esse princípio é valorizado pela liturgia,


que além das palavras contempla inúmeros gestos: levantar-se, sentar-se e ajoelhar-
se; erguer os braços e estender as mãos; sinal da cruz; dirigir-se ao púlpito, ao altar,
etc. Quanto à homilia, alguns gestos são importantes. O primeiro gesto é aquele de
caminhar até o lugar da pregação. Deste modo, repete-se o gesto de Jesus na sinagoga,
quando levanta-se para fazer a leitura no dia de sábado, depois sentou-se para fazer
sua pregação (Lc 4,16-21): no mundo antigo e em algumas culturas hodiernas, os
mestres ensinavam sentados. Nós estamos acostumados a ver os oradores de pé,
por isso também a homilia é proferida de pé, um gesto que, para nós, indica prontidão
e disposição para a missão. Outros gestos podem acompanhar as palavras: gestos
com as mãos, os olhos e as expressões faciais. Não podem ser gestos artificiais,
deslocados ou inesperados, mas devem acompanhar as palavras (RIGO, 2008, p. 81-89).
Os gestos são a linguagem do corpo. Esta linguagem inclui a mímica facial, o modo
de caminhar, a direção do olhar, a postura, os movimentos do corpo, etc. A gestualidade
é tão importante que muitas vezes reconhecemos quando as palavras são mentirosas
porque a linguagem do corpo nega o que a boca está proferindo. Na liturgia existem vários
gestos ritualizados, que também comunicam, mas os gestos do pregador durante a homilia
dependem totalmente dele, não estão escritos nas rubricas do missal. Por exemplo: os
olhos falam, por isso não é bom deixá-los fechados, nem fixar o olhar sobre um ponto,
mas mover os olhos sobre toda a assembleia, captando a reação do auditório. Na homilia,
visto que o pregador fala enquanto a assembleia escuta, será a linguagem gestual a
estabelecer um diálogo entre os dois protagonistas (PERI, 2014, p. 39-41).

Figura 1: Pregação de papa Francisco no Domingo de Pentecoste (31/05/2020)


Fonte: https://www.catholicnewsagency.com/news/44696/full-text-pope-francis-homily-on-pentecost-sunday

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4.2.3 Concisão: o tempo empregado na homilia

O tempo do sermão costuma ser o principal objeto de reclamação dos fiéis. Ninguém
suporta longas pregações, muito menos quando é cheia de devaneios. O problema
é tão difuso que o papa Francisco chegou a pedir, na Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium (2013, n.º 138), que a homilia não se prolongue demais; e têm dito, em várias
ocasiões, que a homilia não deve ultrapassar os dez minutos.

ISTO ESTÁ NA REDE

Na catequese da Audiência Geral do dia 07 de fevereiro de 2018, papa Francisco


falou sobre a homilia e sua brevidade, recomendando explicitamente que não passe
de dez minutos. O papa observou que quem faz a homilia deve estar consciente
de que não age por si só, mas está dando voz a Jesus. Por isso, a homilia deve
ser bem preparada e breve. Além disso, lamentou-se pela experiência negativa de
muitas pessoas com a homilia: “Alguns dormem, outros conversam ou saem para
fumar um cigarro”. E recomendou que a homilia seja preparada “com a oração, com
o estudo da Palavra de Deus e fazendo uma síntese clara e breve, não deve ir além
de dez minutos”. A reportagem completa pode ser encontrada neste link: https://
www.vaticannews.va/pt/papa/news/2018-02/papa-francisco-audiencia-geral-7-de-
fevereiro-homilia.html

Para que a homilia respeite o tempo dos ouvintes, o pregador precisa elaborar uma
mensagem breve, sem repetições e divagações; programar sua mensagem, ao invés
de falar sem saber onde chegar; desenvolver a capacidade de síntese; concentrar-se
sobre os temas mais importantes, que terão maior impacto na vida do ouvinte; observar
a concentração de seus ouvintes para não ir além da sua capacidade de ouvir. Para
tudo isso, é necessário um grande preparo pessoal (RIGO, 2008, p. 48-50). Em geral,
o tempo dedicado para preparar uma homilia deve ser bem maior do que o tempo
usado para proferi-la. A brevidade da homilia também está ligada ao seu inserimento
dentro de uma liturgia maior, da qual a homilia é uma parte fundamental, mas não
deixa de ser “uma parte”, não um “todo”.
A brevidade do conteúdo não significa falta de palavras, mas sabedoria em usá-
las. Aqueles que falam muito normalmente comunicam pouco, pois compensam
com extensão a falta de profundidade. O importante em toda comunicação não é

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dizer muito, mas dizer aquilo que é relevante. Falar brevemente significa respeitar os
ouvintes (PERI, 2014, p. 44-45). O bom orador não é aquele que fala mais, mas aquele
que transmite a mensagem desejada sem exagerar nas palavras. Para comunicar
sua mensagem, o pregador precisa criar uma sintonia com a assembleia, através da
afinidade de interesses e da capacidade dialógica. A empatia impedirá o pregador de
delongar-se demais em sua homilia (RIGO, 2008, p. 50).

4.2.4 Ilustrações

A ilustração é um recurso pedagógico eficiente, que atrai a atenção e auxilia na


memorização. Ela serve para que um determinado conceito seja ensinado de maneira
mais interessante. As ilustrações normalmente falam de coisas cotidianas, por isso
são capazes de envolver os ouvintes. Servem para criar identificação, de modo que
o interlocutor se interesse naturalmente no assunto tratado. A ilustração tem dupla
função: traz uma clareza maior sobre aquilo que se diz e cria empatia, assim o ouvinte
se sente mais seguro ao receber a mensagem pregada. Por isso Jesus usava com
frequência ilustrações para ensinar, para esclarecer e para tocar o coração das pessoas.
As parábolas de Jesus falavam de coisas cotidianas, com as quais os ouvintes estavam
familiarizados. Assim todos se sentiam envolvidos e compreendiam mais facilmente
a mensagem (SOUZA, 2020, p. 45).
Na prática, em uma homilia, para cada ponto principal deve-se usar uma ilustração.
E para cada ilustração é preciso tirar consequências práticas, por isso não é uma
boa ideia acumular ilustrações que depois não levam a nenhuma conclusão. Uma
boa ilustração é aquela que se compreende e se aplica facilmente; que é pertinente
ao assunto; que é verossímil, interessante e breve; e que faz parte da vida cotidiana.
Onde encontrar tais ilustrações? A Bíblia é a primeira grande fonte. A literatura também
pode ajudar. A experiência pessoal do pregador ou as experiências que ele encontra
na pastoral também podem trazer inspiração. Enfim, a cultura em geral pode fornecer
ilustrações: a história, as ciências, os jornais, as artes, etc. O importante é não enganar
as pessoas: não apresentar como fato aquilo que é fictício. Enfim, uma ilustração só
será válida se no final tiver uma aplicabilidade prática na vida dos fiéis (SOUZA, 2020,
p. 46-48).
Outros recursos importantes para a homilia poderiam ser aqui comentados, como
o tom de voz, os momentos de silêncio, as pausas, etc. Mas já temos um quadro

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interessante dos elementos mais importantes para dar “visibilidade” às palavras.


Concluímos dizendo que para alcançar o coração de nossos ouvintes na homilia,
precisamos muito mais do que palavras: precisamos das palavras adequadas, dos
gestos, dos símbolos, da empatia, da proximidade e de tudo aquilo que comunica.

4.3 Elementos de uma boa homilia

Olyott enumera sete elementos que fazem a pregação ser uma boa homilia, ou
seja, elementos que garantem que realmente estamos pregando a Palavra de Deus
de forma eficaz. Apresento, a seguir, uma breve síntese destes elementos.
O primeiro elemento é a exatidão exegética. Visto que a homilia consiste
essencialmente em esclarecer a Palavra de Deus, trazendo-a para a vida dos cristãos,
então é fundamental que esta Palavra seja explicada com exatidão exegética. A exegese
é o estudo científico que busca compreender o que o texto bíblico realmente diz, em
seus aspectos linguísticos e gramaticais, em seu contexto literário e em seu contexto
histórico. O pregador não precisa necessariamente ser um exegeta, mas precisa ser
alguém que gaste tempo estudando e aprofundando a Bíblia. Para isso, pode usar
bons comentários exegéticos e, em seguida, exercitar sua reflexão pessoal (OLYOTT,
2008, p. 29-48).
O segundo elemento é o conteúdo doutrinário. A Bíblia é o ponto de partida para
tudo o que é cristão. Mas ao longo da história, a reflexão teológica produziu doutrina.
Neste sentido, a doutrina nada mais é que um desdobramento da Revelação divina
contida na Bíblia. A doutrina sobre Deus, a criação, o pecado, a graça, a redenção, o livre-
arbítrio, a justificação, o céu, o inferno, a escatologia… tudo isso tem seu fundamento
na Bíblia. Por isso, espera-se de um pregador que ele seja fiel à doutrina da Igreja ao
anunciar a Palavra de Deus (OLYOTT, 2008, p. 49-66).
Outro elemento importante é a estrutura clara. Para expor a exegese de um texto
e a doutrina que deriva dele é necessário ter clareza. O sermão será absorvido e
relembrado com muito mais facilidade se tiver uma estrutura clara, isto é, quando
apresenta unidade entre todas as partes; uma ordem lógica; e proporção, ou seja, as
ideias mais importantes devem ter maior relevo. A homilia deve começar com uma
introdução, que apresenta o tema, atraindo os ouvintes para aquilo que será tratado.
Em seguida vem o discurso, dividido em algumas partes de forma ordenada. E a

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conclusão, que recapitula as principais ideias e explicita a mensagem central (OLYOTT,


2008, p. 67-82).
Em seguida, Olyott (2008, p. 83-100) trata das ilustrações vívidas, que servem para
tornar a verdade mais atraente e facilitam a memorização. Não vamos aprofundar
este elemento, pois já tratamos dele na seção anterior.
O quinto elemento é a aplicação penetrante, ou seja, mostrar para o ouvinte que a
Palavra de Deus meditada se aplica concretamente na sua vida. Em outras palavras,
apresentar as aplicações práticas do texto bíblico. A pregação deve sugerir mudança
de vida, conversão, ações concretas. Enfim, a Palavra pregada se torna uma verdade
praticável (OLYOTT, 2008, p. 101-114).
Depois de pensar todas as etapas anteriores, uma homilia só se torna realmente
homilia quando for pronunciada. Por isso falamos de pregação eficiente, pois o sermão
deve ser tão bem preparado quanto bem pregado. Para isso, é preciso falar com o
coração (não só com a boca), com coragem, humildade, sinceridade, fervor, autocontrole,
cortesia e bom humor (OLYOTT, 2008, p. 115-130), além de usar todos os recursos
que já vimos na seção anterior.
O último elemento considerado por Olyott (2008, p. 131-147) é a autoridade
sobrenatural. Todos os elementos anteriores dependem de nós, mas sem a autoridade
que vem do Espírito Santo nossa pregação seria apenas palavra de homens, não
Palavra de Deus. Por isso, o pregador precisa ser uma pessoa de oração, que reza
pelo dom do Espírito Santo sobre si e sobre seus ouvintes.
Para concluir esta aula, ressaltamos mais uma vez que a homilia é parte da
ação litúrgica e realiza a presença de Deus através da sua Palavra. Por isso, deve
ser preparada e pronunciada com muito zelo, dedicação, fé, comprometimento e
humildade. Então, temos que levar em conta os recursos que dão “visibilidade” à
homilia (linguagem, gestos, concisão e ilustrações) e os elementos (exatidão exegética,
conteúdo doutrinário, estrutura clara, etc.) que garantem a qualidade desta forma tão
importante de pregação.

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CAPÍTULO 5
ALGUNS SERMÕES
BÍBLICOS EXEMPLARES

Na aula anterior falamos sobre a homilia e a homilética. Nesta aula, vamos ver
alguns exemplos concretos de homilia, ou melhor, exemplos bíblicos de pregação.
Estudaremos alguns sermões bíblicos exemplares para identificar os elementos da
pregação evangélica de Jesus e dos Apóstolos, elementos que podem nos inspirar
na elaboração e na execução das nossas homilias. Tomaremos dois exemplos de
pregações de Jesus: na sinagoga de Nazaré e no Sermão da Montanha. E dois exemplos
da pregação apostólica: o anúncio de Pedro aos judeus em Jerusalém, e o discurso de
Paulo aos pagãos em Atenas. É claro que o NT apresenta inúmeros outros sermões
exemplares de Jesus e dos Apóstolos, mas estes que estudaremos nos dão pelo
menos uma noção do modo como Jesus e os apóstolos evangelizavam.

5.1 Pregação inaugural de Jesus (Lc 4,14-30)

Começamos com a pregação inaugural de Jesus na sinagoga de Nazaré, pois aqui


se evidencia o ponto de partida das pregações de Jesus: a Palavra de Deus. Não
transcrevemos aqui todo o texto, por isso é importante que cada estudante leia a
perícope de Lc 4,14-30 antes de mais nada (isso vale também para os demais textos
apresentados nesta aula). Assim, compreenderá melhor o que diremos a seguir. As
citações bíblicas serão tomadas da Bíblia de Jerusalém, ano 2002.

5.1.1 Lendo o texto bíblico

No evangelho de Lucas, a pregação de Jesus na sinagoga de Nazaré inaugura o


seu ministério público. Até este ponto do evangelho, o evangelista nos contou sobre
o anúncio, o nascimento e a infância de Jesus (1,26-2,52) e sobre o ministério de
João Batista e o batismo de Jesus (3,1-37) e sobre a tentação de Jesus no deserto
(4,1-13). A ida de Jesus para a Galileia, “com a força do Espírito” (4,14), marca o início

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de uma nova fase: o ministério público de Jesus, que será caracterizado por gestos
realizados e pregações pronunciadas.
Desde o início, o evangelista nos informa que Jesus “ensinava em suas sinagogas e
era glorificado por todos” (4,15). Neste momento, então, ele nos traz um caso concreto
para exemplificar como era a pregação de Jesus nas sinagogas. Dentro da Galileia, a
sinagoga escolhida para a pregação que marcaria o início de seu ministério público
é aquela de Nazaré, a cidade de Jesus. O que ele faz, inicialmente, não é nada de
extraordinário: “segundo seu costume, entrou no dia de sábado na sinagoga e levantou-
se para fazer a leitura” (4,16).
Tudo aqui acontece conforme o costume de Jesus e o costume dos judeus. O
culto sabático começava com orações, tais como o Shemá e orações de bênção. Em
seguida, tinha lugar a leitura principal, que era a proclamação de um trecho da Torá
(nosso Pentateuco). Só num terceiro momento acontecia a leitura de uma outra parte
da Bíblia hebraica, dos Profetas ou dos Escritos (que corresponde mais ou menos aos
nossos livros sapienciais). Lucas nos conta só o que aconteceu a partir deste momento.
Depois da leitura, alguém era designado para fazer uma homilia, que consistia em
interpretar o texto da Torá, fazendo apenas alusões à leitura dos Profetas (BOVON &
KOESTER, 2002, p. 153). Neste ponto, Jesus operou uma modificação: sua pregação
se concentrou no texto do profeta Isaías que acabara de ler (4,17-21).

Figura 1: Jesus na sinagoga de Nazaré, de Gerbrand van den Eeckhout, 1658


Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Christ_in_the_Synagogue_at_Nazareth_.PNG

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Mas por que Jesus não comentou o texto da Torá, como era o costume? Provavelmente
porque todos os presentes conheciam bem a Lei contida na Torá. Mas Jesus tinha
uma novidade, que era mais urgente. Uma boa-nova que precisava ser proclamada:
“Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (4,21). Tratava-
se da passagem de Is 61,1-2, que descreve a missão profética de Isaías. Na época
de Jesus, este trecho de Isaías era lido como profecia messiânica, pois esperavam
um messias (ungido) que viesse libertar Israel. Jesus se apresenta, então, como um
ungido pelo Espírito, evangelizador dos pobres, libertador de Israel e anunciador do
“ano da graça do Senhor” (ano de perdoar dívidas). O que Jesus faz é uma perfeita
atualização da Palavra de Deus proclamada na leitura.
Inicialmente, todos parecem empolgados com a novidade: “Todos testemunhavam
a seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca”
(4,22a). Mas, em seguida, começam a duvidar, pois logo esqueceram o conteúdo
da pregação e apontaram o dedo ao pregador: “Não é o filho de José?” (4,22b). É a
velha pretensão de pensar que conhecemos o outro, sabemos quem ele é, de onde
ele vem, por isso não lhe damos crédito e nos fechamos a qualquer novidade. Por
exemplo, é difícil aceitar o conselho de alguém que nós conhecemos até os erros.
É isso que aconteceu com os interlocutores de Jesus: pensavam conhecer tudo de
Jesus, especialmente sua origem: filho de José. E aqui está a ironia: não conheciam
quem Ele realmente era (Filho de Deus), e se fecharam à novidade do Espírito Santo.
Jesus logo entendeu o argumento de seus interlocutores e interpretou a sua
própria missão em chave profética: “Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem
recebido em sua pátria” (4,24). Assim como os profetas do AT foram rejeitados por
seus corregionais, assim Jesus sabe que será rejeitado. O mais interessante é a reação
de Jesus depois da ameaça de morte (4,28-29): “Ele, porém, passando pelo meio
deles, prosseguia seu caminho” (4,30). Jesus simplesmente não se deixa abalar pela
rejeição. Ele está consciente das consequências de assumir uma missão profética,
mas não se atemoriza. Ele busca preservar a sua vida o tempo todo. Engana-se quem
pensa que é necessário buscar a perseguição e fazer-se mártir. Jesus procura sempre
preservar a sua integridade física, até que a situação chega ao extremo, quando as
pessoas de maior influência na sociedade o condenarão à morte. Mas enquanto há
tempo, Ele procura manter-se à salvo para continuar proclamando o evangelho, sem
deixar-se abater pelas críticas e perseguições.

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5.1.2 Elementos para a nossa pregação

Eis alguns elementos da pregação inaugural de Jesus que podem ser aplicados à
nossa atividade homilética:
• A pregação parte sempre da Palavra de Deus revelada na Bíblia, em todas as
partes da Bíblia;
• Não basta explicar o que está escrito, é preciso atualizar o texto na vida concreta
do pregador e dos ouvintes;
• Quem ouve, não deveria fechar-se à novidade de Deus por preconceitos em
relação ao pregador: Deus pode falar por meio de quem Ele quiser escolher;
• Quem prega, não deveria deixar-se abalar pelas críticas e perseguições: é preciso
passar adiante e continuar a missão evangelizadora.

5.2 O Sermão da Montanha (Mt 5-7)

O discurso da montanha é o sermão de Jesus mais conhecido e comentado. É o


primeiro grande discurso de Jesus no evangelho de Mateus, que organiza sua pregação
em cinco discursos, lembrando os cinco primeiros livros da Bíblia, que seriam os
cinco discursos de Moisés. Jesus pronuncia seus ensinamentos em uma montanha,
assim como Moisés entregou a Torá ao povo de Israel sobre o Monte Sinai (Ex 19,3;
24,13). Assim como a pregação inaugural de Jesus em Lc 4,14-30 apresentava-o como
um pregador na linha dos profetas, o Discurso da Montanha em Mt 5-7 apresenta
Jesus como um novo Moisés, que instrui o seu povo nos caminhos do Senhor. Sendo
assim, no Sermão da Montanha, podemos encontrar uma boa parte dos principais
ensinamentos de Jesus.

5.2.1 Lendo o texto bíblico

Na introdução ao Sermão da Montanha, Mateus nos conta que havia uma multidão,
por isso Jesus subiu em um lugar mais elevado e sentou-se para ensinar (Mt 5,1-2).
A posição sentada era típica dos mestres quando iam ensinar: os Mestres da Lei se
levantavam para ler e se sentavam para ensinar. Jesus segue este padrão cultural
apropriado em sua época. Seu ensinamento aqui é dirigido tanto aos discípulos, quanto
às multidões que estavam presentes: ambos os grupos são chamados a ouvir e a
tomar uma decisão diante dos ensinamentos de Jesus (KEENER, 2009, p. 163-165).

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Não podemos comentar aqui o Sermão da Montanha inteiro, pois é longo e complexo.
Vamos apenas mencionar algumas passagens que mostram certas características
da pregação de Jesus.
A primeira parte importante deste discurso é o bloco das bem-aventuranças (5,3-12).
As bem-aventuranças praticamente invertem as perspectivas humanas: normalmente
achamos que os ricos são mais felizes, Jesus diz que o pobres são bem-aventurados;
percebemos que a aflição não é boa, mas Jesus diz que os aflitos serão consolados;
temos medo da perseguição, mas Jesus garante que os perseguidos terão o reino dos
céus, e assim por diante. Em poucas palavras, Jesus não fala aquilo que as pessoas
querem ouvir. Ele apresenta o Reino dos Céus tal como ele é. No Reino dos Céus, que
Jesus trouxe até a terra, não vale a lógica do mundo, segundo a qual a felicidade está
no possuir, no comandar, no dominar. Jesus traz o seu Reino sobretudo para aqueles
que estão excluídos dos reinos terrenos. E fala isso abertamente a todos, sem medo
de desiludir as pessoas.
Em seguida, Jesus declara que veio para dar pleno cumprimento à Lei e os Profetas
(5,17), ou seja, à inteira Bíblia judaica. Para reforçar a ideia, afirma que nem mesmo
uma vírgula será omitida sem que tudo se realize (5,18). Por consequência, é preciso
praticar e ensinar todos os mandamentos, grandes ou pequenos (5,19). Isso significa
que Jesus busca cumprir e ensinar toda a Palavra de Deus contida na Bíblia que Ele
tinha à disposição, ou seja, a Bíblia Judaica (nosso Antigo Testamento).
Depois de enunciar este princípio, Jesus pronuncia uma parte do Sermão que os
exegetas costumam chamar de “antíteses”, marcadas pela fórmula: “Ouvistes que
foi dito aos antigos… Eu, porém, vos digo” (5,20-48). Trata-se de um grande discurso
de atualização do texto bíblico. Não são verdadeiras “antíteses”, porque Jesus não
apresenta como opção o oposto do que dizia o AT. Por exemplo, diante do mandamento
“não matarás” (5,21) Jesus não propõe o contrário, mas apresenta uma aplicação ainda
mais profunda: “todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no
tribunal” (5,22). Isso vale para todo o discurso: Jesus atualiza o texto do AT, mostrando
como os mandamentos mencionados dizem muito mais do que os mestres da Lei
haviam interpretado até aquele momento. Como verdadeiro pregador da Palavra
de Deus, Jesus não nega nenhuma palavra contida no AT, mas reinterpreta cada
mandamento mostrando a sua profundidade e atualidade.
Depois, Jesus dá alguns conselhos práticos de como jejuar, como rezar e como
dar esmolas (6,1-18). São três gestos típicos da religiosidade judaica de seu tempo
(válidos em todos os tempos). Neste ponto, Jesus não cria algo novo, mas ensina
como viver autenticamente a piedade típica de sua época. Destes três gestos de

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religiosidade, a oração é que ganha maior destaque, tanto que Jesus ensina a oração
por excelência a seus discípulos: o Pai Nosso. Como vimos nas aulas anteriores: toda
boa pregação é precedida por uma vida de oração. Jesus é o melhor exemplo disso,
e ensina também aos seus discípulos para que façam o mesmo.
Jesus também usa algumas imagens e parábolas em seu ensinamento: os lírios
do campo e as aves do céu (6,25-34); a pérola aos porcos (7,6); a porta estreita (7,13-
14); a casa construída sobre a rocha e sobre a areia (7,21-27). Dentro desta última
parábola, há uma conclusão que serve para toda pregação: “Assim, todo aquele que
ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem
sensato que construiu a sua casa sobre a rocha” (7,24). A homilia serve para que a
Palavra de Deus seja ouvida e colocada em prática. Se ela não conduz à prática da
vontade de Deus é sinal de que perdeu seu rumo.
A conclusão do Sermão da Montanha também é impressionante: “Aconteceu
que ao terminar Jesus essas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu
ensinamento” (7,28). Muitos ensinamentos de Jesus dentro do discurso da Montanha
eram exigentes, contrários às expectativas humanas de seus ouvintes, palavras difíceis
de serem ouvidas e praticadas. Mesmo assim, as multidões estavam extasiadas.
Aqui fica muito claro que não é necessário perverter, amenizar ou mutilar a Palavra
de Deus para agradar aos ouvintes (como vimos na “Crise da pregação” na aula 3).
Quem prega com profundidade, aplicando a Palavra de Deus antes de tudo em sua
própria vida, alcançará os ouvintes mesmo quando tiver que dizer duras palavras para
ser coerente com a Revelação divina.

5.2.2 Elementos para a nossa pregação

Apresentamos aqui, de forma sistemática e resumida, alguns elementos que já foram


destacados acima quanto ao exemplo de pregação deixado por Jesus no Sermão da
Montanha:
• A homilia não consiste em dizer aquilo que as pessoas querem ouvir, mas em
apresentar o Reino dos Céus tal como ele é;
• Trata-se de anunciar toda a Palavra de Deus contida na Bíblia, não só a parte
que nos interessa;
• O verdadeiro pregador não nega nenhuma palavra contida na Bíblia, mas
reinterpreta cada texto bíblico mostrando a sua profundidade e atualidade;
• As práticas de piedade popular não devem ser rejeitadas, mas purificadas através
da pregação que busca esclarecer seu verdadeiro sentido;

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• A homilia não deve somente explicar o texto bíblico, mas deve conduzir os
ouvintes a colocarem em prática a Palavra de Deus;
• Os ouvintes não estarão extasiados diante de pregadores que alteram a Palavra
de Deus para agradá-los, mas sim diante de pregadores autênticos que anunciam
com profundidade e vivem a Palavra anunciada.

5.3 O anúncio querigmático de Pedro (At 2,14-41)

A primeira pregação no livro dos Atos dos Apóstolos é o discurso de Pedro logo
depois da vinda do Espírito Santo sobre a comunidade reunida em Pentecoste. Trata-
se de um discurso querigmático e cristológico: apresenta os eventos principais da
vida de Jesus, de sua morte e ressurreição. E recorre a algumas passagens do AT
para confirmar que em Jesus se cumpriram as profecias que seus interlocutores bem
conheciam. Esta não é apenas a pregação de Pedro. Certamente esse era o modelo
de pregação cristã nas primeiras décadas da Igreja (FITZMYER, 2008, p. 248-249), por
isso é uma pregação fundamental para ser considerada em nosso estudo.

Figura 2: Pedro pregando em Jerusalém, de Charles Poërson, 1642


Fonte: https://fr.wikipedia.org/wiki/Fichier:St._Peter_Preaching_in_Jerusalem_LACMA_M.81.73.jpg

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5.3.1 Lendo o texto bíblico

Na primeira parte de sua pregação, Pedro explicou o evento que acabara de acontecer
(At 2,14-21). Ele parte de uma experiência compartilhada por todos os presentes:
todos tinham ouvido o ruído que veio do céu e a comunidade dos discípulos falando
em línguas, conforme o Espírito lhes inspirava (2,1-6). No entanto, a multidão que ali
acorreu não entendeu o que estava acontecendo. Essa multidão era composta pelos
judeus da diáspora, que viviam em nações diferentes e falavam diversas linguagens.
Então Pedro se dispõe, antes de tudo, a explicar a experiência que acabaram de ter. A
pregação, quando parte de uma experiência compartilhada pelos ouvintes, consegue
chegar mais facilmente ao coração deles.
A explicação de Pedro é que a glossolalia que a multidão estava ouvindo não era
fruto de embriaguês, mas obra do Espírito Santo. Mas ele não fala por si mesmo, ao
contrário, vai buscar nas Sagradas Escrituras um testemunho sobre isso: a promessa
da efusão do Espírito em Jl 2,28-32. A glossolalia, neste caso, é interpretada como
profecia: “derramarei do meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas
profetizarão” (At 2,17; cf. Jl 2,28). Visto que a Bíblia Judaica era o terreno comum
entre Pedro e seus ouvintes, é justamente ali que ele vai buscar a explicação para a
experiência que todos tiveram.
Até aqui, a multidão foi atraída por um evento impressionante (ruído no céu e
glossolalia) e recebeu uma explicação bíblica para entender o fato. Com isso, Pedro
conquistou a atenção de seus ouvintes. Neste momento, ele pôde dar um passo a mais
e anunciar o querigma. E é exatamente isso que vemos nos versículos seguintes: Pedro
anuncia quem foi Jesus de Nazaré em sua vida terrena, homem aprovado por Deus
através dos prodígios e sinais que realizou (At 2,22). E não teme em acusar abertamente
o erro do seu povo: “Este homem, entregue segundo o desígnio determinado e a
presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios” (2,23). Mas
em seguida traz o anúncio da boa-nova: “Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das
angústias do Hades, pois não era possível que ele fosse retido em seu poder” (2,24). E
mais uma vez vai buscar nas Sagradas Escrituras a justificativa para aquilo que está
dizendo, desta vez no Sl 16,8-11, especialmente nesta frase: “porque não abandonarás
minha alma no Hades nem permitirás que teu Santo veja a corrupção” (At 2,27; cf Sl
16,10). Aquele que não sofreu a corrupção da morte é o Santo de Deus. Pedro lê o
Salmo 16 como um profecia da ressurreição de Jesus.

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Em seguida, Pedro acrescenta outros elementos do querigma: a exaltação de Jesus


à direita do Pai e a efusão do Espírito Santo nos discípulos (2,33). Mais uma passagem
do AT é citada por Pedro para atestar o que ele acaba de anunciar: o salmo 110,1 que
afirma: “Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu faça de
teus inimigos um estrado para teus pés” (At 2,34-35). Trata-se de um salmo real, que
fala da entronização do rei Messias. Agora o anúncio querigmático está completo:
vida e milagres de Jesus; condenação, morte e ressurreição; ascensão ao céu e envio
do Espírito Santo; resta saber qual será a reação do povo.
Na última parte do texto, vemos a resposta positiva da multidão: “Ouvindo isto,
eles sentiram o coração traspassado e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos:
Irmãos, que devemos fazer?” (2,37). Mais uma vez, vemos que as palavras duras do
pregador não afastaram os ouvintes, pois eram palavras autênticas, comprovadas nas
Sagradas Escrituras, e não tinham um fim em si mesmas, mas serviam para anunciar
a salvação realizada por Deus apesar do pecado humano. Sendo assim, a mesma
multidão que foi acusada de compactuar com a morte de Jesus, compreendeu que
tudo aconteceu pela salvação deles, e agora eles estão dispostos a mudar de vida.
Pedro, então, convida todos ao arrependimento e ao batismo para a remissão dos
pecados, e assegura que a promessa da efusão do Espírito Santo é também para
eles e seus filhos (2,38-39). Com isso, a homilia de Pedro alcançou o seu objetivo:
encorajou a conversão de seus ouvintes a partir de uma perfeita atualização das
Sagradas Escrituras na vida de Jesus e de seus ouvintes.

5.3.2 Elementos para a nossa pregação

Eis uma síntese dos aspectos da primeira pregação apostólica no NT, que podem
iluminar a nossa homilética ainda hoje:
• Partir da experiência compartilhada pelos ouvintes para então anunciar o
evangelho;
• Buscar nas Sagradas Escrituras a razão profunda para os fatos da vida e para
a experiência do povo;
• Denunciar com coragem os pecados das pessoas e as injustiças sociais, como
a morte de inocentes, que acontece ainda hoje como aconteceu com Jesus;
• Anunciar o perdão e a possibilidade de conversão, para que a Palavra de Deus
transforme a vida dos ouvintes.

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5.4 A pregação de Paulo no areópago de Atenas (At 17,16-34)

O anúncio de Pedro que acabamos de estudar é o protótipo da pregação cristã


aos judeus. Agora veremos um modelo excelente de pregação apostólica aos
pagãos: o discurso de Paulo no areópago de Atenas, ou seja, no centro da cultura
grega. Esta não é a primeira pregação dirigida aos pagãos: Pedro foi o primeiro
evangelizador também no mundo pagão, quando se dirigiu à casa de Cornélio,
obedecendo ao comando divino (At 10,1-33). O que há de singular na pregação
de Paulo em Atenas é o diálogo com a alta cultura grega, que se torna exemplar
para nós ainda hoje.

5.4.1 Lendo o texto bíblico

A cena de Paulo em Atenas se insere na grande seção das missões paulinas


(15,36-19,20). Paulo chega em Atenas depois de algumas missões bem-sucedidas
pelo número de conversões (Filipos, Tessalônica e Beréia), mas também depois de
algumas perseguições por causa de grupos judeus hostis. De fato, Atenas aparece
aqui como lugar de fuga para o apóstolo perseguido (17,10-15). A introdução
do episódio (17,16-22a) prepara a situação: de um lado Paulo que se irrita pelas
inúmeras estátuas de deuses em Atenas; do outro, os filósofos atenienses que se
surpreendem pela pregação de Paulo, pois ele anunciava Jesus e a ressurreição. A
breve conclusão (17,32-34) descreve o êxito contraditório do discurso: os filósofos
persistem em rejeitar ou permanecem na retaguarda sem tomar uma decisão;
somente algumas poucas pessoas aderem ao anúncio de Paulo e abraçam a fé.
Enquanto se encontrava em Atenas, Paulo dialogava com todos: com os judeus na
sinagoga e com os pagãos na ágora (17,17). Seria muito cômodo conversar apenas
com os seus concidadãos judeus, mas ele se mostra aberto a dialogar também
com quem tem uma base cultural diversa. E isso chama a atenção das pessoas,
tanto que os próprios atenienses o tomam pela mão e o levam ao areópago, para
que ali esclareça a sua doutrina (17,19). A abertura de Paulo em dialogar com
todos foi a ocasião para anunciar o evangelho aos helenistas.
Estando no areópago, Paulo faz o seu discurso aos atenienses. Ele inicia com
um preâmbulo (17,22b-23) sobre a situação do auditório e anuncia o tema do “Deus
desconhecido”. O desenvolvimento do discurso acontece em quatro partes, segundo

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o esquema missionário tradicional. A primeira parte (17,24-29) é a mais longa e


corresponde ao primeiro elemento do esquema missionário, ou seja, a demonstração
da potência de Deus Criador e a crítica às falsas formas de culto pagão. A segunda
parte (17,30-31) apresenta brevemente os elementos querigmáticos do esquema
missionário, começando pela possibilidade de conversão oferecida por Deus a todos
os homens; em seguida fala do dia estabelecido por Deus para o julgamento do
mundo; e enfim traz o anúncio da ressurreição de Jesus como garantia do presente
e do futuro (ROLOFF, 2002, p. 341). Trata-se, portanto, de um discurso completo,
pois contém todos os quatro elementos do esquema missionário do cristianismo
primitivo quando se dirigia ao mundo pagão, apesar de desenvolver muito mais a
primeira parte, que constitui praticamente uma pré-evangelização.
O problema de fundo não é o confronto com o politeísmo pagão em si, mas
com a filosofia grega. Lucas distingue claramente as diversas manifestações do
paganismo: em 14,6-18 delineia o encontro do evangelho com o politeísmo popular
ingênuo; em 16,16-18 e 19,12-16 o confronto com a magia e a adivinhação pagãs.
No presente trecho, os interlocutores são os filósofos atenienses, representantes
da religiosidade pagã na sua forma mais elevada, que há muito deixaram de lado
o politeísmo ingênuo e caminham em direção a uma visão espiritual do mundo,
procurando colher o “divino” como misteriosa potência que está por trás de todos
os fenômenos do mundo. Por isso, Paulo, quando inicia o seu discurso, coloca seus
interlocutores em uma situação de desconforto, lembrando os muitos monumentos
sagrados da cidade (17,23a). Por outro lado, a busca por um “Deus desconhecido”
era o elemento comum para o entendimento entre Paulo e os interlocutores (ROLOFF,
2002, p. 338-339).
É interessante como o discurso de Paulo demonstra grande capacidade de dialogar
com a filosofia grega: a dedução da essência de Deus a partir da constatação que
Ele “não habita em templos feitos por mãos humanas” (17, 24) é presente em
Plutarco e Luciano de Samósata; a ideia de que Deus não tem nenhuma necessidade
(17,25) é típica da filosofia de Sêneca; a citação explícita no v. 28 (“Porque somos
também de sua raça”) provém de Arato de Solos e apresenta afinidades com o
Hino a Zeus do estoico Cleante; entre outras alusões (ROLOFF, 2002, p. 339). Aqui,
a base comum entre Paulo e seus ouvintes é a filosofia helenista, visto que eles
não conheciam a Bíblia. Mas Paulo usa de maneira espetacular os elementos da
cultura grega para chegar ao anúncio de Cristo.

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Uma vez construído o chão comum para o diálogo através da filosofia grega, Paulo
passa ao anúncio do querigma cristão de forma muito essencial: o julgamento futuro,
a possibilidade de conversão no presente, e a ressurreição de Cristo (17,30-31).
Os ouvintes, que pertenciam à alta cultura filosófica grega, têm grande dificuldade
em aceitar a boa-nova da ressurreição, como acontece ainda hoje entre muitos
cientistas (17,32). Mesmo assim, alguns deles abraçaram a fé cristã (17,34). Aqueles
que abraçaram a fé eram poucos, mas eram membros da alta cultura, ou seja, uma
semente para que o evangelho começasse a crescer naquele ambiente filosófico
grego.
Esse é um elemento interessante em toda a pregação de Paulo: ele não anuncia
diretamente a todos os habitantes de cada cidade por onde passa, mas sempre cria
um pequeno grupo de referência, educando profundamente na fé algumas pessoas
que se tornam, em seguida, evangelizadores da sua própria cidade. Lembremos,
por exemplo, de Lídia em Filipos (16,15) e de Priscila e Áquila em Coríntios (18,2-4).
Em Atenas acontece o mesmo: Dionísio e Damaris, que frequentavam sempre o
areópago, terão a missão de levar para outras pessoas de cultura aquele anúncio
do evangelho. De fato, para entrar no meio científico e acadêmico, é preciso saber
dialogar com a linguagem destes ambientes. Paulo deu exemplo disso, mas não
permaneceu sozinho: deixou a missão com pessoas que viviam lá dentro do mundo
filosófico grego.

5.4.2 Elementos para a nossa pregação

• Abertura para dialogar com todos, em todos os ambientes da cidade;


• Valorização dos elementos da cultura local que estão em acordo com o
cristianismo, e purificação dos elementos que se opõem à fé anunciada;
• Capacidade para dialogar com outras disciplinas fora da Teologia, como a
Filosofia Grega, no caso de Paulo. No nosso caso, podemos incluir todas as
disciplinas universitárias modernas (ciências humanas, exatas e biomédicas);
• Criação de pequenos grupos nos ambientes onde o pregador não tem acesso
direto, como o meio acadêmico.

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ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

O diálogo com a cultura em ambiente universitário não é só um ideal formulado a


partir do encontro de Paulo com os filósofos em Atenas, mas é uma realidade que
se concretiza na assim chamada “Pastoral Universitária”. É claro que a Pastoral
Universitária pode variar de universidade para universidade, mas seu propósito é
instaurar um diálogo entre cristianismo e cultura universitária. Neste sentido, os
estudantes se tornam evangelizadores de outros estudantes. Na prática, é isso
que o episódio de Paulo no areópago nos inspira a fazer. Na internet, você pode
encontrar informações sobre a pastoral em várias Universidades. Se quiser uma
sugestão, veja o link a seguir: https://cnbbs2.org.br/pastoral-universitaria/

Caros estudantes, esta aula nos mostrou que a Bíblia não é apenas a fonte da nossa
pregação, mas também nos ensina como pregar, como elaborar uma homilia eficiente
que seja capaz envolver os ouvintes e encorajá-los a uma mudança de vida. Vimos
que toda pregação deve partir das Sagradas Escrituras, mas pode também dialogar
com outras disciplinas (pregação interdisciplinar). Contemplamos reações positivas ao
anúncio do evangelho, mas também rejeição e até perseguição. Percebemos que para
atrair o ouvinte não é necessário tentar agradá-lo, alterando a Palavra de Deus, pois toda
pregação autêntica e profunda acaba chamando à conversão, mesmo quando duras
palavras são necessárias. Enfim, observamos que a Palavra de Deus pode encontrar
espaço e frutificar na vida de todos os tipos de ouvintes.

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CAPÍTULO 6
O PREPARO E A
MINISTRAÇÃO DO SERMÃO

Prezadas e prezados estudantes, nas últimas duas aulas falamos sobre a homilia e
sobre alguns sermões bíblicos, inclusive dando indicações práticas sobre os elementos
importantes em uma boa homilia e sobre os elementos presentes nos sermões bíblicos
que inspiram nossa pregação. Nesta aula, vamos dar mais um passo nestas questões
práticas e vamos ver algumas indicações sobre a preparação da homilia e sua execução.
Na primeira parte da aula, vamos destacar os conselhos dados pelo papa Francisco
na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Na segunda parte, acrescentaremos outras
indicações a partir de alguns estudos sobre a pregação cristã.

6.1 A preparação da pregação segundo a Evangelii Gaudium

Papa Francisco considera que “a preparação da pregação é uma tarefa tão importante
que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade
pastoral” (n.º 145). Por isso, ele dedica uma parte consistente da Evangelii Gaudium
(n.º 145-159) para dar indicações práticas sobre a preparação da homilia.
O primeiro tema tratado por papa Francisco quanto à preparação da pregação é o
culto da verdade, que ele define a partir de uma citação de Paulo VI: “Quando alguém
se detém procurando compreender qual é a mensagem dum texto, exerce o «culto da
verdade»” (Evangelii Nuntiandi, 1975, n.º 78). Comentando esta citação, papa Francisco
insiste que para compreender a mensagem do texto bíblico é preciso ter paciência,
dedicação e amor, pois só gastamos tempo com coisas e pessoas que amamos. O
texto bíblico, enquanto literatura, é um texto antigo, por isso a análise literária (estudo
dos aspectos linguísticos e redacionais) se faz necessária. Em seguida, é preciso
identificar a mensagem central de cada texto, pois sem fazer isso a pregação corre o
risco de ir para a direção errada: se um texto foi escrito para consolar, não pode ser
utilizado para corrigir erros; se foi redigido para exortar, não deveria ser utilizado para
instruir; e assim por diante. Por fim, é preciso ler cada texto singular em sintonia com a
Bíblia inteira, para evitar interpretações parciais (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 146-148).

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O segundo aspecto abordado pelo papa Francisco é a personificação da Palavra:

Quem quiser pregar, deve primeiro estar disposto a deixar-se tocar


pela Palavra e fazê-la carne na sua vida concreta. Assim, a pregação
consistirá na atividade tão intensa e fecunda que é «comunicar aos
outros o que foi contemplado» (São Tomás de Aquino, Summa theologiae
II-II, q. 188, a. 6). Por tudo isto, antes de preparar concretamente o
que vai dizer na pregação, o pregador tem que aceitar ser primeiro
trespassado por essa Palavra que há de trespassar os outros, porque
é uma Palavra viva e eficaz, que, como uma espada, «penetra até
à divisão da alma e do corpo, das articulações e das medulas, e
discerne os sentimentos e intenções do coração» (Hb 4,12). Isto tem
um valor pastoral. Mesmo nesta época, a gente prefere escutar as
testemunhas (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 150).

Isso equivale a dizer que primeiro somos ouvintes da Palavra, e só depois somos
pregadores. Por isso Jesus condenava a atitude de muitos mestres no seu tempo:
“Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos
nem com um dedo se dispõem a movê-los” (Mt 23, 4). Ao contrário do que faziam tais
mestres, os pregadores devem primeiro estar dispostos a deixar-se tocar pela Palavra e
fazê-la carne em sua vida. Quem não se coloca à escuta da Palavra, não se deixa tocar
por ela e não reza com esta Palavra, esta pessoa será, segundo Francisco, um “falso
profeta” ou um “charlatão vazio”. Mas o mesmo Espírito Santo que um dia inspirou
a Palavra de Deus quer hoje inspirar os evangelizadores que se deixam conduzir por
Ele (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 149-151).

Figura 1: Meditação bíblica


Fonte: https://unsplash.com/s/photos/biblical-meditation

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Outro ponto importante para o papa Francisco é a leitura espiritual. Trata-se da


lectio divina, que consiste na leitura da Palavra de Deus em um contexto de oração.
Esta leitura orante da Bíblia não está separada do estudo que procura individuar a
mensagem central do texto. Na verdade, a leitura espiritual do texto deve partir do
seu sentido literal. Sem este estudo, a pessoa pode facilmente fazer que o texto
diga o que lhe convém, o que serve para confirmar as suas ideias já definidas. Papa
Francisco sugere algumas perguntas a se fazer dentro da leitura espiritual do texto
bíblico: “Senhor, a mim que me diz este texto? Com esta mensagem, que quereis
mudar na minha vida? Que é que me dá fastídio neste texto? Por que é que isto não
me interessa?”. A primeira tentação que pode surgir é de sentir-se chateado e dar tudo
por encerrado. Outra tentação é pensar naquilo que o texto diz aos outros, e evitar
de aplicá-lo à própria vida. Por fim, a tentação de pensar que Deus nos exige uma
decisão muito grande, que ainda não estamos em condições de tomar. Na verdade,
Deus sempre nos convida a dar um passo mais, porém o caminho é gradual (Evangelii
Gaudium, 2013, n.º 152-153).

ISTO ESTÁ NA REDE

A Lectio Divina, citada por papa Francisco, é um antigo método de leitura orante
da Bíblia, que foi sistematizado em quatro degraus pelo monge Guido no século
XII: leitura, meditação, oração e contemplação. A prática é simples e muito rica
ao mesmo tempo, sendo recomendada inclusive pelo Concílio Vaticano II, na
Constituição Dogmática Dei Verbum, n.º 25. Para saber mais, veja o artigo de Dom
Orani João Tempesta com informações breves e preciosas sobre o tema: https://
www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-biblicos/a-lectio-divina/

#ISTO ESTÁ NA REDE#

A quarta questão é a escuta do povo. O pregador deve pôr-se à escuta do povo,


para descobrir o que os fiéis precisam ouvir. Assim, poderá responder aos problemas
concretos das pessoas, a partir da inspiração que vem da Palavra de Deus. Trata-
se de relacionar a mensagem do texto bíblico com uma situação humana real,
com experiências que precisam ser iluminadas pela Revelação divina. Esta é uma

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preocupação pastoral, que consiste em ler nos acontecimentos a mensagem de Deus.


Neste sentido, preparar a pregação se torna um exercício de discernimento evangélico.
Mas é preciso fazer um discernimento que realmente parte do povo, para não acabar
respondendo a perguntas que ninguém se põe. E não se trata de dar notícias sobre
a atualidade, mas de iluminar os acontecimentos da vida com a Palavra de Deus,
que chama à conversão e a atitudes concretas de fraternidade e serviço (Evangelii
Gaudium, 2013, n.º 154-155).
Por fim, o papa Francisco fala também de alguns recursos pedagógicos. Não basta
saber o que dizer, mas é preciso saber como dizer. O conteúdo é fundamental, mas
o método e o meio também são importantes. Buscar a forma correta de dizer as
coisas é um exercício de amor ao próximo. Neste ponto, a sabedoria bíblica tem um
conselho fundamental: “Sê conciso em teu discurso, dize muito em poucas palavras”
(Sr 32,8). Francisco, então, destaca alguns recursos práticos que podem enriquecer
a pregação: usar imagens, que podem ser exemplos ou representações plásticas;
usar uma linguagem simples e clara, adaptada aos ouvintes; e ser positivo no modo
de falar. O último conselho do papa é que “sacerdotes, diáconos e leigos se reúnam
periodicamente para encontrarem, juntos, os recursos que tornem mais atraente a
pregação” (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 156-159).

6.2. Outras indicações para a preparação do sermão

As recomendações dadas pelo papa Francisco não são muito diferentes das
indicações dadas por outros teólogos católicos e protestantes. Nesta seção, vamos
apresentar alguns estudos sobre a preparação da homilia, organizando-os em duas
partes para responder a duas perguntas: por que preparar? E como preparar um sermão?

6.2.1 Por que preparar?

De modo geral, para falar de modo eficaz sobre qualquer tema, é necessário preparar-
se. Quem não se prepara, improvisa. E a improvisação consiste em falar aleatoriamente.
A improvisação na homilia pode ser desastrosa, pois a homilia é um momento tão
importante da celebração cristã que não pode ser tratada como algo aleatório (PERI,
2014, p. 22).

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Preparar-se para uma homilia é, antes de tudo, ouvir a voz de Deus. Na Bíblia, ouvir
não é uma questão só de audição, mas de fé e obediência: Shema Israel “Ouve Israel”
(Dt 6,4) marca o início da aliança de Deus com seu povo. É preciso ouvir a Palavra de
Deus para descobrir o sentido profundo do texto bíblico; e para evitar o risco de falar
de Deus sem falar com Deus. A fé nasce da escuta da Palavra de Deus, portanto não é
possível pregar sem antes se colocar em atitude de escuta. Por isso Santo Agostinho
advertiu: “Sem dúvida, é infrutífero quem prega a palavra de Deus só exteriormente,
sem ouvi-la em seu íntimo” (Sermão 179,1 apud PERI, 2014, p. 24). Enfim, para anunciar
é preciso antes ouvir o que Deus tem a nos dizer.
Preparar-se significa também ouvir os problemas e as expectativas da assembleia à
qual a homilia será dirigida. Não basta preparar o que vamos dizer, é preciso também
pensar a quem vamos falar, pois a comunicação acontece entre dois sujeitos. Por isso é
importante conhecer a comunidade à qual vamos pregar, conhecer suas necessidades,
seus interesses, sua caminhada de fé, sua realidade social, etc. Trata-se de preparar-se
ouvindo a história da Igreja local, assim a pregação será realmente eclesial, ou seja,
enraizada na realidade concreta da Igreja da qual fazemos parte. Sem esta preparação,
a homilia corre o risco de se tornar apenas um espiritualismo vago que não gera
comunhão, nem compromisso social, nem verdadeira espiritualidade (PERI, 2014, p.
24-25).

6.2.2 Como preparar? Um roteiro com seis passos

Stott (2000, p. 205-254) elabora um roteiro com seis passos para a preparação
de um sermão. O autor adverte que não existe uma única forma de preparar uma
pregação, mas se dispõe a traçar um percurso que possa ser útil a outros pregadores.
Eis a seguir uma síntese.
O primeiro passo é escolher o texto. Nas igrejas católico-romana, ortodoxa, luterana
e anglicana, as leituras da Bíblia estão distribuídas ao longo de um “ano litúrgico”.
Isso é muito positivo, pois todos os eventos da história da salvação têm seu lugar ao
longo do ano litúrgico. Outras confissões cristãs deixam à cargo do pastor a escolha
do texto de cada celebração. Em todo caso, mesmo quando existe um calendário
litúrgico, às vezes é necessário preparar uma pregação particular, diante de situações
externas, como uma catástrofe natural, a morte de uma figura pública, uma situação
de escândalo, etc. Outras vezes, a escolha de um texto para a pregação está ligada

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à uma situação pastoral: uma peregrinação, uma festa da comunidade, etc. Nestes
casos, o pregador precisa deixar-se interpelar pelas necessidades reais do povo para
discernir o que pregar, sempre em espírito de oração (STOTT, 2000, p. 208-214).
A segunda etapa é meditar a respeito. Uma homilia não deveria ser preparada na
última hora. Uma boa meditação pode durar dias para amadurecer as ideias em silêncio.
Não basta uma leitura do texto: é preciso ler e reler várias vezes, refletindo como Maria
que “conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu
coração” (Lc 2,19). A meditação de um texto bíblico busca responder a duas questões
essenciais: qual o significado deste texto na sua época? O que ele nos diz hoje? Para
isso, é útil consultar os estudos científicos sobre o texto; em seguida, refletir e rezar
sobre aquele texto, buscando compreender sua importância para nós hoje. Em poucas
palavras, a meditação é composta por estudo e oração (STOTT, 2000, p. 214-218).
Em seguida, é preciso determinar a ideia central. Continuando a meditação através
da oração e do estudo, chegamos ao momento de individuar a ideia principal do texto.
É possível encontrar vários temas em uma passagem bíblica, mas sempre há um
assunto principal, que está relacionado ao propósito do autor ao escrever tal texto.
Por exemplo, alguém poderia pregar sobre o serviço ao próximo a partir da parábola
do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). Essa é uma questão importante na parábola, mas
o significado central é outro, pois a parábola foi contada por Jesus para mostrar
que não há verdadeira religião sem a caridade. Nem o levita nem o sacerdote eram
verdadeiramente religiosos, mas um estrangeiro deu exemplo do verdadeiro culto a
Deus: a caridade. A pregação seria incompleta se não mostrasse essa crítica de Jesus
à falsa religiosidade. Outra razão para identificar a ideia central é que o sermão não é
uma aula. Na aula, o professor pode falar de vários aspectos do texto, pois os alunos
estão aí para anotar e consultar outros materiais. Mas o sermão tem outro propósito:
ensinar alguma coisa para a vida dos ouvintes. É preciso identificar o que realmente
aquele texto ensina, e afirmar isso claramente no momento da homilia, de preferência
em uma única sentença fácil de lembrar (STOTT, 2000, p. 218-222).
Depois disso, é preciso distribuir o material de acordo com a ideia central. Neste
processo, o pregador descarta o que é irrelevante, ou seja, as ideias que vieram durante
a meditação do texto, mas que não tem relação direta com o tema central. Se forem
ideias interessantes, haverá outro momento para usá-las, mas trazer tudo para um
único sermão só vai servir para criar confusão em quem ouvirá a pregação. Por outro
lado, as ideias que têm relação direta com o tema central devem ser organizadas

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de forma ordenada, dando uma estrutura ao sermão. A estrutura deve ser simples
(indicativamente, de dois a cinco pontos) para que os ouvintes possam “visualizar”
o que o pregador está dizendo; e não podem ser artificiais, ou seja: o texto mostra
naturalmente a sua estrutura, e não será o pregador a impor o seu esquema mental ao
texto bíblico. Também é importante usar ilustrações (imagens, exemplos, metáforas,
analogias, etc.) no desenvolvimento de cada ponto do sermão (STOTT, 2000, p. 222-237).
O quinto passo consiste em acrescentar a introdução e a conclusão. Da mesma
forma como fazemos um trabalho acadêmico, elaborando primeiro o corpo do texto,
para acrescentar depois a introdução e a conclusão, o mesmo vale para o sermão. A
introdução deve ser breve e essencial, e serve para despertar o interesse e anunciar a
temática central. Também é possível começar lembrando de alguma situação vivida
ou conhecida pela comunidade e que tenha relação com o texto bíblico. A conclusão é
ainda mais importante, pois a ausência de uma conclusão indica a ausência de propósito
no sermão. Pregações que terminam enroladas ou andando em círculo acabam não
deixando nenhuma marca. Concluir não é só recapitular, ainda que a recapitulação
com palavras diferentes também é importante. Porém o essencial na conclusão é a
aplicação concreta do conteúdo exposto no sermão. A conclusão precisa ser fácil de
entender e de lembrar, mas deve sobretudo mostrar que a Palavra de Deus tem algo
a dizer para a vida concreta das pessoas (STOTT, 2000, p. 238-248).

Figura 2: Estudando a Bíblia


Fonte: https://www.christianitytoday.com/ct/2017/march/stop-calling-everything-bible-study.html

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Por fim, redigir a mensagem e orar sobre ela. A questão de redigir a homilia depende
muito de cada pregador: alguns precisam escrever a pregação inteira, outros preferem
fazer apenas um elenco. Em todo caso, é sempre desaconselhável improvisar uma
homilia, sem nenhum esquema previamente planejado. O extremo oposto é ler palavra
por palavra, sem nenhum diálogo com a assembleia, tornando o sermão monótono e
nada atrativo. Entre estes dois extremos, existe a possibilidade de escrever o sermão
e, no momento de proferí-lo, não se limitar apenas ao que está escrito. Ou escrever
o sermão, ler mais de uma vez e meditar sobre ele, mas não levar o texto para o
púlpito. Mas a alternativa mais interessante é escrever apenas um pequeno elenco
com as ideias principais para ter diante dos olhos no momento de proferir a homilia:
todo o resto virá naturalmente à memória, se realmente preparamos com dedicação
o sermão. Enfim, a oração, que deveria preceder à preparação da pregação, deve
também suceder ao sermão já redigido. Trata-se de levar diante de Deus o fruto da
nossa meditação, para que a Palavra que iremos pregar comece a agir na nossa vida.
Sendo assim, a homilia não será só um exercício intelectual, mas será como falar
daquilo que o coração está cheio (STOTT, 2000, p. 248-252).
North (1971, p. 32-36) compara o processo de preparação de uma homilia com o
processo de acender um fogo: a faísca inicial é a intuição que dá origem ao sermão e
corresponde à ideia central no roteiro de Stott. Essa intuição não vem do nada, mas é
fruto da insistência em “riscar o palito”, ou seja, a meditação paciente e perseverante.
O processo de elaboração que vem em seguida equivale ao período de combustão
lenta, antes de se tornar uma chama. É quando o pregador coleta mais material para
seu sermão, escolhe a maneira mais significativa de apresentá-lo, e escreve um esboço
do seu sermão. A chama é a pregação em si. Quando o pregador sobe ao púlpito,
ele deve estar inflamado pela Palavra de Deus que ele meditou, desde a faísca até a
combustão lenta. A oração é o último combustível que o pregador jogou neste fogo
para que a chama estivesse bem acesa no momento de pregar diante da assembleia.
Se o pregador percorrer todos estes passos para a preparação do sermão, certamente
irá inflamar seus ouvintes com a Palavra de Deus, como ele mesmo foi alcançado
por esta Palavra.
Nesta aula, vimos algumas indicações práticas do papa Francisco e de outros
teólogos quanto à preparação e a ministração do sermão. Ficou claro que não são
sugestões contraditórias, mas complementares. Colocando juntos os elementos
essenciais de todos estes autores, podemos chegar a esta síntese: a preparação da

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homilia exige estudo, meditação e oração; antes de pregar é preciso se colocar à escuta
da Palavra de Deus; é preciso também escutar o povo e ler a situação concreta da
comunidade a quem dirigimos o sermão; é importante identificar a mensagem central
de cada texto bíblico e organizar a pregação a partir deste centro; enfim, a homilia
deve ser pronunciada de forma organizada, clara, adaptada aos ouvintes, transmitindo
a mesma Palavra de Deus que já encheu o coração do pregador.

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CAPÍTULO 7
TIPOS DE SERMÕES E SUA
CONSTRUÇÃO: TÓPICO,
TEXTUAL E EXPOSITIVO

Caros alunos e alunas, nesta aula vamos falar sobre os vários tipos de sermão.
Na aula anterior, vimos como preparar um sermão em geral. Nesta aula, vamos ver
como cada tipo de sermão tem uma forma diferente de se preparar. Existem três
tipos tradicionais de sermão: temático (ou tópico), textual e expositivo. Começaremos
tratando separadamente dessas três formas clássicas de sermão. Na quarta seção,
acrescentaremos outros tipos de pregação: o sermão de um ponto só, o sermão de
“quatro páginas”, o sermão indutivo e o sermão biográfico.

7.1 Sermão tópico ou temático

No sermão temático, toda a argumentação está ligada a um tema. Sendo assim, é


possível usar vários textos bíblicos sobre a temática escolhida. Ao invés de dividir um
texto em várias temáticas, divide-se um tema para incluir vários textos. Este tipo de
sermão exige criatividade do pregador para trazer textos diferentes à sua argumentação,
sem tirar cada texto de seu contexto original. Não é um sermão que se adapta bem à
homilia diária, mas é útil para sermões encomendados, quando o pregador é convidado
para falar de um tema previamente estabelecido. Também pode ser usado quando
o contexto exige que se fale de uma temática específica, ligada à realidade concreta
da comunidade (SOUZA, 2020, p. 15-16).
No sermão tópico, o tema pode ser extraído de um texto bíblico, mas a divisão
depende do assunto, não do texto em si. O objetivo é tratar de maneira sistemática
e integrada um tema digno de ser apresentado. Por isso, em um momento ou outro,
praticamente todos os pregadores precisam lançar mão do sermão tópico: na Páscoa,
no Pentecoste, no Natal e em outras festas do ano litúrgico. Em certas ocasiões, é
necessário falar sobre alguns temas teológicos, como a Trindade, a reconciliação,

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o sofrimento, o casamento, etc. A diferença entre a exposição teológica sobre um


destes temas e o sermão tópico, é que o conteúdo do sermão é sempre a Sagrada
Escritura, mesmo que a escolha das passagens bíblicas seja determinada pelo tópico
em questão (LOPES, 2008, p. 165-166).
Souza (2020, p. 16) dá algumas sugestões de como construir um sermão temático.
Proponho uma síntese das suas indicações em quatro passos:
a) Escolher o tema e indicá-lo com uma frase ou um trecho do texto bíblico;
b) Meditar sobre o tema escolhido e sobre tudo o que pode ser dito a respeito dele;
c) Elaborar pelo menos três argumentos ligados ao tema principal: cada argumento
é uma resposta ou explicação do tema;
d) Pesquisar passagens bíblicas diversas que tratam de cada um destes argumentos.

É importante ressaltar que o sermão temático não é menos bíblico que os demais.
A diferença é que primeiro se define o tema e depois os textos bíblicos. Por isso
o pregador deveria sempre anunciar aos ouvintes as referências bíblicas que está
usando. A vantagem deste tipo de sermão é poder mostrar como várias partes da Bíblia
abordaram o mesmo tema, mostrando a unidade e o progresso em toda a história da
Revelação, incluindo Antigo e Novo Testamentos na mesma argumentação (PIRAGINI
JR, 2016, p.11-12). Outra vantagem é a sua grande versatilidade: com o sermão tópico,
o pregador pode tratar de qualquer tema teológico da Bíblia. O risco desta modalidade
é que o pregador pode acabar manipulando a Bíblia conforme seu interesse, tirando
alguns versículos bíblicos do seu contexto e forçando uma interpretação que se adapte
ao seu tema. O importante é ter bom senso e autenticidade para usar o sermão
temático da maneira correta.
Exemplo 1: tema “a paz que só Jesus pode dar”:
• A paz que ilumina nosso caminho (Lc 1,79);
• A paz que liberta a nossa mente de pensamentos perturbadores (Jo 14,27);
• A paz que supera o sentimento de medo (Jo 20,19-20);
• A paz que salva (Jo 3,16).

Neste exemplo, cada tópico apresenta uma característica da paz, usando um texto
diferente. A base para a organização do sermão é a “paz de Jesus”, mas os textos
bíblicos utilizados podem ser variados (SOUZA, 2020, p. 15).

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Exemplo 2: tema “atitudes de confiança em Deus”:


• Abraão saiu da sua terra sem saber para onde ia, mas confiou na promessa de
Deus (Gn 12,1);
• Elias rezou e confiou que a chuva viria (1Rs 17,1);
• Pedro confiou que Deus o libertaria da prisão (At 12,3-11);
• Paulo tinha uma confiança tão grande a ponto de afirmar que nada nos separa
do amor de Deus (Rm 8,31).

Neste exemplo, vemos como a atitude de confiança está presente ao longo de


toda a história da salvação, portanto um semelhante sermão é capaz de estimular a
esperança no coração dos ouvintes (PIRAGINE JR, 2016, p.13).

7.2 Sermão Textual

No sermão textual, toda a argumentação está ligada a um texto bíblico, o qual pode
ser dividido em tópicos. As ideias principais derivam do próprio texto escolhido ou
pré-determinado. E as divisões do sermão dependem da estrutura própria do texto ou
devem ser, pelo menos, inspiradas nele. Para elaborar um sermão textual é preciso ler
o texto bíblico; procurar a ideia principal; e observar a própria estrutura do texto. Este
tipo de sermão requer do pregador um grande conhecimento do texto e sensibilidade
para individuar a sua estrutura. Enfim, deve-se evitar divagações sobre temas que não
estão incluídos naquela passagem bíblica (SOUZA, 2020, p. 16-17).
É claro que é possível acrescentar outros textos bíblicos ao longo da explanação,
mas devem ser citações bíblicas relacionadas com o texto da pregação. Uma forma
simples de organizar um sermão textual é explicar cada expressão, mas neste caso
é importante mostrar a ligação entre elas, criando uma unidade. Este tipo de sermão
normalmente é muito apreciado pelos ouvintes, especialmente quando o texto-base
conta uma história pouco conhecida ou usa uma linguagem pouco habitual. Nestes
casos, os ouvintes ficarão muito interessados com o conteúdo que o pregador pode
oferecer (PIRAGINE JR, 2016, p.13-14).
O sermão textual é semelhante ao expositivo, com a diferença que emprega uma
passagem bíblica mais curta, em geral um versículo ou algumas frases. Sendo assim,
envolve um aprofundamento mais intenso de um texto menos extenso. O sermão
textual discute um único assunto, mas dividido em várias partes, conforme o próprio
trecho bíblico inspira tal divisão (LOPES, 2008, p. 168-169).

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As principais vantagens do sermão textual são essas: mantém o pregador conectado


com a Bíblia; tem um desenvolvimento simples e é fácil de ser lembrado; pode ser
introduzido com uma rápida e eficaz contextualização e discussão do texto bíblico.
Mas existem algumas dificuldades que precisam ser consideradas: nem todas as
passagens bíblicas se prestam a este tipo de sermão, mas somente aquelas que
apresentam um denso significado; existe o risco de tirar o versículo bíblico do seu
contexto; às vezes, os vários pontos extraídos da mesma passagem bíblica podem
ser temas heterogêneos, sem unidade (NORTH, 1971, p. 67-69). Enfim, o pregador
poderá usar o sermão temático quando necessário, prestando atenção aos detalhes
vistos acima para que seja um autêntico sermão.
Exemplo 1: tema “O perfume oferecido a Jesus” (Mc 14,3):
• A mulher ofereceu tudo o que possuía a Jesus, pois o perfume de nardo era um
dos mais caros, usados pelas mulheres na noite de núpcias;
• Também Simão, o leproso, ofereceu o seu melhor para Jesus: provavelmente ele
tinha recebido de Jesus a cura da lepra, e ofereceu a sua casa e sua refeição
para Jesus e seus discípulos;
• E nós temos que oferecer o nosso melhor para Jesus: nosso trabalho, nossa
dedicação, nossa vida (PIRAGINE JR, 2016, p.14-15).

Exemplo 2. Outra forma de estruturar um sermão textual é aplicando perguntas


ao texto, tais como: O que? Quem? Quando? Por quê? Onde? Como? As respostas
devem ser tomadas das declarações ou frases do texto. Eis o exemplo, tomando
como referência o texto de Tiago 3,17:
• Tema: Como é a sabedoria que vem do alto?
• Introdução: falar sobre a sabedoria terrena;
• Caracterizar a sabedoria do alto como pura e pacífica; indulgente e tratável;
plena de misericórdia e bons frutos; etc.;
• Conclusão: buscar a sabedoria que vem do alto (SOUZA, 2020, p. 17).

7.3 Sermão expositivo

O sermão expositivo é a forma como os grandes pregadores da história comunicavam


a Palavra de Deus: João Crisóstomo, Agostinho, Lutero, Calvino, Campbell Morgan, entre
outros. Trata-se de um sermão que explora os recursos da exegese e da hermenêutica,

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fazendo uma exposição detalhada do texto bíblico. É um tipo de sermão que requer do
pregador certo conhecimento teológico e habilidade exegética. Por isso, esta modalidade
de pregação é mais indicada para quem se dedica ao estudo contínuo da Bíblia, pois
exige um maior tempo de preparo e aprofundamento do texto: pesquisa histórica do
contexto, comparação com outros textos, estudo lessico-gráfico, significado original
das expressões, etc. O sermão expositivo traz uma maior cultura e conhecimento
bíblico aos ouvintes. Todavia, só será realmente fecundo se for capaz de trazer, além
da cultura exegética, uma aplicabilidade do texto para a comunidade. Sendo assim, há
três passos fundamentais na elaboração do sermão expositivo: ler, explicar e aplicar
o texto (SOUZA, 2020, p. 17-18).
É verdade que todos os tipos de sermão se baseiam na Palavra de Deus, mas o
sermão expositivo tem uma diferença: ele se baseia exclusivamente na Palavra de
Deus. O tema, o conteúdo, o propósito, os tópicos e subtópicos, tudo provém do
texto bíblico. Quem prepara um sermão expositivo não pode se aproximar do texto
com alguma ideia pré-determinada: será o texto quem “dirá” o que o pregador deve
falar. Não é só um estilo de pregação, mas um verdadeiro serviço à Palavra de Deus.
Quando se expõe um texto bíblico palavra por palavra, ou versículo por versículo,
cada palavra/versículo tem o potencial de transformar a vida dos ouvintes. Para isso,
é preciso trazer para a atualidade as verdades bíblicas (PIRAGINE JR, 2016, 25-27).

ANOTE ISSO

Todos os tipos de sermão têm como base a Bíblia, do contrário não seriam
sermões. O que muda é o modo de se aproximar da Bíblia: quando o pregador
se aproxima da Bíblia para iluminar algum tema importante, temos um sermão
temático; quando se aproxima de uma pequena passagem bíblica que ele pretende
explorar profundamente, sob vários pontos de vista, temos o sermão textual;
e quando se aproxima de uma unidade textual maior para apresentar o seu
significado no contexto original e na atualidade, temos o sermão expositivo.

A pregação expositiva se baseia em uma passagem bíblica mais longa em relação ao


sermão textual. Esta ideia, porém, acabou levando alguns pregadores a apresentarem
verdadeiros comentários exegéticos em suas pregações, e o sermão expositivo foi
perdendo credibilidade nas últimas décadas. É preciso deixar claro que o mais perfeito
comentário sobre um texto bíblico não chega a ser um sermão se faltar a aplicação

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concreta na atualidade. Uma pregação que leva os ouvintes ao mundo bíblico mas
não os traz de volta à realidade atual não é um sermão. Eis os elementos necessários
para que uma pregação seja considerada um sermão expositivo: a mensagem busca
na Sagrada Escritura a sua única fonte; mediante uma cuidadosa exegese, procura-se
encontrar o sentido original da passagem bíblica; o sentido deve estar relacionado com
o contexto imediato e geral da passagem; os pontos principais do sermão devem ser
tomados dos versículos da Bíblia; as verdades contidas nestes versículos precisam
ser aplicadas na atualidade e na vida concreta do pregador e dos ouvintes (LOPES,
2008, p. 171-175).
Algumas perguntas ajudam na elaboração de um sermão expositivo:
a) Qual era a mensagem deste texto no seu contexto original, para o povo que o
recebeu?;
b) Qual é a mensagem deste texto para nós hoje? (Se responde com base na
primeira resposta);
c) E qual é o significado transformador deste texto para o povo que o recebeu e
para nós hoje?

A partir das respostas a estas perguntas, desenvolve-se um sermão que expõe o


texto bíblico com precisão exegética e o atualiza com capacidade transformadora. Outra
característica do sermão expositivo é o diálogo entre mais de um texto bíblico: busca-se
explicar uma passagem bíblica a partir de outras passagens. Aplica-se aqui o princípio
segundo o qual a Bíblia é intérprete da Bíblia. Mas até mesmo esta metodologia deve
ser acompanhada pela aplicação atual dos versículos bíblicos relacionados (PIRAGINE
JR, 2016, 27-29).
A vantagem do sermão expositivo está no fato de manter o foco nas Sagradas
Escrituras, levando toda a comunidade a colocar a Palavra de Deus no centro de
suas vidas. Além disso, ajuda o pregador a evitar repetições temáticas, pois não
faltarão textos bíblicos a serem expostos nas pregações. A dificuldade do sermão
expositivo é a sua relativa complexidade: o pregador deve ter grande conhecimento
bíblico e capacidade de analisar exegeticamente o texto. Para isso, pode se apoiar em
comentários bíblicos de bons autores, mas precisa evitar o risco de apenas repetir
o que outros já escreveram sobre aquele texto bíblico. Enfim, para realizar sermões
expositivos, é preciso começar e depois praticar esta arte da pregação (NORTH, 1971,
p. 72).

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Exemplo 1: tema “a queda e a restauração de um grande homem” (2Sm 11-12):


• Davi desobedeceu: cometeu adultério e assassinato;
• Deus o repreendeu: mandou uma palavra profética, identificou o pecado do rei
e especificou o castigo;
• Davi se arrependeu: confessou o pecado, expressou tristeza, aceitou a correção
e renovou a obediência

Exemplo 2: tema “o remédio de Deus para a preocupação (Fl 4,6-7):


• Uma palavra de proibição: “Não andeis ansiosos por coisa alguma…”.
• Definição de preocupação;
• Exemplos de preocupação na Bíblia;
• Aplicação.

• Uma palavra de direção: “Sejam conhecidas diante de Deus as vossas petições”.


• Como? Por meio de orações, súplicas e ações de graça;
• Aplicação

• Uma palavra de promessa: “E a paz de Deus…”


• Explicação dos termos no texto;
• Aplicação.

Ambos os exemplos se encontram no estudo de Lopes (2008, p. 199-200), o qual


apresenta uma dezena de outros esboços de sermões expositivos. O autor também
traz vários exemplos bíblicos, pois personagens como Esdras (Ne 8,1-8), Pedro (At
2,14-40), Paulo (At 13,16-43; Rm 4-5) e o próprio Jesus (Mt 5,21-48; Lc 4,11-21; 24,27)
faziam exposições de vários textos bíblicos, aplicando-os ao contexto em que viviam.

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Figura 1: Esdra lê e explica a Torá


Fonte: https://www.freebibleimages.org/illustrations/cef-nehemiah5/

7.4 Outros tipos de sermão

Até aqui tratamos das formas clássicas de pregação. Agora vamos falar de alguns
tipos de sermão desenvolvidos ou redescobertos nas últimas décadas. Escolhemos
quatro tipos de sermão, mas advertimos desde já que existe uma variedade bem maior
de modalidades de pregação. Em todo caso, são quatro tipos de sermão que podem
ser úteis, por isso trazemos uma breve apresentação de cada um deles.

7.4.1 Sermão de um ponto só

Como o próprio nome diz, o sermão de um ponto só constrói toda a mensagem ao


redor de um único ponto ou ideia central. O objetivo deste tipo de construção homilética
é dar ao ouvinte maiores condições de absorver e memorizar uma determinada
mensagem bíblica e aplicá-la à sua realidade. A escolha de um único ponto está
ligada ao propósito de levar um valor, um princípio ou uma verdade bíblica à vida dos
ouvintes. Três passos devem ser seguidos na elaboração de um sermão de um ponto

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só: escolher o ponto; construir tudo em torno deste ponto; e aplicá-lo à realidade dos
ouvintes (SOUZA, 2020, p. 18).
Souza (2020, p. 19) traz um elenco de cinco perguntas que normalmente são usadas
na elaboração do sermão de um ponto só:
a) O que eles precisam saber? (informação);
b) Por que eles precisam saber isso? (motivação);
c) O que eles precisam fazer? (aplicação);
d) Por que eles precisam fazer isso? (inspiração);
e) O que posso fazer para ajudá-los a lembrar? (reiteração).

A vantagem deste tipo de sermão é a valorização da relação entre o comunicador


e seus ouvintes. Trata-se de um sermão relacional, pois a estrutura do discurso não
se encontra no seu conteúdo, mas na relação entre pregador e comunidade.

7.4.2 O sermão de quatro páginas

A expressão “sermão de quatro páginas” foi criada por Paul Scott Wilson, que é
o idealizador deste método. As quatro páginas do sermão, na realidade, são quatro
movimentos distintos da pregação. A estrutura deste tipo de sermão, evidentemente, se
organiza em quatro partes, conforme a síntese elaborada por Souza (2020, p. 20-21):
a) Primeira página: o mundo do texto bíblico, ou seja, uma exposição do texto em
forma narrativa para apontar o problema tratado pelo texto bíblico;
b) Segunda página: o nosso mundo, ou seja, uma aplicação do texto bíblico na nossa
época, explorando na atualidade o problema encontrado na “primeira página”;
c) Terceira página: novamente o mundo bíblico, mas agora apresentando as boas-
novas do evangelho como resposta ao problema individuado nos dois passos
anteriores;
d) Quarta página: novamente o nosso mundo, identificando a ação de Deus na
nossa época.

A vantagem deste tipo de pregação é sua atenção para a graça de Deus no mundo
de hoje, iluminando os problemas concretos das pessoas. Além disso, apresenta a
mensagem de uma maneira simples e compreensível aos ouvintes, mas não renuncia
à leitura profunda da Bíblia.

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7.4.3 Sermão indutivo

O sermão indutivo ou inferencial é baseado em perguntas e respostas. Consiste


em fazer perguntas ao texto bíblico, do qual as respostas devem provir. É um método
utilizado para pregações de cunho evangelístico, pois procura dar respostas a perguntas
que as pessoas fariam ao texto. O método indutivo é mais usado no estudo pessoal de
um texto bíblico do que na pregação, mas se adapta também ao púlpito. A vantagem
de aplicar o estilo indutivo a um sermão é levar os ouvintes a encontrarem as respostas
no próprio texto lido. O sermão indutivo se encaixa bem com textos mais longos, pois
com a pergunta correta o pregador pode levar as pessoas ao tema central do texto
(PIRAGINE JR, 2016, p. 15-16).
Exemplo: tema “Por que Jesus chorou?” Texto longo, João 11:
• Resposta baseada nos versículos 8 e 9: porque seus discípulos não creram nele;
• Resposta baseada no versículo 39: porque seus amigos não acreditaram nele;
• Resposta baseada nos versículos 47 e 48: porque as autoridades religiosas da
época, que deveriam reconhecê-lo, queriam matá-lo;
• Será que ainda hoje Jesus chora porque não acreditamos nele ou porque
tentamos impedir que a sua mensagem chegue às pessoas?

Com o sermão indutivo, baseado em perguntas e respostas, o pregador pode levar


os ouvintes a uma profunda reflexão e a aplicar a Palavra de Deus em suas vidas
(PIRAGINE JR, 2016, 19-20).

7.4.4 Sermão biográfico

É um sermão sobre as histórias dos grandes personagens bíblicos. Consiste em


estudar detalhes da vida destes personagens no passado, trazendo para o presente
tudo aquilo que a experiência deles tem a ensinar. Esta modalidade de sermão é
muito apreciada pelas pessoas, pois comunica de forma atraente algumas verdades
profundas contidas na Palavra de Deus. Além disso, a Bíblia tem uma grande abundância
de histórias de personagens particulares, de modo que há muito material para este
tipo de sermão. Para preparar um sermão biográfico, o primeiro passo é escolher
um personagem. Em seguida, estudar profundamente a vida deste personagem e
tirar lições para os nossos dias. Neste processo, é importante individuar os valores

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e comportamentos positivos dos personagens para propor aos ouvintes (PIRAGINE


JR, 2016, 20-21).
Alguns passos que podem ser seguidos na elaboração de um sermão biográfico:
escolher um personagem e estudá-lo; elaborar uma introdução da ideia que será
trabalhada; estabelecer um propósito para o sermão, ou seja, individuar as mudanças
que se espera promover na vida dos ouvintes; dividir a mensagem, pensando em
algumas ilustrações e aplicações atuais para cada parte. O mais importante neste
processo é escolher um personagem que tenha relevância no desenvolvimento da fé
cristã dos ouvintes (PIRAGINE JR, 2016, p. 21).
Para concluir, vimos nesta aula diversos tipos de sermão, reconhecendo a
especificidade, as vantagens e as dificuldades de cada um. É importante frisar que
todas as modalidades de pregação aqui expostas têm o seu valor, mas cada uma
deve ser escolhida conforme a ocasião. Para a homilia diária ou dominical, o sermão
expositivo é o mais indicado, seguido pelo sermão textual. O sermão temático é o
mais indicado em ocasiões específicas (Natal, Páscoa, casamento, momento de
reconciliação, etc.). Já os quatro tipos de sermão que apresentamos nesta última
parte da aula podem ser usados ocasionalmente, tanto nas homilias diárias, quanto
em ocasiões específicas: o objetivo da pregação e o texto bíblico de referência ditarão
a modalidade de pregação mais adequada.

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CAPÍTULO 8
PRINCÍPIOS DE COMUNICAÇÃO
DA MENSAGEM CRISTÃ

Até aqui, tratamos da pregação cristã, seus fundamentos, história, desafios,


especificidades da homilia e preparação dos sermões. Nesta aula, vamos começar
um outro tema, que percorreremos também nas próximas aulas: a comunicação
cristã. A pregação também é uma forma de comunicação, mas a comunicação é mais
ampla. Sendo assim, prezados estudantes, na primeira parte desta aula falaremos da
comunicação humana em geral e, na segunda parte, trataremos da comunicação cristã
em específico.

8.1 A comunicação humana

A comunicação cristã é uma das muitas formas de comunicação humana, então


precisamos começar falando sobre a comunicação humana. Em primeiro lugar, trataremos
dos fundamentos da comunicação; em seguida, lançaremos um olhar panorâmico sobre
a história da comunicação.

8.1.1 Fundamentos da comunicação humana

“A comunicação nasce da necessidade humana de romper o isolamento, de entrar


em comunhão, criar relações, dialogar, narrar eventos, transmitir informações, ideias,
sentimentos, necessidades, desejos” (ZANON, 2021, p. 9). A linguagem desenvolvida é a
característica humana que mais nos distingue dos outros animais. Temos consciência da
nossa identidade e da nossa história graças à comunicação. Tudo o que o ser humano
faz – suas atividades, relações, emoções – depende da comunicação.
A palavra “comunicar” vem do latim communicare, que significa “tornar comum”. Sendo
assim, comunicação é convivência, e faz nascer a comunidade humana. Comunidade
é agrupamento caracterizado pela coesão, baseado no consenso espontâneo dos
indivíduos. A comunicação humana exige compreensão para que se possa colocar em
comum as ideias, as imagens e as experiências. Esse processo elimina o isolamento e
cria comunidade (INTERSABERES, 2016, p. 95).
A comunicação é um processo humano, portanto pode ser melhorada para se tornar
mais eficaz e abrangente. Por isso surgiram, especialmente no último século, diversas

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escolas ou teorias da comunicação. De modo geral, as primeiras escolas procuravam


entender os elementos e o funcionamento da comunicação. Apareceram, em seguida,
estudos sobre os efeitos da comunicação, como a manipulação e a persuasão. As
abordagens mais recentes se concentram na função e no papel antropológico, político e
social da comunicação. De fato, a comunicação está intimamente ligada à cultura, pois
determina as transformações da mentalidade, do estilo de vida e da forma de agir. Estes
“Estudos Culturais”, que surgiram sobretudo a partir de 1950, trouxeram uma nova ideia
de cultura, abandonando o antigo conceito que entendia a cultura como saber, preparo
ou erudição. Agora a cultura é definida de forma mais ampla, como parte do modo de
vida dos indivíduos e das comunidades (ZANON, 2021, p. 10-12).
Mais do que expressão de um modo de vida, a cultura define o modo de vida,
especialmente a maneira de se relacionar com a realidade, e essa relação é marcada
pela comunicação. Todas as práticas cotidianas, até mesmo as mais triviais (comer, se
vestir, ver TV, se mover, etc.) são revestidas de um valor simbólico inerente a determinada
cultura. Para os Estudos Culturais, portanto, toda atividade humana está ligada à
comunicação e à cultura. Na atualidade precisamos acrescentar: tudo está ligado à
comunicação que passa pelas tecnologias da informação. A ecologia comunicativa,
que hoje se caracteriza como midiática e digital, influencia tudo o que fazemos: nosso
estudo, trabalho, relacionamentos, movimentos, compras, escolhas, encontros, leituras,
sentimentos, modo de rezar, etc. Estamos mergulhados nesta cultura da comunicação
e no ambiente midiático (ZANON, 2021, p. 12-13).
Em poucas palavras, o fundamento da comunicação é a necessidade humana de
estabelecer relações. A comunicação cria identidade, gera cultura e promove comunhão.
A forma como o ser humano vive no mundo é determinada pelo desenvolvimento da
sua comunicação.

8.1.2 Panorâmica histórica sobre a comunicação humana

Na história da comunicação, os gestos e as expressões corporais certamente foram os


primeiros instrumentos e continuam sendo os mais importantes. Em seguida, vieram os
sons, as palavras e a linguagem. A escrita nasceu da necessidade de registrar a linguagem
oral (oratória cotidiana) em situações de compras, vendas e registros. Inicialmente se
usavam símbolos, mas à medida que o conhecimento humano evoluiu surgiu a escrita:
primeiro a escrita cuneiforme (representando objetos), depois ideográfica (representando
ideias e quantidades), até a inserção de elementos fonéticos, isto é, símbolos que indicam
sons. O desenvolvimento das civilizações fez surgir a necessidade de se comunicar à
distância de forma regular, para facilitar o comércio: surgiu a comunicação internacional.
Quando as necessidades comerciais já tinham sido atendidas, a escrita passou a ser

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usada para transmitir cultura, histórias, mitos e tradições, até se tornar instrumento de
estudo (INTERSABERES, 2016, p. 92-93).
Os instrumentos da escrita também evoluíram: das tábuas de pedra aos papiros,
depois aos pergaminhos e, enfim, ao papel. Um salto significativo na comunicação
da humanidade aconteceu com a invenção da imprensa por parte de Gutenberg em
1454. Nos séculos seguintes, o progresso foi sempre mais impressionante: invenção do
telégrafo (1835), da fotografia (1826), do telefone (1876), do rádio (1900), da televisão
(1924) do computador (1943), da internet (1943) e outras invenções importantes (ZANON,
2021, p. 49-51). Hoje, todos os âmbitos da vida humana (comércio, política, socialização,
religião, etc) podem ser mediados pelos meios de comunicação digital. A evolução da
comunicação foi acompanhada pela crescente capacidade dos povos de configurarem
seu mundo físico e pelo crescente grau de interdependência. Hoje vivemos em uma
“aldeia global”, onde todas as nações estão interligadas (INTERSABERES, 2016, p. 93-94).

Figura 1: Réplica da prensa móvel de Gutenberg no International Printing Museum


Fonte: https://www.printmuseum.org/gutenberg-press

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ISTO ESTÁ NA REDE

Na internet, existe muito material sobre a história dos meios de comunicação, sua
tipologia, classificação entre outras informações interessantes. Sugiro esse artigo
de Paloma Guitarrara, no site do “Brasil Escola”, que apresenta muitas informações
sobre a história das comunicações, além de imagens e estatísticas úteis para
compreender o fenômeno dos meios de comunicação social: https://brasilescola.
uol.com.br/geografia/meios-de-comunicacao.htm

A comunicação e seus instrumentos evoluíram, mas o mecanismo é sempre o


mesmo: a comunicação parte de uma motivação (intenção de comunicar), passa pela
composição da mensagem por parte do emissor, a codificação e a transmissão das
mensagens; depois vem a recepção dos sinais, a decodificação e a interpretação por
parte do receptor. Há sempre um comunicador, um receptor, um canal usado para a
comunicação, e um efeito gerado pelo processo (ZANON, 2021, p. 13-14).
Essa é apenas uma panorâmica muito breve da história da comunicação humana e
de seus instrumentos, que serve como moldura dentro da qual colocaremos a história
da comunicação cristã, a seguir.

8.2 A comunicação cristã

A partir de agora, entramos no tema específico desta aula: a comunicação da


mensagem cristã. Seguindo o mesmo esquema da primeira parte, começaremos
apresentando os fundamentos da comunicação cristã; em seguida, faremos um breve
percurso sobre a história da comunicação na Igreja.

8.2.1 Fundamentos da comunicação cristã

O fundamento teológico da comunicação cristã está na comunicação divina, expresso


no prólogo do evangelho de João:

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era


Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio
dele e sem ele nada foi feito. O que foi feito nele era a vida, e a vida
era a luz dos homens; e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a
apreenderam (Jo 1,1-5).

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Nesta passagem, Deus é a Palavra, o Verbo, ou seja, o princípio da comunicação.


Até mesmo o mundo criado e a vida humana tem a sua existência a partir da Palavra
pronunciada por Deus: o mundo nasce de uma comunicação. Teologicamente, é preciso
acrescentar o conceito de Trindade: a comunhão da Trindade (Pai, Filho e Espírito
Santo) é a comunicação perfeita. Esta comunicação trinitária gera a vida. Por isso, na
narração da criação no livro de Gênesis, Deus cria pronunciando aquilo que deve ser
criado: “Deus disse: ‘Haja luz’ e houve luz” (Gn 1,3) e assim por diante. Mais interessante
ainda é o uso do “nós” ao criar o ser humano: “Façamos o homem à nossa imagem,
como nossa semelhança” (Gn 1,26). Ou seja, a comunicação e a comunhão trinitária
criam o ser humano. Além disso, o próprio ser humano é criado para a comunhão:
“Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Em poucas palavras: tudo passou a
existir a partir da comunicação divina, e o ser humano foi criado para fazer comunhão
através da comunicação. Sem comunicação não há vida.
Como a Trindade é a comunicação perfeita, assim Jesus é o comunicador perfeito,
pois ele estabeleceu a comunhão entre a divindade e a humanidade. Ao longo de todo
o Antigo Testamento, Deus se comunicou com o seu povo através dos patriarcas, dos
profetas e outros personagens: é o que chamamos de Revelação. Na encarnação do
Verbo, essa comunicação chega a seu ponto mais alto: Deus veio falar diretamente ao
ser humano através do seu Filho. É o que expressa o prólogo da Carta aos Hebreus:
“Muitas vezes e de modos diversos falou Deus, outrora, aos Pais pelos profetas; agora,
nestes dias que são os últimos, falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro
de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos” (Hb 1,1-2). A Bíblia, na sua totalidade, é
a história da comunicação de Deus que se revela para fazer comunhão com seu povo.
O objetivo da comunicação é a proximidade: comunicar é fazer-se próximo, como
Deus fez na encarnação. Nesta comunicação, a divindade envolve e transforma a
humanidade. Em poucas palavras, através da comunicação, Deus cria e se revela,
chamando o ser humano para entrar em relação com Ele e com os outros. A comunicação
cria pontes, relações, comunhão (ZANON, 2021, p. 18-19).
Jesus, ao longo de seu ministério público, concretizou este modelo de comunicação
que cria comunhão, e ordenou que os discípulos fizessem o mesmo: “Ide por todo
o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15). Os discípulos devem
comunicar o evangelho para chamar mais e mais pessoas a esta comunhão com Deus.
Em Pentecostes, essa comunicação se tornou universal através do dom das línguas (At
2,1-11). O Pentecostes é símbolo deste modelo de comunicação e comunhão universal

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praticado pela Igreja, que busca falar todas as línguas; hoje, inclusive, a linguagem
digital. Por meio desta comunicação universal, o Pentecostes superou a divisão que
se tinha originado no episódio da Torre de Babel (Gn 11,1-9). A partir deste momento,
a Igreja começou a percorrer a terra para comunicar a boa-nova que Jesus trouxe ao
mundo, e essa é a sua missão ainda hoje (ZANON, 2021, p. 20-21).
A teologia da comunicação foi elaborada pela primeira vez na Instrução Pastoral
Communio et progressio da Comissão Pontifícia para a Comunicação Social, em 1971.
Ferreira (1985, p. 318-323) organiza a teologia da comunicação expressa pela Communio
et progressio em cinco pontos, dos quais apresento uma síntese a seguir:
a) Comunicação social e solidariedade humana: a comunicação social e todos
os seus instrumentos têm a função de estabelecer relações sociais, criando
unidade e buscando em conjunto resolver os problemas da humanidade. Esse
é justamente o sentido cristão da comunicação em geral;
b) Participação na obra da criação: os instrumentos de comunicação social são
dons de Deus, ordenados para unir os seres humanos como irmãos para que
colaborem com a Sua vontade salvadora. Deus confiou o cuidado da terra ao
ser humano (Gn 1,26-28) para torná-lo participante da sua obra de criação: a
comunicação é fundamental para realizar este projeto;
c) Modelo trinitário: a comunicação social cria uma consciência comunitária cada
vez maior, pois coloca os homens de lugares diferentes em comunicação. A
ação salvadora de Deus no mundo visa conduzir os seres humanos à comunhão
universal, cuja fonte e modelo é a comunhão trinitária do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Sendo assim, o sentido da comunicação humana é estender no
mundo a comunhão divina;
d) Modelo cristológico: a comunicação humana, em geral (e a comunicação social
em específico), têm o propósito de instaurar comunhão, mas muitas vezes
provoca desunião, discórdia e alienação. Diante da discórdia entre os seres
humanos, fruto do pecado e do afastamento da aliança divina, Deus enviou ao
mundo o seu Filho Jesus Cristo para restabelecer a comunhão dos homens
entre si e dos homens com Deus. Jesus é o modelo perfeito de comunicação
que gera comunhão com Deus, com o próximo e com o mundo;
e) Comunhão e progresso: os instrumentos de comunicação social criam elos de
união e fomentam a comunhão humana, contribuindo, assim, com o progresso
da sociedade e com a consolidação da paz e da justiça. Para que isso realmente

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aconteça, espera-se o compromisso moral dos cristãos no uso dos meios de


comunicação. Se a comunicação humana estiver em acordo com os desígnios
de Deus, então será realmente fonte de comunhão e de progresso.

As bases lançadas pela Communio et progressio são o fundamento teológico da


comunicação cristã. A comunicação humana é cristã quando gera solidariedade;
quando une os seres humanos para colaborarem na obra de criação divina; quando cria
comunhão com Deus, com o próximo e com o mundo, seguindo o modelo trinitário de
união e o modelo comunicador de Jesus; e quando contribui com a paz e o progresso
da humanidade.

8.2.2 Panorâmica histórica sobre a comunicação cristã

A Igreja, como instituição divina e humana ao mesmo tempo, usa necessariamente


a comunicação. Em cada período da história se destacou uma dimensão ou outra da
comunicação: interpessoal, verbal e social, relacional e, atualmente, digital.
Desde suas origens em Pentecostes até o surgimento da imprensa, a Igreja soube
usar todos os meios de comunicação disponíveis para proclamar o evangelho, ou
seja: a comunicação escrita, as artes figurativas e o teatro. A comunicação escrita
começou com as cartas de Paulo, os Evangelhos e demais escritos do Novo Testamento.
Prosseguiu com os escritos patrísticos e escolásticos, transcrições e traduções de
obras clássicas nos mosteiros, etc. As artes figurativas, representando a história da
salvação nos muros dos templos, desempenhou por muitos anos a função de “Bíblia
dos pobres”, isto é, dos não letrados. O teatro também foi acolhido como forma de
evangelização durante a Idade Média, como é o caso do “teatro jesuítico”, mas também
suscitou desconfiança e censura por parte de algumas autoridades eclesiásticas
(FERREIRA, 1985, p. 306-308).
Com a invenção da imprensa por parte de Gutenberg no ano 1440, a Igreja logo
adotou a novidade e espalhou tipografias em seus numerosos mosteiros, sedes
episcopais e universidades. Assiste-se a uma rápida divulgação dos livros sagrados,
dos clássicos gregos e latinos e dos textos escolásticos. Por outro lado, o Magistério
eclesiástico logo se colocou em uma posição de desconfiança e censura, promulgando
vários documentos que alertavam ou proibiam a leitura dos livros contrários à doutrina
oficial da Igreja. Com o surgimento do jornal, do cinema, do rádio e da televisão nos

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séculos XIX e XX, a posição oficial da Igreja permaneceu a mesma: acolher as novas
formas de comunicação com cautela, censurando tudo o que puder ameaçar a sã
doutrina cristã (FERREIRA, 1985, p. 308-313).
O Concílio Vaticano II acolheu o contributo do Magistério das décadas anteriores e
consagrou, definitivamente, a posição de abertura em relação aos meio de comunicação
modernos, inclusive aqueles que ainda não tinham surgido, desde que todos os meios
de comunicação social fossem usados para o bem dos cristãos e o progresso da
sociedade (FERREIRA, 1985, p. 313-315).

Figura 2: Comunidade global em torno dos meios de comunicação social


Fonte: https://miro.medium.com/max/660/1*lcwGF281NE1z2VHH3syDog.jpeg

Ao longo de toda essa história da comunicação, a Igreja teve sempre o objetivo


de inculturar o evangelho na linguagem e na sociedade de cada tempo e lugar, mas
usando métodos e instrumentos diferentes, de acordo com o discernimento feito em
cada período. Neste sentido, Zanon (2021, p. 16) vê três transformações fundamentais
na relação Igreja-comunicação, que ele assim classifica: “das praças ao púlpito”, “do
púlpito ao estúdio” e “do estúdio à ágora digital”.
O período das praças começa na era apostólica. A comunicação do evangelho
acontecia de cidade em cidade, de sinagoga em sinagoga, de praça em praça. A
comunicação era predominantemente oral, complementada com algumas cartas e
outros escritos. A Igreja itinerante se comunicava com as pessoas nas praças, que era
o fórum nas cidades romanas, e o areópago e a ágora nas cidades gregas. Durante os
primeiros séculos de cristianismo, a comunicação foi marcada por essa proximidade
com as pessoas, em uma dimensão relacional e dialógica. Além das praças, as casas

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das famílias eram um ambiente de evangelização e celebração, visto que não haviam
templos cristãos (ZANON, 2021, p. 21-24).

ANOTE ISSO

O fórum, nas cidades romanas, era o espaço da política, do comércio e até mesmo
de alguns ritos religiosos, enfim, o local privilegiado da vida social dos cidadãos.
A ágora, nas cidades gregas, desenvolvia este papel, mas era ainda mais aberta e
democrática, favorecendo inclusive o encontro entre culturas. Já o areópago era
um espaço mais reservado para os filósofos, os políticos e a elite da cidade. Por
isso, quando Paulo chegou em Atenas, proclamou o evangelho na ágora, até ser
convocado ao areópago (At 17,1-34). Essas definições são úteis para compreender
o conceito que trataremos mais adiante de “ágora digital”: o novo espaço de
evangelização, marcado pela troca de experiências e culturas.

A partir do século IV a situação mudou, pois o cristianismo se tornou uma religião


oficial do Império Romano e precisava ampliar a sua forma de comunicação. Aconteceu,
então, a passagem da praça ao púlpito. Ao mesmo tempo, a Igreja começou a estruturar
a sua hierarquia. Os pregadores passaram a ser especialmente os bispos e também
alguns padres. Entre eles, grandes personagens como Clemente Romano, Inácio
de Antioquia, Irineu de Lião, Orígenes de Alexandria, João Crisóstomo, Ambrósio de
Milão, Agostinho de Hipona, entre outros Padres da Igreja. A pregação foi inserida na
celebração litúrgica e passou a ser pronunciada no púlpito das igrejas. Neste período,
se desenvolveu também a comunicação através da pintura (iconografia), que retrata
Jesus, Nossa Senhora e cenas bíblicas: a evangelização através da via pulchritudinis
(via da beleza). Com tudo isso, a comunicação passou da forma predominantemente
oral à forma escrita (os sermões e reflexões teológicas dos Padres) e à forma artística;
e o púlpito se tornou o principal canal de comunicação com o povo (ZANON, 2021,
p. 36-43).
A principal diferença do púlpito em relação à praça é a falta de interação com o
público. O pregador ensina magistralmente, mas não interage diretamente com a
comunidade. Não há diálogo, mas sim monólogo. A comunidade não é chamada a
responder ou questionar, mas acaba se acostumando a receber tudo como verdade
indiscutível. Ainda hoje há resquício dessa mentalidade, e a Igreja tem dificuldade
em restabelecer um diálogo com a sociedade. Sem dúvida a homilia pronunciada

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no púlpito, dentro de uma celebração litúrgica, mantém seu valor insubstituível, mas
não deveria ser a única forma de comunicação na Igreja. Voltando à história, a partir
do século IV, a comunicação predominante era o púlpito. Porém, com o surgimento
dos mosteiros no século XII, muitos monges se dedicam a escrever obras teológicas,
outros a copiar (monges copistas) obras clássicas. Aconteceu, então, a passagem
do púlpito ao estúdio, entendendo como estúdio o espaço criativo da biblioteca e do
local de estudo (ZANON, 2021, p. 43-48).
Este processo foi acelerado pela revolução de Gutenberg (1454), ou seja, a invenção
da imprensa. A Igreja logo fez uso desta forma de comunicação em massa: livros
produzidos e divulgados em grande escala. Realmente, o livro alcança um número
maior de pessoas, em espaços e tempos diferentes, mas é menos relacional que o
púlpito, o qual já era menos relacional que a praça. A comunicação se tornou mais
ampla, mas gerou menos comunhão. Os livros passaram a divulgar ideias e doutrinas
de forma muito mais rápida, possibilitando inclusive os movimentos de Reforma, a
partir de Lutero, Calvino e outros (ZANON, 2021, p. 49-51).
Nos séculos sucessivos, vão aparecendo, aos poucos, todas as outras invenções
que já apresentamos na primeira parte desta aula: telégrafo, telefone, rádio, televisão,
computador, da internet, etc. Com a popularização dos meios de comunicação em
massa, a comunicação deixou de significar comunhão e partilha para indicar difusão
de dados e informações. E a Igreja reagiu de maneira predominantemente negativa
a esta revolução, pois possibilitava a difusão de ideias contrárias à doutrina. Por um
lado, a Igreja promoveu, em todo este período, a arte, a arqueologia e a arquivística,
mas censurou os novos instrumentos de comunicação social. Esta postura mudou
somente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). A partir de então, a Igreja passou
a buscar um maior diálogo com o mundo e passou a acolher todos os meios de
comunicação modernos como instrumentos válidos para o anúncio e propagação do
evangelho. Esta abertura significou assumir plenamente a lógica do estúdio, ou seja,
a produção de conteúdo evangélico para ser divulgado pelos meios de comunicação
(ZANON, 2021, p. 51-66).
Nas últimas décadas, a situação mudou. Os meios de comunicação modernos (jornais,
cinema, rádio, televisão, etc.) continuam válidos, mas a cultura digital revolucionou a
comunicação. A internet permite uma comunicação muito mais rápida e possibilita a
interação entre as pessoas, diferente dos meios de comunicação anteriores. A Igreja
também adotou as novas tecnologias e as novas linguagens da comunicação, através

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da internet e das redes sociais digitais. É a passagem do estúdio à ágora digital. Visto
que este é um campo novo (tem apenas três décadas), ainda não há muita clareza
sobre como a Igreja deve interagir com o mundo digital. Há grupos empolgados que
se lançam completamente na evangelização na ágora digital, outros vão com mais
calma e prudência (ZANON, 2021, p. 80-86). Os documentos do magistério dos últimos
papas têm contribuído para orientar a comunicação cristã nos meios digitais, mas
veremos isso com mais detalhes na aula 10.
Concluindo esta aula, enfatizamos mais uma vez que tudo aquilo que é humano está
envolvido na comunicação. A comunicação gera identidade, cultura, conhecimento,
interação, comunhão e compreensão. Os instrumentos, a linguagem e os meios de
comunicação evoluíram, mas o propósito da comunicação permanece o mesmo:
estabelecer relações. A Igreja sempre utilizou a linguagem e os meios de comunicação
de cada período e de cada lugar no mundo. Hoje temos em nossas mãos uma grande
riqueza quanto às formas e aos instrumentos de comunicação. O importante é saber
usar todos os recursos da comunicação humana para criar pontes, estabelecer relações
solidárias e ampliar a comunhão dos seres humanos com Deus e das pessoas entre si.

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CAPÍTULO 9
TEORIA DA COMUNICAÇÃO
E COMO APLICA-SE NA
HOMILÉTICA

Prezadas e prezados estudantes, nesta aula vamos tratar de uma disciplina que
nasceu no último século e vem se expandindo consideravelmente nas últimas décadas:
a Teoria da Comunicação. Evidentemente, não é possível expor em uma aula o conteúdo
de toda a ciência da comunicação, mas podemos tratar de forma breve a sua definição
e a sua história. O objetivo desta aproximação à Teoria das Comunicações é trazer
novas contribuições para a comunicação cristã do Evangelho, particularmente para
a homilia. Por isso, na segunda parte desta aula, vamos aplicar alguns conceitos da
Teoria das Comunicações na homilética; e na terceira parte, apresentaremos alguns
elementos para uma boa comunicação na homilia.

9.1 As Teorias da Comunicação

A expressão “Teoria da Comunicação” é o nome dado a um amplo conjunto de estudos


sobre a comunicação realizados desde o início do século XX. Na verdade, existem várias
teorias, por isso muitos preferem a expressão no plural: “Teorias da Comunicação”. Nesta
aula, usaremos ambas as expressões, pois “Teoria da Comunicação” se refere à disciplina
em si, enquanto “Teorias da Comunicação” faz referência às várias abordagens dentro das
ciências da comunicação. Começamos definindo o campo da Teoria da Comunicação,
especialmente seu objeto e metodologia. Em seguida, apresentaremos uma panorâmica
histórica sobre as várias teorias que se desenvolveram no último século.

9.1.1 Definindo o campo da Teoria da Comunicação

Toda ciência tem um objeto: a sociologia estuda o ser humano em sociedade, a


psicologia olha para o indivíduo, a biologia estuda a vida biológica, e assim por diante.
Quando falamos de “ciência da comunicação”, a primeira coisa que nos vem em mente é
o estudo dos meios de comunicação, mas isso seria restringir o campo da comunicação

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a apenas um aspecto - um aspecto importante, mas não único. Na verdade, o objeto da


ciência da comunicação é a comunicação em si, ou seja, todo o fenômeno comunicativo:
todas as ações humanas que apresentam uma dimensão comunicacional fazem parte
deste objeto, e podem ser chamadas de práticas comunicativas.
Trata-se de um objeto muito amplo, que pode incluir as práticas comunicativas
de uma tribo urbana, de uma rede de televisão, de um espaço acadêmico ou de
um ambiente de trabalho; as conversas do dia a dia, os jogos e as distrações; a
publicidade, as relações públicas, e assim por diante. O que realmente distingue uma
análise comunicativa de um outro tipo de análise é a maneira, não tanto o objeto. O
mesmo objeto (por exemplo, os meios de comunicação), pode ser analisado sob um
viés psicológico, cultural, econômico ou comunicativo, entre outros (FRANÇA; SIMÕES,
2016, p. 26-29).
O processo comunicativo leva em conta pelo menos três elementos: os interlocutores;
a materialidade simbólica (produção discursiva); e a situação discursiva (contexto
imediato). A relação entre esses elementos é o objeto da análise comunicativa.
Isso significa que a ciência da comunicação estuda o posicionamento dos sujeitos
interlocutores; a criação de formas simbólicas; e a dinâmica de produção de sentidos
(FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 29).
As Teorias da Comunicação surgiram no século XX, impulsionadas pelo mundo
das comunicações em massa. A comunicação pública, institucionalizada, produzida
e veiculada pelos meios técnicos de transmissão, provocou a reflexão acadêmica
sobre todo este fenômeno novo. As Teorias da Comunicação, na verdade, incluem
estudos muito diversificados da realidade comunicativa, resultado de várias iniciativas,
com pretensões científicas, de conhecer a comunicação. No entanto, trata-se de uma
disciplina nova, que ainda não está completamente sistematizada.

Figura 1: Comunicação multidirecional


Fonte: https://www.rachelkgroup.com/10-questions-comm-strategy/

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Existem ainda várias dificuldades a serem superadas, como a extensão e a diversidade


do objeto: as práticas comunicativas. Além disso, as práticas comunicativas estão em
constante mutação, de modo que as teorias precisam atualizar-se constantemente. Ao
contrário de outras ciências, a prática precede a teoria no campo das comunicações.
O problema é selecionar qual prática comunicativa será objeto de estudo, e esse
processo muitas vezes acaba sendo influenciado pelo viés ideológico: por exemplo,
uma teoria que nasce para explicar a comunicação televisiva em vista de melhorar a
publicidade. Enfim, existe o problema da heterogeneidade dos aportes teóricos, ou seja,
a comunicação pode ser analisada sob o ponto de vista sociológico, antropológico,
psicológico, semiótico, etc. Isso dificulta a integração teórica e metodológica para
definir a disciplina das comunicações (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 30-34).
Diante deste quadro, talvez ainda não seja possível falar de uma “ciência das
comunicações”, com objeto e metodologia bem definidos. Mas podemos falar das
Teorias das Comunicações como um corpo de estudos sobre uma área específica de
conhecimento (o fenômeno da comunicação), apesar da variedade e heterogeneidade
de enfoques.

9.1.2 Panorâmica histórica sobre as Teorias da Comunicação

Por mais que a Teoria das Comunicações seja uma disciplina recente, a preocupação
com as comunicações é tão antiga quanto a humanidade. Já na Grécia Antiga,
encontramos uma abordagem acadêmica do fenômeno da comunicação com os
Sofistas, que ensinavam a arte do discurso de persuasão. Por sua vez, os filósofos
clássicos defendiam a discussão racional para dirigir a pólis (retórica clássica). No
entanto, só no século XX aparecem os primeiros estudos específicos sobre o fenômeno
das comunicações.
Os primeiros estudos da comunicação apareceram na Europa, com Otto Groth
(1875-1965) em Estrasburgo (hoje território da França) e a sua “teoria do diário”, um
estudo sobre o jornalismo. Nos anos 1930, nos Estados Unidos, surgiram estudos mais
sistemáticos, dando origem à primeira Teoria da Comunicação propriamente dita: a
Mass Communication Research (Pesquisa da Comunicação em Massa). Os primeiros
pesquisadores foram Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl Hovland, que
buscavam entender o papel dos meios de comunicação e o processo de influência.
Eram estudos financiados por políticos e empresários interessados em ampliar suas

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vendas e sua persuasão. Pouco mais tarde, a Segunda Grande Guerra Mundial e a
Guerra Fria promoveram um grande aperfeiçoamento do desempenho e da eficácia
da comunicação através dos meios de comunicação em massa, com fins fortemente
ideológicos (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 37-41).
Nos Estados Unidos, no início do século XX, surgiu também um grupo de
pesquisadores na Escola de Chicago, voltada inicialmente para a pesquisa sobre o
conhecimento e a obtenção de efeitos. Na Europa, se desenvolveu nesta época a Teoria
Crítica ou Escola de Frankfurt, que contrastava a tendência americana, promovendo uma
crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica da comunicação em
massa. Na França, no final dos anos 1930, foi criado o Instituto Francês de Imprensa,
que desenvolvia um trabalho de análise morfológica dos jornais, e que mais tarde
se tornou o Centre d’Études des Communications de Masse (Centro de Estudos das
Comunicações em Massa), que refletia sobre a cultura de massa e a ideologia dos
produtos culturais. Também o estruturalismo francês tratou da linguagem dos meios de
comunicação. Na Inglaterra, pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural Studies
(Centro para Estudos Culturais Contemporâneos) da Universidade de Birmingham se
concentravam sobre a produção dos meios de comunicação no contexto das práticas
sociais cotidianas (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 41-42).
Chegamos na América Latina, e aqui as primeiras pesquisas sobre a comunicação
surgiram nos anos 1950 e 1960, com influência das escolas norte-americanas. Esse
quadro mudou nos anos 1970, com intelectuais de formação marxista que passaram
a criticar a tendência imperialista das comunicações, dando origem à “teoria da
dependência”. Eles trouxeram a proposta de uma nova prática comunicativa: a
comunicação horizontal ou participativa. Neste período, em todo o planeta se busca
uma nova ordem internacional de comunicação e uma democratização dos meios. Nas
últimas décadas, muitas dessas teorias foram superadas, outras foram reconfiguradas,
mas todas deixaram um grande legado e colocaram as bases para o estudo da
comunicação (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 42-43).
Falando de maneira muito simplista e generalizada, as teorias que se desenvolveram
ao longo do século XX pensavam o processo comunicativo como uma transmissão
de mensagens de um emissor para um receptor. As teorias das últimas décadas
questionam essa matriz de pensamento, e começam a ver o processo comunicativo
como algo mais complexo: não basta considerar os componentes da comunicação
(mensagem, emissor, receptor e meio), mas é preciso prestar atenção às diversas
relações que se estabelecem entre tais elementos.

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O assim chamado paradigma relacional, desenvolvido nas últimas décadas, vê a


comunicação não mais como uma relação única (do emissor ao receptor), mas uma
dinâmica relacional múltipla: entre vários interlocutores, com o simbólico (linguagem),
com o contexto e com os dispositivos. Nesta dinâmica, não existe um emissor e um
receptor, mas todos os envolvidos cumprem ambas as funções o tempo todo. O meio
não serve só para transmitir a mensagem, mas frequentemente influencia ou modifica
a mensagem. Em poucas palavras, hoje se compreende que o processo comunicativo
é muito mais complexo do que a descrição que se fazia dele nos primórdios das
teorias da comunicação, mas ao mesmo tempo é muito mais rico (FRANÇA; SIMÕES,
2016, p. 253-255).

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

O paradigma relacional da comunicação pode ser bem observado no nosso


cotidiano. Antes de tudo, é o modelo das nossas comunicações mais corriqueiras:
as conversas informais, nas quais os interlocutores são emissores e receptores
o tempo todo. Mas também é o modelo das redes sociais: quando publicamos
alguma coisa, em poucos segundos recebemos a reação de outros usuários da
mesma rede social, que podem ser palavras, mas podem ser símbolos (os likes, os
emojis, etc.). A simples visualização sem resposta é uma forma de comunicação.
Além disso, o meio escolhido (a rede social específica) influencia a mensagem,
pois cada rede apresenta recursos próprios de comunicação. Trata-se de uma rede
complexa de comunicação, com constantes emissões e recepções de mensagens,
um processo comunicativo que se encaixa perfeitamente no paradigma relacional.

9.2 Aplicando conceitos de comunicação na homilética

Como vimos nas primeiras aulas, a homilética é a arte de preparar sermões, usando
técnicas próprias desta disciplina. Sendo assim, a homilética é também um ato de
comunicação, ou seja: um caminho por onde determinado conteúdo pode ir do emissor
para o receptor. A homilética mostra os diferentes tipos de mensagem para diferentes
públicos, estabelece regras, corrige vícios, indica ações para a exposição do sermão,
em uma palavra: orienta para a forma adequada de comunicar (INTERSABERES, 2016,
p. 137-138).

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Todo ato de comunicação tem por objetivo a transmissão de uma mensagem. Nesse
processo, é necessário um objeto (a mensagem mesma), um referente (o conteúdo da
mensagem), um emissor, um receptor e um canal por meio do qual a mensagem passa.
No caso da homilia, o emissor é o pregador do Evangelho; o receptor é a comunidade
dos ouvintes da Palavra de Deus; o objeto é a mensagem cristã transmitida; o canal
é composto por meios sonoros (a pregação pronunciada) e meios visuais (gestos,
aparência, expressões, símbolos, etc.) (INTERSABERES, 2016, p. 139).
Outros conceitos importantes da Teoria da Comunicação são esses: o código é o
conjunto de signos e suas regras de comunicação; o signo é composto pelo significante
(imagem) e o significado (conceito), que são objeto de estudo da semiologia; o referente
é o assunto ou conteúdo da mensagem. Qualquer falha nesse sistema de comunicação
impedirá a perfeita captação da mensagem. O obstáculo que atrapalha a comunicação
se chama ruído, o qual pode ser provocado pelo emissor, pelo receptor ou pelo canal.
Na homilia, por exemplo, se o pregador (emissor) usa uma linguagem muito técnica,
incompreensível para a maioria dos ouvintes (receptores), a comunicação não se
realizará, pois haverá um “ruído” que parte do emissor e está relacionado ao referente
(INTERSABERES, 2016, p. 139-140).
Os níveis de linguagem são as variações referentes ao uso da linguagem pelo mesmo
falante, de acordo com a variedade de situações. A eficiência do ato de comunicação
está ligada ao adequado nível de linguagem. Além dos diferentes níveis, existem as
variantes linguísticas, ou seja, variações na utilização de uma determinada língua. As
variantes linguísticas dependem de influências geográficas (variações regionais),
sociológicas (diferentes classes sociais), ou contextuais (dependendo do assunto,
do ouvinte e das circunstâncias). As variantes socioculturais correspondem aos níveis
de linguagem: os três níveis de linguagem (culta, familiar e popular) dependem da
situação sociocultural. Também podem ser chamados de dialetos sociais: dialeto culto,
comum ou popular.
Aplicando esses conceitos à realidade, vemos que a linguagem culta é usada pelas
classes intelectuais em ambientes diplomáticos, científicos, ou em discursos e sermões.
A linguagem familiar é usada em contexto menos formal e mais cotidiano, incluindo o
rádio, a televisão e os meios de comunicação em massa, na forma oral ou escrita. E
a linguagem popular é utilizada pelas pessoas com menos escolaridade, normalmente
na forma oral, acompanhada por gírias e regionalismos, sem preocupação com regras
gramaticais formais (INTERSABERES, 2016, p. 141-142). O registro usado em uma

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homilia é a linguagem culta, mas é preciso destacar que isso não significa linguagem
difícil ou técnica, significa apenas que se trata de um uso bastante preciso da linguagem.
Enfim, aplicando o modelo mais recente de Teoria da Comunicação, ou melhor,
o paradigma relacional, precisamos ir além do imaginário comum da homilia como
um monólogo, no qual o emissor (pregador) comunica uma mensagem através de
palavras e gestos (meios) a um grupo de receptores (comunidade). Na verdade, todos
interagem neste processo. Como vimos na aula 6 sobre “o preparo e a ministração
do sermão”, o pregador deve ouvir o povo, suas necessidades, suas esperanças, suas
perguntas, suas provações, suas alegrias. Sendo assim, o emissor é também receptor
e vice-versa. O meio também determina o conteúdo da mensagem: quais palavras e
quais gestos são escolhidos? Além da homilia, existem outros meios para comunicar
o evangelho: quando o evangelizador escolhe determinada rede social para mediar
sua mensagem, essa escolha por si só já está comunicando alguma coisa e já está
indicando quem será o público alvo. Em poucas palavras: tudo comunica. A pregação
do Evangelho não é unilateral, mas acontece em uma rede de intercâmbios contínuos,
que caracteriza o processo comunicativo.

ISTO ESTÁ NA REDE

Nesta aula, estamos aplicando alguns conceitos da Teoria da Comunicação à


homilética. No entanto, o interesse da Igreja pelas teorias da Comunicação não
nasceu agora. Em 2011, por exemplo, esse foi um dos temas do 1º Seminário de
Comunicação para Bispos do Brasil (SECOBB). Professores especialistas nesta
área foram chamados para falar aos 62 bispos reunidos no Centro de Formação
Sumaré, no Rio de Janeiro. Falaram sobre o processo da alteridade, sobre a
compreensão da comunicação na sociedade, sobre a interdependência no mundo
globalizado, além de um repasse geral das Teorias da Comunicação, como a
hipodérmica, a funcionalista, a crítica e os estudos culturais. Veja-se: https://www.
cnbb.org.br/bispos-debatem-teorias-da-comunicacao-no-secobb/

9.3 A Comunicação na homilia

Voltando aos princípios básicos do processo comunicativo, destacamos que a


comunicação na homilia acontece especialmente através de palavras e imagens. A
palavra é a forma de expressão da linguagem, e depende de uma convenção social

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(todos concordam em atribuir tal significado a tal palavra). A imagem é o modo de


comunicação visual (gestos, expressões, etc.). Estes dois elementos da comunicação
não estão separados, pois a palavra também evoca o imaginário e a imagem se revela
pela fala. A palavra, na linguagem oral, contém uma parte material, ou seja, o som
ou conjunto de sons (o significante), e uma parte imaterial (o significado). A palavra,
através da linguagem oral, é o principal instrumento do pregador (RIGO, 2012, p. 98-99).
Rigo (2012, p. 99-105) aplica a abordagem histórico-científica da comunicação à
homilia para determinar alguns elementos da “boa comunicação na homilia”, ou seja,
para determinar como a palavra pode alcançar sua máxima expressividade. Eis a
nossa síntese a seguir:
a) Empatia: a empatia consiste em estabelecer um tipo de relação que faz o
interlocutor sentir-se bem diante do comunicador. O pregador deve causar
empatia na assembleia para ser realmente ouvido. Para isso, é necessário colocar-
se no mesmo nível dos ouvintes, apresentando-se como irmão, não como um
superior; e eliminar as diferenças (culturais, sociais e outras) que afastam a
comunidade do pregador;

Figura 2: Empatia
Fonte: https://psychology-spot.com/what-is-empathy/

a) Determinação: falar com determinação é ter autoconfiança. Quem fala em


público sem determinação ou sem demonstrar autoconfiança, acaba perdendo
credibilidade;

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b) Convicção: a insegurança é o contrário da convicção. Se o pregador fala sem


convicção, sem demonstrar que acredita nas suas próprias palavras, ninguém vai
acreditar nele. Sendo assim, só é possível fazer homilia se as palavras brotam
do coração e de uma experiência de fé. Não é possível anunciar a Palavra de
Deus sem acreditar nela;
c) Credibilidade: a credibilidade tem a ver com a coerência de vida. Por isso,
Jesus alertava para a incongruência daqueles que pregam sem praticar: “Fazei
e observai tudo quanto vos disserem. Mas não imiteis as suas ações, pois dizem,
mas não fazem” (Mt 23,3);
d) Eficiência: ser eficiente é ter competência na área de atuação. A competência
necessária para fazer homilia inclui: capacidade comunicativa, preparo, estudo
bíblico, atenção pastoral, amor pela Palavra de Deus, etc.

A partir desta síntese, fica claro que uma “boa homilia” não depende apenas
dos aspectos verbais, mas a linguagem não verbal também é fundamental para a
boa comunicação. A demonstração de empatia, de convicção e credibilidade, por
exemplo, não acontece apenas por meio de palavras, mas também pela postura,
pelas expressões, pelo comportamento, pelo exemplo de vida, etc. Tudo isso amplia
a eficácia da comunicação na homilia e na vida.
A comunicação depende, como já vimos, do emissor, do canal e do receptor. Neste
sentido, o pregador deve ter em conta os novos púlpitos e os novos públicos. Além
do púlpito como local simbólico e teológico da proclamação da Palavra nas igrejas,
existem novos espaços onde a Palavra de Deus pode ser proclamada a novos públicos.
Os meios de comunicação social, também chamados por João Paulo II de “novos
areópagos”, constituem um importante púlpito para a evangelização hoje, incluindo
o jornal, a televisão, a internet, a mass media, etc. O mundo da cultura também é um
púlpito importante. O espaço da caridade continua sendo sempre um canal fundamental
de evangelização. Em cada um desses “púlpitos” há uma linguagem diferente e um
público diferente a ser alcançado pelas muitas linguagens da Igreja (RIGO, 2012, p.
106-109).
Em síntese, nesta aula vimos como a Teoria das Comunicações vem se definindo
e se desenvolvendo. Também fizemos a aplicação de alguns conceitos fundamentais
desta teoria à homilética. Nesta parte, vimos como existem vários elementos que
interagem no processo de comunicação e precisam ser levados em conta no momento

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de dirigir uma homilia à comunidade: as palavras pronunciadas, as imagens, os gestos


e símbolos; o nível correto de linguagem; as interações entre pregador e comunidade;
etc. E na terceira parte da aula, mostramos alguns elementos que podem contribuir
para uma boa comunicação da homilia: a empatia, a determinação, a convicção, a
credibilidade e a eficiência. Deste modo, vimos como as Teorias da Comunicação
podem ser aplicadas à homilia trazendo grande benefício à comunicação cristã.

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CAPÍTULO 10
EVANGELIZAÇÃO NOS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

Nesta aula, trataremos do tema da Evangelização através dos meios de comunicação


social. Para fazer isso, vamos ouvir com atenção aquilo que a Igreja tem dito sobre esta
temática. À nível de Igreja universal, temos os documentos do Pontifício Conselho para
as Comunicações Sociais (atualmente “Dicastério para a comunicação’’). Selecionei
dois dentre os documentos mais relevantes e atuais deste órgão pontifício: a instrução
pastoral Ética nas Comunicações Sociais de 2000; e a instrução Igreja e Internet de
2002. As principais preocupações destes documentos são: os princípios éticos e
a evangelização nos meios de comunicação social. Estas serão as temáticas das
duas primeiras partes desta aula. Na terceira parte, viremos à nossa realidade local,
com um documento representativo da CNBB: as Orientações Pastorais para as Mídias
Católicas, de 2018. Com isso, teremos um panorama do modo como a Igreja concebe
a evangelização nos meios de comunicação modernos.

10.1 Princípios éticos nas Comunicações Sociais

A instrução Ética nas Comunicações Sociais (2000, n.º 1-2) começa afirmando que
os mass media servem tanto para o bem quanto para o mal: por trás existem pessoas
que decidem como usá-los. Estas opções éticas não dependem apenas daqueles
que usam os meios de comunicação, mas especialmente daqueles que controlam
tais instrumentos e determinam suas estruturas, linhas de conduta e conteúdo. O
problema é que as pessoas não só usam os meios de comunicação para transmitir ou
receber informações, mas com frequência identificam a própria vida com a experiência
mediática. O conteúdo dos mass media são tão diversos que permitem criar laços de
fraternidade, por um lado, ou criar isolamento e narcisismo, por outro lado.
Além dessas questões éticas, o documento lembra que a Igreja tem como missão
no mundo anunciar o Evangelho até o fim dos tempos (Mt 28,19-20; Mc 16,15), e os
mass media podem ser muito úteis para cumprir esta missão. E destaca o aspecto

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da comunhão que nasce da comunicação, como já vimos na aula 8. Neste sentido, a


Igreja vê os meios de comunicação social como positivos, frutos do gênio humano e
dádiva de Deus. Por isso, procura definir princípios para que os cristãos comprometidos
na comunicação social possam orientar-se no mundo dos mass media. De fato, as
comunicações sociais também são um espaço humano, e como todo espaço de
relações humanas deve ser orientado por princípios éticos (Ética nas Comunicações
Sociais, 2020, n.º 3-4).
Depois desta introdução, a instrução entra no tema da “Comunicação social a
serviço da pessoa humana”, pois o objetivo dos mass media é o serviço da dignidade
humana, para que os indivíduos vivam como pessoas em comunidade. Os mass media
têm a potencialidade de encorajar os homens e as mulheres partilharem pensamentos
e sentimentos dos outros, a cultivarem um sentido de responsabilidade recíproca, a
crescerem na liberdade pessoal e no respeito pela liberdade do próximo, a promoverem
a felicidade e a realização humanas. Existem benefícios econômicos, políticos, culturais,
educativos e religiosos no uso correto dos mass media. Os benefícios religiosos
consistem na transmissão de informações sobre eventos, ideias e personalidades
religiosas, além da evangelização e da catequese que podem alcançar um número
maior de pessoas (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 5-11).

Figura 1: Mass Media no mundo


Fonte: https://pt.fmuser.net/content/?7597.html

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Apesar de todo benefício da comunicação social, a instrução adverte que ela também
pode violar o bem da pessoa. Os mass media podem alienar, marginalizar ou isolar os
indivíduos; podem propagar valores falsos e destruidores, fomentando a hostilidade
e o conflito; ou difundir informações falsas e desinformação. Além disso, é comum
ver na internet ataques relacionados à raça, à etnia, ao sexo, à religião, etc. No campo
econômico, o mass media exalta os mais ricos e humilha os pobres. No aspecto político,
pode servir para manipular as pessoas em vista de uma ideologia. Quanto à cultura,
pode promover a corrupção, a desumanização, a pornografia e outros padrões culturais
contrários ao Evangelho. No aspecto religioso, pode dar espaço ao secularismo, ao
relativismo, ao fundamentalismo ou à intolerância religiosa. Em poucas palavras, os
mass media podem ser utilizados para o bem ou para o mal, tudo depende da escolha
humana (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 13-19).
Diante disso, o documento procura estabelecer alguns princípios éticos relevantes.
Destaca, antes de tudo, que os princípios e normas éticas de outros campos também
se aplicam à comunicação social, especialmente os princípios da ética social: a
solidariedade, a subsidiariedade, a justiça, a equidade e a credibilidade. Todavia, a
ética na comunicação social não está interessada só naquilo que aparece (o conteúdo
e o modo de se comunicar), mas também nas questões de estruturas e sistemas:
a distribuição da tecnologia da comunicação não é igualitária; o lucro muitas vezes
está acima do interesse público e do bem comum (Ética nas Comunicações Sociais,
2020, n.º 20). Por isso, a instrução propõe alguns princípios éticos, conforme a síntese
a seguir:
• Princípio ético fundamental: “a pessoa e a comunidade humanas são a finalidade
e a medida do uso dos meios de comunicação social; a comunicação deveria
fazer-se de pessoa a pessoa, para o desenvolvimento integral das mesmas”
(Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 21). Para que o desenvolvimento
integral aconteça, é preciso distribuir com equidade os bens físicos, intelectuais,
emocionais, morais e espirituais;
• O segundo princípio complementa o primeiro: “o bem das pessoas não pode
realizar-se sem o bem comum das comunidades às quais elas pertencem”
(Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 22). Em um mundo globalizado,
isso significa buscar o bem de todas as comunidades do mundo, evitando de
colocar um grupo contra outro.

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Colocando juntos esses dois princípios, chega-se à conclusão que os comunicadores


e os responsáveis pelas políticas da comunicação devem pensar no bem dos indivíduos
e da comunidade internacional como um todo. Isso implica a luta pela equidade na
distribuição de recursos e tecnologias de informação para todos os países, pobres
ou ricos. Os responsáveis por decisões no campo das comunicações sociais têm o
dever moral de reconhecer as necessidades dos mais vulneráveis (pobres, idosos,
crianças, mulheres, minorias, portadores de necessidades especiais, analfabetos, etc.).
A normatização dos mass media deve garantir, sobretudo, a liberdade de expressão para
todos, tendo presente que a calúnia, a difamação, as mensagens de ódio, a pornografia
e a violência não fazem parte da liberdade de expressão, mas são violações da moral
(Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 22-23).
A comunicação é um bem de todos, então todos deveriam poder participar de
processos decisórios sobre as políticas de comunicação. Normalmente, quem dita as
regras é o mercado e o lucro. É verdade que as regras de mercado fazem parte dos
meios de comunicação, mas não deveriam ser a única voz ouvida. Os comunicadores
deveriam ouvir as pessoas e salvaguardar o interesse público, olhando particularmente
para as minorias. Isso significa fazer dos meios de comunicação um verdadeiro
“Areópago” (cf. Redemptoris missio, 1990, n.º 37), ou seja, um espaço democrático de
intercâmbio de ideias e de informações, aproximando indivíduos e grupos, promovendo
a solidariedade e a paz (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 24).
Não só os comunicadores, mas também os receptores têm obrigações morais. O
primeiro dever consiste em discernir e selecionar as informações e os conteúdos com
critérios éticos. Neste ponto, a Igreja tem muito a contribuir, oferecendo uma educação
midiática para que os cristãos saibam utilizar os mass media “para o crescimento
pessoal e comunitário, com a clareza evangélica e a liberdade interior de quem aprendeu
a conhecer a Jesus Cristo” (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 25). De fato, os
mass media muitas vezes impõem uma mentalidade e um modelo de vida contrários
ao Evangelho, por isso é preciso educar-se para uma recepção crítica e fecunda
destes meios. Essa formação deve começar em casa, com os pais educando os filhos
para um uso consciente e correto dos meios de comunicação, ao invés de deixá-los
passivamente à mercê de todo conteúdo disparado por comunicadores anônimos.

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Figura 2: Educação dos filhos para o mundo digital


Fonte: https://www.pexels.com/photo/mother-helping-her-daughter-with-homework-4260475/

A instrução Igreja e Internet (2002, n.º 7) também trata da educação e formação


para o uso dos meios de comunicação. Não só uma educação técnica, mas também
uma formação da consciência moral. O público jovem requer uma atenção particular,
pois são cidadãos desta era das comunicações sociais. Talvez já conheçam bem a
técnica, mas precisam ser educados a discernir moralmente e a agir corretamente
neste mundo cibernético, para que possam crescer integralmente e ajudar outros a
fazerem o mesmo.
Outra questão ética tratada pela instrução Igreja e Internet (2002, n.º 9), ausente na
instrução anterior, é o problema do consumismo. Neste meio de oferta de produtos e
serviços, a Igreja também corre o risco de apresentar uma versão “consumista” da fé,
ou seja, oferecer aquilo que agrada os “consumidores”. Mas é preciso sempre lembrar
que as verdades de fé não se negociam e que os fiéis não são meros consumidores.
Outro risco é substituir a vida sacramental e a celebração comunitária por uma versão
apenas virtual da Igreja. A internet é um complemento importante, mas não substitui
o contato pessoal com os sacramentos e com os irmãos da comunidade concreta.
Enfim, a comunicação social pode ser usada para o bem ou para o mal, para isolar ou
para criar comunhão, para gerar conflito ou gerar solidariedade: tudo depende da nossa
decisão. A Igreja pode contribuir para promover o bom uso dos mass media mediante

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a sua visão da pessoa humana, da sua dignidade e de seus direitos invioláveis; e sua
visão de comunidade humana, na qual todos os membros estão unidos por laços de
solidariedade e pela busca do bem comum (Ética nas Comunicações Sociais, 2020,
n.º 29-30).

10.2 A Evangelização nos Meios de Comunicação Social

As instituições religiosas não devem apenas zelar pelo uso ético dos mass media,
mas devem também buscar dar exemplo de um bom uso. Em outras palavras, a Igreja
tem a missão de usar os mass media para:

“comunicar a plenitude da verdade acerca do significado da vida


e história humanas, especialmente enquanto contida na palavra
de Deus, revelada e expressa pelo ensinamento do Magistério. Os
pastores devem encorajar o uso dos mass media para propagar o
Evangelho” (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 26).

O comunicador cristão tem a tarefa profética de falar contra os falsos deuses e ídolos
do nosso tempo (materialismo, hedonismo, consumismo, nacionalismo exasperado,
etc.). Ele também deve anunciar a verdade do Evangelho quanto à dignidade e aos
direitos humanos, quanto à opção preferencial pelos pobres, o destino universal dos
bens, o amor pelos inimigos e o respeito incondicional pela vida humana desde a
concepção até à morte natural. O modelo de todo comunicador cristão é o próprio
Jesus, o qual pregava a solidariedade, a justiça, o amor, o perdão e a verdade acerca
da vida humana e do seu destino em Deus (Ética nas Comunicações Sociais, 2020,
n.º 31-33).
A instrução Igreja e Internet (2002, n.º 3-4) afirma que a Igreja tem uma finalidade
dúplice quanto aos mass media: encorajar seu progresso e seu uso correto, em vista
do desenvolvimento da justiça, da paz e da humanidade; e a comunicação da Palavra
e do amor de Deus através destes meios. Neste sentido, os meios de comunicação
em massa são um excelente instrumento, uma dádiva divina, para criar comunhão e
evangelizar. Não se trata apenas de difundir a mensagem cristã através dos novos
meios, mas de integrar essa mensagem na “nova cultura”, visto que os mass media
não são apenas instrumentos de comunicação, mas espaço de experiência humana.
Anunciar o Evangelho através dos meios de comunicação modernos significa alcançar
ouvintes em todas as partes do planeta ao mesmo tempo, uma situação inimaginável

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aos evangelizadores dos séculos precedentes, mas que agora está disponível para
nós. Por isso, não há justificativas para este instrumento tão valioso.
A principal comunicação da Igreja é o anúncio do Evangelho aos seres humanos do
nosso tempo. Isso implica testemunhar a verdade divina quanto ao destino transcendente
da pessoa humana; pregar a união diante de conflitos e divisões; tomar posição pela
justiça e pela comunhão entre os povos, nações e culturas. Para cumprir esta missão,
a Igreja dispõe hoje de um instrumento precioso, que é a internet. Por meio deste
instrumento, é possível oferecer acesso imediato a importantes recursos religiosos
e espirituais, aos lugares de culto, aos documentos do Magistério, aos escritos dos
Padres, e até mesmo incentivar a caridade para quem está distante. A internet tem a
capacidade de ultrapassar a distância e o isolamento, criando comunidade de pessoas
que partilham a mesma fé. É verdade que nada substitui a comunidade interpessoal
concreta, os sacramentos, a liturgia e a proclamação imediata do Evangelho, mas os
mass media podem completar esta atividade da Igreja e enriquecê-la (Igreja e Internet,
2002, n.º 5).

ISTO ESTÁ NA REDE

Todos sabemos que a Igreja utiliza, largamente, os mass media para evangelizar.
Além do rádio e da televisão, na atualidade, as redes de relacionamento social
entraram decididamente neste plano de evangelização. A questão é: qual tem sido
a eficácia desta nova forma de evangelização? Neste artigo de Thamiris Magalhães
de Souza, são apresentados alguns dados de uma pesquisa sobre o impacto real
da presença da Igreja nas redes sociais. O resultado sugere que a Igreja precisa
requalificar sua presença nas redes de comunicação, por meio de formações
voltadas para essa área, para realmente alcançar mais pessoas. Para ler o artigo
completo, acesse:
https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/3881-thamiris-magalhaes-de-sousa-1

Na conclusão, o documento encoraja o uso da internet em todos os níveis da Igreja,


um uso criativo e responsável para ajudar a Igreja a cumprir sua missão evangelizadora.
Não é aceitável hesitar a usar instrumentos tão preciosos e eficientes, que podem
trazer tantos benefícios e criar comunhão. Por outro lado, é preciso cultivar algumas
virtudes no uso dos meios de comunicação social: prudência diante das implicações
do uso deste instrumento novo; justiça para eliminar a desigualdade de acesso aos

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meios digitais e promover uma solidariedade global; fortaleza e coragem para anunciar
a verdade do Evangelho diante do relativismo religioso e moral; e temperança para
usar a internet somente para o bem (Igreja e Internet, 2002, n.º 10-12).

10.3 Orientações para as mídias católicas

Até aqui falamos sobre os princípios éticos da comunicação em massa e sobre


a necessidade de evangelizar através dos meios de comunicação modernos. Nesta
terceira parte da aula, vamos acrescentar algumas orientações práticas sobre a
presença evangelizadora da Igreja nos mass media.
O documento da CNBB, Orientações Pastorais para as Mídias Católicas (2018, n.º 1-3),
começa destacando que os meios de comunicação sociais têm o conteúdo de suas
programações produzidos no espaço de uma Igreja particular, mas atingem fiéis de
todo o país. A ação missionária evangelizadora da Igreja é a razão de ser das mídias
católicas. Por isso, espera-se das mídias católicas a fidelidade ao pensamento da Igreja
como um todo, não só a visão de um determinado grupo, movimento ou associação.
Para ajudar nesse compromisso, as mídias católicas, especialmente aquelas que têm
maior abrangência, deveriam contar com um conselho de assessoria eclesial nomeado
pelo bispo.
É verdade que as mídias católicas levam a evangelização de uma igreja particular
para fiéis em vários outros lugares, mas é preciso sempre promover o senso de
pertencimento a uma comunidade concreta, uma paróquia e uma diocese. Seria
questionável uma eclesiologia que colocasse um evento midiático acima do processo
comunitário. Outro ponto delicado é a propaganda dos mais variados produtos nas
mídias católicas: é verdade que a propaganda e os convites para colaborar com a obra
evangelizadora fazem parte do trabalho para garantir a sustentabilidade de qualquer
mídia, mas os padres, os religiosos e os diretores espirituais não deveriam colocar-
se como “promotores de venda”, pois isso ofusca a sua imagem de evangelizadores
autênticos. Enfim, no campo político, as mídias católicas devem evitar tanto a negação
da política, quanto a partidarização. O compromisso social da Igreja é pela ética na
vida pública, a educação para a cidadania e a construção da casa comum (Orientações
Pastorais, 2018, n.º 4-6).

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Depois destas premissas, o documento traz algumas orientações para campos


específicos da ação evangelizadora da Igreja nas mídias (Orientações Pastorais, 2018,
n.º 7-19). Eis a seguir uma síntese:
a) Observação exemplar das normas litúrgicas: as missas celebradas e transmitidas
ao vivo ganham inevitavelmente um caráter exemplar, por isso é fundamental
seguir as normas litúrgicas e celebrar com decoro, garantindo a participação
dos fiéis sem perturbações;
b) Fortalecimento da cidadania: colaborar com a construção da cidadania, dando
visibilidade às ações sociais e caritativas da Igreja. Incentivar a persecução do bem
comum, o desenvolvimento da justiça, a atenção aos pobres e marginalizados,
a promoção do diálogo e da paz, entre outras iniciativas de caráter social;
c) Formar jovens: ajudar na formação da juventude para o exercício da cidadania e
dos direitos humanos, usando uma linguagem jovem, e seguindo as orientações
da Doutrina Social da Igreja;
d) Ecoar a consciência da Igreja em permanente estado de missão: além do
serviço de missão evangelizadora que as mídias católicas já exercem no dia a
dia, seria importante dar maior visibilidade às ações missionárias da Igreja no
Brasil e no mundo;
e) Familiarizar as pessoas com a Palavra de Deus: dar espaço para a formação
bíblico-catequética na mídia, inclusive convidando pessoas com maior
competência nestes assuntos para discursar ou participar de debates;
f) Comprometimento explícito do laicato: a mídia é um espaço privilegiado para
a atuação de leigos e leigas comprometidos, que promovam a sua identidade,
vocação e espiritualidade;
g) Promover a cultura do encontro: favorecer o diálogo ecumênico e interreligioso,
usando uma linguagem adequada, marcada pelo respeito e pela tolerância
religiosa;
h) Engajar ministros ordenados e consagrados: o mundo digital, como espaço
de evangelização, pode oferecer aos consagrados e aos ministros ordenador
novas possibilidades para exercer o serviço da Palavra;
i) Educar para a vida comunitária: as mídias devem educar para a comunicação
dialógica que sustenta a experiência da vida comunitária;

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j) Garantir a integridade da fé: prestar atenção ao conteúdo doutrinal veiculado


na programação, com responsabilidade, mantendo a integridade da fé e dos
costumes cristãos;
k) Despertar para a realidade social e eclesial da Amazônia: a realidade da Amazônia
ainda é desafiadora, marcada pela violência contra camponeses, indígenas e
entidades que os defendem. As mídias católicas têm também o dever de divulgar
essa realidade e despertar o compromisso social;
l) Anúncio do Evangelho da família: valorizar a família, os exemplos de vida familiar
e auxiliar na superação das dificuldades enfrentadas por muitas famílias;
m) Divulgar coletas nacionais: dar visibilidade às iniciativas da Igreja do Brasil,
em particular a Campanha da Fraternidade, na quaresma, e a Campanha da
Evangelização, no advento.

Na segunda parte do documento são indicados três compromissos. O primeiro


compromisso dos proprietários, diretores e apresentadores das mídias católicas é com
a formação, desde a formação teológica para quem atua nos meios de comunicação,
até a formação técnica para uma melhor atuação. O segundo compromisso é com
políticas de comunicação, ou seja, comunicar o conteúdo genuíno da vida da Igreja. O
terceiro compromisso diz respeito às avaliações regulares, isto é, avaliar as próprias
ideias e práticas comunicativas para que estejam sempre em acordo com a realidade
concreta das pessoas (Orientações Pastorais, 2018, n.º 20-22).
Na conclusão, o documento da CNBB pede que as mídias católicas deem testemunho
público de comunhão e unidade da Igreja, evitando a concorrência exagerada que se
observa nos meios de comunicação não confessionais (Orientações Pastorais, 2018,
n.º 23). O princípio geral da comunicação permanece válido também para a mídia em
geral: gerar comunhão entre os seres humanos.
Recapitulando tudo o que vimos nesta aula, começamos tratando dos princípios
éticos que devem nortear a atuação da Igreja nos mass media, pois não é possível
evangelizar sem assumir um compromisso ético. A presença ética da Igreja no mundo
das comunicações sociais é sua primeira forma de evangelizar neste ambiente. Na
segunda parte da aula, falamos sobre a necessidade de evangelizar através dos meios
de comunicação em massa, pois são capazes de levar a Palavra de Deus até os confins
do mundo, como Jesus havia ordenado aos apóstolos (Mt 28,19-20). E na terceira
parte, apresentamos algumas indicações práticas da CNBB para que as mídias católicas

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sejam realmente um espaço de comunicação do evangelho e de comunhão eclesial.


Em poucas palavras, a Igreja deve estar presente nos meios de comunicação social
de forma ética, anunciando o evangelho e promovendo a comunhão global entre os
cristãos no mundo.

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CAPÍTULO 11
A COMUNICAÇÃO HOJE:
NOVA EVANGELIZAÇÃO

Prezadas e prezados estudantes, o tema desta aula está em continuidade com a aula
precedente: estamos ainda falando da comunicação do Evangelho no contexto atual. Na
aula anterior, o enfoque era sobre a evangelização através dos meios de comunicação
social; nesta aula vamos um pouco além e falaremos da Nova Evangelização em geral,
que inclui os meios de comunicação modernos. Na primeira parte da aula vamos definir
o que é a Nova Evangelização, dando destaque ao envolvimento de todos os cristãos e
ao seu aspecto missionário. E na segunda parte apresentaremos os âmbitos da Nova
Evangelização. Dois documentos recentes da Igreja, dedicados a este tema, vão guiar
a nossa reflexão: o documento da IV Conferência Episcopal Latino Americana (CELAM)
em Santo Domingo, no ano de 1992; e a exortação apostólica Evangelii Gaudium de
papa Francisco, promulgada em 2013.

11.1 O significado da Nova Evangelização

Fisichella (2012, p. 21-32) lembra que a expressão “Nova Evangelização” apareceu


pela primeira vez no documento de Puebla de 1979. A expressão se referia à
evangelização em situações socioculturais novas: imigração, aglomerados urbanos,
precária situação de fé de vários grupos, novas seitas e ideologias que geram divisão,
etc. Neste contexto, era necessário uma “nova evangelização”. Pouco mais tarde,
João Paulo II adotou esta expressão e usou várias vezes em seus pronunciamentos
e documentos. A partir de então, a “Nova Evangelização” passou a ser entendida
não como uma “reevangelização”, no sentido de repetir uma evangelização já feita;
mas também não como uma evangelização nova em confronto com a precedente.
Trata-se de anunciar o Evangelho com novo entusiasmo, novas linguagens e novas
metodologias.
O documento de Santo Domingo, de 1992, recorda, antes de tudo, que falar de
Nova Evangelização implica reconhecer que houve uma primeira evangelização. Seria
impróprio falar de Nova Evangelização de tribos e povos que nunca receberam o
Evangelho. Por outro lado, “falar de Nova Evangelização não significa que a anterior
tenha sido inválida, infrutuosa ou de curta duração. Significa que hoje novos horizontes,

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novas interpelações se fazem aos cristãos e aos quais é urgente responder” (IV CELAM,
1992, n.º 24).
No contexto da América Latina, a Nova Evangelização surge como resposta à
separação entre fé e vida, que produziu situações de injustiça, desigualdade social e
violência. O sujeito da Nova Evangelização é toda a comunidade eclesial. A finalidade
é formar pessoas e comunidades maduras na fé, além de dar respostas à situação de
mudanças sociais e culturais na modernidade. Os destinatários são os grupos sociais,
as populações, os ambientes de vida e de trabalho marcados pela ciência, pela técnica
e pelos meios de comunicação social. E o conteúdo é Jesus Cristo, o seu Evangelho,
o seu amor misericordioso e a sua ressurreição que traz vida nova a todos nós (IV
CELAM, 1992, n.º 24-27).
A Nova Evangelização é nova em seu ardor, em seus métodos e em sua expressão.
Em seu ardor, porque precisamos renovar nosso ardor apostólico, conformando-nos
sempre mais com Jesus Cristo. Em seus métodos, porque as novas situações exigem
novos caminhos para a evangelização. Em sua expressão, porque é preciso proclamar
o Evangelho com uma linguagem próxima das novas realidades culturais (IV CELAM,
1992, n.º 29-30).
Na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013, n.º 1-2), papa Francisco começa
convidando os cristãos a uma nova etapa evangelizadora marcada pela alegria de
anunciar o evangelho. A alegria é uma forma de comunicação não verbal e certamente
comunica mais do que as palavras: quem recebe um anúncio com alegria tende a
aderir à mensagem recebida com mais disposição do que um anúncio feito sem
emoção. Mas não se trata de qualquer alegria, e sim a “alegria do evangelho”, ou seja,
a alegria do encontro da pessoa com Jesus, que transforma a sua vida. Essa alegria
contrasta com a tristeza individualista que é fruto da busca desordenada de consumo
e dos prazeres superficiais.

ANOTE ISSO

É importante ter clareza quanto ao conceito de “Nova Evangelização” para


compreender tudo o que trataremos a seguir. Portanto, destacamos que a Nova
Evangelização é destinada aos povos que já receberam a primeira evangelização,
mas não significa “reevangelizar”. Significa despertar os valores evangélicos já
conhecidos, mas não praticados. E significa, sobretudo, proclamar o Evangelho com
alegria renovada, com novos métodos, novo ardor e novas expressões, ou seja, com
uma linguagem adaptada às novas situações culturais.

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11.1.1 Uma tarefa de toda a Igreja

A primeira questão importante quanto ao anúncio do Evangelho é que esta é uma


tarefa de toda a Igreja, não só dos membros da hierarquia. De fato, a Igreja é o povo
de Deus, e todos os membros deste corpo eclesiástico têm a missão de comunicar o
evangelho. Além disso, a salvação que Deus realiza e a Igreja anuncia com alegria, é
para todos, por isso todos precisam receber este anúncio. Por isso, Jesus não disse
aos apóstolos para formarem um grupo exclusivo, um grupo de elite, mas para anunciar
a todos os povos (Mt 28,19) (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 112-114).
O único povo de Deus se realiza em vários povos da Terra, cada um com sua
cultura própria. E a graça de Deus se encarna em cada cultura, sem eliminar suas
especificidades. Por isso, o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural, mas
assume o rosto das diversas culturas e dos povos onde foi acolhido, sem deixar de
manter sua fidelidade ao único evangelho e à tradição da Igreja. A comunicação do
evangelho passa necessariamente pelo processo de inculturação, ou seja, o processo de
incluir povos com suas culturas na comunidade cristã. Isso implica que todos os povos,
em todas as culturas, podem receber o Evangelho e podem se tornar evangelizadores
(Evangelii Gaudium, 2013, n.º 115-118).
A participação de todo o povo na evangelização aparece na expressão insistente da
Evangelii Gaudium: discípulos missionários. Todos os cristãos são discípulos missionários
em virtude do batismo. A evangelização não é prerrogativa de agentes qualificados,
enquanto o resto do povo permaneceria apenas como receptor. Na verdade, todos
estão envolvidos na mesma missão de evangelizar, independente da própria função
na Igreja e do seu grau de instrução na fé (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 119).

11.1.2 Aspectos missionários

Cada cristão é missionário na medida em que se encontra com o amor de Deus


em Cristo, ou seja, na medida em que se torna discípulo. Os primeiros discípulos se
tornaram imediatamente missionários quando saíram para anunciar “encontramos
o Messias” (Jo 1,41). A Samaritana, assim que terminou seu diálogo com Jesus, se
tornou missionária (Jo 4,39). Paulo se tornou missionário a partir do seu encontro
com Jesus Cristo (At 9,20). Os exemplos bíblicos são numerosos e nos convocam a
fazer o mesmo (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 120-121).
A renovação missionária não significa fazer grandes projetos evangelizadores, mas o
anúncio do evangelho às pessoas que encontramos no cotidiano também faz parte da
ação missionária. É a pregação informal, que pode acontecer durante uma conversa, na
rua, na praça, no trabalho, no caminho ou na casa de alguém. Esta forma de anúncio

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se concretiza como uma partilha, um testemunho, uma atitude humilde, uma palavra
amiga conduzindo o ouvinte a Deus (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 127-129).
O Espírito Santo inspira carismas diferentes na Igreja, não para competirem entre
si, mas para formarem um corpo harmônico. Um sinal claro da autenticidade de
um carisma é a sua capacidade de integrar-se à vida da Igreja e contribuir para a
comunhão. As diferenças entre as pessoas e as comunidades às vezes podem parecer
incômodas, mas é preciso compreender que o Espírito suscita a diversidade para realizar
a unidade. Por isso, na evangelização, precisamos estar sempre abertos ao diferente,
sem provocar divisões nem uniformismos (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 130-131). O
Espírito distribui carismas diferentes para as diversas missões dentro da Igreja, mas
todos são igualmente chamados a evangelizar com seus dons específicos.

11.2 Os âmbitos da Nova Evangelização

Ao introduzir o tema da “Nova Evangelização para a transmissão da fé”, a Evangelii


Gaudium menciona o trabalho da 13ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos,
que destacou três âmbitos para a nova evangelização: a pastoral ordinária, orientada
para o crescimentos dos crentes, ou seja, daqueles que já tem uma vivência de fé; o
âmbito das pessoas batizadas que não vivem as exigências do batismo, mas vivem
afastados da Igreja; e o grupo de pessoas que não conhecem Jesus ou rejeitam a fé.
Todos têm o direito de receber o Evangelho. E os cristãos têm o dever de anunciar,
não como quem impõe, mas como quem partilha uma alegria. “A Igreja não cresce
por proselitismo, mas por atração” (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 14).

Figura 1: 13ª Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos no Vaticano (7 a 28 de outubro de 2012)
Fonte: https://www.cnbb.org.br/integra-da-mensagem-final-do-sinodo/

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Nesta parte da aula, vamos especificar ulteriormente os âmbitos da Nova


Evangelização, incluindo a inculturação do Evangelho; o ambiente da cultura acadêmica
e da comunicação social; a pastoral e a catequese; e a promoção humana como
forma de evangelizar.

11.2.1 A inculturação do Evangelho

O anúncio do Evangelho é aberto a todas as culturas. Esse princípio é evidenciado já


no episódio de Pentecostes (At 2,1-11): por um lado, o evangelizador deve falar a todas
as culturas e línguas; por outro lado, os fiéis compreendem o Evangelho conforme sua
própria língua e sua própria cultura. A base teológica mais profunda para a inculturação
é o mistério da incarnação do Verbo: Deus assume a cultura humana, nasce em um
contexto cultural específico, se comunica com a linguagem daquele povo e daquela
época e se adapta à cultura local e a purifica. A evangelização da cultura é o objetivo
da Nova Evangelização. O processo de inculturação do Evangelho acontece quando o
evangelizador assume os valores culturais, discernindo-os à luz da fé, e transforma a
mensagem evangélica em práxis da Igreja. Assim, nasce uma cultura cristã, ou seja,
uma cultura penetrada interiormente pelos valores do evangelho, a ponto de situar a
mensagem evangélica na base de pensamento e nos critérios de juízo daquele povo
(IV CELAM, 1992, n.º 228-229).
Hoje é preciso falar de uma Nova Evangelização da cultura porque os próprios
valores humanos das culturas estão em crise. O primeiro passo desta nova inculturação
do Evangelho consiste em reconhecer os valores humanos e evangélicos que ainda
estão presentes na cultura, e trazê-los novamente à superfície para que sejam vividos
sempre mais. O segundo passo consiste em discernir os novos valores culturais à luz
do Evangelho, para assumir tudo aquilo que pode favorecer a vivência da mensagem
cristã. E o terceiro passo é trazer para a cultura os valores evangélicos que estão
ausentes. É um processo dinâmico, que encarna a fé na cultura (IV CELAM, 1992, n.º
230).
A base para o diálogo com os não-crentes são os princípios da ética natural,
ligados à dignidade humana e aos seus direitos fundamentais. A partir daí, busca-se
purificar os modos de vida contrários ao Evangelho, como a corrupção generalizada,
a insensibilidade social, as leis contrárias aos valores humanos e cristãos, a cultura

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de morte e violência, a sexualidade dissociada do amor matrimonial, etc. Trata-se de


promover a ética cristã em diálogo com a sociedade civil (IV CELAM, 1992, n.º 231-242).
A inculturação do Evangelho implica também a defesa das culturas ameaçadas pelo
processo de domínio dos mais fortes: a defesa da integridade das culturas indígenas,
afro-americanas e mestiças. A Igreja se coloca em diálogo com os valores culturais
autênticos de todos os povos, especialmente daqueles oprimidos e marginalizados
diante da força esmagadora das estruturas de pecado da sociedade moderna (IV
CELAM, 1992, n.º 243).
Outro desafio da inculturação do Evangelho é o caráter das novas culturas. A cultura
pós-moderna apresenta vários desafios: ruptura entre fé e razão; fechamento do homem
moderno à transcendência; incoerência entre valores do povo e estruturas sociais
injustas; o individualismo e o vazio ético; a escassa presença da Igreja no campo das
expressões artísticas e filosóficas; o processo acelerado de urbanização, que dificulta
a vivência comunitária; etc. Neste contexto, a Igreja precisa intensificar o diálogo
entre fé e ciências; promover a formação do laicato, que atua diretamente nas novas
dinâmicas culturais; desenvolver uma pastoral urbana inculturada, reorganizando as
estruturas pastorais segundo as necessidades da cidade; etc. (IV CELAM, 1992, n.º
252-262).
A inculturação do Evangelho na vida dos povos cria uma dinâmica de constante
reevangelização, pois aqueles que receberam o anúncio se tornam anunciadores dentro
de sua própria cultura. Desta forma, o povo se torna evangelizador de si mesmo.
Aqui nasce a piedade popular, que tem grande valor como expressão da atividade
missionária espontânea do povo de Deus. A piedade popular mostra a modalidade da
fé recebida, encarnada e transmitida em determinada cultura. A mística popular é uma
verdadeira espiritualidade encarnada na cultura dos mais simples. As expressões da
piedade popular são um lugar teológico importante para a nova evangelização, pois
nos falam sobre a fé inculturada (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 122-126).

11.2.2 A cultura acadêmica e os meios de comunicação social

A evangelização das culturas inclui também as culturas profissionais, científicas


e acadêmicas. Trata-se do encontro entre fé, razão e ciência. O primeiro passo é
assumir, no anúncio do evangelho, as categorias da razão e da ciência. Essas categorias
são transformadas pelo Espírito Santo em instrumentos de evangelização. Esse

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processo exige uma dedicação particular dos teólogos e das universidades, para que
promovam um diálogo entre a fé e as diversas ciências. Nasce, assim, a evangelização
interdisciplinar, que tem um grande valor no mundo de hoje (Evangelii Gaudium, 2013,
n. 132-134).
A inculturação do Evangelho nas escolas e universidades impõe aos educadores
cristãos um compromisso não só com a educação técnica e científica, mas também
com a educação para os valores humanos e cristãos. Neste contexto, a evangelização
passa pela luta para garantir a todos o acesso à educação; promover a educação
humanística; superar a distância entre educação civil e educação religiosa; favorecer a
formação de educadores cristãos que atuam nas escolas e universidade; entre outras
iniciativas (IV CELAM, 1992, n.º 263-278).
A comunicação social é um desafio e um instrumento precioso para a evangelização.
O documento de Santo Domingo reafirma um princípio que já vimos várias vezes:
a comunicação é um caminho fundamental para a comunhão. A evangelização, a
promoção humana e a cultura encontram nos meios de comunicação social um
instrumento importante. A Igreja precisa estar presente nos meios de comunicação
modernos, tanto para anunciar o Evangelho, quanto para defender uma distribuição
justa dos recursos de comunicação para todos, ricos e pobres. Para isso, é preciso
olhar com especial atenção a formação de comunicadores cristãos profissionais; e
pensar em uma pastoral orgânica, que integre as outras dimensões da pastoral com
o mundo das comunicações sociais (IV CELAM, 1992, n.º 279-286).

11.2.3 Pastoral, catequese e acompanhamento espiritual

A evangelização não consiste apenas no primeiro anúncio, mas implica também


um caminho de formação e amadurecimento. De fato, o mandato de Jesus à Igreja
é para fazer novos discípulo e ensinar: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações
se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e
ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28,19-20). A evangelização
procura também favorecer o crescimento na fé. Não se trata só de um ensino doutrinal,
mas de um caminho para crescer na vivência do amor de Cristo (Evangelii Gaudium,
2013, n.º 160-162).
Na atual organização da pastoral da Igreja, a catequese corresponde ao anúncio
querigmático. O primeiro anúncio ou querigma é a principal atividade evangelizadora da

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catequese. Querigma é o anúncio do amor de Deus que traz a salvação à humanidade.


Este é o primeiro anúncio não em sentido temporal, mas em sentido qualitativo: é
o principal anúncio, que nunca deve ser deixado de lado. A catequese deve, então,
aprofundar gradativamente este anúncio fundamental do amor salvífico de Deus. Além
de querigmática, a catequese é essencialmente mistagógica, ou seja, busca aprofundar
progressivamente a fé a partir da vivência sacramental e litúrgica. A catequese deve
também dar espaço à via da beleza, isto é, às manifestações artísticas que evangelizam
(música, pinturas, teatro, etc.); e propor o ensinamento moral da Igreja como um
caminho de felicidade e fidelidade ao Evangelho (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 163-168).
Outro âmbito importante da evangelização é o acompanhamento espiritual. Alguns
transformaram o acompanhamento espiritual em uma espécie de terapia psicológica, mas
só é espiritual se realmente conduz a Deus. Para acompanhar alguém em seu processo de
crescimento pessoal é preciso ter capacidade de ouvir, paciência, prudência, compreensão
e a docilidade do Espírito. A escuta deve ser respeitosa e compassiva, para poder em
seguida indicar os caminhos de um crescimento cristão autêntico. Os educadores cristãos
(sacerdotes, religiosos, catequistas, ministros, etc.) devem desenvolver uma pedagogia
que introduza a pessoa gradualmente no mistério de Deus, até sua plena maturidade. Em
poucas palavras, os discípulos missionários acompanham os discípulos missionários em
seu crescimento (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 169-173).
Não só a homilia, mas toda a evangelização se alimenta da Palavra de Deus. Por
isso, é importante formar-se continuamente na escuta da Palavra. A Igreja só pode
evangelizar quando se deixa constantemente evangelizar. Neste sentido, o estudo da
Sagrada Escritura é fundamental para a evangelização. As paróquias, as dioceses e
os grupos católicos devem promover o estudo sério e perseverante da Bíblia, além
de sua leitura orante pessoal e comunitária (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 174-175).
Enfim, podemos dizer que a evangelização enquanto aprofundamento do querigma
inclui o primeiro anúncio (proclamação do amor de Deus), a mistagogia (compreensão da
fé a partir da vivência litúrgica), o acompanhamento espiritual e o estudo das Sagradas
Escrituras. Este é o caminho para uma Nova Evangelização contínua na vida da Igreja.

11.2.4 A Evangelização como promoção humana

Existem laços profundos entre evangelização e promoção humana. Laços


antropológicos, porque a evangelização é dirigida a seres humanos concretos, sujeitos

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a problemas sociais e econômicos; laços teológicos, porque está ligado ao plano de


Redenção, que abrange situações de injustiças a serem reparadas; laços de ordem
evangélica, pois não é possível evangelizar sem cumprir o mandamento novo de
Jesus, o mandamento da caridade. Jesus, de fato, distribuiu o pão multiplicado aos
necessitados (Mc 6,34-44), curou os enfermos, passou a vida fazendo o bem (At
10,38), pediu que fizéssemos caridade como o bom samaritano (Lc 10,25-37), e assim
por diante. A nossa promoção humana é modelada no exemplo deixado por Jesus.
A solidariedade cristã é um serviço aos necessitados, mas é, sobretudo, fidelidade a
Deus (IV CELAM, 1992, n.º 157-159).

Figura 2: Desigualdade social


Fonte: https://escolaeducacao.com.br/desigualdade-social/

O seguimento de Cristo implica viver segundo o seu estilo. A fé no Deus que Jesus
pregou e o amor aos irmãos precisam se concretizar em obras concretas. Essa
coerência entre fé e vida foi recomendada por São Tiago, em sua carta, com palavras
veementes: “a fé, se não tiver obras, está morta em seu isolamento” (Tg 2,17). A falta
de coerência entre a fé que se professa e a vida cotidiana traz graves consequências,
e a principal delas é a enorme pobreza e a desigualdade social exatamente em países
que se professam cristãos, como muitas nações da América Latina (IV CELAM, 1992,
n.º 159-161).

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A Evangelização através da promoção humana inclui a conscientização quanto aos


direitos humanos; a defesa do meio ambiente enquanto obra da criação de Deus; a
luta pelo direito de todos de usufruir dos bens da terra, superando a desigualdade na
distribuição de terras; a opção preferencial pelos pobres e a promoção da solidariedade,
a exemplo de Jesus; a defesa dos direitos do trabalhador; a atenção especial aos
migrantes; entre outras ações concretas em vista do bem concreto das pessoas,
especialmente dos mais vulneráveis (IV CELAM, 1992, n.º 164-209).
A família e a vida também aparecem como desafios particulares na promoção
humana. O documento recorda que a família é a Igreja doméstica e é parte dos desígnios
de Deus, não simplesmente uma instituição humana. Entre os desafios pastorais quanto
à família, o documento inclui a questão das uniões consensuais livres, os divórsios
e os abortos; a situação de famílias incompletas e os casais irregulares; famílias
na miséria e no desemprego, com carência de vida digna, de serviços educativos e
sanitários; o abandono dos idosos; as dificuldades das mães solteiras; o escandaloso
tráfico de crianças; entre outros problemas. Diante deste quadro, a Igreja da América
Latina é convidada a fortalecer sua Pastoral Familiar; a promover políticas a favor da
vida; a aprofundar sempre mais os fundamentos bíblicos e teológicos da família; e
a denunciar toda violação contra as crianças nascidas e não nascidas (IV CELAM,
1992, n.º 210-227).
Em síntese, a comunicação do Evangelho hoje recebe o nome de Nova Evangelização,
que consiste no anúncio alegre do Evangelho aos crentes, aos afastados da Igreja e
aos não crentes. Essa é uma tarefa para todo o povo de Deus, pois todo batizado é
discípulo e missionário simultaneamente. O âmbito da Nova Evangelização inclui as
culturas de todos os povos da terra; o mundo acadêmico e as comunicações sociais;
a pastoral, a catequese e o acompanhamento espiritual; e a promoção humana. Todos
estes espaços estão abertos a receber a Palavra de Deus anunciada por evangelizadores
alegres e transformados pela mesma Palavra.

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CAPÍTULO 12
CONCEITO DE RETÓRICA
E ORATÓRIA

Caros estudantes, nesta aula vamos introduzir um novo tema, que será desenvolvido
nas próximas aulas: a retórica. Nesta aula, começaremos definindo a retórica e um outro
conceito intimamente ligado a ela: a oratória. Além de definir, vamos ver brevemente
como estes dois conceitos nasceram e se desenvolveram, e estudaremos alguns
temas ligados a ambos os conceitos, como os atos retóricos, a relação entre oratória
e outras disciplinas, e assim por diante. Particularmente importante é a relação entre
retórica, oratória e homilética: faremos alguns acenos nesta aula, mas aprofundaremos
esta relação nas próximas aulas.

12.1 A Retórica

A disciplina da retórica é muito ampla e não seria possível apresentar todos os seus
aspectos em uma aula, por isso selecionamos alguns temas fundamentais para fazer
desta aula uma breve introdução à retórica: definição de retórica, seu desenvolvimento,
e o conceito de ato e propósito retórico – que é a retórica colocada na prática.

12.1.1 Definição

A retórica é a arte de falar bem, é a destreza e a disciplina para comunicar e convencer


com eficácia e responsabilidade nos mais diversos âmbitos: jurídico, na pregação, no
ensino, na publicidade, na política, na literatura, etc. A palavra “retórica” vem do grego
rhetorike, que significa “arte ou habilidade de falar em público”. O rhetor, na Grécia
Antiga, era um orador público experiente. O primeiro tratado sistemático de retórica
foi escrito por Aristóteles, no século IV. Para ele, a retórica era a arte ou habilidade de
falar em fóruns públicos comuns na antiga Atenas, ou seja, na assembleia legislativa,
nos tribunais e em ocasiões cerimoniais. O objetivo do discurso retórico era a influência

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social ou persuasão. Por isso, Aristóteles definia retórica como a habilidade de dispor
dos meios de persuasão necessários em cada situação (CAMPBELL, 2015, p. 7).
A partir da definição aristotélica, somando com outras contribuições, Campbell
(2015, p. 10) define a retórica com essas palavras:

A retórica é o estudo do que é persuasivo. As questões com as quais


se preocupa são verdades sociais, orientadas aos outros, justificadas
por razões que refletem valores culturais. Trata-se de um estudo
humanístico que examina todos os meios simbólicos pelos quais a
influência ocorre.

O autor acrescenta ainda sete características definidoras da retórica. Antes de


tudo, ela é pública, pois lida com questões comunais e busca soluções mediante o
esforço cooperativo. Ela é proposicional, ou seja, se desenvolve por meio de raciocínios
inteligíveis para os ouvintes. Também é proposital, pois tem um objetivo específico para
atingir, que consiste em influenciar pensamentos ou ações. A ênfase da retórica está
em solucionar problemas, porque normalmente os discursos nascem do reconhecimento
de algum problema e da busca de uma resolução. Sendo assim, a retórica é pragmática,
isto é, pode ser colocada na prática, no sentido que suscita uma ação ou porque
trata de fatos reais. A retórica também é poética, graças à sua qualidade estética,
dramática e emotiva, procurando ser atraente aos ouvidos e aos olhos do receptor.
Enfim, a retórica é poderosa, pois tem o potencial de provocar a participação, convidar
à identificação, alterar a percepção e persuadir os ouvintes (CAMPBELL, 2015, p. 10).
Uma característica essencial da retórica é que seus enunciados são perlocutórios, ou
seja, têm como objetivo exercer um efeito sobre o ouvinte, e este efeito é a persuasão.
O propósito da retórica é mudar a opinião do ouvinte, criar consenso ou suscitar
uma ação. Não é claro o limite entre a comunicação cotidiana e a retórica, visto que
todas as nossas falas procuram gerar alguma influência sobre o receptor da nossa
comunicação. Mas no caso da retórica, o critério do convencimento aparece de forma
muito mais clara. É exatamente este ponto que diferencia uma comunicação retórica
de uma fala não retórica: a intenção persuasiva do comunicador, o desejo de convidar
ou incitar o destinatário a mudar de opinião ou a agir de determinada forma, sem
coação. A retórica busca convencer, mas nunca desrespeita a liberdade de decisão
do receptor: isso a diferencia dos discursos coercitivos que pertencem a outro campo
(SPANG, 2005, p. 20-23).

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Outra questão importante para definir o campo da retórica é a sua relação com
a filosofia. A discussão sobre a relação entre essas duas disciplinas foi proposta
por Sócrates e Platão, em sua polêmica com os sofistas, afirmando a superioridade
da filosofia. Para eles, a retórica é relativista, pois busca convencer, mas não se
compromete com a verdade. No entanto, é preciso acrescentar que a retórica é um
excelente instrumento para comunicar a verdade. A retórica oferece a técnica e os
instrumentos para convencer quanto a uma verdade que lhe é externa. A filosofia,
segundo o entendimento clássico de Sócrates, Platão e Aristóteles, busca a verdade,
mas este não é o campo da retórica. Aqui as duas disciplinas se distinguem. No caso
da retórica, o compromisso com a verdade não está em suas regras internas, mas
no compromisso ético do comunicador. A responsabilidade do comunicador é que
diferencia um verdadeiro orador de um demagogo (SPANG, 2005, p. 24-25).

Figura 1: Aristóteles ensinando a retórica a Alexandre, o Grande


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Alexander_and_Aristotle.jpg

12.1.2 Desenvolvimento

A retórica tem mais de dois milênios de existência, demonstrando a sua capacidade


de adaptar-se às mais variadas circunstâncias e exigências. A sua concepção básica lhe

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garante esta versatilidade: técnica de elaboração de comunicações de qualquer índole.


A comunicação é um dos fundamentos mais elementares da convivência humana,
então a retórica está sempre presente. A disciplina da retórica nasceu em um contexto
forense (como veremos a seguir), mas foi ampliando o seu campo de atuação até
se tornar a destreza do cidadão emancipado na corte, na Igreja, no parlamento, nos
tribunais, nas disputas, nos discursos solenes, etc. Todavia, em tempos de tirania e
ditadura, a retórica dialógica (e o diálogo é o único espaço para uma retórica verdadeira)
foi silenciada, dando espaço à eloquência afirmativa e bajuladora, sem possibilidade
de réplica. Mesmo assim, a retórica sobreviveu e sempre ressurgiu depois de tempos
de reclusão. Na verdade, a retórica é um instrumento de liberdade, por isso sempre
terá a sua importância (SPANG, 2005, p. 14-16).
A tradição afirma que a retórica nasceu em Siracusa, na Magna Grécia (atual território da
Itália). O primeiro tratado de retórica teria sido escrito em 465 a.C. por Tísias e Córax, que
se colocaram na defesa das vítimas do tirano Trasíbulo. Acontece que o déspota Trasíbulo
havia confiscado a terra de vários cidadãos, mas quando foi destituído, as terras voltaram
aos seus proprietários. Porém a restituição passava por processos em tribunais, onde os
proprietários precisavam argumentar de forma convincente. Foi ali que os oradores Tísias
e Córax ajudaram os seus concidadãos (INTERSABERES, 2016, p. 80-81).
No entanto, somente no período da democracia ateniense a retórica se desenvolveu e
se consolidou, pois tudo era submetido a voto popular, então era necessário convencer
os cidadãos a votarem. Os sofistas tiveram um papel importante no desenvolvimento
da retórica, particularmente Górgias, o qual definia a retórica como “a arte da palavra”.
Nos diálogos de Platão, Sócrates definia a retórica como “criadora de persuasão”,
capaz de produzir crença. Aristóteles dá um passo a mais ao unir a retórica à teoria da
argumentação: com uma forma particular de raciocínio, com premissas verossímeis
ou pelo menos plausíveis, chega-se a uma sedução formal (captatio benevolentiae)
do público. O objetivo é persuadir, não necessariamente buscar a verdade. Na Idade
Média, a retórica se desenvolveu como uma verdadeira arte, procurando dar beleza e
harmonia às palavras (MARCHESE; FORRADELLAS, 2013, p. 348-349).

12.1.3 Ato e propósito retórico

Campbell (2015, p. 11) define ato retórico como “uma tentativa intencional, criada e
trabalhada para superar os desafios em uma dada situação, com um público específico,

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a respeito de determinada questão para se alcançar determinado fim”. A definição é


complexa, mas o autor traz alguns esclarecimentos. Antes de tudo, os atos retóricos são
comportamentos que podem influenciar as pessoas. Na verdade, todo comportamento
pode influenciar, por isso é preciso acrescentar a intencionalidade para que realmente
seja considerado ato retórico. Por exemplo, uma expressão facial indiferente pode
ser interpretada como tristeza, mas essa pode ser uma interpretação equivocada.
Neste caso, não se trata de um ato retórico. Por outro lado, uma propaganda que
usa certa imagem, ou associa um produto a um artista que nós admiramos, estará
exercendo influência de maneira intencional: esse é um ato retórico. Os atos retóricos
têm objetivos específicos dirigidos a certos públicos.
A persuasão e a influência dos atos retóricos são propositais, por isso precisamos
considerar os propósitos retóricos. O propósito retórico é a tentativa consciente de
influenciar quem entra em contato com a nossa comunicação, verbal ou não verbal. O
processo de influência pode acontecer através de várias modalidades. Apresentamos
a seguir uma síntese das modalidades de influência consideradas por Campbell (2015,
p. 12-18). Devemos observar que essas modalidades não estão em uma sequência
lógica ou cronológica, mas fazem parte de um processo complexo no qual cada parte
pode acontecer uma ou mais vezes:
• Criando experiência virtual: uso de símbolos, figuras, ideias e experiências para
influenciar. Trata-se de símbolos que todos podem compreender ou imaginar.
São virtuais porque não existem de fato, mas poderiam existir. Cria-se uma
experiência virtual na mente do ouvinte, a partir de suas memórias e imaginação;
• Alterando percepções: as produções literárias e todo ato retórico têm efeitos
políticos, pois alteram a percepção que as pessoas têm quanto a uma realidade
ou evento;
• Explicando: visto que ninguém muda de ideia ou altera as suas crenças a partir
de um único ato retórico, normalmente é preciso contar com uma longa sucessão
de comunicações para alcançar este objetivo. Neste processo, muitas vezes é
necessário explicar o significado de algum ato retórico que não era tão claro
em sua comunicação;
• Formulando a crença: no processo retórico, além da alteração de percepções,
a formulação de novas crenças ou a rejeição de antigas crenças constitui um
passo importante. Este processo de formulação de crenças acontece não só

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pela argumentação conceitual, mas depende também de experiências prévias,


mesmo que sejam experiências virtuais;
• Iniciando a ação: nem sempre uma crença formulada é capaz de criar uma
disposição para agir. É preciso um esforço a mais para reforçar tais crenças e
conduzir a uma ação apropriada. Normalmente, este é o propósito do discurso
religioso: motivar as pessoas a colocarem em prática as suas crenças;
• Mantendo a ação: atos retóricos são capazes de manter a ação quando
são ritualizados. Eis alguns exemplos de ações retóricas ritualizadas ou
institucionalizadas: o culto dominical; a cerimônia de formatura; o canto do
hino nacional antes de um jogo de futebol; celebração de aniversário; cerimônias
de premiação; ritual de noivado e casamento; etc. Em comum, todos esses
eventos tem o propósito retórico de reafirmar normas da comunidade e manter
tais ações retóricas.

O complexo processo visto acima, com suas progressões e repetições, reflete as


dimensões retóricas que estão em todos os comportamentos humanos. Em outras
palavras, mostra como o comportamento humano está relacionado a propósitos que
emergem nos atos retóricos. A retórica, portanto, não é só uma disciplina escolar,
mas é um processo que envolve a vida cotidiana, determinando percepções, crenças
e ações sem que nos demos conta.

ISTO ACONTECE NA PRÁTICA

Talvez o âmbito que mais usa a retórica atualmente seja justamente a publicidade,
cujo objetivo é claramente influenciar e convencer determinado público a comprar
certo produto ou serviço. A publicidade conjuga linguagem oral, escrita e imagem.
Com sua linguagem alusiva, a publicidade associa um produto ou serviço a
experiências prévias do receptor, e isso garante a sua eficácia. Em poucas
palavras, a publicidade cumpre perfeitamente o processo retórico de influência que
descrevemos acima. Para aprofundar o tema, veja-se:
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/publicidade-linguagem-para-
convencer.htm

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12.2 A Oratória

O que dissemos acima sobre a apresentação de alguns temas de retórica vale


também para a oratória: a disciplina é muito ampla e aqui precisamos fazer algumas
escolhas, pois não é possível apresentar tudo em uma aula. Por isso, trataremos
apenas de alguns temas fundamentais da oratória: definição e desenvolvimento; os
tipos de oratória; a relação entre oratória e outras disciplinas; e os aspectos da oratória.

12.2.1 Definição e desenvolvimento

A oratória é definida geralmente como a arte de falar em público. É um gênero literário


constituído por discursos ou composições literárias que têm a finalidade de persuadir
e comover os ouvintes. A oratória exige eloquência, que é o poder de persuadir por
meio da palavra e do gesto (INTERSABERES, 2016, p. 78). Muitas vezes, a oratória se
confunde com a retórica, mas o detalhe que distingue esses dois conceitos é este:
a retórica é a arte de falar bem, seja na comunicação escrita, em um diálogo ou em
um discurso público; enquanto a oratória está sempre relacionada a um discurso
público. Neste sentido, a oratória pressupõe a retórica, mas a retórica é mais ampla
que a oratória.
A oratória foi largamente praticada na Grécia Antiga e nos tempos bíblicos. No
mundo greco-romano, predominava a oratória civil, dividida em três formas principais:
forense (nos processos jurídicos), deliberativa (na política) e demonstrativa (elogio de
uma personalidade pública, divulgação de um doutrina, etc.). Os sofistas foram grandes
oradores, seguidos por filósofos gregos como Lisias, Demóstenes e Isócrates. Mais
tarde se desenvolveu o estilo asiático, que é metafórico, barroco e sensual. Durante
o império romano, a oratória passa a ser usada especialmente nos elogios a grandes
personagens (MARCHESE; FORRADELLAS, 2013, p. 302-303).
Na Bíblia, os profetas são precursores da oratória sagrada, pois alcançaram um nível
artístico superior à oratória profana de sua época. Na verdade, o gênero de expressão
dos profetas misturava oratória sagrada e oratória política. Eles anunciavam a vinda do
Messias e a ação de Deus na história, mas também falavam dos problemas políticos
de Israel e de outros povos. Os profetas aconselhavam as pessoas e admoestavam
a respeito de suas condutas, mas também se apresentavam como mensageiros e
intérpretes de Deus. No Novo Testamento, Jesus aparece como um grande orador.

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Em seguida, os apóstolos também deram provas de sua capacidade como oradores,


particularmente o apóstolo Paulo (INTERSABERES, 2016, p. 78-79).

ISTO ESTÁ NA REDE

Por ser um tema importante nos estudos de linguística e comunicação, há


muito material online sobre retórica e oratória. Sugiro este artigo do site “Mundo
Educação”, que traz a definição de retórica e de oratória com uma linguagem
simples e clara. Aqui você pode ler também um resumo da história da retórica
na Grécia Antiga, particularmente com Sócrates, Platão e Aristóteles, com alguns
detalhes a mais em relação à nossa breve apresentação nesta aula. Há também
um vídeo explicando este conteúdo. Acesse o material através deste link: https://
mundoeducacao.uol.com.br/filosofia/retorica.htm

Na Idade Média, a oratória religiosa dominou sobre outras formas de oratória,


mas o Renascimento trouxe novamente a eloquência civil, literária e moral, em sua
redescoberta dos clássicos gregos e romanos. Neste período, a oratória política
também ganha destaque, acompanhando a Revolução Francesa e a instituição da
democracia em vários países. Em seguida, veio a oratória dos regimes totalitários. Hoje,
a oratória dominante é aquela dos meios de comunicação em massa (MARCHESE;
FORRADELLAS, 2013, p. 303).

12.2.2 Tipos de oratória

Existem vários tipos de oratória, entre os quais podemos destacar os seguintes:


• Oratória acadêmica: utilizada nos discursos universitários, nas academias e no
âmbito literário em geral;
• Oratória forense: empregada nos tribunais, marcada pela clareza, a concisão
e a lógica nos discursos;
• Oratória política: típica dos discursos que tratam questões de Estado, presente
também nos debates políticos. Exige eloquência parlamentar, diplomática e
popular;
• Oratória popular: fala discursiva desprovida de método e erudição. Acontece
nas ruas, nos eventos sociais e nos protestos;

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• Oratória religiosa ou sagrada: típica das prédicas religiosas, também chamadas


de sermões ou homilias. Procura difundir conteúdos religiosos (INTERSABERES,
2016, p. 88).
Estes são os principais tipos de oratória, mas certamente existem muitas outras
modalidades de oratória. Se a oratória é a arte de falar em público, então para
cada ambiente público existe um tipo de oratória. Estes cinco tipos de oratória que
apresentamos acima estão relacionados aos ambientes públicos que mais exigem
um discurso oratório específico.

Figura 2: Martin Luther King, grande orador político da modernidade


Fonte: https://www.vivadecora.com.br/pro/dicas-de-oratoria/

12.2.3 Oratória e suas relações

Começamos tratando da relação entre oratória e homilética. A homilética é um


tipo de oratória. Neste sentido, a homilética é uma forma de adaptar e aplicar os
princípios retóricos na elaboração e na execução de um sermão. A homilética é a arte
de pregar e pode ser chamada de retórica sagrada. Como vimos acima, a retórica
nasceu na Grécia Antiga, mas passou a ser usada pelo cristianismo no século XVII
como meio de pregação, e recebeu o nome de homilética. De fato, a homilética cristã
adotou técnicas da retórica greco-romana na elaboração e na pregação de sermões.
À diferença do judaísmo e do paganismo, o cristianismo foi movido por um grande

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impulso de converter sempre mais pessoas a seguir este caminho, e para alcançar
esse objetivo foi necessário lançar mão de técnicas de convencimento, ou seja, a
retórica. Nenhuma religião desenvolveu tanto o discurso religioso como o cristianismo
(INTERSABERES, 2016, p. 89).
Temos também a relação entre oratória e eloquência. O termo “eloquência”
vem do latim eloquentia, que significa “elegância no falar”, “ falar bem”, garantindo
sucesso na comunicação e na capacidade de convencer. A eloquência é a soma
das qualidades do orador, qualidades necessárias para convencer e persuadir.
Não tem nada a ver com enganar, como alguns imaginam. A capacidade de
convencer e persuadir é necessária para quem fala em público, pois do contrário
não seria ouvido. Trata-se de ser agradável aos ouvidos e aos olhos do público.
A eloquência serve para expressar pensamentos com graça, equilíbrio, harmonia
e perspicácia de tempo e lugar. Sem isso, o discurso público seria pesado e nada
atrativo (INTERSABERES, 2016, p. 90).
Algumas pessoas são naturalmente eloquentes, mas é possível aprender a eloquência
por meio de técnicas discursivas. Não só o falar deve ser eloquente, mas também os
gestos, o olhar, a mímica facial, a expressão de sentimentos, etc. A persuasão pode
estar também na força da mensagem, como Paulo afirma na carta aos Coríntios:
“minha palavra e minha pregação nada tinham da persuasiva linguagem da sabedoria,
mas eram uma demonstração de Espírito e poder” (1Cor 2,4). Eis alguns elementos
necessários para ter eloquência no modo de falar: estudar profundamente o assunto
a ser exposto; conhecer o público ouvinte; adaptar-se ao tipo de reunião e ao nível
dos ouvintes; ser objetivo; e utilizar a linguagem adequada – no caso da homilia, a
linguagem bíblica (INTERSABERES, 2016, p. 91).
A relação entre oratória e retórica é essencial para ambas. A retórica, como já
vimos, é a arte de falar e escrever bem, tendo como alvo persuadir os ouvintes.
Em outras palavras, é o estudo teórico e prático das regras que desenvolvem
e aperfeiçoam o talento de falar e convencer, baseando-se na observação e no
raciocínio. A retórica precisa da oratória, da lógica e da eloquência para alcançar
seu objetivo: a oratória para expressar um conteúdo de forma adequada; a lógica
para garantir a clareza da exposição; e a eloquência para persuadir. Sendo assim,
a retórica auxilia na preparação de um discurso para que ele alcance o seu alvo
(INTERSABERES, 2016, p. 92).

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12.2.4 Aspectos da oratória

A oratória se realiza a partir de três aspectos: o discurso, o discursador e o auditório.


O discurso refere-se à tomada de posição do orador, o seu conhecimento sobre o
assunto e a forma de abordagem. Antes de tudo, o discurso precisa ter um objetivo
claro, um ponto de chegada almejado. O objetivo pode ser entreter, informar, inspirar,
persuadir ou comover. O conteúdo deve ser bem conhecido pelo orador, por isso é
indispensável o estudo e a pesquisa: ele deve saber mais do que aquilo que irá falar.
Essa sobra de informação lhe dá mais segurança e credibilidade.
A divisão do discurso contempla uma introdução (mostrar a importância do que vai
ser dito e antecipar o tema); o desenvolvimento ou exposição (explicar e reforçar o
objetivo por meio de argumentos claros); e a conclusão (revisar o conteúdo e avaliá-
lo, mostrando a sua importância para o público). Um bom exemplo de discurso que
alcançou o seu objetivo se encontra na pregação de Pedro no dia de Pentecostes,
pois no final as pessoas lhe perguntaram: “Irmãos, o que devemos fazer?” (At 2,37),
demonstrando a eficácia teórica e prática daquele discurso (INTERSABERES, 2016,
p. 97-100).
O discursador é a pessoa que vai falar, com seus atributos físicos (postura, colocação
da voz, gesticulação, etc.) e intelectuais. O orador não deve se preocupar apenas
com o conteúdo, mas deve falar com inteligência, provocar imaginação e despertar
sentimentos. A emoção é um componente fundamental para envolver os ouvintes.
Quem fala sem alegria não transmite esperança nem expressa vitória. Por outro lado,
só a emoção não basta: se não tiver um bom conteúdo e eloquência será tudo em
vão. O orador deve ser capaz de despertar o interesse, mas precisa estar atento
durante a interlocução para verificar a receptividade dos ouvintes. Quando há sinal
de desinteresse, o orador precisa mudar de estratégia em tempo. Discursos longos
desmotivam os ouvintes, por isso o discursador deve medir as palavras, apresentando
sua ideia de forma sucinta e equilibrada. Isso exige uma grande capacidade de síntese
para não deixar de lado aquilo que é importante, mas ao mesmo tempo não se prolongar
(INTERSABERES, 2016, p. 100-102).
O auditório é o que justifica a existência do orador. O público normalmente é formado
por pessoas com perfis distintos, portanto o mesmo discurso pode suscitar reações
diferentes. Sendo assim, é preciso analisar as características predomintes do público,
considenrando sexo, faixa etária e nível sociocultural e intelectual. Por exemplo, estudos

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recentes sugerem que os homens são mais propensos a aceitar uma exposição com
dados lógicos, enquanto mulheres aceitam mais facilmente as intuições, pois têm
uma sensibilidade intuitiva maior. Quanto à idade, é importante diferenciar o público
infantil, juvenil, adulto e ancião. Quanto ao nível sociocultural e intelectual, o discurso
pode variar segundo o nível de escolaridade e até mesmo segundo a classe social
do auditório: não se trata de julgar o público, mas de ter perspicácia para adaptar
o discurso. Normalmente o auditório é heterogêneo: o equilíbrio é sempre o melhor
caminho (INTERSABERES, 2016, p. 102-103).
Em síntese, nesta aula definimos a retórica essencialmente como a arte de falar
bem, e a oratória como a arte de falar em público. Vimos que a retórica é mais ampla
que a oratória, mas ao mesmo tempo necessita da oratória, que é uma de suas
partes fundamentais. Percebemos que a retórica está presente na vida, em todos
os processos de influência e convencimento. Aqui entra também a oratória com sua
capacidade persuasiva. Destacamos que a homilética é a oratória cristã, desenvolvida
particularmente para auxiliar na elaboração e na execução de sermões. E tratamos
brevemente do desenvolvimento da retórica e da oratória no período greco-romano
(retórica clássica) e no cristianismo (retórica sagrada). Na próxima aula, aprofundaremos
o significado da retórica clássica e sagrada.

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CAPÍTULO 13
RETÓRICA CLÁSSICA
E RETÓRICA BÍBLICA

Prezadas e prezados estudantes, nesta aula vamos dar um passo a mais na


compreensão da retórica clássica, que já começamos a tratar na aula precedente.
Desta vez, vamos repassar brevemente a história da retórica greco-romana e vamos dar
uma atenção particular para as partes do discurso retórico. Na segunda parte da aula,
passaremos da retórica clássica à retórica bíblica, destacando suas características. E
observaremos mais de perto a atuação de dois grandes oradores do Novo Testamento:
Jesus Cristo e Paulo de Tarso.

13.1 Retórica clássica

Para a nossa breve apresentação da retórica clássica, vamos começar com uma
panorâmica histórica, considerando os principais autores gregos e latinos. Em seguida,
vamos tratar da elaboração do discurso retórico em suas diversas fases.

13.1.1 Brevíssima história da retórica clássica

Como já mencionamos na aula anterior, tradicionalmente se considera que a


retórica nasceu em Siracusa, no século V a.C., quando o general ateniense Trasíbulo
foi destituído de seu poder, e os cidadãos puderam reivindicar as terras que ele havia
confiscado. Neste contexto, dois oradores, Córax e Tísias, se colocaram ao lado das
vítimas de Trasíbulo e ensinaram as pessoas a argumentarem nos tribunais populares
para reconquistar suas terras. Sendo assim, a retórica nasceu no âmbito do Direito,
com um discurso de estilo judiciário. O primeiro tratado rudimentar de retórica foi
escrito por Córax e Tísias, desenvolvendo uma retórica baseada no princípio de
que o verossímil é mais estimável que o verdadeiro. A oratória destes autores era
marcadamente probatória, formulada como uma arte com suas normas, tendo como
objetivo demonstrar a verossimilhança da tese proposta (FERREIRA, 2010, p. 40-41).

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A democracia ateniense nasceu no final do século VI a.C. Em seguida, os atenienses


perceberam a necessidade de aprender a eloquência, por isso no século V a.C. a retórica
começou a dar seus primeiros passos, não só em Siracusa. Os cidadãos precisavam
responder por suas ações diante da comunidade, então nasceu o discurso judiciário
com sua retórica própria.
O primeiro grande nome da nascente retórica clássica foi Górgias (487-380 a.C.).
O centro de seu interesse eram os aspectos ornamentais da linguagem e a elegância
do discurso. Para ele, o conhecimento é relativo, e a retórica não contém critérios
de verdade como realidade irrefutável. Desenvolveu também o discurso epidítico
(laudatório), além do discurso político e judiciário, aproximando a retórica da poesia.
Górgias considerava o orador como o condutor de almas por meio do bom manejo
da arte das palavras (FERREIRA, 2010, p. 42). Segundo Górgias, a prosa estilizada e a
poesia influenciam a alma do ouvinte, criando uma simpatização com os sentimentos
evocados. O discurso como arte de persuasão era parte fundamental dos ensinamentos
que oferecia a seus discípulos (SPANG, 2005, p. 44).
Os discípulos de Górgias foram Protágoras, Pródicus e Hípias, todos conhecidos
como sofistas. Para eles, a retórica tinha uma dimensão pedagógica: discurso feito
para educar. O centro da reflexão era o ser humano, e o objetivo era a eloquência.
Os sofistas ensinavam os discípulos a argumentarem para persuadir em qualquer
situação, desenvolvendo o aspecto prático da retórica. Essa pretensão de argumentar
sobre qualquer assunto será o centro da crítica de Platão e Aristóteles aos sofistas,
pela superficialidade do discurso e o desinteresse pela verdade. Isócrates (436-338
a.C.), que também foi discípulo de Górgias, tentou conciliar a perspectiva sofística da
retórica com a filosofia de Platão, seu contemporâneo. Para ele, retórica e sabedoria
deveriam andar juntas (FERREIRA, 2010, p. 42-43).
Platão (427-347 a.C.) não levou adiante o projeto retórico, mas criticou com veemência
o uso sofístico da retórica. Os dois diálogos platônicos dedicados a este tema são
o Fedro e Górgias. Segundo Platão, os sofistas se limitam às aparências ao invés de
buscar a verdade, e se adaptam à opinião pública ao invés de defender suas próprias
ideias. Todavia, para Platão, a verdade deve ser buscada por meio da dialética, que os
sofistas ignoram, pois são relativistas e não acreditam na existência da verdade. Não
basta conhecer a arte do bem falar para fazer um discurso sobre determinado tema,
mas é preciso ter consistência e compromisso com a verdade. Com essas críticas,
Platão pretendia superar a retórica e colocar a filosofia ao centro, tanto que Sócrates

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é o grande personagem dos seus diálogos. Para ele, a retórica deve ser serva da ética
para manter seu valor (SPANG, 2005, p. 44-45).
O maior expoente da retórica clássica provavelmente é Aristóteles (384-322 a.C.),
cuja influência alcança inclusive as teorias linguísticas modernas. Ele foi discípulo de
Platão e professor de Alexandre, o Grande, mas claramente se afastou da impostação
platônica quanto à retórica. O seu livro A Retórica sintetizou e inovou os estudos de
retórica do seu tempo, tornando-se um guia sobre a arte da palavra, que influenciou
todo o desenvolvimento sucessivo da retórica. Para Aristóteles, a persuasão é um meio
necessário para expor qualquer assunto. Ele une a retórica e a poética, postulando que
o poeta deve conhecer as normas técnicas da retórica. No entanto, a retórica não está
vinculada à episteme (conhecimento), mas à doxa (opinião), ou seja, a sua função não
é demonstrar a verdade mas convencer. A doutrina retórica de Aristóteles recolhe os
meios de persuasão que o orador precisa usar no discurso forense e político. Todavia,
a retórica não é uma ciência particular e independente, mas uma disciplina que precisa
de outros saberes para ter um conteúdo (SPANG, 2005, p. 45-46).
Deixando o mundo grego, o primeiro grande representante da retórica latina foi
Cícero (106-43 a.C.), que levou a eloquência romana a seu mais alto grau artístico.
Sua obra prima no campo da retórica foi De inventione rhetorica, à qual se seguiu
De oratore, Brutus, Orator e De oratore y Orator. Cícero procurou conciliar filosofia e
retórica: a necessidade de conhecer é tão importante quanto a capacidade de falar. O
orador perfeito deve buscar conhecimentos jurídicos, administrativos e filosóficos para
poder falar com estilo e justiça. A habilidade com as artes não depende apenas do
domínio das regras, mas pressupõe também a capacidade inata, o estudo, a imitação
dos modelos clássicos e a formação sólida em geral. Para Cícero, os ornamentos de
um discurso devem ser definidos segundo o assunto tratado e o efeito desejado; e o
critério para a avaliar um discurso é funcional, ou seja, se julga a partir do seu efeito
e da sua utilidade (SPANG, 2005, p. 49-50).

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Figura 1: Estátua de mármore do filósofo romano Cícero, Palácio da Justiça (Roma, Itália)
Fonte: https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2012/08/c%C3%ADcero_348869849.jpg

Depois de Cícero, temos ainda alguns expoentes da retórica clássica, como Quintiliano
(35-95 d.C.), mas, aos poucos, a eloquência entrou em decadência. De fato, a retórica
subsiste apenas onde há democracia, por isso com o fim da República Romana e o
início do período imperial no ano 27 a.C., a retórica foi perdendo espaço, pois não era
mais necessário promover debates públicos. A retórica passou a ser estudada na
escola e se tornou “declamação” romana, longe do calor do debate que havia gerado
os gênios da retórica. Durante a Idade Média, a retórica ocupava um lugar central
na educação, e chegou à Idade Moderna com certo prestígio, mas muito artificial.
O Positivismo rejeitou a retórica em nome das verdades científicas; o mesmo fez o
Romanticismo, porque só valorizava a sinceridade contra todo artifício retórico. Em
1885, a retórica deu lugar ao estudo da História das literaturas grega e latina, no
ensino francês (FERREIRA, 2010, p. 45). Aos poucos, todos os sistemas de educação
do Ocidente fizeram o mesmo, e a retórica passou a ser estudada como algo do

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passado, até seu renascimento como “nova retórica”, mas trataremos deste assunto
na última aula.

ANOTE ISSO

Olhando para o desenvolvimento histórico da retórica, percebemos que os principais


autores considerados nesta breve panorâmica desenvolveram a retórica como uma
arte de falar para persuadir. A beleza do discurso é um elemento presente em todos
os autores; e o compromisso com a verdade, auxiliado por outras ciências, aparece
como segundo elemento importante. Tenhamos em mente estes dois elementos
que se destacam na história da retórica, pois serão úteis na segunda parte desta
aula para compreendermos a retórica bíblica.

13.1.2 A elaboração do discurso retórico

Cícero e Quintiliano estabeleceram cinco passos ou fases para a elaboração de


um discurso retórico, a partir das contribuições dos autores que os precederam,
especialmente Aristóteles. Começando com a busca de ideias sobre um determinado
tema (inventio), passando pela adequada organização (dispositio) e formulação verbal
(elocutio), chega-se à memorização (memoria) e a preparação para a apresentação
pública (actio). São regras que incluem a concepção, a configuração e a apresentação
do discurso (SPANG, 2005, p. 114).
Apresento, a seguir, uma síntese destes cinco passos, seguindo a elaboração feita
por Marchese e Forradellas (2013, p. 349-350) e por Spang (2005, p. 117-143):
a) Inventio ou heuresis: significa encontrar as ideias. Consiste na busca de
conteúdos, materiais e argumentos sobre o tema que será tratado. Preparam-
se as premissas verossímeis sobre as quais se consolidará o discurso. Para dar
suporte, podem-se acrescentar os topoi ou lugares comuns;
b) Dispositio ou taxis: ordenar tudo o que foi encontrado, dispondo o material em
uma estrutura coerente, sistemática e persuasiva. Contém as quatro partes
do discurso retórico: o exordium, que desperta o interesse do auditório e cria
um clima de benevolência; a narratio ou exposição dos fatos; a confirmatio ou
argumentatio, que desenvolve o tema com grande persuasão; e o peroratio ou
epílogo, que conclui o discurso, fazendo recurso aos sentimentos e à razão dos
ouvintes;

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c) Elocutio ou lexis: depois de recolher o material e organizar as ideias, é preciso dar-


lhes uma formulação adequada. Trata-se de organizar o discurso com elegância,
garantindo o poder persuasivo. Do ponto de vista prático, esta fase consiste
em dar uma configuração verbal definitiva às ideias encontradas e ordenadas
na fase anterior; do ponto de vista teórico, ela implica a avaliação das técnicas
de verbalização a partir do ponto de vista da eficácia persuasiva. É nesta fase
que se acrescentam os ornamentos ao discurso: é o ponto de contato com a
poética e com a literatura;
d) Memoria ou mneme: é memorização do discurso que será proclamado em um
segundo momento. A memória é um elemento fundamental nas culturas orais,
como era a cultura greco-romana clássica. O orador discursava tendo como
único recurso a sua memória e o seu raciocínio, sem lembretes diante dos
olhos. Os clássicos diferenciavam entre memoria verborum (memorização do
texto em si) e memoria rerum (lembrar do conteúdo): provavelmente este último
sentido era aplicado com mais frequência nos discursos retóricos. Nos nossos
dias, normalmente os oradores têm diante dos olhos o discurso escrito ou um
esquema, mas a memória continua tendo sua importância no sentido de lembrar
aquilo que já se conhece no momento de elaborar um novo discurso;
e) Actio ou hipócrisis: corresponde à execução do discurso de forma adequada
e persuasiva. Aqui entram as técnicas gestuais, mímicas, atitude corporal e a
arte declamatória. A pronúncia deve ser clara e a atuação deve ser adequada
para que o público compreenda o que se quer comunicar. Falhas nesta fase
tornam em vão as fases anteriores e impedem que o ato retórico alcance o seu
objetivo: a persuasão.

Seguindo este esquema de cinco partes, temos uma visão de conjunto da organização
interna do processo retórico. Através deste processo, chega-se à formulação e
execução de um discurso retórico, que se distingue de outros tipos de discurso pela
sua capacidade persuasiva.

13.2 Retórica Bíblica

Deixando por um momento a retórica clássica, vamos agora concentrar nossa


atenção na retórica bíblica. Do ponto de vista cronológico, as retóricas clássica e

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bíblica se desenvolveram mais ou menos no mesmo período. A principal diferença é


cultural: a cultura grega e romana de um lado, e a cultura judaica do outro. Todavia,
no mundo antigo também haviam contatos culturais entre os povos, e não podemos
excluir que essas duas retóricas tenham influenciado uma à outra em determinados
momentos da história. Isso será particularmente evidente em Paulo de Tarso, que
tem claras influências da retórica grega.
Para a nossa breve apresentação da retórica bíblica, começaremos analisando
suas principais características; depois nos concentraremos nos aspectos da oratória
de Jesus; e finalmente abordaremos a retórica das cartas de Paulo.

13.2.1 Características da retórica bíblica

A retórica bíblica é largamente semítica e não tem muitos contatos com a retórica
greco-romana, especialmente durante o período do Antigo Testamento. Meynet (2008, p.
23) considera duas características essenciais da retórica bíblica em geral: a binariedade
e a parataxe.
A binariedade consiste na apresentação de termos, ideias e discursos em duas
partes. Isso acontece a nível linguístico e gramatical em expressões hebraicas como
“morrer morrerás” (Gn 2,17) para significar “certamente morrerás”; ou “ouvir ouvirás” (Es
15,26) para dizer “se ouvires atentamente”. No Novo Testamento, em grego, aparecem
expressões como “vigiar as vigílias da noite” (Lc 2,8). Aqui entram também as duplas
de palavras sinonímicas, como “justiça e direito” (Sl 33,5). Os merismas são um caso
particular deste fenômeno: para indicar a totalidade do mundo se diz “o céu e a terra”
(Sl 115,15); para dizer todos, “pequenos e grandes” (2Cr 36,18). E as hendíadis (dois
sinônimos da mesma classe gramatical colocados lado a lado) são frequentes no
texto hebraico: “Ele distribuiu deu aos pobres” (Sl 112,9) com o sentido de “ele distribui
largamente aos pobres” (MEYNET, 2008, p. 23-25).
Também a nível de discurso se observam as estruturas binárias, quando as duplas de
palavras aparecem nos extremos das frases, dando uma estrutura. Exemplo: “Os céus
são os céus do Senhor / mas a terra, ele a deu para os filhos dos homens” (Sl 115,16).
Ou palavras paralelas em versículos diferentes, sempre indicando uma estrutura: “O
mar viu e fugiu, o Jordão voltou atrás; os montes saltaram como carneiros, e as colinas
como cordeiros” (Sl 114,4). Neste caso, a dupla “mar” e “Jordão” contrastam a dupla
“montes” e “colinas”, criando uma composição paralela. A binariedade está na forma

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de pensamento bíblico, organizando, inclusive, o inteiro livro chamado “Bíblia”. Por


exemplo, o Deuteronômio é a “segunda Lei” e conclui a Torah (Pentateuco): são duas
Leis, sendo que uma explica a outra. O Novo Testamento completa e explica o Antigo
Testamento: na Bíblia cristã, cada testamento depende do outro (MEYNET, 2008, p.
26-31).
A parataxe é a justaposição de palavras, expressões ou frases. A forma mais básica
é a justaposição de duas frases nominais, como nesse caso: “O sacrifício a Deus, um
espírito contrito” (Sl 51,19a). O significado desta justaposição é claro: o verdadeiro
sacrifício a Deus é o espírito contrito. As frases justapostas podem ter uma relação
aditiva, adversativa ou explicativa, como neste exemplo: “Praticar o direito é alegria
para o justo / é espanto para os malfeitores (Pr 21,15), sendo que entre as duas frases
pode-se acrescentar um “mas” para dar sentido ao texto (MEYNET, 2008, p. 31-33).
A nível de conjunto, podemos afirmar que os vários livros da Bíblia e suas partes
são justapostos, e muitos leitores não enxergam o significado desta justaposição.
Na verdade, todos os livros justapostos da Bíblia estão relacionados entre si: cada
um completa, explica ou pelo menos dialoga com outros livros. Assim também é a
relação entre Antigo e Novo Testamentos. Do contrário, a Bíblia seria apenas uma
coleção de livros heterogêneos, mas não se pode fazer exegese sem considerar a
unidade de todas as partes da Bíblia. Trata-se de uma grande parataxe que precisa
ser interpretada como tal (MEYNET, 2008, p. 34-35).
Essas características básicas da retórica bíblica nos fazem notar que ela não segue
os parâmetros da retórica greco-romana, nem chega ao mesmo nível de sistematização
teórica. No entanto, a retórica está em ato na composição dos textos bíblicos. Aqui
apresentamos apenas duas características essenciais para exemplificar o processo
de composição dos textos bíblicos, mas haveria muito a se acrescentar. Todavia, a
partir destas poucas características, percebemos que existem dispositivos retóricos
na Bíblia, os quais têm a mesma função dos recursos retóricos clássicos: dar beleza
e organização ao texto, de modo que o leitor/ouvinte se sinta envolvido.

13.2.2 A oratória de Jesus

As características da retórica bíblica que vimos acima estão presentes em toda


a Bíblia, mas predominam no Antigo Testamento. Vamos passar agora para o Novo
Testamento, observando mais de perto as características da oratória do maior orador
desta segunda grande seção da Bíblia: Jesus.

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É evidente que Jesus não usava a retórica como os grandes autores clássicos
gregos e romanos, nem sabemos se ele chegou a conhecer a retórica clássica. No
entanto, é inegável a capacidade de Jesus de atrair multidões para ouvir seus discursos,
conforme a narração dos evangelhos. Esta capacidade de envolver, convencer e levar
as pessoas a agirem de modo diferente nada mais é que o efeito de uma excelente
oratória.
Jesus, como orador público, uniu dois instrumentos difíceis de serem conciliados
na oratória: convicção e sensibilidade. Ele anunciava sua mensagem com firmeza,
mas ao mesmo tempo com grande atenção às necessidades das pessoas. O mais
interessante é que o público de Jesus era muito heterogêneo: homens, mulheres,
crianças, anciãos, povo simples, letrados, soldados romanos, líderes religiosos judeus,
etc. E todos compreendiam a sua mensagem (INTERSABERES, 2016, p. 85-87).
Entre as técnicas comunicativas de Jesus, a que mais se destaca é o uso de
parábolas, ou seja, histórias fictícias que narram coisas que poderiam acontecer a
todos, inclusive a seus ouvintes. Este tipo de narrativa tem alta potencialidade de
prender a atenção de todo o auditório, e quando todos estão envolvidos Ele lança sua
mensagem, interpretando ou sugerindo a interpretação da história narrada.
Outra característica da oratória de Jesus é a sua capacidade de adaptar o discurso
para falar a cada tipo de ouvinte: às donas de casa falava de farinha misturada ao
fermento (Mt 13,33) ou da moeda perdida dentro de casa (Lc 15,8-10); aos pescadores
afirma que anunciar o evangelho é como pescar seres humanos (Mt 4,19) e que o
Reino dos Céus é como uma grande pescaria (Mt 13,47-53); aos pastores comparava a
misericórdia de Deus com o trabalho de cuidar das ovelhas (Lc 15,4-7); aos agricultores
fala do plantio do grão de mostarda e do trigo (Mt 13,2432); e assim por diante.
Enfim, o discurso de Jesus é muito mais prático do que teórico, e isso explica a
sua eficácia concreta. Seu discurso é prático, antes de tudo, porque trata de questões
do cotidiano das pessoas, como vimos acima. Mas, sobretudo, porque conduz a uma
ação dos ouvintes: “Vai, e também tu, faze o mesmo” (Lc 10,37); “todo aquele que ouve
essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado ao homem insensato…”
(Mt 7,26). É verdade que não encontramos nos discursos de Jesus, transmitidos nos
Evangelhos, uma aplicação sistemática da retórica, mas está claro que a sua oratória
cumpriu perfeitamente o propósito da retórica: convencer os ouvintes a agir de uma
nova maneira.

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ISTO ESTÁ NA REDE

Todos reconhecem que Jesus foi um grande comunicador e um orador fascinante.


Vimos acima alguns aspectos da oratória praticada por Jesus. Para aprofundar
este tema, sugiro este artigo do cardeal Gianfranco Ravasi, publicado em português
no site do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura. O autor apresenta três
modelos de comunicação de Jesus: palavras, milagres e controvérsias. Também
trata da variedade de imagens usadas por Jesus, da diversidade de seus ouvintes,
da sua comunicação pessoal e direta, e da capacidade de envolver as pessoas e
de solicitar uma adesão. Acesso o artigo completo em: https://www.snpcultura.org/
Jesus_Cristo_perfil_comunicador_fascinante.html

13.2.3 Retórica das cartas de São Paulo

O autor bíblico que mais empregou a arte retórica em seus escritos certamente
foi Paulo de Tarso. Suas cartas revelam um real conhecimento de algumas regras e
práticas da retórica grega. Para identificar alguns elementos da retórica paulina, que
se inspira na retórica clássica, vamos seguir o estudo feito por Porter (2001, p. 533-
585). A análise retórica é um dos métodos de exegese aplicados atualmente às cartas
paulina justamente porque Paulo aplicava certos artifícios retóricos em seus escritos.
Antes de tudo, a arte retórica é usada, em geral, para persuadir, e Paulo procura
constantemente persuadir seus ouvintes/leitores judeus e gregos de que Jesus é o
salvador de todos eles, e isso é particularmente visível na Carta aos Romanos. Nesta
carta, Paulo traz argumentos do tipo forense, demonstrativo e também deliberativo,
ou seja, os três principais tipos de discurso retórico (PORTER, 2001, p. 568-569).
A estrutura das cartas segue a disposição dos discursos retóricos que vimos na seção
13.1.2: abertura (exordium), corpo (narratio e argumentatio) e fechamento (peroratio).
Na abertura das cartas, normalmente encontramos saudações e ação de graças, que
corresponde à tentativa de estabelecer contato com os destinatários, despertando
interesse pelo assunto que será tratado, como fazia o exordium na retórica clássica. O
corpo da carta normalmente desenvolve a ideia ou conteúdo do discurso, narrando os
fatos pertinentes, como na narratio. Quando trata dos temas centrais da carta, Paulo
inclui também elementos da argumentatio, ou seja, as provas que reforçam o conteúdo
apresentando. Por exemplo, em Rm 1,18-3,20 Paulo usa argumentos da teologia natural
para provar a condição de pecado da humanidade, de modo a dar razão à ideia de que
“o justo vive pela fé” (1,17). E a conclusão das cartas inclui normalmente as bênçãos

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e a saudação final, para deixar um boa impressão aos leitores/ouvintes, conforme a


função da peroratio (PORTER, 2001, p. 569-570).
Além da dispositio, as cartas de Paulo também têm proximidades com a inventio,
no seu modo de selecionar o material e desenvolver o assunto. Para começar, Paulo
faz vários usos de topoi ou tópicos em seus escritos, usando inclusive figuras padrões
(lugares comuns) do mundo antigo, um fenômeno totalmente ausente nos evangelhos.
Paulo apela, por exemplo, ao tema da amizade (Gl 4,12-20), a ideia de geração corrompida
(Fil 2,15), a alegria humana (Fil 2,28-29); e alguns lugares comuns tipicamente bíblicos:
a promessa a Abraão (Gl 3,6-14), o retorno do Senhor (2Ts 2,1-12), etc.
Além dos tópicos, Paulo procura trazer provas a seus argumentos, no estilo aristotélico
de provar. Por exemplo, em 1Ts 4,1-18 aparecem vários silogismos e entimemas,
como este: “Pois Deus não nos chamou para a impureza, mas sim para a santidade.
Portanto, quem desprezar estas instruções não despreza um homem, mas Deus,
que vos infundiu o seu Espírito Santo” (4,7-8). A prova mediante ilustrações também
é comum em suas cartas, como o exemplo de Abraão em Gl 2 e Rm 4 para provar
sua teoria da justificação pela fé. Outra prova interessante da retórica clássica usada
por Paulo é a assim chamada “prova inartística”, que consiste em apelar para várias
testemunhas externas. Paulo usa este artifício retórico em 1Cor 15,3-7, quando invoca
a autoridade das Escrituras, de Pedro, de Tiago e dos outros apóstolos (PORTER,
2001, p. 570-576).
Existem outros numerosos recursos retóricos aplicados por Paulo, como a diatribe,
a apóstrofe, a pergunta retórica, os paralelismos e as antíteses, mas este não é o
espaço para aprofundar todos estes temas. Apresentamos aqui alguns elementos da
retórica clássica presentes nas cartas de Paulo para observar como o apóstolo dos
gentios soube usar a linguagem dos gentios para se comunicar com eles. Além de
ser um grande conhecedor das tradições e das Escrituras hebraicas, Paulo também
dominava a retórica grega, como muitos judeus de alta cultura em sua época (ele
mesmo afirma ter frequentado a escola de Gamaliel em At 22,3). Paulo continua sendo
um exemplo para nós por sua capacidade de falar a linguagem dos seus interlocutores
e por saber usar a retórica a favor do anúncio do Evangelho.
Para concluir, podemos agora destacar alguns elementos comuns entre a retórica
greco-romana e a retórica bíblica. No final da primeira seção desta aula, enfatizei duas
características da história da retórica greco-romana: a preocupação com a beleza do
discurso; e o compromisso com a verdade, que não é um elemento interno da retórica,

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mas um compromisso do orador, o qual precisa do auxílio de outras disciplinas para


manter sua relação com a verdade. Esses dois elementos são evidentes na retórica
bíblica. Os autores bíblicos procuraram imprimir beleza e organização em seus escritos.
São autores inspirados, mas escrevem com linguagem humana, por isso não deixam
de usar os recursos retóricos disponíveis no seu tempo e na sua cultura. Além da
beleza e organização, os autores bíblicos demonstram o compromisso com a verdade
divina revelada. Enfim, realizaram no terreno sagrado aquilo que os autores da retórica
clássica realizaram no terreno secular.

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CAPÍTULO 14
INTRODUÇÃO À
RETÓRICA SAGRADA

Caros estudantes, nesta aula vamos falar da Retórica Sagrada, ou seja, da aplicação
da retórica em discursos religiosos. Mais especificamente, estamos nos referindo
à retórica aplicada na homilia. A homilética nada mais é que uma retórica sagrada.
Sendo assim, na primeira parte da aula vamos tratar do surgimento da homilia e seu
desenvolvimento, desde os tempos bíblicos até o período dos Padres da Igreja, quando
a retórica entrou decisivamente na homilética. E na segunda parte, apresentaremos
algumas aplicações concretas da retórica à homilia.

14.1 Breve história da Retórica Sagrada

Falar sobre a história da retórica sagrada é falar sobre a origem e desenvolvimento


da homilia. A homilia nasceu no contexto da liturgia sinagogal e assim foi acolhida pelo
cristianismo nascente. Em seguida, surgiram os primeiros sermões cristãos elaborados
de forma mais sistemática. Enfim, com a Patrística, a retórica entrou decisivamente
na composição das homilias. Trataremos agora, separadamente, de cada uma dessas
três fases em nossa panorâmica histórica a seguir.

14.1.1 A homilia judeu-cristã nos tempos bíblicos

O discurso religioso é chamado de homilía em grego e sermo em latim. Ambas as


palavras entraram na língua portuguesa como “homilia” e “sermão”, que são basicamente
sinônimos e significam “explicação pública de doutrinas ou textos sagrados”. O ambiente
vital do sermão é o culto. Todavia, no culto da maioria das religiões antigas não há um
espaço para discursos, mas apenas para os ritos sagrados. O judaísmo foi a primeira
religião que superou os muros do templo e instaurou um novo culto na sinagoga,
baseado na leitura dos textos sagrados e na sua interpretação. O cristianismo, que
nasceu do judaísmo, seguiu esta mesma tendência. Em ambas as religiões, a atividade

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retórica ganhou uma importância desconhecida na dinâmica das demais religiões


antigas (SIEGERT, 2001, p. 421).
O paganismo grego também tinha a prática de interpretar textos religiosos, como
fazia Homero, por exemplo. Porém, estas interpretações produziram textos escritos,
não discursos públicos. A retórica se preocupava com o discurso público, tratando de
temas jurídicos, políticos ou filosóficos. Exposição de textos religiosos e retórica não
caminhavam juntas no paganismo, mas no judaísmo e no cristianismo esses dois
âmbitos se uniram na homilia. No contexto do judaísmo helenístico e do cristianismo
nascente, a homilia ou sermão era a explicação de um texto sagrado lido previamente
como parte de uma liturgia. Retórica e liturgia se unem de maneira inédita neste
conceito judeu-cristão, e assim permanecem até hoje (SIEGERT, 2001, p. 424-426).

ISTO ESTÁ NA REDE

A homilia nasceu no contexto do culto sinagogal, como vimos acima. Existe todo
um rito na liturgia da sinagoga: entronização da Torá, proclamação e escuta da
Palavra, bendição, explicação do texto bíblico, conversão, envio, etc. A Liturgia da
Palavra na missa católica segue o antigo esquema judaico. Além da Bíblia, temos
contribuições no Targum (coleção dos escritos judaicos) sobre a importância da
homilia no culto sinagogal para tornar a Palavra de Deus compreensível a todos.
Aliás, o Targum traz bons exemplos de homilias judaicas na antiguidade. Para
aprofundar um pouco mais este tema, sugiro este breve artigo do liturgista pe.
Danilo César: https://arquidiocesebh.org.br/noticias/raizes-judaicas-da-homilia/

Existem exemplos, na Bíblia, de personagens proferindo um sermão, ou seja, uma


explicação de um texto sagrado em contexto litúrgico, como é o caso do sacerdote
Esdras em Ne 9, e de Jesus em Lc 4,14-30. Porém, em ambos os casos, o texto
bíblico não transmite o discurso pronunciado, mas se restringe a breves informações.
O caso de Jesus sentado em uma barca ou na montanha proferindo ensinamentos
configura uma proclamação, mas não uma homilia, pois falta o contexto litúrgico. Por
mais que todos estes exemplos tenham relações com a prática retórica, todos estão
muito distantes do que seria um discurso retórico pronunciado por um orador grego
ou romano. Uma diferença evidente se encontra no ambiente mesmo da proclamação:
enquanto a sociedade judaica era predominantemente rural, a civilização helenística

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era muito mais urbana. A retórica clássica dependia do contexto urbano, onde se
promoviam as discussões públicas.
Paulo de Tarso tinha uma cultura urbana e suas cartas apresentavam elementos
de estruturação retórica – como vimos na aula anterior –, porém não o encontramos
em nenhum momento proferindo um discurso retórico como um orador clássico. O
único personagem do Novo Testamento que poderia ser considerado um orador é
Apolo, segundo a descrição feita por Lucas em At 18,24: “Um judeu, chamado Apolo,
natural de Alexandria, havia chegado a Éfeso. Era um homem eloquente e versado nas
Escrituras”. Todavia, nenhum discurso de Apolo é reportado (SIEGERT, 2001, 428-431).
Escrevendo aos romanos, Paulo usa uma expressão interessante: logike latreia, que
significa literalmente “culto racional” ou “culto inteligente”, por mais que as traduções
da Bíblia normalmente apresentam “culto espiritual”: “Exorto-vos, portanto, irmãos,
pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo
e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual (Rm 12,1 Bíblia de Jerusalém,
2015). A ideia de um “culto racional” vem de Pitágoras e dos filósofos estóicos, que
eram contrários ao culto sacrifical. A religião pagã não desenvolveu este tipo de culto,
mas o judaísmo sim. O culto sinagogal era muito próximo do ideal dos filósofos
pitagóricos e estóicos. Eis a razão porque a sinagoga nasceu e se desenvolveu na
diáspora, especialmente em Alexandria, sob influência da cultura helenística. O judaísmo
helenístico desenvolveu o culto monoteísta não sacrifical, admirado por muitos pagãos
de alta cultura. Os primeiros cristãos adotaram o modelo sinagogal como única forma
de culto e, em um segundo momento, acrescentaram a eucaristia a este culto. Porém,
o sermão após as leituras bíblicas permaneceu fundamental (SIEGERT, 2001, 431-433).

14.1.2 Primeiros sermões cristãos

O primeiro sermão cristão, escrito segundo as regras da retórica, de que temos


conhecimento, é a homilia intitulada Da Páscoa, de Melitão de Sardes (100-180 d.C.).
O sermão segue o assim chamado “estilo asiático” da oratória, com uma prosa rítmica
marcada por repetições de estruturas curtas. Foi escrito para ser pronunciado na
décima quarta noite de Páscoa. Apresenta uma leitura alegórica e tipológica do evento
do êxodo, sendo aplicado à páscoa cristã; e apresenta a morte de Jesus com um estilo
fortemente emocional. Pouco mais tarde, temos o sermão Da Epifania de Pseudo-
Hipólito (século III), tratando sobre o batismo de Jesus. Segue a prosa rítmica e o

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mesmo tipo de hermenêutica usado por Melitão. Na Igreja latina, o primeiro sermão
conhecido é Contra os Judeus de Cipriano de Cartago (210-258 a.C.). Segue o estilo
retórico e o conteúdo da homilia de Militão, porém com menos talento (SIEGERT,
2001, p. 437-439).

Figura 1: Papiro com um trecho de uma homilia de Melitão de Sardes


Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Melit%C3%A3o_de_Sardes

Outros exemplos importantes dos primeiros sermões cristãos seguindo a retórica


clássica são: A epístola a Diogneto, escrita por um autor anônimo por volta do ano 120
d.C., com estilo asiático; e o sermão Que rico se salvará? de Clemente de Alexandria
(150-215 d.C.), que se apresenta como uma homilia exegética. Nos séculos seguintes,
grandes sermões usando a retórica clássica foram escritos por João Crisóstomo,

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Severiano de Gabala, os Padres Capadócios, Basílio de Selêucia, Agostinho de Hipona


e muitos outros (SIEGERT, 2001, p. 439-441).
Além destes sermões fortemente marcados pelo estilo retórico clássico, temos
exemplos de homilias mais simples, elaboradas como um diálogo mais familiar e com
caráter parenético (exortativo). É o caso das Apologias de Justino Mártir (100-165
a.C.) e de Tertuliano (160-220 a.C.), que apresentam a exortação como parte do culto
cristão. Temos também a Segunda Carta de Clemente (século II d.C.), uma exortação
moral com pouco caráter retórico. A homilia exegética aparece pela primeira vez nos
escritos do judeu Fílon de Alexandria (século I), e continua no cristianismo com autores
como João Crisóstomo e Orígenes (séculos III-IV), consistindo na explicação do texto
bíblico versículo por versículo, ou palavra por palavra (SIEGERT, 2001, p. 441-443).

14.1.3 A retórica Sagrada dos Padres da Igreja

Satterthwaite (2001, p. 671-687) estuda a retórica dos Padres Latinos: Tertuliano,


Cipriano, Lactâncio, Ambrósio, Jerônimo e Agostinho. O autor destaca, antes de tudo,
que os sermões destes Padres da Igreja normalmente seguem os passos da elaboração
de um discurso retórico clássico, com especial atenção para a inventio (seleção do
material), a dispositio (organização) e a elocutio (estilo). Além disso, os Padres citam
com frequência os autores clássicos para reforçarem suas argumentações: Cícero,
Virgílio e outros oradores greco-romanos. Todavia, a retórica clássica está a serviço
da Bíblia, nos sermões dos Padres da Igreja. A Bíblia é de longe o livro mais citado em
todos os seus escritos. O principal material coletado na fase da inventio provém da
Bíblia. A introdução da exegese bíblica dentro do discurso retórico é a grande novidade
dos Padres, e aqui nasce a Retórica Sagrada propriamente dita.
A elocutio está ligada ao estilo e inclui a escolha das palavras, as metáforas, a
estrutura das sentenças, o efeito rítmico, as figuras de linguagem, a harmonia, etc.
As figuras de linguagem são muito usadas pelos Padres Latinos, como a metáfora,
a comparação, o paralelismo, etc. Estas figuras de linguagem não provêm somente
da retórica clássica, mas muitas delas se encontram também na Bíblia. As parábolas
bíblicas representam uma enorme fonte de inspiração para os sermões dos Padres.
O paradoxo é outra figura de linguagem presente na Bíblia e valorizado na literatura
patrística. Na Bíblia temos, por exemplo, o paradoxo entre a misericórdia divina e a
rebelião de Israel; a incarnação do Verbo e a crucifixão do Messias; etc. O paradoxo

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da paixão, morte e ressurreição de Cristo é muito presente nos sermões de Cipriano,


Tertuliano, Agostinho e outros Padres. O gênero literário clássico ligado ao paradoxo
se chama “antítese” e está muito presente nas homilias patrísticas (SATTERTHWAITE,
2001, p. 679-683).
Em geral, os Padres da Igreja acolheram os princípios e os ideais da retórica pagã e
procuraram conciliar com a fé e a doutrina cristã. Buscaram realizar, em seus discursos,
a tríplice tarefa da retórica: instruir, encantar e persuadir os ouvintes. Instruir quanto
às verdades bíblicas; encantar com a beleza do discurso; e persuadir a agir conforme
a doutrina cristã. Além destas tarefas clássicas da retórica, Agostinho acrescenta
outras tarefas à retórica sagrada, conforme a exposição de Satterthwaite (2001, p.
690-692), que resumimos a seguir:
• Para Agostinho, o orador cristão deve, antes de tudo, defender a fé diante daqueles
que a atacam e exortar os fiéis a viverem os valores evangélicos.
• O orador cristão deve preocupar-se mais em compreender a Bíblia do que ser
humanamente eloquente;
• A sua eloquência provém do poder que a Palavra de Deus tem de convencer.
Sendo assim, o pregador deveria passar mais tempo lendo a Bíblia do que
expondo o seu conteúdo;
• A clareza é a primeira exigência ao pregador cristão: é importante usar um
vocabulário elegante, mas sem renunciar à clareza e sem dificultar a compreensão;
• Todos os pontos precedentes estão a serviço do primeiro e principal propósito da
oratória: instruir. A oratória cristã deve preocupar-se principalmente em instruir;
encantar e persuadir serão uma consequência deste esforço.

Agostinho reflete um ponto interessante da fé cristã: para buscar a verdade, a


clareza e o estilo, é preciso antes de tudo rezar a Deus para que dê as palavras
certas aos pregadores de sua Palavra. Agostinho amplia a distinção feita por Platão
entre verdade e retórica: a retórica está a serviço da verdade, mas a retórica pode
até ser dispensada; a verdade não. Neste sentido, para Agostinho, a Bíblia está
acima da retórica e tem a sua eloquência própria. Por isso, a principal tarefa do
orador cristão é ler e meditar a Bíblia. Somente depois disso a retórica poderá ser
um bom instrumento para expor a verdade da Revelação bíblica (SATTERTHWAITE,
2001, p. 692-693).

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14.2 A retórica aplicada à homilética

Vimos acima como a retórica foi aplicada à homilética ao longo da história do


cristianismo. Agora, vamos ver como esse processo pode continuar acontecendo na
elaboração e execução dos sermões atuais. Começaremos tratando da eloquência
na homilia, pois esse é um elemento central da retórica. Em seguida, analisaremos
algumas sugestões dadas por estudiosos recentes sobre como aplicar a retórica na
homilia.

14.2.1 Homilética a eloquência

A eloquência da palavra é cantada poeticamente pela Bíblia: “As palavras amáveis


são um favo de mel: doce para o paladar e força para os ossos” (Pr 16,24). O poder da
palavra para consolar é evocado por Isaías: “O Senhor Iahweh me deu uma língua de
discípulo para que eu soubesse trazer ao cansado uma palavra de conforto” (Is 50,4).
E Jesus alerta também para o poder nefasto de uma palavra ruim: “Eu vos digo que
de toda palavra inútil, que os homens disserem, darão contas no Dia do Julgamento.
Pois por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado” (Mt
12,36-37). Essas e outras passagens da Bíblia mostram a força e a eloquência das
palavras pronunciadas (INTERSABERES, 2016, p. 147-148).
O sermão tem por objetivo convencer os ouvintes quanto à mensagem bíblica, por
isso está diretamente ligado à eloquência e à retórica. Visto que a compreensão vem
por meio de palavras pronunciadas, então é importante que a voz seja clara e delicada.
As palavras esclarecem, orientam e movem as pessoas. O orador que consegue mover
as pessoas por meio de suas palavras é realmente eloquente.
Existem vários meios pelos quais podemos mover as pessoas a aceitarem nossas
sugestões: pela força moral (princípio e doutrinas); pela força social (costumes, normas
e leis); pela força física (braços e armas); pela força pessoal (exemplo); pela força
verbal (fala ou escrita); e pela força espiritual (atuação do Espírito Santo). A retórica
age pela força verbal, e a homilética usa a retórica para convencer por meio da palavra.
Porém, a homilética conta também com a força espiritual que vem do Alto e inspira
o pregador e a comunidade. Enfim, a homilética e a retórica formam um par perfeito
e têm em comum a busca pela eloquência (INTERSABERES, 2016, p. 148-149).

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14.2.2 Uso da retórica na homilia

O uso que o pregador deve fazer da retórica não consiste em aplicar no sermão todos
os floreios e raciocínios engenhosos desta arte. A retórica clássica pode inspirar o pregador
a preparar e a executar o seu sermão, seguindo os cinco tópicos ou passos da elaboração
de um discurso retórico, que já vimos na aula passada. North (1971, p. 16) faz um repasse
desses tópicos aplicando-os ao sermão: a “invenção” (inventio) é o momento de coletar o
material para o sermão (ideias, texto bíblico, comentários, etc.); a “disposição” (dispositio)
é a organização deste material segundo o propósito da pregação; o “estilo” (elocutio) é a
formulação do sermão, com uso de palavras adequadas, para transmitir a mensagem
de forma eficaz; a “memória” (memoria) é o exercício de recordar os pontos principais da
pregação (para não precisar ler tudo!); e a “entrega” (actio) comporta o uso adequado da
voz e dos gestos para apresentar a mensagem aos ouvintes.
Para justificar a importância da retórica na homilia, Navas (2012, 90-91) assinala alguns
problemas que frequentemente os ouvintes dos sermões apresentam como dificuldades
para acolher e compreender o que o pregador diz: sermões cheios de ideias complexas;
muita análise e poucas respostas; discursos formais e impessoais; vocabulário teológico
incompreensível para a maioria; demasiado conteúdo propositivo e pouca ilustração; teorias
distantes, sem oferecer orientações para o compromisso e a ação. Tudo isso contribui
para gerar desinteresse pela homilia, que parece pouco atrativa e distante da vida real
das pessoas.

Figura 2: The sleeping congregation (A assembléia dormindo) de William Hogarth (1697-1764)


Fonte: https://www.royalacademy.org.uk/art-artists/work-of-art/the-sleeping-congregation-2

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Para evitar que a homilia perca sua atração, Navas (2012, p. 89-91) sugere a aplicação
de alguns processos retóricos que podem enriquecer a pregação cristã. Por mais
que a retórica parece algo complicado e distante, estes processos retóricos são bem
próximos à realidade da pregação:
• Aforismas: frase breve e aguda que expressa uma verdade ou um preceito.
Grande parte da pregação de Jesus aconteceu por meio de aforismas. Alguns
estudiosos contam 133 aforismas nos evangelhos: são aquelas frases que
ficaram marcadas e que foram lembradas anos mais tarde pelos evangelistas.
Por isso, os aforismas são um recurso retórico importante: porque permanecem
na memória dos ouvintes;
• Aplicação: sugerir uma aplicação concreta do texto bíblico exposto no sermão
é uma das melhores formas de garantir a sua eficácia. Pode ser uma aplicação
direta ou indireta, no corpo da homilia ou na conclusão. O importante é mostrar
o valor prático da Palavra refletida;
• Argumentação: é uma das principais partes da dispositio na retórica, como vimos
na aula anterior. Aplicada à homilia, consiste em desenvolver raciocínios lógicos,
trazer respostas a questões da assembleia, antecipar situações possíveis e
mostrar como a Palavra de Deus pode responder, etc;
• Interpretação: colocada no corpo do sermão, a interpretação pode acontecer
mediante paráfrases, definições, amplificações, comparações, contrastes,
etc.; ou por meio de interrogações, conduzindo os ouvintes à elaborarem sua
interpretação; ou então por meio de uma análise do texto bíblico e de suas
divisões principais de modo progressivo e lógico;
• Ilustração: pode ser um exemplo, um relato, uma imagem, alguma coisa que
ajude a esclarecer um ponto difícil. As ilustrações tomadas da vida cotidiana
costumam ter grande eficácia para ajudar os ouvintes a superar as dificuldades
de compreensão. Também servem para oferecer aplicações concretas da Palavra
de Deus. Pode-se usar metáforas ou pequenas histórias, mas de modo equilibrado
para não se afastar do texto bíblico, que é central;
• Exortação: a conclusão deve levar o discurso a seu clímax. Mas este também
pode ser o momento para convidar os ouvintes a responder concretamente à
mensagem do texto bíblico. As exortações também podem aparecer no corpo
do sermão, mas é importante que estejam sobretudo na conclusão;

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• Narração: consiste na narração ou afirmação de dados bíblicos com fundo


histórico, ou de acontecimentos contemporâneos que têm alguma relação com o
tema da homilia. O lugar privilegiado para a narração é a introdução do sermão,
pois tem grande capacidade de chamar a atenção dos ouvintes para aquilo que
será tratado.

Esses elementos são recursos da retórica, principalmente da retórica clássica, e


podem ser aplicados perfeitamente na homilética. São instrumentos à serviço da
eloquência, para que a pregação seja agradável aos ouvidos e compreensível ao coração
dos ouvintes.
Enfim, nesta aula vimos como a homilia nasceu no contexto judeu do culto sinagogal e
como foi adotada pela liturgia cristã. Mencionamos os primeiros sermões propriamente
cristãos, quando a retórica clássica começou a ser aplicada à homilia, até chegar
nos Padres da Igreja, que desenvolveram uma verdadeira retórica sagrada em seus
sermões. Na segunda parte da aula, enfatizamos que a eloquência é o ponto de
contato entre a retórica e a homilética; e vimos algumas possibilidades concretas de
aplicar a retórica na homilia hoje: o uso das cinco fases da elaboração de um discurso
retórico (invenção, disposição, estilo, memória e entrega); e alguns processos retóricos
como os aforismas, a argumentação, a ilustração, a exortação e outros. Com tudo
isso, podemos concluir que a retórica é um ótimo instrumento na elaboração e na
execução da homilia, à serviço da Palavra de Deus.

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CAPÍTUO 15
ABORDAGENS
MODERNAS DE RETÓRICA

Prezadas e prezados estudantes, nossa última aula será dedicada às abordagens


modernas de retórica, ou seja, falaremos da Nova Retórica. Começaremos introduzindo
o significado do termo “Nova Retórica”, que na verdade inclui várias novas retóricas.
Depois destacaremos as três principais novas abordagens de retórica. Na sequência,
trataremos especificamente da teoria do autor que deu origem à corrente das novas
retóricas: Perelman. Acrescentaremos algumas observações sobre a relação entre
retórica e pragmática. E concluiremos trazendo algumas sugestões de aplicação da
Nova Retórica na Homilética.

15.1 Novas retóricas

Nos últimos três séculos, o pensamento ocidental foi dominado pelo racionalismo
que nasceu a partir da filosofia de René Descartes (1596-1650) e pela perspectiva
científica sempre mais desenvolvida. A retórica era vista como mera prática mundana,
fundada sobre premissas apenas plausíveis, incapaz de garantir as ideias claras e
demonstráveis que a orientação cartesiana sugeria. A tradição retórica clássica ficou
para trás. Todavia, a partir dos anos 1960, a retórica voltou à cena, passando a ser
chamada de “Nova Retórica” (FERREIRA, 2010, p. 47-48).
Para renascer, a retórica alargou o seu propósito: a nova retórica, em geral, não
pretende apenas ensinar a produzir textos, mas oferecer caminhos para interpretar os
discursos. Além disso, superou os três gêneros oratórios (jurídico, político e literário)
e passou a englobar todas as formas modernas de discurso persuasivo: publicidade,
poesia, cinema, música, artes, etc. A nova retórica procura integrar as ciências humanas,
a lógica e as ciências naturais (FERREIRA, 2010, p. 48).
Não existe uma única nova retórica, mas diversas novas retóricas. Algumas são
baseadas em lógicas não formais (Perelman e Tyteca, Meyer, Lempereur, Reboul),
outras nas lógicas naturais (Grize, Vignaux), além dos primeiros representantes da
Retórica Geral (Dubois, Klinkenberg, Minguet). A primeira e mais difundida Nova Retórica

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é aquela de Perelman e Tyteca, que parte da Filosofia do Direito e observa como o


discurso nem sempre se submete a um esquema racional estrito, mas pode depender
simplesmente da lógica do razoável (FERREIRA, 2010, p. 49). Vamos ver com um
pouco mais de detalhes, a seguir, algumas destas novas retóricas.

15.1.1 Três novas abordagens de retórica

A expressão “nova retórica”, na verdade, se refere a uma série de novas abordagens


retóricas heterogêneas, que os estudiosos recolhem sob o termo “nova retórica” para
distinguir da retórica clássica. Yvancos (1987, p. 187-191) reúne as novas teorias
retóricas em três grupos, ou seja, três maneiras diferentes de entender a renovação
da retórica: a escola de Bruxelas; a retórica formalista; e a retórica geral textual.
O termo “nova retórica” apareceu pela primeira vez em 1958 na obra de Perelman e
Olbrechts-Tyteca, intitulada Traité de l’argumentation: La nouvelle rhétorique (Tratado de
argumentação: A nova retórica). O objetivo era retomar a argumentação como concretização
da lógica e como técnica para os estudos de lógica jurídica. Neste sentido, a nova retórica
estava em continuidade com a retórica grega, que nasceu em âmbito jurídico, como vimos
nas aulas precedentes. Com Perelman, nasce a assim chamada “Escola de Bruxelas”,
que estendeu em seguida o estudo da retórica para além do âmbito jurídico, alcançando
a filosofia e a ideologia em geral (YVANCOS, 1987, p. 188).

Figura 1: Chaïm Perelman


Fonte:https://interpretacaojuridica.wordpress.com/tag/chaim-perelman/

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A segunda das novas retóricas nasceu no âmbito do estruturalismo crítico, na


metade da década de 1960. Lembramos que o estruturalismo foi uma corrente de
pensamento e um método de análise que consiste em identificar estruturas gerais de
um todo analisando as suas partes. Por seu enfoque formalista (análise da forma do
discurso), esta nova retórica foi chamada de “Retórica Formalista”. O adjetivo “nova”
indica uma tentativa de superar a velha tradição escolar da retórica filológica, inclusive
a retórica de Perelman. O grupo de estudiosos da nova retórica ligada ao estruturalismo
inclui J. Cohen, T. Todorov, G. Genette, além do assim chamado “grupo de Lieja”. Para
a retórica formalista, a linguística e as suas produções literárias determinam a cultura
(YVANCOS, 1987, p. 188-189).
A terceira nova retórica nasce do reconhecimento dos limites da nova retórica
formalista e pode ser chamada de “Retórica Geral”. Para esta nova corrente, a retórica
formalista havia transformado uma parte da retórica na sua totalidade, ou seja, só
considerava a elocutio (formulação verbal do discurso, como vimos na aula 13) e
ignorava os demais aspectos da retórica. Os primeiros estudos da nova retórica geral
textual apareceram no final da década de 1970, com Heilmann, o qual foi seguido
por Valesio, García Berrio e outros. A principal caraterística desta nova retórica é a
interdisciplinaridade: procura integrar as diversas ciências. A inspiração vem da retórica
de Aristóteles, que procurava integrar a dialética, a ética, a psicologia e a poética
(YVANCOS, 1987, p. 190-191).
Esta Retórica Geral nasce dos estudos humanísticos da linguagem em sua relação
com a filosofia, a antropologia, a literatura, a sociologia, a estética, a pragmática, a
semiótica e a linguística em geral. Trata-se de um novo humanismo interdisciplinar.
O problema desta Retórica Geral é reconhecido pelos seus próprios autores: esta
pretensão de incluir várias áreas de conhecimento é, ao mesmo tempo, uma riqueza e
um desafio. Porém, este desafio não nasceu dentro do estudo da retórica: os estudos
de linguística do último século têm percorrido a via da interdisciplinaridade, e a retórica
apareceu com um campo privilegiado para realizar este projeto de colocar várias
ciências em diálogo. Além disso, o diálogo entre as diversas ciências se impõe na
atualidade graças aos meios de comunicação social, que funcionam como a ágora grega
antiga, onde todos os campos de conhecimento podem discutir democraticamente
suas teses (YVANCOS, 1987, p. 191-192).
A nova retórica de Perelman e a nova retórica geral têm em comum o reconhecimento
de que “nova” não significa uma superação da retórica clássica, mas a valorização de

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suas intuições principais. Trata-se de conciliar a doutrina clássica com as modernas


teorias do discurso. O problema é que a retórica clássica acabou ficando restrita ao
campo jurídico, político e literário. Na verdade, esses campos eram a sua matéria, mas
a sua forma tem tal amplitude que pode ser aplicada também em outras matérias. Essa
é a contribuição da nova retórica geral: mostrar que a arte formal da retórica pode se
adaptar às mais variadas matérias. Neste sentido, a retórica geral se apresenta como
uma ciência do texto (YVANCOS, 1987, p. 192-194).

15.1.2 Perelman entre retórica antiga e nova retórica

A Teoria da Argumentação de Perelman é uma verdadeira retomada da retórica


clássica, mas com um objetivo novo, que consiste na busca de “justificativa racional
para a elaboração de uma lógica dos juízos de valor”, segundo Silveira (2006, p. 75).
A relação entre retórica e valores morais é a novidade da abordagem da nova retórica
de Perelman, mas veremos isso com mais detalhe nas linhas a seguir.
Em sua Teoria Argumentativa, Perelman distingue entre demonstração e
argumentação. A demonstração está no campo da dedução de proposições
necessárias, é um processo unívoco. Por outro lado, a argumentação é aberta, é um
ato de comunicação, depende de uma consciência comum, não é restritiva, mas está
sempre em construção. O discurso argumentativo acontece por meio de relações
interpessoais, deixando sempre um espaço para a controvérsia e para a liberdade
de pensar. Entre o raciocínio demonstrativo e o raciocínio argumentativo, Perelman
propõe a via da razoabilidade: diante de argumentos apenas prováveis, escolhemos
aquilo que é preferível, razoável. Aqui entra a práxis discursiva. No plano do diálogo,
confluem os discursos retóricos e os questionamentos filosóficos. Visto que não é
possível chegar à demonstração de uma verdade única, o orador não pode impor
ou constranger seu auditório: a única via possível é o convencimento a partir de um
discurso retórico (SILVEIRA, 2006, p. 77-78).
A Teoria Argumentativa de Perelman se apresenta como uma possível forma de
examinar a racionalidade contemporânea, da mesma forma como a retórica clássica
definiu a razão grega na pólis, uma razão dialógica, dinâmica e renovável. Por isso
ele busca inspiração nas práticas argumentativas da Grécia clássica, particularmente
nos sofistas e em Aristóteles. De fato, os sofistas criaram um novo modelo de saber,
voltado para a vida social e política na cidade, uma racionalidade para a vida prática.

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Buscavam, com isso, superar a racionalidade da vida contemplativa, que era o ideal dos
aristocratas. Contemplativa significa, neste contexto, contemplar os valores imutáveis
que os aristocratas defendiam, de modo que nada pudesse mudar na configuração
social. Os sofistas propunham uma sociedade mutável, e os seus valores também
deveriam ser imutáveis. Aristóteles acolheu em sua retórica muitas contribuições dos
sofistas, e Perelman trouxe toda essa contribuição para a sua Teoria da Argumentação
(SILVEIRA, 2006, p. 79).
Uma diferença essencial entre a retórica clássica e a nova retórica, proposta por
Perelman, é que a retórica clássica se preocupava com a persuasão do discurso oral,
pois tudo se decidia por meio de discussão na ágora. Por sua vez, a nova retórica busca
a persuasão tanto no discurso oral quanto no texto escrito, pois ambas as formas de
comunicação estão em ato em nossos dias. O orador, hoje, fala e escreve, mas o aspecto
mais decisivo para o orador, na nova retórica, é o auditório. A prática argumentativa é
dialógica, então precisa contar com a participação do outro. O orador não está acima
do auditório, mas depende dele para cumprir o seu papel de argumentação retórica.
Se o auditório se nega a apreciar o discurso do orador, ele simplesmente perde a sua
função (SILVEIRA, 2006, p. 80-81).

Figura 2: Orador e auditório


Fonte: http://wondrlust.com/knowledge/flow-in-public-speaking/

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Todavia, a principal diferença entre Aristóteles e Perelman está na questão dos


valores. Para Aristóteles, não compete à retórica julgar ou se posicionar quanto aos
valores morais, mas para Perelman os valores são o fundamento de toda argumentação,
inclusive da argumentação retórica. A definição dos valores morais de uma sociedade
está no campo do preferível e do provável, por isso precisa do consenso dos membros
desta sociedade. A argumentação retórica tem uma função conciliadora diante de um
auditório, pois é capaz de assimilar e difundir valores comuns. No âmbito dos valores,
os raciocínios lógico-demonstrativos são insuficientes para dar razão à escolha do
bem e da justiça. Somente os processos argumentativos e retóricos podem nos levar
a discutir, racionalizar e questionar os valores, para os quais não existem critérios
unívocos. Neste processo argumentativo, o orador precisa considerar a cultura e a
tradição do seu auditório (SILVEIRA, 2006, p. 81).
Portanto, a atividade retórica corresponde à prática argumentativa contextualizada.
Neste sentido, para a nova retórica de Perelman, todo discurso é retórico, desde que não
seja regulado pelo formalismo, nem pretenda ser detentor de uma verdade imutável. O
discurso retórico já não depende apenas de técnicas retóricas, mas se torna um amplo
processo argumentativo que busca a concordância e a adesão do outro. O discurso
tem a potencialidade de expor pensamentos, de ordenar as ideias, de refletir, de divulgar
conhecimentos e de transmitir costumes e tradições. Enfim, o discurso retórico é um
instrumento que pode proporcionar o relacionamento humano e a transformação do
mundo (SILVEIRA, 2006, p. 81-82).

15.1.3 A nova retórica e a pragmática

A retórica em geral desenvolveu fortemente a sua relação com a pragmática. Se


a retórica é a arte de falar, em geral, ou a arte de modificar a situação do ouvinte
através do discurso, então ela é pragmática por definição. Por sua vez, a pragmática
costuma ser definida como a prática da comunicação entre falante e ouvinte, em
uma inter-relação na qual um atua sobre o outro. Tanto a retórica como a pragmática
propõe a linguagem como meio de atuação sobre o receptor (YVANCOS, 1987, p. 199-
200). Lembremos que a retórica clássica nasceu no contexto jurídico e se expandiu
no âmbito político: em ambos os casos, pretendia conduzir o ouvinte a uma ação. O
casamento entre retórica e pragmática estava assegurado.

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ISTO ESTÁ NA REDE

“A pragmática é a área da linguística que analisa o uso concreto da linguagem


em diferentes contextos”. Ela surgiu como ramo da linguística em 1938, a partir
dos estudos de Charles Morris. Enquanto a semântica e a sintaxe se dedicam à
construção teórica, a pragmática se concentra na interpretação da linguagem.
Ela considera também a linguagem falada e seus efeitos nos contextos culturais
e sociais. O significado das palavras está no seu uso, por isso o contexto dos
interlocutores é determinante. Indico este artigo do site “Educa Mais Brasil”, que trás
a definição de pragmática, seus principais domínios (indexilidade, atos de linguagem
e processos de interferência) e o conceito de “atos de fala” em seus vários domínios
(assertivo, compromissivo, diretivo, expressivo, declarativo e declarativo assertivo):
https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/pragmatica

O problema é que as novas retóricas em geral nasceram no âmbito das ciências


teóricas, não das ciências aplicadas, segundo a divisão moderna de ciências. Segundo
este prejuízo cultural moderno, a esfera da ciência é superior ao mundo da ação. Esse
prejuízo gerou um divórcio entre “teorias do discurso” e “práticas da atuação”. E a
nova retórica se colocou no âmbito das teorias do discurso. Esse prejuízo moderno
também jogou no descrédito as disciplinas humanísticas, pois não são normativas e não
alteram nada no mundo (não têm uma pragmática). A poética e a literatura acabaram
relegadas ao campo teórico, sem ligação com a vida prática. Assim também a nova
retórica acabou renunciando o seu aspecto normativo para se preocupar apenas com
o aspecto pedagógico (YVANCOS, 1987, p. 200-202).
Sem negar que a nova retórica é uma ciência teórica, Yvancos (1897, p. 202-203)
insiste em um fato óbvio: a teoria não exclui a prática. A nova retórica e a retórica
geral contêm em si mesmas a teoria e a prática, de modo que não podemos dizer que
toda a retórica é pragmática, nem dizer que nada na retórica é pragmático. Tomando
a divisão clássica do discurso retórico (visto que a nova retórica adota esses mesmos
termos), a memoria e a actio se encontram no campo da arte prática, enquanto a
inventio, a dispositio e a elocutio são a preparação teórica para a prática (para lembrar
o significado desses termos, ver aula 13). Yvancos reconhece que a nova retórica de
Perelman e a chamada “Retórica Geral” não perderam de vista o aspecto pragmático
da retórica, mas as novas retóricas ligadas ao estruturalismo acabaram destacando
demasiadamente a dimensão descritiva da linguagem, em detrimento de sua dimensão
prática.

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Enfim, falar da relação entre novas retóricas e pragmática significa falar de uma
relação que era evidente na retórica clássica, mas que ficou ofuscada em algumas novas
retóricas. O problema não está na nova retórica em si, mas no preconceito moderno
que vê os estudos humanísticos e linguísticos como teóricos, ao contrário das ciências
aplicadas, que seriam realmente pragmáticas. Este preconceito pode ser superado
observando que toda retórica, clássica ou nova, têm um caráter teórico enquanto
elaboração do discurso, mas tem também um caráter pragmático: a sua capacidade
de conduzir o receptor a uma ação. No caso da nova retórica, essa capacidade passa
por todos os meios de transmissão: oral, escrito, publicitário, cinematográfico, icônico,
entre outros.

15.2 E a homilia diante da Nova Retórica?

Visto que a Nova retórica é uma disciplina recente, aparentemente não há, até o
momento, estudos sobre a aplicação da Nova Retórica na Homilética. Proponho a
seguir algumas pistas para esta possível aplicação.
A Nova Retórica de Perelman e Tyteca não exclui o raciocínio demonstrativo, mas
dá uma importância maior ao raciocínio argumentativo. E propõe uma via intermediária
entre o demonstrativo e o argumentativo: a via da razoabilidade e do preferível. Na
Homilética, o raciocínio argumentativo é predominante. Em alguns momentos, pode-se
usar o raciocínio demonstrativo e até mesmo a dedução, mas a indução e o raciocínio
argumentativo ocupam maior espaço em uma homilia. Assim como na Nova Retórica
não é possível demonstrar uma verdade única, o mesmo acontece na Homilética: o
pregador não pode impor uma doutrina aos seus ouvintes, mas precisa convencer ou
persuadir seu auditório por meio de um discurso retórico.
A Teoria da Argumentação de Perelman acrescenta para a retórica uma função
ausente na retórica clássica: oferecer uma justificativa racional para os valores morais
da sociedade. A argumentação retórica exerceria, então, uma função conciliadora diante
de um auditório, graças à sua capacidade de assimilar e difundir valores comuns. Não
é difícil enxergar aqui uma das funções da homilética e da pregação cristã em geral:
assimilar os valores da sociedade que estão em acordo com os princípios cristãos e
purificar os valores contrários ao Evangelho. A homilia é um dos espaços fundamentais
para transmitir os valores cristãos à comunidade.

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Uma das principais características da Retórica Geral é a interdisciplinaridade. Esta


não é uma característica exclusiva da retórica, mas os estudos humanísticos em geral
se configuram como interdisciplinares. Além disso, os meios de comunicação social
(nova ágora) também promovem o diálogo entre as várias ciências. A homilética,
hoje, também deveria levar em conta a interdisciplinaridade: a história, a filosofia, a
linguística, as ciências naturais e outras disciplinas modernas podem contribuir no
processo de interpretação e comunicação do texto bíblico. Ter em conta o background
cultural e acadêmico dos ouvintes ajuda o pregador a usar a linguagem correta e a
estabelecer um diálogo com todos.
Para a Nova Retórica, o auditório tem grande participação no processo retórico.
Isso porque a prática argumentativa é dialógica: o orador fala, mas se o auditório se
nega a apreciar o seu discurso, a prática retórica termina ali. Sendo assim, mesmo
sem dizer nada, o auditório se comunica mediante a sua aceitação ou não do discurso.
Por isso, na aula 6, tratando da preparação do sermão, enfatizamos a importância
de escutar o povo, ou seja, suas necessidades, alegrias, esperanças, dores, etc. Para
que uma homilia seja realmente acolhida, o pregador (orador) precisa dialogar com
as demandas da comunidade.
A relação entre retórica e pragmática inspira a relação entre homilética e pragmática.
A homilética também busca modificar a situação do ouvinte através do discurso, visto
que procura levar a comunidade a agir conforme a mensagem bíblica lida e meditada
na celebração litúrgica. Neste sentido, a homilética também é pragmática.
Com tudo isso, concluímos dizendo que a Nova Retórica (a qual inclui várias novas
retóricas), que nasceu a partir da segunda metade do século XX, resgatou os princípios
fundamentais da retórica clássica e os colocou em diálogo com as ciências modernas.
A Nova Retórica ajudou a superar o abismo que a modernidade havia construído entre
ciências teóricas e ciências práticas, graças a seu caráter mediador: mediação entre
orador e auditório; e mediação entre teoria e pragmática. Enfim, vários aspectos da Nova
Retórica podem inspirar também a homilética: raciocínio argumentativo, assimilação
e difusão de valores, interdisciplinaridade, e seu caráter dialógico e pragmático. Com
isso, a pregação cristã pode continuar dialogando com a linguagem contemporânea.

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CONCLUSÃO

Estamos chegando ao fim do nosso percurso acadêmico sobre a Homilética, a


Comunicação e a Retórica, mas isso significa também um novo início: agora temos
as bases para iniciar o nosso percurso prático neste campo e para nos orientarmos
para futuras pesquisas sobre esse tema. Por isso, vamos recapitular brevemente o
conteúdo da nossa reflexão até aqui.
Na primeira parte do curso tratamos da Homilética, que é o conceito em torno do
qual todos os outros conceitos deste livro se reúnem. Na verdade, antes de dizer o que
é Homilética, nós começamos construindo as suas bases: os fundamentos bíblicos
e teológicos da pregação, pois a pregação nasce da Palavra de Deus e está a serviço
dela (aula 1); a história da pregação cristã, desde a era apostólica até a modernidade
(aula 2); a crise da pregação na pós-modernidade e os seus novos espaços (aula 3).
E na aula 4 vimos que a homilética é a arte de preparar e pregar mensagens bíblicas,
considerando que a homilia é o anúncio da Palavra de Deus em contexto litúrgico. A
partir dali, nos concentramos sobre um outro conceito, que é sinônimo de homilia,
mas com um pouco mais de abrangência: o sermão. Relembramos alguns sermões
bíblicos exemplares, incluindo a pregação de Jesus, de Pedro e de Paulo (aula 5);
elencamos as sugestões do papa Francisco e de outros teólogos para a preparação
do sermão/homilia (aula 6); e concluímos vendo os tipos principais de sermão (tópico,
textual e expositivo) e como prepará-los (aula 7). Em poucas palavras, nesta primeira
parte percebemos que o centro da pregação cristã é a Palavra de Deus revelada na
Bíblia, e que o anúncio do evangelho é a principal missão da Igreja, pois foi Jesus
quem confiou tal missão.
Diante dessa constatação, percebemos que a comunicação é fundamental, pois é
o canal pelo qual passa toda pregação. Por isso, na segunda parte do curso tratamos
da comunicação, em geral, e da comunicação cristã, em específico. Vimos que o
fundamento da comunicação humana consiste em superar o isolamento, estabelecer
relações e gerar comunhão. Da mesma forma, o fundamento da comunicação cristã
está no desejo de Deus de fazer comunhão com os seres humanos, para que as
pessoas também formem comunidade entre si (aula 8). Na aula 9, apresentamos uma
panorâmica sobre as Teorias da Comunicação dos últimos séculos, destacando os

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elementos que podem ser aplicados à homilética para gerar uma boa comunicação,
em particular a empatia, a determinação, a convicção, a credibilidade e a eficiência.
Na aula 10 tratamos da evangelização através dos meios de comunicação social,
enfatizando que a Igreja deve estar presente no mundo das comunicações modernas
de forma ética, anunciando o evangelho e promovendo a comunhão global. E na aula
11 falamos da Nova Evangelização, que é a comunicação da Palavra de Deus hoje: um
anúncio alegre do Evangelho aos crentes, aos afastados da Igreja e aos não crentes.
Enfim, nesta parte do curso, enfatizamos que a comunicação cristã busca transmitir
o evangelho em cada tempo, em cada lugar e em cada cultura, usando a linguagem
e o meio de comunicação adequado para cada ambiente.
Na terceira parte do curso, nos dedicamos a um outro conceito: a Retórica.
Começamos definindo (na aula 12) a retórica como a arte de falar e escrever bem, e
a oratória como a arte de falar em público. O objetivo da retórica, a qual precisa da
eloquência da oratória, é persuadir e convencer. A retórica sagrada se chama “homilética”
e tem como objetivo convencer quanto à mensagem do Evangelho. Na aula 13 tratamos
da retórica clássica, seus principais representantes (Górgias, Aristóteles, Cícero e outros)
e principais conceitos (inventio, dispositio, elocutio, etc.); e da retórica bíblica, mostrando
como a Bíblia também tem uma preocupação com a beleza do discurso, acompanhada
pelo compromisso com a verdade. Na aula 14 falamos especificamente da Retórica
Sagrada, destacando como a retórica pode auxiliar na elaboração e na execução da
homilia. E na última aula, acrescentamos as abordagens modernas de retórica, ou
seja, as “Novas Retóricas” e suas possíveis contribuições para a homilética: raciocínio
argumentativo, assimilação e difusão de valores, interdisciplinaridade, caráter dialógico,
etc. Em poucas palavras, a retórica com sua capacidade de persuadir pode ser um
ótimo instrumento no anúncio da Palavra de Deus, para que alcance as pessoas com
a beleza do discurso e o compromisso com a verdade revelada.
Prezadas e prezados estudantes, como vocês podem notar, nossa disciplina é muito
ampla e apresenta um grande campo de atuação prática. Esperamos que este percurso
possa ter colocado as bases para que cada um de nós se oriente no atraente mundo
da comunicação cristã, que inclui a pregação do evangelho em geral, a homilia em
específico e toda forma de comunicar a Palavra de Deus e criar comunhão com as
pessoas.

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ELEMENTOS COMPLEMENTARES

LIVRO
Título: Homilia: Formação e Arte de Comunicar
Autor: Pe. Jacques Trudel
Editora: Paulus
Sinopse: Este livro tem como objetivo ajudar na
formação dos que se preparam para o exercício da
homilia (ministros ordenados ou ministros da Palavra
nas comunidades). Ele apresenta os principais
documentos da Igreja sobre a Homilia a partir do
Vaticano II; aborda o processo de comunicação em geral
e a arte de comunicar na homilia; trata da interação
entre liturgia e comunicação; descreve alguns métodos
de como preparar as homilias, inclusive o método
do papa Francisco. Enfim, este livro é um excelente
instrumento sobre a arte de preparar e de comunicar homilias.

FILME

Título: Paulo de Tarso: O apóstolo convertido


Ano: 2000
Sinopse: Esse filme conta a história de Paulo de
Tarso, que se converteu de perseguidor dos cristãos
a pregador do Evangelho, a partir do encontro com
Cristo no caminho de Damasco. O filme retrata bem as
perseguições, torturas, prisões e todas as dificuldades
enfrentadas pelos primeiros missionários cristãos e por
Paulo. O mais interessante para o nosso curso é que o
filme traz várias pregações: de Pedro, de Estevão e de
Paulo, apresentando em imagens aquilo que tratamos
teoricamente nas aulas.
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WEB

A Revista “Vida Pastoral” (também on-line) oferece Roteiros Homiléticos interessantes


para nos ajudar a refletir sobre as leituras dos domingos e dias festivos, podendo
servir também como um bom instrumento na preparação de homilias.
https://www.vidapastoral.com.br/roteiros/

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