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COMUNICAÇÃO
E HOMILÉTICA
PROF. DAVI DAGOSTIM MINATTO
FACULDADE CATÓLICA PAULISTA
RETÓRICA,
COMUNICAÇÃO
E HOMILÉTICA
Marília/SP
2022
Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior
“
A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma
ação integrada de suas atividades educacionais, visando à
geração, sistematização e disseminação do conhecimento,
para formar profissionais empreendedores que promovam
a transformação e o desenvolvimento social, econômico e
cultural da comunidade em que está inserida.
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RETÓRICA, COMUNICAÇÃO
E HOMILÉTICA
PROF. DAVI DAGOSTIM MINATTO
SUMÁRIO
CAPÍTULO 01 BASES BÍBLICAS E TEOLÓGICAS DA 07
PREGAÇÃO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
BASES BÍBLICAS E
TEOLÓGICAS DA PREGAÇÃO
Olá, caro estudante! Vamos iniciar nosso percurso de estudo sobre a pregação
cristã lá onde a Teologia realmente tem início: nas Sagradas Escrituras. Como vocês
sabem, a Bíblia é a primeira fonte da Teologia, seguida pela Tradição da Igreja e pelo
Magistério. Então vamos começar falando sobre a pregação na Bíblia, desde o anúncio
feito pelos profetas no AT, até a pregação de Jesus e dos apóstolos. Depois disso,
poderemos estabelecer as bases teológicas da pregação, ou seja, a reflexão teológica
sobre a missão da Igreja de anunciar o evangelho no mundo.
com a verdade, mesmo diante daqueles que o condenariam (os sumos sacerdotes
e Pilatos), marca a pregação de Jesus e deve continuar a nortear a nossa pregação.
Os elementos que acabamos de elencar certamente não são exaustivos. Haveria
muito ainda por dizer sobre a pregação de Jesus, mas já temos aqui alguns elementos
essenciais. Em poucas palavras: o principal conteúdo da pregação de Jesus é o reino
de Deus; mas ele também prega ensinando a agir e a cumprir a vontade de Deus em
várias situações da vida; sua pregação está sempre ancorada na Revelação Bíblica
e é marcada pelo compromisso com a verdade. Essas são algumas características
da pregação de Jesus e deverão fazer parte também da nossa pregação em todos
os tempos.
Diante destas passagens bíblicas, North (1971, p. 8) afirma que “pregar, então, é o
papel mais vital entre os homens, pois o pregador se torna um mensageiro de Deus,
um canal através do qual a mensagem divina pode fluir”. Ser um canal para que a
mensagem divina possa fluir implica que o pregador não tem o direito de modificar
esta mensagem de acordo com o seu gosto. A fidelidade à Palavra de Deus, revelada
nas Sagradas Escrituras, permanece como um elemento essencial para toda pregação
cristã.
ANOTE ISSO
A partir do que vimos até aqui, podemos elaborar uma definição bíblica da
pregação. Eis aí: a pregação é um imperativo, uma necessidade sentida por
aqueles que são chamados por Deus. É também o meio principal para tornar
Jesus conhecido. O conteúdo principal da pregação é a própria Palavra de Deus. A
obediência à Revelação divina e o compromisso com a verdade são os elementos
que garantem a autenticidade desta pregação.
Olyott (2018, p. 14-17) apresenta quatro verbos gregos que, no NT, significam
“pregar”:
• Kerysso: recorrendo mais de 60 vezes no NT, este verbo significa “declarar”.
Originalmente, este verbo era utilizado no contexto de uma proclamação oficial,
uma mensagem do rei levada pelo arauto até os súditos. A ênfase do verbo
está na transmissão exata da mensagem enviada. Também se destaca o
fato de que o mensageiro é sempre um enviado de alguém maior do que ele.
Anunciar fielmente a mensagem de Outrem é o significado essencial de kerysso
no NT. Palavras ligadas a este verbo (como kerigma “mensagem pregada” e
kerix “pregador”), são usadas para descrever a pregação de Jonas (Mt 12,41),
de João Batista (Mt 3,1), de Jesus (Lc 3,18b-19) e de seus apóstolos (1Tm
2,7; 2Tm 1,11).
• Euangelizo: significa “anunciar boas-novas”, e está na origem do nosso verbo
“evangelizar”. Este verbo aparece, por exemplo, em Lc 2,10 quando os anjos
anunciam a boa-nova aos pastores. Em Lc 4,18-19 os verbos kerysso e euangelizo
aparecem juntos para descrever a missão de Jesus, citando o profeta Isaías:
“ele me ungiu para evangelizar (euangelizo) os pobres; enviou-me para proclamar
(kerysso) a remissão aos presos… e para proclamar (kerysso) um ano de graça do
São quatro verbos, cada um com sua especificidade, mas a ideia neotestamentária
de pregação só está completa com esses quatro termos. Por isso, a definição
de “pregação”, para Olyott (2018, p. 19) deve conter os elementos destes quatro
verbos: proclamar a mensagem dada por Alguém que tem autoridade (kerysso); uma
mensagem qualificada como boa-nova (euangelizo); dando testemunho dos fatos
com toda a veracidade (martyreo); sempre esclarecendo sobre as implicações desta
mensagem na vida dos ouvintes (didasko). Nesta definição, a pregação é dirigida
tanto a quem nunca ouviu falar do evangelho, quanto aos crentes que já tem um
caminho de fé; inclui tanto o anúncio de uma novidade (kerigma) quanto de uma
doutrina consolidada (didache); parte da Palavra de Deus, mas deve chegar na vida
das pessoas.
A partir dos fundamentos bíblicos, podemos dar um passo a mais e chegarmos aos
fundamentos teológicos da pregação. Para isso, vamos pedir a ajuda de um grande
teólogo do século passado, Karl Barth (1886-1968), além de algumas contribuições
de teólogos mais recentes. Vamos dividir este estudo em duas partes: primeiro
buscando uma definição teológica de pregação; depois elencando as principais
características da pregação cristã.
De modo semelhante, John Stott define a pregação com estas palavras: “expor as
Escrituras é esclarecer o texto inspirado com tal fidelidade e sensibilidade que a voz
de Deus seja ouvida e seu povo lhe obedeça” (STOTT, 2009, p. 27). Desta definição
decorrem duas implicações. A primeira é que o texto é inspirado, ou seja, parte de
uma iniciativa de Deus para se fazer conhecido pelos seres humanos. Se Deus não
tivesse falado através das Sagradas Escrituras, nós não teríamos nada para falar sobre
Ele, a não ser especulações triviais. A segunda implicação é que o texto inspirado é,
de certo modo, um texto fechado, ou seja, concluído. Não temos que inventar uma
nova Bíblia, mas devemos interpretar o que está escrito, alargando sua compreensão.
De fato, o texto bíblico é maior do que seus autores poderiam imaginar: Deus nos
fala hoje, através das Sagradas Escrituras, coisas que nem os autores sagrados
poderiam compreender quando escreveram. Por isso, não precisamos acrescentar
nada à Revelação divina, mas somos chamados a compreender profundamente o
que o texto escrito da Bíblia tem a nos dizer hoje: e esse é o conteúdo da pregação
cristã (STOTT, 2009, p. 27-29).
Por isso, o anúncio cristão deve sempre manter aquele clima de esperança, de
confiança na graça divina, orientando-se para a Parousia, ou seja, o dia do Senhor
(BARTH, 1963, p. 5-10).
A segunda característica é o caráter eclesiástico da pregação. Por um lado, o lugar
privilegiado da pregação é a Igreja; por outro lado, a existência e a missão da Igreja
provêm da pregação. Onde os seres humanos recebem a Palavra, aí está a Igreja, ou
seja, a assembleia de todos os que foram chamados pelo Senhor. A Igreja é fundada
sobre o terreno da Revelação. De fato, a Igreja está presente onde a Palavra de Deus
é proclamada e os sacramentos são celebrados: ambos os elementos constitutivos
da Igreja (Palavra e sacramento) dependem da Revelação. A vida sacramental dos
cristãos é necessariamente acompanhada pela pregação (BARTH, 1963, p. 10-14).
Outro caráter essencial é a fidelidade doutrinária da pregação. A função primária
da Igreja não é educar ou ensinar uma moral. Existem instituições civis que exercem
melhor estas funções. A principal função da Igreja é a pregação, pois ela nasceu
da missão confiada por Jesus aos apóstolos para que anunciassem o evangelho.
Portanto, se a Igreja também pode educar e ensinar valores morais, o espaço para
fazer isso é a pregação: uma pregação fiel à fé professada (o Creio), mas ao mesmo
tempo capaz de edificar, de construir algo novo. Construir o reino de Deus no mundo
de hoje, a partir da proclamação fiel e sempre renovada da Palavra de Deus (BARTH,
1963, p. 15-16).
A fidelidade apostólica da pregação é o próximo elemento a ser considerado.
Os apóstolos receberam a missão de pregar o evangelho, e assim nasceu a Igreja.
A fidelidade apostólica consiste em continuar anunciando o evangelho, assim a
Igreja continua nascendo de novo em cada tempo, continua sempre se renovando.
O pregador deve reconhecer que ele não é um apóstolo, nem um sucessor dos
apóstolos, mas apenas um servo chamado por Deus, subordinado à comunidade (não
acima dela). Por isso, ele deve ser sempre fiel àquilo que os apóstolos ensinaram
(BARTH, 1963, p. 16-20).
A quinta característica apresentada por Barth pode nos surpreender: trata-se do
caráter provisório da pregação. O sentido desta definição é que “a pregação precede
alguma coisa da qual ela é sinal anunciador. Ela é como o arauto que precederia um
rei” (BARTH, 1963, p. 21). Isso significa, antes de tudo, que o pregador é sempre um
ser humano e, como tal, pecador. A graça divina lhe auxilia, mas não elimina sua
condição de pecador. Por isso, a pregação não é fim em si mesma: como o arauto
que precede o rei, a pregação prepara o caminho, mas é Deus quem santifica os
ouvintes.
Depois vem o caráter bíblico da pregação. O conteúdo da pregação não são as
ideias pessoais, nem as ideologias de certos grupos, mas somente a Revelação que
se encontra na Bíblia. Por isso, todo pregador deve antes de tudo confiar na Sagrada
Escritura. Em seguida, deve estudar com zelo a Bíblia, para conhecer profundamente
aquilo que lhe compete anunciar. Estudar também de maneira científica, ou seja, a
partir dos métodos exegéticos reconhecidos pela Igreja. Por fim, o pregador deve
ter modéstia e humildade para aceitar que muitas vezes a Sagrada Escritura vai
contrariar o que ele mesmo pensa (BARTH, 1963, p. 23-25).
O sétimo elemento é a originalidade da pregação, pois a fidelidade ao texto bíblico
não implica que o pregador deve desaparecer em sua personalidade. Quem anuncia
a Palavra de Deus é sempre um ser humano, de carne e osso, com uma história, uma
personalidade, problemas, carismas. E foi esta pessoa, em sua situação concreta,
que Deus escolheu para evangelizar. Para ser original na pregação não é preciso ser
espetacular. Aliás, o espetáculo afasta a atenção da Palavra de Deus. A originalidade
está no fato que cada pregador é, antes de tudo, alguém que foi alcançado pela
Palavra de Deus, que foi perdoado e que busca conformar sua vida ao evangelho que
anuncia. Sendo assim, o pregador não vai repetir o que leu na Bíblia, mas vai traduzir
o texto sagrado em vida, com simplicidade e naturalidade (BARTH, 1963, p. 27-28).
Além disso, a pregação deve ser adaptada à comunidade. O pregador é chamado
a conduzir a Deus as pessoas concretas que tem diante de si. Por isso, quem prega
a uma comunidade deve, antes de tudo, amar aquela comunidade, sentindo-se como
parte do corpo que é a Igreja. O pregador é alguém que vive na comunidade: não está
acima dela. Para ter uma palavra adequada à sua comunidade, é preciso conhecer
o momento presente, a situação concreta das pessoas, a conjuntura histórica. A
partir deste conhecimento, torna-se possível traduzir a Palavra de Deus no contexto
da comunidade concreta (BARTH, 1963, p. 29-30).
A última questão neste elenco de Karl Barth é a inspiração da pregação. Não é
difícil imaginar qual deve ser a inspiração: é sempre a Palavra de Deus. Isso implica
que devemos permanecer humildes e discretos. Além disso, visto que a pregação se
ocupa de Deus, a vida de oração se torna um elemento essencial para o pregador
e para a comunidade (BARTH, 1963, p. 30).
O que vimos acima é uma síntese dos caracteres essenciais da pregação, segundo
Karl Barth. E todos reconhecemos que são sábias as palavras deste grande teólogo
do Novecento. Com isso concluímos nossa reflexão sobre as bases teológicas da
pregação.
Em síntese, o fundamento teológico da pregação é a Palavra de Deus, a qual
transforma a vida do pregador, levando-o a anunciar a uma comunidade concreta tudo
aquilo que a Revelação lhe inspira. O pregador tem a missão de transmitir fielmente o
texto inspirado, a partir de uma compreensão profunda do que este texto tem a nos
dizer hoje. Depois disso, é Deus quem vai agir, chamando o ouvinte à conversão e a
uma decisão de vida. E este movimento provocado pela pregação continua renovando
a Igreja a cada dia, a mesma Igreja que é gerada e transformada pela evangelização.
CAPÍTULO 2
HISTÓRIA DA PREGAÇÃO CRISTÃ
Caros estudantes, na aula anterior nós tratamos dos fundamentos bíblicos e teológicos
da pregação. Nesta aula, vamos ver como esta pregação aconteceu concretamente
ao longo da história cristã, desde o período do Novo Testamento até a atualidade.
Para isso, vamos elaborar uma panorâmica da história da pregação cristã, seguindo
alguns autores que escreveram sobre isso recentemente.
Sendo uma panorâmica, não podemos entrar nos detalhes, mas trabalhamos com
generalizações. Por exemplo: para cada era da história do cristianismo, vamos destacar
pelo menos uma forma de pregação, que é a mais característica daquele período. Mas
advertimos desde já que a realidade é muito mais diversificada: não existe uma única
forma de pregação em determinado período. Aquela forma de pregação indicada para
cada fase da história serve para compreendermos qual era a tendência da época,
mesmo sabendo que existiam outras práticas de pregação no mesmo período. No
entanto, é importante estudarmos a história da pregação, mesmo que seja de forma
panorâmica, pois no final teremos uma visão da diversidade de pregações ao longo
da história do cristianismo no mundo.
Terminada a sua missão na terra, Jesus confiou a pregação aos seus apóstolos,
dando início à Igreja da Era Apostólica. A Igreja nasceu em Pentecoste, e a pregação
de Pedro marcou esse início (At 2,14-41). Esse primeiro anúncio tinha como foco
apresentar Jesus. Na medida que a Igreja entrava no mundo gentio, a proclamação
da graça inclusiva se tornou um tema importante (At 10,34-40; 13,16-49; 17,22-34). O
principal conteúdo da pregação apostólica era o querigma, ou seja, os fatos essenciais
a respeito de Jesus Cristo (1Cor 15,3-4). A pregação de ensino passou a ser importante
para edificar a Igreja, como vemos especialmente nas cartas de Paulo. E a pregação
indutiva também foi um modelo utilizado por Paulo no Areópago de Atenas (At 17,16-
31) e em outros momentos (QUICKE, 2009, p. 75).
Não vamos aprofundar ulteriormente a pregação apostólica, visto que já tratamos
sobre isso na aula anterior quando falamos das bases bíblicas da pregação cristã. Aqui
destacamos apenas a variedade da pregação na era apostólica: anúncio do Evangelho
e do querigma, ensino e pregação indutiva.
Os padres da Igreja dos séculos III e IV adotaram de maneira sempre mais sistemática
os princípios da retórica e os aplicaram na pregação da Palavra de Deus. É neste
contexto que se colocam grandes padres da Igreja Oriental como Orígenes (185-245) e
Crisóstomo (337-407). São pregadores mestres, que elaboram sermões cuidadosamente
estruturados a partir de uma profunda exegese bíblica. A Igreja Ocidental também
seguiu esta tendência, com grandes gênios como Agostinho de Hipona (354-430),
cujos sermões eram caracterizados por uma exposição discursiva sobre uma parte
da Bíblia, seguida por amplas digressões que buscavam aplicar o texto bíblico à vida
dos ouvintes. A pregação indutiva era usada especialmente para refutar as heresias,
formuladas com o método filosófico indutivo (QUICKE, 2009, p. 75-76). A importância
dada ao sermão nesta época é visível até mesmo na arquitetura das catedrais, com
púlpitos construídos artisticamente para dar destaque ao pregador.
realidade concreta do povo, e levá-la novamente à praça, junto das pessoas. O grande
herdeiro desta tendência foi Francisco de Assis (1182-1226), que superou o clericalismo
da época e levou uma pregação simples e genuína para a praça, falando de Jesus e
da Bíblia, com um discurso acessível a todos. Sua pregação já não entra na categoria
Escolástica, mas representa a corrente de homilética mística. O problema desta fase
final da Idade Média foi a separação entre o sermão pronunciado no púlpito durante
solenes liturgias, com discursos altamente eruditos, e a pregação mística dos frades
mendicantes nas praças e nos campos (RAMOS, 2005, p. 54-57).
Para finalizar, a pregação na Idade Média não pode ser resumida em um adjetivo
apenas, pois ela teve várias fases: da crise à Escolástica; da erudição à reaproximação
ao povo. Os dois momentos mais positivos desta época deixaram dois modelos
interessantes de pregação: o sermão inspirado no método escolástico, voltada ao
ensino; e a prédica mística dos Mendicantes, acessível ao povo mais simples.
de Roterdã, que publicou uma edição do Novo Testamento grego e uma tradução em
latim no ano 1516. Esta versão da Bíblia se tornou, em seguida, a base do estudo e
da pregação dos reformadores. Lutero (1483-1546) foi o primeiro deste grupo a trazer
a Palavra de Deus ao centro, por meio de uma pregação mensageira que favorecia o
conteúdo, a simplicidade e a aplicação quotidiana da Bíblia (STOTT, 2000, p. 21-23). É
emblemático o modo como ele descrevia a Palavra de Deus em três formas: Palavra
encarnada (Jesus), Palavra escrita (Bíblia) e palavra proclamada (pregação). A pregação
bíblica voltou a ter o seu lugar a partir de Erasmo e Lutero (QUICKE, 2009, p. 76).
Outros reformadores foram ganhando espaço como pregadores mensageiros,
tais como João Calvino (1509-1564) na França e Zwinglio (1484-1531) na Suíça. Os
reformadores desenvolveram um estilo simples e direto de ensinar. Não podemos
esquecer que a pregação da Reforma teve uma ajuda significativa da técnica: a invenção
da imprensa por parte de João Gutenberg (por volta de 1456). A impressão da Bíblia,
dos catecismos e até mesmo dos sermões acelerou a elaboração de pregações sempre
mais completas (QUICKE, 2009, p. 76-77).
Dada a ignorância geral do povo quanto à Bíblia, que tinha ficado como propriedade
exclusiva do clero por séculos, a pregação dos reformadores era predominantemente
didática, voltada à instrução. Até mesmo a toga acadêmica, adotada como veste
litúrgica por Zwinglio na Suíça e por Lutero na Alemanha, mostra como o sermão
era visto por eles como um momento de ensinar. A contribuição positiva da Reforma
para a pregação é o retorno da Palavra de Deus como centro de toda prédica; além
da máxima que afirma solus Christus praedicandus (somente Cristo deve-se pregar);
e a pregação novamente inserida na celebração litúrgica (RAMOS, 2005, p. 59-61).
1697) com sua “oratória sagrada”, que tratava de questões da vida humana a partir
do Evangelho, mas que servia também para refutar os calvinistas holandeses que
chegavam no Brasil. Por sua vez, as Igrejas da Reforma também foram consolidando
sua doutrina e desenvolvendo sua prédica, em contraposição à doutrina católica. Dos
dois lados, a apologética e a controvérsia doutrinária marcaram a pregação deste
período (RAMOS, 2005, p. 59-61).
A Igreja católica já havia iniciado antes a missão fora da Europa, mas nos séculos
XIX e XX houve um incremento significativo da obra missionária estrangeira nas Igrejas
católica e protestantes. Observou-se um grande fervor por parte de missionários em
difundir o evangelho em terras estrangeiras, especialmente na África e na Ásia (a missão
nas Américas já se tinha iniciado nos séculos anteriores e continuou neste período).
O problema é que, junto ao evangelho, os missionários levaram sua cultura ocidental,
muitas vezes com uma pretensão de superioridade cultural, ainda que inconsciente.
No entanto, muitos missionários tomaram consciência dos preconceitos culturais e
se colocaram do lado dos povos africanos e asiáticos, alguns inclusive lutando contra
a escravidão, que ainda não tinha sido abolida em todas as partes do mundo (no
Brasil vai até 1888). Em todo caso, a pregação do evangelho nos séculos XIX e XX é
marcada sobretudo pelo proselitismo (RAMOS, 2005, p. 68-69).
Os pregadores deste período podem ser classificados, de modo genérico (nenhuma
classificação é precisa), em três grupos: os conservadores, que buscavam conter o
progresso e voltar a formas medievais ou patrísticas de ser igreja; os progressistas,
que se opunham à hierarquia das Igrejas e se engajavam nas lutas pela justiça social;
e os moderados, que buscavam uma conciliação entre a cultura religiosa antiga e a
cultura moderna, junto aos novos conhecimentos adquiridos nas terras de missões
(RAMOS, 2005, p. 69).
Em todo caso, o período das missões deixou claro que a pregação precisa entrar
na cultura local, falar a sua linguagem e absorver os seus valores. E mostrou que o
lugar dos pregadores é do lado dos povos evangelizados, não acima deles por razões
culturais ou por qualquer outro motivo.
início da era tecnológica, as religiões têm aderido sempre mais à cultura dos mass
media: nasce então a pregação midiática. Os cristãos pioneiros no mundo midiático
foram os neo-pentecostais (não o catolicismo nem o protestantismo histórico), com
discursos fundamentalisas, ao lado de uma economia capitalista e uma política de
direita. Isso aconteceu inicialmente nos Estados Unidos, nas décadas de 50 e 60, mas
logo se espalhou pelo mundo. Com o tempo, todas as formas religiosas do cristianismo
encontraram seu lugar nos meios de comunicação, particularmente na TV e no rádio
(RAMOS, 2005, p. 80-85).
A pregação midiática hoje é a mais variada que se possa imaginar, e não há espaço
para descrevê-la aqui: há homilias bíblicas, mas há também testemunhos pessoais;
prega-se a teologia da prosperidade, mas não faltam pregadores comprometidos com
os problemas sociais. O mesmo podemos dizer sobre a homilética das libertações e
as pregações carismáticas: a síntese apresentada acima não é completa, mas é feita
mediante generalizações, pois nosso objetivo é lançar um olhar panorâmico sobre a
história da pregação cristã.
Sendo assim, você poderia me dizer: “mas existem outras formas de pregação
no movimento carismático”, por exemplo. E eu responderia: “claro que sim”. Mas em
todas as outras épocas apresentadas brevemente nesta aula também existiam outras
formas de pregação que não cabem nesta síntese. Enfim, a realidade é muito mais
complexa, mas nesta aula conseguimos ter uma visão generalizada de uma parte da
grande variedade de formas de pregação cristã ao longo da história. Na próxima aula,
falaremos dos desafios da pregação no contexto da pós-modernidade.
CAPÍTULO 3
A PREGAÇÃO NO CONTEXTO
DA PÓS-MODERNIDADE
radicalizou a visão cristã, pois não aceita nenhuma determinação do universo nem
de Deus. A moral é valorizada enquanto busca a justiça social, a benevolência
e os direitos humanos. Mas quem determina esta moralidade é o próprio ser
humano.
b) “As emoções e os sentimentos são bons e importantes. Eles devem ser entendidos
e direcionados”. As culturas antigas (e algumas culturas tradicionais ainda vivas)
acreditavam que os sentimentos individuais e o interesse pessoal deveriam ser
suprimidos para dar espaço ao cumprimento do dever para com a família e a
tribo. O cristianismo, por mais que valorize a família e a sociedade, mesmo assim
reconhece o valor intrínseco dos sentimentos e intuições humanas. Também
neste caso, a pós-modernidade levou ao extremo essa perspectiva cristã: cada
um determina a sua identidade a partir de seus desejos, sentimentos e vontades,
a despeito da comunidade.
Diante da constatação destas narrativas culturais da pós-modernidade, Keller
(2017, p. 199) destaca que o pregador deve reconhecer, com humildade e apreço,
os valores exaltados na atualidade, pois boa parte deles provém do cristianismo. No
entanto, deve também expor os erros e perigos destas narrações culturais quando
absolutizam e divinizam situações humanas. Por fim, deve mostrar como o evangelho
não contradiz o espírito pós-moderno, mas pode orientá-lo corretamente lá onde as
narrativas simplesmente culturais falham.
Temos que reconhecer que a pregação passa por uma crise. Muitos pregadores
se sentem perdidos neste mundo multifacetado da pós-modernidade. Porém, não é
só a pregação: a própria sociedade está em crise em vários aspectos. Então, vamos
falar agora sobre a crise da pregação e sobre como a pregação deveria se configurar
em tempos de crise.
Trota (2019, p. 7-15) inicia o seu estudo sobre a proclamação do evangelho falando
sobre a crise da pregação na atualidade. Para ele, muitos pregadores estão anunciando
o que o povo deseja ouvir, pervertendo, amenizando ou mutilando o evangelho com essa
Para que o anúncio do evangelho tenha algum sentido no mundo globalizado, isto é,
no mundo da crise da pregação, é preciso encontrar uma nova definição de pregação.
Jiménez (2009, p. 69-70) propõe como nova definição que a pregação seja entendida
como uma interpretação teológica da vida dentro de uma comunidade de fé. Ou seja,
a pregação tem em vista ajudar a comunidade de fé a desenvolver um estilo de vida
conforme o evangelho; em outras palavras, ajudar o povo a lidar com os problemas
reais da vida desde a perspectiva da fé cristã, de modo que os cristãos vivam como
agentes morais responsáveis no mundo. Interessante que nesta definição de Jiménez,
não se fala de convencer nem converter os não cristãos, mas de conduzir os cristãos
a uma vida conforme o evangelho. A conversão de quem está fora pode até acontecer,
mas será através do testemunho de uma vida cristã coerente por parte daqueles que
professam essa fé.
A pregação no mundo globalizado deve levar em conta, segundo Jiménez (2009, p.
70-75), a crise pós-moderna. Para compreender essa crise, o autor trata de três aspectos
da pós-modernidade: a sociedade do espetáculo, a simulação e a proliferação dos “não-
lugares”. A sociedade do espetáculo é baseada no entretenimento, de modo que não
precisa se preocupar com os problemas reais da vida. A simulação é a substituição da
realidade por modelos criados para parecerem reais: o mundo cibernético é um bom
modelo de simulacro pós-moderno. E os não lugares são os espaços do anonimato,
onde o intercâmbio com outras pessoas é mínimo ou inexistente. O problema de
tudo isso é que aumenta a solidão, a depressão, o abandono, o anonimato, a falta de
relações sociais saudáveis, etc. Neste contexto, a Igreja é chamada a criar espaços
de relações reais entre as pessoas e de integração da personalidade de cada um.
Diante deste quadro, Jiménez (2009, p. 79-84) propõe algumas estratégias para
pregar o evangelho na crise pós-moderna, das quais apresento uma síntese a seguir:
evangelizam. Jesus atraía as pessoas pelo amor, e assim é preciso agir até mesmo
nos meios de comunicação digitais (ANDRADE, 2016, p. 197-214).
Além dos espaços que acabamos de descrever, com certeza existem outros ambientes
importantes sendo explorados pelos evangelizadores cristãos. Não só! Com certeza,
ainda há outros caminhos a serem descobertos pela pregação.
Para concluir esta aula, eu diria que é fundamental conhecer a pós-modernidade
para saber como agir. É claro que conhecemos a pós-modernidade, pois vivemos
dentro dela. Mas estou falando em conhecimento crítico, em tentar olhar de fora, para
compreender seus mecanismos e dinâmicas que acabam nos envolvendo sem que
nos demos conta. Nesta aula, vimos algumas destas dinâmicas, algumas redes de
crenças, alguns desafios. Não basta conhecer. O segundo passo é superar as atitudes
condenatórias, que nada ajudam na pregação. Por fim, o terceiro e mais importante
é percorrer os novos caminhos que a pós-modernidade abriu e que permanecem em
silêncio quanto à pregação.
CAPÍTULO 4
O SIGNIFICADO E A
IMPORTÂNCIA DA HOMILÉTICA
Até aqui falamos da pregação: seus fundamentos bíblicos e teológicos, sua história
e os desafios da pregação na pós-modernidade. Agora, vamos afunilar um pouco mais
o nosso discurso e vamos tratar sobre um tipo específico de pregação: a homilia.
Nos nossos dias, ouvimos pregações em retiros, encontros, palestras, congressos,
reuniões, etc. Mas certamente a pregação mais cotidiana e comum é a homilia. Nesta
aula, vamos, antes de tudo, definir o que é homilia e homilética. Em seguida, vamos
trazer indicações concretas da homilética, dividindo-as em duas partes: os recursos
importantes para a homilia (linguagem, gestos, concisão, etc.); e os elementos que
garantem uma boa homilia.
A disciplina teológica da Homilética trata da homilia, como o próprio nome diz. Então
vamos começar definindo o que é homilia, e em seguida falaremos da homilética e
sua importância.
Em seu estudo sobre a homilia, antes de responder o que é, Peri (2014, p. 10-14) faz
um longo elenco do que ela não é ou não deveria ser. Eis uma síntese de seu elenco:
• Não é uma dissertação de índole sociopolítica ou cultural (homilia sociológica);
• Não é um manifesto para propagar soluções político-administrativas (homilia
comício);
• Não é um discurso em defesa de pessoas ou instituições eclesiais (homilia
apologética);
• Não é a rememoração de aniversário, de fatos importantes ocorridos em
determinada data (homilia rememorativa);
Passando à concepção positiva, Peri (2014, p. 15) define a homilia a partir de três
pilares:
• É uma parcela do Cristo total: as leituras bíblicas, de fato, realizam a presença
de Cristo de forma análoga à própria eucaristia;
• É um “lugar” espiritual que favorece o encontro pessoal com Jesus: por meio
do sermão, deve-se transformar a escuta da Palavra em um encontro pessoal
com o Cristo ressuscitado e vivo;
• É o momento mais elevado da mistagogia (ou seja, da iniciação aos mistérios
cristãos).
Diante de tudo isso, podemos definir a homilia como parte da ação litúrgica, que
realiza a presença de Deus através da sua Palavra, atualizando a mensagem das
Sagradas Escrituras na vida dos fiéis, instaurando, assim, um diálogo contínuo entre
Deus e o seu povo.
ANOTE ISSO
da pregação é a ação do Espírito Santo, mas a homilética contribui com a técnica para
que a mensagem seja entregue com mais clareza e objetividade (SOUZA, 2020, p. 7).
A importância da homilética deriva da centralidade da pregação para o cristianismo:
visto que pregar o evangelho é a principal tarefa da Igreja, é fundamental que esta
missão seja cumprida com o devido preparo, e essa é a função da homilética. O sermão
deve ser elaborado de tal forma que os ouvintes possam compreender a mensagem,
causando impacto imediato nos ouvintes. Para que isso aconteça, a pregação não pode
ser ambígua nem conter digressões que se afastem do tema principal da mensagem.
O sermão deve concatenar as ideias de modo coerente, com um objetivo definido, que
dá a direção de todo o discurso. Os ouvintes precisam compreender o ponto principal
da mensagem e também seus vários aspectos. Neste sentido, o papel da homilética
é auxiliar no planejamento e execução da pregação bíblica, para que esta tenha uma
lógica, estrutura coerente e clareza para ser compreendida e possa envolver os ouvintes
(SOUZA, 2020, p. 7-8).
4.2.1 Linguagem
4.2.2. Gestualidade
O tempo do sermão costuma ser o principal objeto de reclamação dos fiéis. Ninguém
suporta longas pregações, muito menos quando é cheia de devaneios. O problema
é tão difuso que o papa Francisco chegou a pedir, na Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium (2013, n.º 138), que a homilia não se prolongue demais; e têm dito, em várias
ocasiões, que a homilia não deve ultrapassar os dez minutos.
Para que a homilia respeite o tempo dos ouvintes, o pregador precisa elaborar uma
mensagem breve, sem repetições e divagações; programar sua mensagem, ao invés
de falar sem saber onde chegar; desenvolver a capacidade de síntese; concentrar-se
sobre os temas mais importantes, que terão maior impacto na vida do ouvinte; observar
a concentração de seus ouvintes para não ir além da sua capacidade de ouvir. Para
tudo isso, é necessário um grande preparo pessoal (RIGO, 2008, p. 48-50). Em geral,
o tempo dedicado para preparar uma homilia deve ser bem maior do que o tempo
usado para proferi-la. A brevidade da homilia também está ligada ao seu inserimento
dentro de uma liturgia maior, da qual a homilia é uma parte fundamental, mas não
deixa de ser “uma parte”, não um “todo”.
A brevidade do conteúdo não significa falta de palavras, mas sabedoria em usá-
las. Aqueles que falam muito normalmente comunicam pouco, pois compensam
com extensão a falta de profundidade. O importante em toda comunicação não é
dizer muito, mas dizer aquilo que é relevante. Falar brevemente significa respeitar os
ouvintes (PERI, 2014, p. 44-45). O bom orador não é aquele que fala mais, mas aquele
que transmite a mensagem desejada sem exagerar nas palavras. Para comunicar
sua mensagem, o pregador precisa criar uma sintonia com a assembleia, através da
afinidade de interesses e da capacidade dialógica. A empatia impedirá o pregador de
delongar-se demais em sua homilia (RIGO, 2008, p. 50).
4.2.4 Ilustrações
Olyott enumera sete elementos que fazem a pregação ser uma boa homilia, ou
seja, elementos que garantem que realmente estamos pregando a Palavra de Deus
de forma eficaz. Apresento, a seguir, uma breve síntese destes elementos.
O primeiro elemento é a exatidão exegética. Visto que a homilia consiste
essencialmente em esclarecer a Palavra de Deus, trazendo-a para a vida dos cristãos,
então é fundamental que esta Palavra seja explicada com exatidão exegética. A exegese
é o estudo científico que busca compreender o que o texto bíblico realmente diz, em
seus aspectos linguísticos e gramaticais, em seu contexto literário e em seu contexto
histórico. O pregador não precisa necessariamente ser um exegeta, mas precisa ser
alguém que gaste tempo estudando e aprofundando a Bíblia. Para isso, pode usar
bons comentários exegéticos e, em seguida, exercitar sua reflexão pessoal (OLYOTT,
2008, p. 29-48).
O segundo elemento é o conteúdo doutrinário. A Bíblia é o ponto de partida para
tudo o que é cristão. Mas ao longo da história, a reflexão teológica produziu doutrina.
Neste sentido, a doutrina nada mais é que um desdobramento da Revelação divina
contida na Bíblia. A doutrina sobre Deus, a criação, o pecado, a graça, a redenção, o livre-
arbítrio, a justificação, o céu, o inferno, a escatologia… tudo isso tem seu fundamento
na Bíblia. Por isso, espera-se de um pregador que ele seja fiel à doutrina da Igreja ao
anunciar a Palavra de Deus (OLYOTT, 2008, p. 49-66).
Outro elemento importante é a estrutura clara. Para expor a exegese de um texto
e a doutrina que deriva dele é necessário ter clareza. O sermão será absorvido e
relembrado com muito mais facilidade se tiver uma estrutura clara, isto é, quando
apresenta unidade entre todas as partes; uma ordem lógica; e proporção, ou seja, as
ideias mais importantes devem ter maior relevo. A homilia deve começar com uma
introdução, que apresenta o tema, atraindo os ouvintes para aquilo que será tratado.
Em seguida vem o discurso, dividido em algumas partes de forma ordenada. E a
CAPÍTULO 5
ALGUNS SERMÕES
BÍBLICOS EXEMPLARES
Na aula anterior falamos sobre a homilia e a homilética. Nesta aula, vamos ver
alguns exemplos concretos de homilia, ou melhor, exemplos bíblicos de pregação.
Estudaremos alguns sermões bíblicos exemplares para identificar os elementos da
pregação evangélica de Jesus e dos Apóstolos, elementos que podem nos inspirar
na elaboração e na execução das nossas homilias. Tomaremos dois exemplos de
pregações de Jesus: na sinagoga de Nazaré e no Sermão da Montanha. E dois exemplos
da pregação apostólica: o anúncio de Pedro aos judeus em Jerusalém, e o discurso de
Paulo aos pagãos em Atenas. É claro que o NT apresenta inúmeros outros sermões
exemplares de Jesus e dos Apóstolos, mas estes que estudaremos nos dão pelo
menos uma noção do modo como Jesus e os apóstolos evangelizavam.
de uma nova fase: o ministério público de Jesus, que será caracterizado por gestos
realizados e pregações pronunciadas.
Desde o início, o evangelista nos informa que Jesus “ensinava em suas sinagogas e
era glorificado por todos” (4,15). Neste momento, então, ele nos traz um caso concreto
para exemplificar como era a pregação de Jesus nas sinagogas. Dentro da Galileia, a
sinagoga escolhida para a pregação que marcaria o início de seu ministério público
é aquela de Nazaré, a cidade de Jesus. O que ele faz, inicialmente, não é nada de
extraordinário: “segundo seu costume, entrou no dia de sábado na sinagoga e levantou-
se para fazer a leitura” (4,16).
Tudo aqui acontece conforme o costume de Jesus e o costume dos judeus. O
culto sabático começava com orações, tais como o Shemá e orações de bênção. Em
seguida, tinha lugar a leitura principal, que era a proclamação de um trecho da Torá
(nosso Pentateuco). Só num terceiro momento acontecia a leitura de uma outra parte
da Bíblia hebraica, dos Profetas ou dos Escritos (que corresponde mais ou menos aos
nossos livros sapienciais). Lucas nos conta só o que aconteceu a partir deste momento.
Depois da leitura, alguém era designado para fazer uma homilia, que consistia em
interpretar o texto da Torá, fazendo apenas alusões à leitura dos Profetas (BOVON &
KOESTER, 2002, p. 153). Neste ponto, Jesus operou uma modificação: sua pregação
se concentrou no texto do profeta Isaías que acabara de ler (4,17-21).
Mas por que Jesus não comentou o texto da Torá, como era o costume? Provavelmente
porque todos os presentes conheciam bem a Lei contida na Torá. Mas Jesus tinha
uma novidade, que era mais urgente. Uma boa-nova que precisava ser proclamada:
“Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (4,21). Tratava-
se da passagem de Is 61,1-2, que descreve a missão profética de Isaías. Na época
de Jesus, este trecho de Isaías era lido como profecia messiânica, pois esperavam
um messias (ungido) que viesse libertar Israel. Jesus se apresenta, então, como um
ungido pelo Espírito, evangelizador dos pobres, libertador de Israel e anunciador do
“ano da graça do Senhor” (ano de perdoar dívidas). O que Jesus faz é uma perfeita
atualização da Palavra de Deus proclamada na leitura.
Inicialmente, todos parecem empolgados com a novidade: “Todos testemunhavam
a seu respeito, e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca”
(4,22a). Mas, em seguida, começam a duvidar, pois logo esqueceram o conteúdo
da pregação e apontaram o dedo ao pregador: “Não é o filho de José?” (4,22b). É a
velha pretensão de pensar que conhecemos o outro, sabemos quem ele é, de onde
ele vem, por isso não lhe damos crédito e nos fechamos a qualquer novidade. Por
exemplo, é difícil aceitar o conselho de alguém que nós conhecemos até os erros.
É isso que aconteceu com os interlocutores de Jesus: pensavam conhecer tudo de
Jesus, especialmente sua origem: filho de José. E aqui está a ironia: não conheciam
quem Ele realmente era (Filho de Deus), e se fecharam à novidade do Espírito Santo.
Jesus logo entendeu o argumento de seus interlocutores e interpretou a sua
própria missão em chave profética: “Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem
recebido em sua pátria” (4,24). Assim como os profetas do AT foram rejeitados por
seus corregionais, assim Jesus sabe que será rejeitado. O mais interessante é a reação
de Jesus depois da ameaça de morte (4,28-29): “Ele, porém, passando pelo meio
deles, prosseguia seu caminho” (4,30). Jesus simplesmente não se deixa abalar pela
rejeição. Ele está consciente das consequências de assumir uma missão profética,
mas não se atemoriza. Ele busca preservar a sua vida o tempo todo. Engana-se quem
pensa que é necessário buscar a perseguição e fazer-se mártir. Jesus procura sempre
preservar a sua integridade física, até que a situação chega ao extremo, quando as
pessoas de maior influência na sociedade o condenarão à morte. Mas enquanto há
tempo, Ele procura manter-se à salvo para continuar proclamando o evangelho, sem
deixar-se abater pelas críticas e perseguições.
Eis alguns elementos da pregação inaugural de Jesus que podem ser aplicados à
nossa atividade homilética:
• A pregação parte sempre da Palavra de Deus revelada na Bíblia, em todas as
partes da Bíblia;
• Não basta explicar o que está escrito, é preciso atualizar o texto na vida concreta
do pregador e dos ouvintes;
• Quem ouve, não deveria fechar-se à novidade de Deus por preconceitos em
relação ao pregador: Deus pode falar por meio de quem Ele quiser escolher;
• Quem prega, não deveria deixar-se abalar pelas críticas e perseguições: é preciso
passar adiante e continuar a missão evangelizadora.
Na introdução ao Sermão da Montanha, Mateus nos conta que havia uma multidão,
por isso Jesus subiu em um lugar mais elevado e sentou-se para ensinar (Mt 5,1-2).
A posição sentada era típica dos mestres quando iam ensinar: os Mestres da Lei se
levantavam para ler e se sentavam para ensinar. Jesus segue este padrão cultural
apropriado em sua época. Seu ensinamento aqui é dirigido tanto aos discípulos, quanto
às multidões que estavam presentes: ambos os grupos são chamados a ouvir e a
tomar uma decisão diante dos ensinamentos de Jesus (KEENER, 2009, p. 163-165).
Não podemos comentar aqui o Sermão da Montanha inteiro, pois é longo e complexo.
Vamos apenas mencionar algumas passagens que mostram certas características
da pregação de Jesus.
A primeira parte importante deste discurso é o bloco das bem-aventuranças (5,3-12).
As bem-aventuranças praticamente invertem as perspectivas humanas: normalmente
achamos que os ricos são mais felizes, Jesus diz que o pobres são bem-aventurados;
percebemos que a aflição não é boa, mas Jesus diz que os aflitos serão consolados;
temos medo da perseguição, mas Jesus garante que os perseguidos terão o reino dos
céus, e assim por diante. Em poucas palavras, Jesus não fala aquilo que as pessoas
querem ouvir. Ele apresenta o Reino dos Céus tal como ele é. No Reino dos Céus, que
Jesus trouxe até a terra, não vale a lógica do mundo, segundo a qual a felicidade está
no possuir, no comandar, no dominar. Jesus traz o seu Reino sobretudo para aqueles
que estão excluídos dos reinos terrenos. E fala isso abertamente a todos, sem medo
de desiludir as pessoas.
Em seguida, Jesus declara que veio para dar pleno cumprimento à Lei e os Profetas
(5,17), ou seja, à inteira Bíblia judaica. Para reforçar a ideia, afirma que nem mesmo
uma vírgula será omitida sem que tudo se realize (5,18). Por consequência, é preciso
praticar e ensinar todos os mandamentos, grandes ou pequenos (5,19). Isso significa
que Jesus busca cumprir e ensinar toda a Palavra de Deus contida na Bíblia que Ele
tinha à disposição, ou seja, a Bíblia Judaica (nosso Antigo Testamento).
Depois de enunciar este princípio, Jesus pronuncia uma parte do Sermão que os
exegetas costumam chamar de “antíteses”, marcadas pela fórmula: “Ouvistes que
foi dito aos antigos… Eu, porém, vos digo” (5,20-48). Trata-se de um grande discurso
de atualização do texto bíblico. Não são verdadeiras “antíteses”, porque Jesus não
apresenta como opção o oposto do que dizia o AT. Por exemplo, diante do mandamento
“não matarás” (5,21) Jesus não propõe o contrário, mas apresenta uma aplicação ainda
mais profunda: “todo aquele que se encolerizar contra seu irmão, terá de responder no
tribunal” (5,22). Isso vale para todo o discurso: Jesus atualiza o texto do AT, mostrando
como os mandamentos mencionados dizem muito mais do que os mestres da Lei
haviam interpretado até aquele momento. Como verdadeiro pregador da Palavra
de Deus, Jesus não nega nenhuma palavra contida no AT, mas reinterpreta cada
mandamento mostrando a sua profundidade e atualidade.
Depois, Jesus dá alguns conselhos práticos de como jejuar, como rezar e como
dar esmolas (6,1-18). São três gestos típicos da religiosidade judaica de seu tempo
(válidos em todos os tempos). Neste ponto, Jesus não cria algo novo, mas ensina
como viver autenticamente a piedade típica de sua época. Destes três gestos de
religiosidade, a oração é que ganha maior destaque, tanto que Jesus ensina a oração
por excelência a seus discípulos: o Pai Nosso. Como vimos nas aulas anteriores: toda
boa pregação é precedida por uma vida de oração. Jesus é o melhor exemplo disso,
e ensina também aos seus discípulos para que façam o mesmo.
Jesus também usa algumas imagens e parábolas em seu ensinamento: os lírios
do campo e as aves do céu (6,25-34); a pérola aos porcos (7,6); a porta estreita (7,13-
14); a casa construída sobre a rocha e sobre a areia (7,21-27). Dentro desta última
parábola, há uma conclusão que serve para toda pregação: “Assim, todo aquele que
ouve essas minhas palavras e as põe em prática será comparado a um homem
sensato que construiu a sua casa sobre a rocha” (7,24). A homilia serve para que a
Palavra de Deus seja ouvida e colocada em prática. Se ela não conduz à prática da
vontade de Deus é sinal de que perdeu seu rumo.
A conclusão do Sermão da Montanha também é impressionante: “Aconteceu
que ao terminar Jesus essas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu
ensinamento” (7,28). Muitos ensinamentos de Jesus dentro do discurso da Montanha
eram exigentes, contrários às expectativas humanas de seus ouvintes, palavras difíceis
de serem ouvidas e praticadas. Mesmo assim, as multidões estavam extasiadas.
Aqui fica muito claro que não é necessário perverter, amenizar ou mutilar a Palavra
de Deus para agradar aos ouvintes (como vimos na “Crise da pregação” na aula 3).
Quem prega com profundidade, aplicando a Palavra de Deus antes de tudo em sua
própria vida, alcançará os ouvintes mesmo quando tiver que dizer duras palavras para
ser coerente com a Revelação divina.
• A homilia não deve somente explicar o texto bíblico, mas deve conduzir os
ouvintes a colocarem em prática a Palavra de Deus;
• Os ouvintes não estarão extasiados diante de pregadores que alteram a Palavra
de Deus para agradá-los, mas sim diante de pregadores autênticos que anunciam
com profundidade e vivem a Palavra anunciada.
A primeira pregação no livro dos Atos dos Apóstolos é o discurso de Pedro logo
depois da vinda do Espírito Santo sobre a comunidade reunida em Pentecoste. Trata-
se de um discurso querigmático e cristológico: apresenta os eventos principais da
vida de Jesus, de sua morte e ressurreição. E recorre a algumas passagens do AT
para confirmar que em Jesus se cumpriram as profecias que seus interlocutores bem
conheciam. Esta não é apenas a pregação de Pedro. Certamente esse era o modelo
de pregação cristã nas primeiras décadas da Igreja (FITZMYER, 2008, p. 248-249), por
isso é uma pregação fundamental para ser considerada em nosso estudo.
Na primeira parte de sua pregação, Pedro explicou o evento que acabara de acontecer
(At 2,14-21). Ele parte de uma experiência compartilhada por todos os presentes:
todos tinham ouvido o ruído que veio do céu e a comunidade dos discípulos falando
em línguas, conforme o Espírito lhes inspirava (2,1-6). No entanto, a multidão que ali
acorreu não entendeu o que estava acontecendo. Essa multidão era composta pelos
judeus da diáspora, que viviam em nações diferentes e falavam diversas linguagens.
Então Pedro se dispõe, antes de tudo, a explicar a experiência que acabaram de ter. A
pregação, quando parte de uma experiência compartilhada pelos ouvintes, consegue
chegar mais facilmente ao coração deles.
A explicação de Pedro é que a glossolalia que a multidão estava ouvindo não era
fruto de embriaguês, mas obra do Espírito Santo. Mas ele não fala por si mesmo, ao
contrário, vai buscar nas Sagradas Escrituras um testemunho sobre isso: a promessa
da efusão do Espírito em Jl 2,28-32. A glossolalia, neste caso, é interpretada como
profecia: “derramarei do meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas
profetizarão” (At 2,17; cf. Jl 2,28). Visto que a Bíblia Judaica era o terreno comum
entre Pedro e seus ouvintes, é justamente ali que ele vai buscar a explicação para a
experiência que todos tiveram.
Até aqui, a multidão foi atraída por um evento impressionante (ruído no céu e
glossolalia) e recebeu uma explicação bíblica para entender o fato. Com isso, Pedro
conquistou a atenção de seus ouvintes. Neste momento, ele pôde dar um passo a mais
e anunciar o querigma. E é exatamente isso que vemos nos versículos seguintes: Pedro
anuncia quem foi Jesus de Nazaré em sua vida terrena, homem aprovado por Deus
através dos prodígios e sinais que realizou (At 2,22). E não teme em acusar abertamente
o erro do seu povo: “Este homem, entregue segundo o desígnio determinado e a
presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o pela mão dos ímpios” (2,23). Mas
em seguida traz o anúncio da boa-nova: “Mas Deus o ressuscitou, libertando-o das
angústias do Hades, pois não era possível que ele fosse retido em seu poder” (2,24). E
mais uma vez vai buscar nas Sagradas Escrituras a justificativa para aquilo que está
dizendo, desta vez no Sl 16,8-11, especialmente nesta frase: “porque não abandonarás
minha alma no Hades nem permitirás que teu Santo veja a corrupção” (At 2,27; cf Sl
16,10). Aquele que não sofreu a corrupção da morte é o Santo de Deus. Pedro lê o
Salmo 16 como um profecia da ressurreição de Jesus.
Eis uma síntese dos aspectos da primeira pregação apostólica no NT, que podem
iluminar a nossa homilética ainda hoje:
• Partir da experiência compartilhada pelos ouvintes para então anunciar o
evangelho;
• Buscar nas Sagradas Escrituras a razão profunda para os fatos da vida e para
a experiência do povo;
• Denunciar com coragem os pecados das pessoas e as injustiças sociais, como
a morte de inocentes, que acontece ainda hoje como aconteceu com Jesus;
• Anunciar o perdão e a possibilidade de conversão, para que a Palavra de Deus
transforme a vida dos ouvintes.
Uma vez construído o chão comum para o diálogo através da filosofia grega, Paulo
passa ao anúncio do querigma cristão de forma muito essencial: o julgamento futuro,
a possibilidade de conversão no presente, e a ressurreição de Cristo (17,30-31).
Os ouvintes, que pertenciam à alta cultura filosófica grega, têm grande dificuldade
em aceitar a boa-nova da ressurreição, como acontece ainda hoje entre muitos
cientistas (17,32). Mesmo assim, alguns deles abraçaram a fé cristã (17,34). Aqueles
que abraçaram a fé eram poucos, mas eram membros da alta cultura, ou seja, uma
semente para que o evangelho começasse a crescer naquele ambiente filosófico
grego.
Esse é um elemento interessante em toda a pregação de Paulo: ele não anuncia
diretamente a todos os habitantes de cada cidade por onde passa, mas sempre cria
um pequeno grupo de referência, educando profundamente na fé algumas pessoas
que se tornam, em seguida, evangelizadores da sua própria cidade. Lembremos,
por exemplo, de Lídia em Filipos (16,15) e de Priscila e Áquila em Coríntios (18,2-4).
Em Atenas acontece o mesmo: Dionísio e Damaris, que frequentavam sempre o
areópago, terão a missão de levar para outras pessoas de cultura aquele anúncio
do evangelho. De fato, para entrar no meio científico e acadêmico, é preciso saber
dialogar com a linguagem destes ambientes. Paulo deu exemplo disso, mas não
permaneceu sozinho: deixou a missão com pessoas que viviam lá dentro do mundo
filosófico grego.
Caros estudantes, esta aula nos mostrou que a Bíblia não é apenas a fonte da nossa
pregação, mas também nos ensina como pregar, como elaborar uma homilia eficiente
que seja capaz envolver os ouvintes e encorajá-los a uma mudança de vida. Vimos
que toda pregação deve partir das Sagradas Escrituras, mas pode também dialogar
com outras disciplinas (pregação interdisciplinar). Contemplamos reações positivas ao
anúncio do evangelho, mas também rejeição e até perseguição. Percebemos que para
atrair o ouvinte não é necessário tentar agradá-lo, alterando a Palavra de Deus, pois toda
pregação autêntica e profunda acaba chamando à conversão, mesmo quando duras
palavras são necessárias. Enfim, observamos que a Palavra de Deus pode encontrar
espaço e frutificar na vida de todos os tipos de ouvintes.
CAPÍTULO 6
O PREPARO E A
MINISTRAÇÃO DO SERMÃO
Prezadas e prezados estudantes, nas últimas duas aulas falamos sobre a homilia e
sobre alguns sermões bíblicos, inclusive dando indicações práticas sobre os elementos
importantes em uma boa homilia e sobre os elementos presentes nos sermões bíblicos
que inspiram nossa pregação. Nesta aula, vamos dar mais um passo nestas questões
práticas e vamos ver algumas indicações sobre a preparação da homilia e sua execução.
Na primeira parte da aula, vamos destacar os conselhos dados pelo papa Francisco
na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Na segunda parte, acrescentaremos outras
indicações a partir de alguns estudos sobre a pregação cristã.
Papa Francisco considera que “a preparação da pregação é uma tarefa tão importante
que convém dedicar-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade
pastoral” (n.º 145). Por isso, ele dedica uma parte consistente da Evangelii Gaudium
(n.º 145-159) para dar indicações práticas sobre a preparação da homilia.
O primeiro tema tratado por papa Francisco quanto à preparação da pregação é o
culto da verdade, que ele define a partir de uma citação de Paulo VI: “Quando alguém
se detém procurando compreender qual é a mensagem dum texto, exerce o «culto da
verdade»” (Evangelii Nuntiandi, 1975, n.º 78). Comentando esta citação, papa Francisco
insiste que para compreender a mensagem do texto bíblico é preciso ter paciência,
dedicação e amor, pois só gastamos tempo com coisas e pessoas que amamos. O
texto bíblico, enquanto literatura, é um texto antigo, por isso a análise literária (estudo
dos aspectos linguísticos e redacionais) se faz necessária. Em seguida, é preciso
identificar a mensagem central de cada texto, pois sem fazer isso a pregação corre o
risco de ir para a direção errada: se um texto foi escrito para consolar, não pode ser
utilizado para corrigir erros; se foi redigido para exortar, não deveria ser utilizado para
instruir; e assim por diante. Por fim, é preciso ler cada texto singular em sintonia com a
Bíblia inteira, para evitar interpretações parciais (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 146-148).
Isso equivale a dizer que primeiro somos ouvintes da Palavra, e só depois somos
pregadores. Por isso Jesus condenava a atitude de muitos mestres no seu tempo:
“Amarram fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, mas eles mesmos
nem com um dedo se dispõem a movê-los” (Mt 23, 4). Ao contrário do que faziam tais
mestres, os pregadores devem primeiro estar dispostos a deixar-se tocar pela Palavra e
fazê-la carne em sua vida. Quem não se coloca à escuta da Palavra, não se deixa tocar
por ela e não reza com esta Palavra, esta pessoa será, segundo Francisco, um “falso
profeta” ou um “charlatão vazio”. Mas o mesmo Espírito Santo que um dia inspirou
a Palavra de Deus quer hoje inspirar os evangelizadores que se deixam conduzir por
Ele (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 149-151).
A Lectio Divina, citada por papa Francisco, é um antigo método de leitura orante
da Bíblia, que foi sistematizado em quatro degraus pelo monge Guido no século
XII: leitura, meditação, oração e contemplação. A prática é simples e muito rica
ao mesmo tempo, sendo recomendada inclusive pelo Concílio Vaticano II, na
Constituição Dogmática Dei Verbum, n.º 25. Para saber mais, veja o artigo de Dom
Orani João Tempesta com informações breves e preciosas sobre o tema: https://
www.vidapastoral.com.br/artigos/temas-biblicos/a-lectio-divina/
As recomendações dadas pelo papa Francisco não são muito diferentes das
indicações dadas por outros teólogos católicos e protestantes. Nesta seção, vamos
apresentar alguns estudos sobre a preparação da homilia, organizando-os em duas
partes para responder a duas perguntas: por que preparar? E como preparar um sermão?
De modo geral, para falar de modo eficaz sobre qualquer tema, é necessário preparar-
se. Quem não se prepara, improvisa. E a improvisação consiste em falar aleatoriamente.
A improvisação na homilia pode ser desastrosa, pois a homilia é um momento tão
importante da celebração cristã que não pode ser tratada como algo aleatório (PERI,
2014, p. 22).
Preparar-se para uma homilia é, antes de tudo, ouvir a voz de Deus. Na Bíblia, ouvir
não é uma questão só de audição, mas de fé e obediência: Shema Israel “Ouve Israel”
(Dt 6,4) marca o início da aliança de Deus com seu povo. É preciso ouvir a Palavra de
Deus para descobrir o sentido profundo do texto bíblico; e para evitar o risco de falar
de Deus sem falar com Deus. A fé nasce da escuta da Palavra de Deus, portanto não é
possível pregar sem antes se colocar em atitude de escuta. Por isso Santo Agostinho
advertiu: “Sem dúvida, é infrutífero quem prega a palavra de Deus só exteriormente,
sem ouvi-la em seu íntimo” (Sermão 179,1 apud PERI, 2014, p. 24). Enfim, para anunciar
é preciso antes ouvir o que Deus tem a nos dizer.
Preparar-se significa também ouvir os problemas e as expectativas da assembleia à
qual a homilia será dirigida. Não basta preparar o que vamos dizer, é preciso também
pensar a quem vamos falar, pois a comunicação acontece entre dois sujeitos. Por isso é
importante conhecer a comunidade à qual vamos pregar, conhecer suas necessidades,
seus interesses, sua caminhada de fé, sua realidade social, etc. Trata-se de preparar-se
ouvindo a história da Igreja local, assim a pregação será realmente eclesial, ou seja,
enraizada na realidade concreta da Igreja da qual fazemos parte. Sem esta preparação,
a homilia corre o risco de se tornar apenas um espiritualismo vago que não gera
comunhão, nem compromisso social, nem verdadeira espiritualidade (PERI, 2014, p.
24-25).
Stott (2000, p. 205-254) elabora um roteiro com seis passos para a preparação
de um sermão. O autor adverte que não existe uma única forma de preparar uma
pregação, mas se dispõe a traçar um percurso que possa ser útil a outros pregadores.
Eis a seguir uma síntese.
O primeiro passo é escolher o texto. Nas igrejas católico-romana, ortodoxa, luterana
e anglicana, as leituras da Bíblia estão distribuídas ao longo de um “ano litúrgico”.
Isso é muito positivo, pois todos os eventos da história da salvação têm seu lugar ao
longo do ano litúrgico. Outras confissões cristãs deixam à cargo do pastor a escolha
do texto de cada celebração. Em todo caso, mesmo quando existe um calendário
litúrgico, às vezes é necessário preparar uma pregação particular, diante de situações
externas, como uma catástrofe natural, a morte de uma figura pública, uma situação
de escândalo, etc. Outras vezes, a escolha de um texto para a pregação está ligada
à uma situação pastoral: uma peregrinação, uma festa da comunidade, etc. Nestes
casos, o pregador precisa deixar-se interpelar pelas necessidades reais do povo para
discernir o que pregar, sempre em espírito de oração (STOTT, 2000, p. 208-214).
A segunda etapa é meditar a respeito. Uma homilia não deveria ser preparada na
última hora. Uma boa meditação pode durar dias para amadurecer as ideias em silêncio.
Não basta uma leitura do texto: é preciso ler e reler várias vezes, refletindo como Maria
que “conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu
coração” (Lc 2,19). A meditação de um texto bíblico busca responder a duas questões
essenciais: qual o significado deste texto na sua época? O que ele nos diz hoje? Para
isso, é útil consultar os estudos científicos sobre o texto; em seguida, refletir e rezar
sobre aquele texto, buscando compreender sua importância para nós hoje. Em poucas
palavras, a meditação é composta por estudo e oração (STOTT, 2000, p. 214-218).
Em seguida, é preciso determinar a ideia central. Continuando a meditação através
da oração e do estudo, chegamos ao momento de individuar a ideia principal do texto.
É possível encontrar vários temas em uma passagem bíblica, mas sempre há um
assunto principal, que está relacionado ao propósito do autor ao escrever tal texto.
Por exemplo, alguém poderia pregar sobre o serviço ao próximo a partir da parábola
do Bom Samaritano (Lc 10,25-37). Essa é uma questão importante na parábola, mas
o significado central é outro, pois a parábola foi contada por Jesus para mostrar
que não há verdadeira religião sem a caridade. Nem o levita nem o sacerdote eram
verdadeiramente religiosos, mas um estrangeiro deu exemplo do verdadeiro culto a
Deus: a caridade. A pregação seria incompleta se não mostrasse essa crítica de Jesus
à falsa religiosidade. Outra razão para identificar a ideia central é que o sermão não é
uma aula. Na aula, o professor pode falar de vários aspectos do texto, pois os alunos
estão aí para anotar e consultar outros materiais. Mas o sermão tem outro propósito:
ensinar alguma coisa para a vida dos ouvintes. É preciso identificar o que realmente
aquele texto ensina, e afirmar isso claramente no momento da homilia, de preferência
em uma única sentença fácil de lembrar (STOTT, 2000, p. 218-222).
Depois disso, é preciso distribuir o material de acordo com a ideia central. Neste
processo, o pregador descarta o que é irrelevante, ou seja, as ideias que vieram durante
a meditação do texto, mas que não tem relação direta com o tema central. Se forem
ideias interessantes, haverá outro momento para usá-las, mas trazer tudo para um
único sermão só vai servir para criar confusão em quem ouvirá a pregação. Por outro
lado, as ideias que têm relação direta com o tema central devem ser organizadas
de forma ordenada, dando uma estrutura ao sermão. A estrutura deve ser simples
(indicativamente, de dois a cinco pontos) para que os ouvintes possam “visualizar”
o que o pregador está dizendo; e não podem ser artificiais, ou seja: o texto mostra
naturalmente a sua estrutura, e não será o pregador a impor o seu esquema mental ao
texto bíblico. Também é importante usar ilustrações (imagens, exemplos, metáforas,
analogias, etc.) no desenvolvimento de cada ponto do sermão (STOTT, 2000, p. 222-237).
O quinto passo consiste em acrescentar a introdução e a conclusão. Da mesma
forma como fazemos um trabalho acadêmico, elaborando primeiro o corpo do texto,
para acrescentar depois a introdução e a conclusão, o mesmo vale para o sermão. A
introdução deve ser breve e essencial, e serve para despertar o interesse e anunciar a
temática central. Também é possível começar lembrando de alguma situação vivida
ou conhecida pela comunidade e que tenha relação com o texto bíblico. A conclusão é
ainda mais importante, pois a ausência de uma conclusão indica a ausência de propósito
no sermão. Pregações que terminam enroladas ou andando em círculo acabam não
deixando nenhuma marca. Concluir não é só recapitular, ainda que a recapitulação
com palavras diferentes também é importante. Porém o essencial na conclusão é a
aplicação concreta do conteúdo exposto no sermão. A conclusão precisa ser fácil de
entender e de lembrar, mas deve sobretudo mostrar que a Palavra de Deus tem algo
a dizer para a vida concreta das pessoas (STOTT, 2000, p. 238-248).
Por fim, redigir a mensagem e orar sobre ela. A questão de redigir a homilia depende
muito de cada pregador: alguns precisam escrever a pregação inteira, outros preferem
fazer apenas um elenco. Em todo caso, é sempre desaconselhável improvisar uma
homilia, sem nenhum esquema previamente planejado. O extremo oposto é ler palavra
por palavra, sem nenhum diálogo com a assembleia, tornando o sermão monótono e
nada atrativo. Entre estes dois extremos, existe a possibilidade de escrever o sermão
e, no momento de proferí-lo, não se limitar apenas ao que está escrito. Ou escrever
o sermão, ler mais de uma vez e meditar sobre ele, mas não levar o texto para o
púlpito. Mas a alternativa mais interessante é escrever apenas um pequeno elenco
com as ideias principais para ter diante dos olhos no momento de proferir a homilia:
todo o resto virá naturalmente à memória, se realmente preparamos com dedicação
o sermão. Enfim, a oração, que deveria preceder à preparação da pregação, deve
também suceder ao sermão já redigido. Trata-se de levar diante de Deus o fruto da
nossa meditação, para que a Palavra que iremos pregar comece a agir na nossa vida.
Sendo assim, a homilia não será só um exercício intelectual, mas será como falar
daquilo que o coração está cheio (STOTT, 2000, p. 248-252).
North (1971, p. 32-36) compara o processo de preparação de uma homilia com o
processo de acender um fogo: a faísca inicial é a intuição que dá origem ao sermão e
corresponde à ideia central no roteiro de Stott. Essa intuição não vem do nada, mas é
fruto da insistência em “riscar o palito”, ou seja, a meditação paciente e perseverante.
O processo de elaboração que vem em seguida equivale ao período de combustão
lenta, antes de se tornar uma chama. É quando o pregador coleta mais material para
seu sermão, escolhe a maneira mais significativa de apresentá-lo, e escreve um esboço
do seu sermão. A chama é a pregação em si. Quando o pregador sobe ao púlpito,
ele deve estar inflamado pela Palavra de Deus que ele meditou, desde a faísca até a
combustão lenta. A oração é o último combustível que o pregador jogou neste fogo
para que a chama estivesse bem acesa no momento de pregar diante da assembleia.
Se o pregador percorrer todos estes passos para a preparação do sermão, certamente
irá inflamar seus ouvintes com a Palavra de Deus, como ele mesmo foi alcançado
por esta Palavra.
Nesta aula, vimos algumas indicações práticas do papa Francisco e de outros
teólogos quanto à preparação e a ministração do sermão. Ficou claro que não são
sugestões contraditórias, mas complementares. Colocando juntos os elementos
essenciais de todos estes autores, podemos chegar a esta síntese: a preparação da
homilia exige estudo, meditação e oração; antes de pregar é preciso se colocar à escuta
da Palavra de Deus; é preciso também escutar o povo e ler a situação concreta da
comunidade a quem dirigimos o sermão; é importante identificar a mensagem central
de cada texto bíblico e organizar a pregação a partir deste centro; enfim, a homilia
deve ser pronunciada de forma organizada, clara, adaptada aos ouvintes, transmitindo
a mesma Palavra de Deus que já encheu o coração do pregador.
CAPÍTULO 7
TIPOS DE SERMÕES E SUA
CONSTRUÇÃO: TÓPICO,
TEXTUAL E EXPOSITIVO
Caros alunos e alunas, nesta aula vamos falar sobre os vários tipos de sermão.
Na aula anterior, vimos como preparar um sermão em geral. Nesta aula, vamos ver
como cada tipo de sermão tem uma forma diferente de se preparar. Existem três
tipos tradicionais de sermão: temático (ou tópico), textual e expositivo. Começaremos
tratando separadamente dessas três formas clássicas de sermão. Na quarta seção,
acrescentaremos outros tipos de pregação: o sermão de um ponto só, o sermão de
“quatro páginas”, o sermão indutivo e o sermão biográfico.
É importante ressaltar que o sermão temático não é menos bíblico que os demais.
A diferença é que primeiro se define o tema e depois os textos bíblicos. Por isso
o pregador deveria sempre anunciar aos ouvintes as referências bíblicas que está
usando. A vantagem deste tipo de sermão é poder mostrar como várias partes da Bíblia
abordaram o mesmo tema, mostrando a unidade e o progresso em toda a história da
Revelação, incluindo Antigo e Novo Testamentos na mesma argumentação (PIRAGINI
JR, 2016, p.11-12). Outra vantagem é a sua grande versatilidade: com o sermão tópico,
o pregador pode tratar de qualquer tema teológico da Bíblia. O risco desta modalidade
é que o pregador pode acabar manipulando a Bíblia conforme seu interesse, tirando
alguns versículos bíblicos do seu contexto e forçando uma interpretação que se adapte
ao seu tema. O importante é ter bom senso e autenticidade para usar o sermão
temático da maneira correta.
Exemplo 1: tema “a paz que só Jesus pode dar”:
• A paz que ilumina nosso caminho (Lc 1,79);
• A paz que liberta a nossa mente de pensamentos perturbadores (Jo 14,27);
• A paz que supera o sentimento de medo (Jo 20,19-20);
• A paz que salva (Jo 3,16).
Neste exemplo, cada tópico apresenta uma característica da paz, usando um texto
diferente. A base para a organização do sermão é a “paz de Jesus”, mas os textos
bíblicos utilizados podem ser variados (SOUZA, 2020, p. 15).
No sermão textual, toda a argumentação está ligada a um texto bíblico, o qual pode
ser dividido em tópicos. As ideias principais derivam do próprio texto escolhido ou
pré-determinado. E as divisões do sermão dependem da estrutura própria do texto ou
devem ser, pelo menos, inspiradas nele. Para elaborar um sermão textual é preciso ler
o texto bíblico; procurar a ideia principal; e observar a própria estrutura do texto. Este
tipo de sermão requer do pregador um grande conhecimento do texto e sensibilidade
para individuar a sua estrutura. Enfim, deve-se evitar divagações sobre temas que não
estão incluídos naquela passagem bíblica (SOUZA, 2020, p. 16-17).
É claro que é possível acrescentar outros textos bíblicos ao longo da explanação,
mas devem ser citações bíblicas relacionadas com o texto da pregação. Uma forma
simples de organizar um sermão textual é explicar cada expressão, mas neste caso
é importante mostrar a ligação entre elas, criando uma unidade. Este tipo de sermão
normalmente é muito apreciado pelos ouvintes, especialmente quando o texto-base
conta uma história pouco conhecida ou usa uma linguagem pouco habitual. Nestes
casos, os ouvintes ficarão muito interessados com o conteúdo que o pregador pode
oferecer (PIRAGINE JR, 2016, p.13-14).
O sermão textual é semelhante ao expositivo, com a diferença que emprega uma
passagem bíblica mais curta, em geral um versículo ou algumas frases. Sendo assim,
envolve um aprofundamento mais intenso de um texto menos extenso. O sermão
textual discute um único assunto, mas dividido em várias partes, conforme o próprio
trecho bíblico inspira tal divisão (LOPES, 2008, p. 168-169).
fazendo uma exposição detalhada do texto bíblico. É um tipo de sermão que requer do
pregador certo conhecimento teológico e habilidade exegética. Por isso, esta modalidade
de pregação é mais indicada para quem se dedica ao estudo contínuo da Bíblia, pois
exige um maior tempo de preparo e aprofundamento do texto: pesquisa histórica do
contexto, comparação com outros textos, estudo lessico-gráfico, significado original
das expressões, etc. O sermão expositivo traz uma maior cultura e conhecimento
bíblico aos ouvintes. Todavia, só será realmente fecundo se for capaz de trazer, além
da cultura exegética, uma aplicabilidade do texto para a comunidade. Sendo assim, há
três passos fundamentais na elaboração do sermão expositivo: ler, explicar e aplicar
o texto (SOUZA, 2020, p. 17-18).
É verdade que todos os tipos de sermão se baseiam na Palavra de Deus, mas o
sermão expositivo tem uma diferença: ele se baseia exclusivamente na Palavra de
Deus. O tema, o conteúdo, o propósito, os tópicos e subtópicos, tudo provém do
texto bíblico. Quem prepara um sermão expositivo não pode se aproximar do texto
com alguma ideia pré-determinada: será o texto quem “dirá” o que o pregador deve
falar. Não é só um estilo de pregação, mas um verdadeiro serviço à Palavra de Deus.
Quando se expõe um texto bíblico palavra por palavra, ou versículo por versículo,
cada palavra/versículo tem o potencial de transformar a vida dos ouvintes. Para isso,
é preciso trazer para a atualidade as verdades bíblicas (PIRAGINE JR, 2016, 25-27).
ANOTE ISSO
Todos os tipos de sermão têm como base a Bíblia, do contrário não seriam
sermões. O que muda é o modo de se aproximar da Bíblia: quando o pregador
se aproxima da Bíblia para iluminar algum tema importante, temos um sermão
temático; quando se aproxima de uma pequena passagem bíblica que ele pretende
explorar profundamente, sob vários pontos de vista, temos o sermão textual;
e quando se aproxima de uma unidade textual maior para apresentar o seu
significado no contexto original e na atualidade, temos o sermão expositivo.
concreta na atualidade. Uma pregação que leva os ouvintes ao mundo bíblico mas
não os traz de volta à realidade atual não é um sermão. Eis os elementos necessários
para que uma pregação seja considerada um sermão expositivo: a mensagem busca
na Sagrada Escritura a sua única fonte; mediante uma cuidadosa exegese, procura-se
encontrar o sentido original da passagem bíblica; o sentido deve estar relacionado com
o contexto imediato e geral da passagem; os pontos principais do sermão devem ser
tomados dos versículos da Bíblia; as verdades contidas nestes versículos precisam
ser aplicadas na atualidade e na vida concreta do pregador e dos ouvintes (LOPES,
2008, p. 171-175).
Algumas perguntas ajudam na elaboração de um sermão expositivo:
a) Qual era a mensagem deste texto no seu contexto original, para o povo que o
recebeu?;
b) Qual é a mensagem deste texto para nós hoje? (Se responde com base na
primeira resposta);
c) E qual é o significado transformador deste texto para o povo que o recebeu e
para nós hoje?
Até aqui tratamos das formas clássicas de pregação. Agora vamos falar de alguns
tipos de sermão desenvolvidos ou redescobertos nas últimas décadas. Escolhemos
quatro tipos de sermão, mas advertimos desde já que existe uma variedade bem maior
de modalidades de pregação. Em todo caso, são quatro tipos de sermão que podem
ser úteis, por isso trazemos uma breve apresentação de cada um deles.
só: escolher o ponto; construir tudo em torno deste ponto; e aplicá-lo à realidade dos
ouvintes (SOUZA, 2020, p. 18).
Souza (2020, p. 19) traz um elenco de cinco perguntas que normalmente são usadas
na elaboração do sermão de um ponto só:
a) O que eles precisam saber? (informação);
b) Por que eles precisam saber isso? (motivação);
c) O que eles precisam fazer? (aplicação);
d) Por que eles precisam fazer isso? (inspiração);
e) O que posso fazer para ajudá-los a lembrar? (reiteração).
A expressão “sermão de quatro páginas” foi criada por Paul Scott Wilson, que é
o idealizador deste método. As quatro páginas do sermão, na realidade, são quatro
movimentos distintos da pregação. A estrutura deste tipo de sermão, evidentemente, se
organiza em quatro partes, conforme a síntese elaborada por Souza (2020, p. 20-21):
a) Primeira página: o mundo do texto bíblico, ou seja, uma exposição do texto em
forma narrativa para apontar o problema tratado pelo texto bíblico;
b) Segunda página: o nosso mundo, ou seja, uma aplicação do texto bíblico na nossa
época, explorando na atualidade o problema encontrado na “primeira página”;
c) Terceira página: novamente o mundo bíblico, mas agora apresentando as boas-
novas do evangelho como resposta ao problema individuado nos dois passos
anteriores;
d) Quarta página: novamente o nosso mundo, identificando a ação de Deus na
nossa época.
A vantagem deste tipo de pregação é sua atenção para a graça de Deus no mundo
de hoje, iluminando os problemas concretos das pessoas. Além disso, apresenta a
mensagem de uma maneira simples e compreensível aos ouvintes, mas não renuncia
à leitura profunda da Bíblia.
CAPÍTULO 8
PRINCÍPIOS DE COMUNICAÇÃO
DA MENSAGEM CRISTÃ
usada para transmitir cultura, histórias, mitos e tradições, até se tornar instrumento de
estudo (INTERSABERES, 2016, p. 92-93).
Os instrumentos da escrita também evoluíram: das tábuas de pedra aos papiros,
depois aos pergaminhos e, enfim, ao papel. Um salto significativo na comunicação
da humanidade aconteceu com a invenção da imprensa por parte de Gutenberg em
1454. Nos séculos seguintes, o progresso foi sempre mais impressionante: invenção do
telégrafo (1835), da fotografia (1826), do telefone (1876), do rádio (1900), da televisão
(1924) do computador (1943), da internet (1943) e outras invenções importantes (ZANON,
2021, p. 49-51). Hoje, todos os âmbitos da vida humana (comércio, política, socialização,
religião, etc) podem ser mediados pelos meios de comunicação digital. A evolução da
comunicação foi acompanhada pela crescente capacidade dos povos de configurarem
seu mundo físico e pelo crescente grau de interdependência. Hoje vivemos em uma
“aldeia global”, onde todas as nações estão interligadas (INTERSABERES, 2016, p. 93-94).
Na internet, existe muito material sobre a história dos meios de comunicação, sua
tipologia, classificação entre outras informações interessantes. Sugiro esse artigo
de Paloma Guitarrara, no site do “Brasil Escola”, que apresenta muitas informações
sobre a história das comunicações, além de imagens e estatísticas úteis para
compreender o fenômeno dos meios de comunicação social: https://brasilescola.
uol.com.br/geografia/meios-de-comunicacao.htm
praticado pela Igreja, que busca falar todas as línguas; hoje, inclusive, a linguagem
digital. Por meio desta comunicação universal, o Pentecostes superou a divisão que
se tinha originado no episódio da Torre de Babel (Gn 11,1-9). A partir deste momento,
a Igreja começou a percorrer a terra para comunicar a boa-nova que Jesus trouxe ao
mundo, e essa é a sua missão ainda hoje (ZANON, 2021, p. 20-21).
A teologia da comunicação foi elaborada pela primeira vez na Instrução Pastoral
Communio et progressio da Comissão Pontifícia para a Comunicação Social, em 1971.
Ferreira (1985, p. 318-323) organiza a teologia da comunicação expressa pela Communio
et progressio em cinco pontos, dos quais apresento uma síntese a seguir:
a) Comunicação social e solidariedade humana: a comunicação social e todos
os seus instrumentos têm a função de estabelecer relações sociais, criando
unidade e buscando em conjunto resolver os problemas da humanidade. Esse
é justamente o sentido cristão da comunicação em geral;
b) Participação na obra da criação: os instrumentos de comunicação social são
dons de Deus, ordenados para unir os seres humanos como irmãos para que
colaborem com a Sua vontade salvadora. Deus confiou o cuidado da terra ao
ser humano (Gn 1,26-28) para torná-lo participante da sua obra de criação: a
comunicação é fundamental para realizar este projeto;
c) Modelo trinitário: a comunicação social cria uma consciência comunitária cada
vez maior, pois coloca os homens de lugares diferentes em comunicação. A
ação salvadora de Deus no mundo visa conduzir os seres humanos à comunhão
universal, cuja fonte e modelo é a comunhão trinitária do Pai, do Filho e do
Espírito Santo. Sendo assim, o sentido da comunicação humana é estender no
mundo a comunhão divina;
d) Modelo cristológico: a comunicação humana, em geral (e a comunicação social
em específico), têm o propósito de instaurar comunhão, mas muitas vezes
provoca desunião, discórdia e alienação. Diante da discórdia entre os seres
humanos, fruto do pecado e do afastamento da aliança divina, Deus enviou ao
mundo o seu Filho Jesus Cristo para restabelecer a comunhão dos homens
entre si e dos homens com Deus. Jesus é o modelo perfeito de comunicação
que gera comunhão com Deus, com o próximo e com o mundo;
e) Comunhão e progresso: os instrumentos de comunicação social criam elos de
união e fomentam a comunhão humana, contribuindo, assim, com o progresso
da sociedade e com a consolidação da paz e da justiça. Para que isso realmente
séculos XIX e XX, a posição oficial da Igreja permaneceu a mesma: acolher as novas
formas de comunicação com cautela, censurando tudo o que puder ameaçar a sã
doutrina cristã (FERREIRA, 1985, p. 308-313).
O Concílio Vaticano II acolheu o contributo do Magistério das décadas anteriores e
consagrou, definitivamente, a posição de abertura em relação aos meio de comunicação
modernos, inclusive aqueles que ainda não tinham surgido, desde que todos os meios
de comunicação social fossem usados para o bem dos cristãos e o progresso da
sociedade (FERREIRA, 1985, p. 313-315).
das famílias eram um ambiente de evangelização e celebração, visto que não haviam
templos cristãos (ZANON, 2021, p. 21-24).
ANOTE ISSO
O fórum, nas cidades romanas, era o espaço da política, do comércio e até mesmo
de alguns ritos religiosos, enfim, o local privilegiado da vida social dos cidadãos.
A ágora, nas cidades gregas, desenvolvia este papel, mas era ainda mais aberta e
democrática, favorecendo inclusive o encontro entre culturas. Já o areópago era
um espaço mais reservado para os filósofos, os políticos e a elite da cidade. Por
isso, quando Paulo chegou em Atenas, proclamou o evangelho na ágora, até ser
convocado ao areópago (At 17,1-34). Essas definições são úteis para compreender
o conceito que trataremos mais adiante de “ágora digital”: o novo espaço de
evangelização, marcado pela troca de experiências e culturas.
no púlpito, dentro de uma celebração litúrgica, mantém seu valor insubstituível, mas
não deveria ser a única forma de comunicação na Igreja. Voltando à história, a partir
do século IV, a comunicação predominante era o púlpito. Porém, com o surgimento
dos mosteiros no século XII, muitos monges se dedicam a escrever obras teológicas,
outros a copiar (monges copistas) obras clássicas. Aconteceu, então, a passagem
do púlpito ao estúdio, entendendo como estúdio o espaço criativo da biblioteca e do
local de estudo (ZANON, 2021, p. 43-48).
Este processo foi acelerado pela revolução de Gutenberg (1454), ou seja, a invenção
da imprensa. A Igreja logo fez uso desta forma de comunicação em massa: livros
produzidos e divulgados em grande escala. Realmente, o livro alcança um número
maior de pessoas, em espaços e tempos diferentes, mas é menos relacional que o
púlpito, o qual já era menos relacional que a praça. A comunicação se tornou mais
ampla, mas gerou menos comunhão. Os livros passaram a divulgar ideias e doutrinas
de forma muito mais rápida, possibilitando inclusive os movimentos de Reforma, a
partir de Lutero, Calvino e outros (ZANON, 2021, p. 49-51).
Nos séculos sucessivos, vão aparecendo, aos poucos, todas as outras invenções
que já apresentamos na primeira parte desta aula: telégrafo, telefone, rádio, televisão,
computador, da internet, etc. Com a popularização dos meios de comunicação em
massa, a comunicação deixou de significar comunhão e partilha para indicar difusão
de dados e informações. E a Igreja reagiu de maneira predominantemente negativa
a esta revolução, pois possibilitava a difusão de ideias contrárias à doutrina. Por um
lado, a Igreja promoveu, em todo este período, a arte, a arqueologia e a arquivística,
mas censurou os novos instrumentos de comunicação social. Esta postura mudou
somente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965). A partir de então, a Igreja passou
a buscar um maior diálogo com o mundo e passou a acolher todos os meios de
comunicação modernos como instrumentos válidos para o anúncio e propagação do
evangelho. Esta abertura significou assumir plenamente a lógica do estúdio, ou seja,
a produção de conteúdo evangélico para ser divulgado pelos meios de comunicação
(ZANON, 2021, p. 51-66).
Nas últimas décadas, a situação mudou. Os meios de comunicação modernos (jornais,
cinema, rádio, televisão, etc.) continuam válidos, mas a cultura digital revolucionou a
comunicação. A internet permite uma comunicação muito mais rápida e possibilita a
interação entre as pessoas, diferente dos meios de comunicação anteriores. A Igreja
também adotou as novas tecnologias e as novas linguagens da comunicação, através
da internet e das redes sociais digitais. É a passagem do estúdio à ágora digital. Visto
que este é um campo novo (tem apenas três décadas), ainda não há muita clareza
sobre como a Igreja deve interagir com o mundo digital. Há grupos empolgados que
se lançam completamente na evangelização na ágora digital, outros vão com mais
calma e prudência (ZANON, 2021, p. 80-86). Os documentos do magistério dos últimos
papas têm contribuído para orientar a comunicação cristã nos meios digitais, mas
veremos isso com mais detalhes na aula 10.
Concluindo esta aula, enfatizamos mais uma vez que tudo aquilo que é humano está
envolvido na comunicação. A comunicação gera identidade, cultura, conhecimento,
interação, comunhão e compreensão. Os instrumentos, a linguagem e os meios de
comunicação evoluíram, mas o propósito da comunicação permanece o mesmo:
estabelecer relações. A Igreja sempre utilizou a linguagem e os meios de comunicação
de cada período e de cada lugar no mundo. Hoje temos em nossas mãos uma grande
riqueza quanto às formas e aos instrumentos de comunicação. O importante é saber
usar todos os recursos da comunicação humana para criar pontes, estabelecer relações
solidárias e ampliar a comunhão dos seres humanos com Deus e das pessoas entre si.
CAPÍTULO 9
TEORIA DA COMUNICAÇÃO
E COMO APLICA-SE NA
HOMILÉTICA
Prezadas e prezados estudantes, nesta aula vamos tratar de uma disciplina que
nasceu no último século e vem se expandindo consideravelmente nas últimas décadas:
a Teoria da Comunicação. Evidentemente, não é possível expor em uma aula o conteúdo
de toda a ciência da comunicação, mas podemos tratar de forma breve a sua definição
e a sua história. O objetivo desta aproximação à Teoria das Comunicações é trazer
novas contribuições para a comunicação cristã do Evangelho, particularmente para
a homilia. Por isso, na segunda parte desta aula, vamos aplicar alguns conceitos da
Teoria das Comunicações na homilética; e na terceira parte, apresentaremos alguns
elementos para uma boa comunicação na homilia.
Por mais que a Teoria das Comunicações seja uma disciplina recente, a preocupação
com as comunicações é tão antiga quanto a humanidade. Já na Grécia Antiga,
encontramos uma abordagem acadêmica do fenômeno da comunicação com os
Sofistas, que ensinavam a arte do discurso de persuasão. Por sua vez, os filósofos
clássicos defendiam a discussão racional para dirigir a pólis (retórica clássica). No
entanto, só no século XX aparecem os primeiros estudos específicos sobre o fenômeno
das comunicações.
Os primeiros estudos da comunicação apareceram na Europa, com Otto Groth
(1875-1965) em Estrasburgo (hoje território da França) e a sua “teoria do diário”, um
estudo sobre o jornalismo. Nos anos 1930, nos Estados Unidos, surgiram estudos mais
sistemáticos, dando origem à primeira Teoria da Comunicação propriamente dita: a
Mass Communication Research (Pesquisa da Comunicação em Massa). Os primeiros
pesquisadores foram Paul Lazarsfeld, Harold Lasswell, Kurt Lewin e Carl Hovland, que
buscavam entender o papel dos meios de comunicação e o processo de influência.
Eram estudos financiados por políticos e empresários interessados em ampliar suas
vendas e sua persuasão. Pouco mais tarde, a Segunda Grande Guerra Mundial e a
Guerra Fria promoveram um grande aperfeiçoamento do desempenho e da eficácia
da comunicação através dos meios de comunicação em massa, com fins fortemente
ideológicos (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 37-41).
Nos Estados Unidos, no início do século XX, surgiu também um grupo de
pesquisadores na Escola de Chicago, voltada inicialmente para a pesquisa sobre o
conhecimento e a obtenção de efeitos. Na Europa, se desenvolveu nesta época a Teoria
Crítica ou Escola de Frankfurt, que contrastava a tendência americana, promovendo uma
crítica à mercantilização da cultura e à manipulação ideológica da comunicação em
massa. Na França, no final dos anos 1930, foi criado o Instituto Francês de Imprensa,
que desenvolvia um trabalho de análise morfológica dos jornais, e que mais tarde
se tornou o Centre d’Études des Communications de Masse (Centro de Estudos das
Comunicações em Massa), que refletia sobre a cultura de massa e a ideologia dos
produtos culturais. Também o estruturalismo francês tratou da linguagem dos meios de
comunicação. Na Inglaterra, pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural Studies
(Centro para Estudos Culturais Contemporâneos) da Universidade de Birmingham se
concentravam sobre a produção dos meios de comunicação no contexto das práticas
sociais cotidianas (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 41-42).
Chegamos na América Latina, e aqui as primeiras pesquisas sobre a comunicação
surgiram nos anos 1950 e 1960, com influência das escolas norte-americanas. Esse
quadro mudou nos anos 1970, com intelectuais de formação marxista que passaram
a criticar a tendência imperialista das comunicações, dando origem à “teoria da
dependência”. Eles trouxeram a proposta de uma nova prática comunicativa: a
comunicação horizontal ou participativa. Neste período, em todo o planeta se busca
uma nova ordem internacional de comunicação e uma democratização dos meios. Nas
últimas décadas, muitas dessas teorias foram superadas, outras foram reconfiguradas,
mas todas deixaram um grande legado e colocaram as bases para o estudo da
comunicação (FRANÇA; SIMÕES, 2016, p. 42-43).
Falando de maneira muito simplista e generalizada, as teorias que se desenvolveram
ao longo do século XX pensavam o processo comunicativo como uma transmissão
de mensagens de um emissor para um receptor. As teorias das últimas décadas
questionam essa matriz de pensamento, e começam a ver o processo comunicativo
como algo mais complexo: não basta considerar os componentes da comunicação
(mensagem, emissor, receptor e meio), mas é preciso prestar atenção às diversas
relações que se estabelecem entre tais elementos.
Como vimos nas primeiras aulas, a homilética é a arte de preparar sermões, usando
técnicas próprias desta disciplina. Sendo assim, a homilética é também um ato de
comunicação, ou seja: um caminho por onde determinado conteúdo pode ir do emissor
para o receptor. A homilética mostra os diferentes tipos de mensagem para diferentes
públicos, estabelece regras, corrige vícios, indica ações para a exposição do sermão,
em uma palavra: orienta para a forma adequada de comunicar (INTERSABERES, 2016,
p. 137-138).
Todo ato de comunicação tem por objetivo a transmissão de uma mensagem. Nesse
processo, é necessário um objeto (a mensagem mesma), um referente (o conteúdo da
mensagem), um emissor, um receptor e um canal por meio do qual a mensagem passa.
No caso da homilia, o emissor é o pregador do Evangelho; o receptor é a comunidade
dos ouvintes da Palavra de Deus; o objeto é a mensagem cristã transmitida; o canal
é composto por meios sonoros (a pregação pronunciada) e meios visuais (gestos,
aparência, expressões, símbolos, etc.) (INTERSABERES, 2016, p. 139).
Outros conceitos importantes da Teoria da Comunicação são esses: o código é o
conjunto de signos e suas regras de comunicação; o signo é composto pelo significante
(imagem) e o significado (conceito), que são objeto de estudo da semiologia; o referente
é o assunto ou conteúdo da mensagem. Qualquer falha nesse sistema de comunicação
impedirá a perfeita captação da mensagem. O obstáculo que atrapalha a comunicação
se chama ruído, o qual pode ser provocado pelo emissor, pelo receptor ou pelo canal.
Na homilia, por exemplo, se o pregador (emissor) usa uma linguagem muito técnica,
incompreensível para a maioria dos ouvintes (receptores), a comunicação não se
realizará, pois haverá um “ruído” que parte do emissor e está relacionado ao referente
(INTERSABERES, 2016, p. 139-140).
Os níveis de linguagem são as variações referentes ao uso da linguagem pelo mesmo
falante, de acordo com a variedade de situações. A eficiência do ato de comunicação
está ligada ao adequado nível de linguagem. Além dos diferentes níveis, existem as
variantes linguísticas, ou seja, variações na utilização de uma determinada língua. As
variantes linguísticas dependem de influências geográficas (variações regionais),
sociológicas (diferentes classes sociais), ou contextuais (dependendo do assunto,
do ouvinte e das circunstâncias). As variantes socioculturais correspondem aos níveis
de linguagem: os três níveis de linguagem (culta, familiar e popular) dependem da
situação sociocultural. Também podem ser chamados de dialetos sociais: dialeto culto,
comum ou popular.
Aplicando esses conceitos à realidade, vemos que a linguagem culta é usada pelas
classes intelectuais em ambientes diplomáticos, científicos, ou em discursos e sermões.
A linguagem familiar é usada em contexto menos formal e mais cotidiano, incluindo o
rádio, a televisão e os meios de comunicação em massa, na forma oral ou escrita. E
a linguagem popular é utilizada pelas pessoas com menos escolaridade, normalmente
na forma oral, acompanhada por gírias e regionalismos, sem preocupação com regras
gramaticais formais (INTERSABERES, 2016, p. 141-142). O registro usado em uma
homilia é a linguagem culta, mas é preciso destacar que isso não significa linguagem
difícil ou técnica, significa apenas que se trata de um uso bastante preciso da linguagem.
Enfim, aplicando o modelo mais recente de Teoria da Comunicação, ou melhor,
o paradigma relacional, precisamos ir além do imaginário comum da homilia como
um monólogo, no qual o emissor (pregador) comunica uma mensagem através de
palavras e gestos (meios) a um grupo de receptores (comunidade). Na verdade, todos
interagem neste processo. Como vimos na aula 6 sobre “o preparo e a ministração
do sermão”, o pregador deve ouvir o povo, suas necessidades, suas esperanças, suas
perguntas, suas provações, suas alegrias. Sendo assim, o emissor é também receptor
e vice-versa. O meio também determina o conteúdo da mensagem: quais palavras e
quais gestos são escolhidos? Além da homilia, existem outros meios para comunicar
o evangelho: quando o evangelizador escolhe determinada rede social para mediar
sua mensagem, essa escolha por si só já está comunicando alguma coisa e já está
indicando quem será o público alvo. Em poucas palavras: tudo comunica. A pregação
do Evangelho não é unilateral, mas acontece em uma rede de intercâmbios contínuos,
que caracteriza o processo comunicativo.
Figura 2: Empatia
Fonte: https://psychology-spot.com/what-is-empathy/
A partir desta síntese, fica claro que uma “boa homilia” não depende apenas
dos aspectos verbais, mas a linguagem não verbal também é fundamental para a
boa comunicação. A demonstração de empatia, de convicção e credibilidade, por
exemplo, não acontece apenas por meio de palavras, mas também pela postura,
pelas expressões, pelo comportamento, pelo exemplo de vida, etc. Tudo isso amplia
a eficácia da comunicação na homilia e na vida.
A comunicação depende, como já vimos, do emissor, do canal e do receptor. Neste
sentido, o pregador deve ter em conta os novos púlpitos e os novos públicos. Além
do púlpito como local simbólico e teológico da proclamação da Palavra nas igrejas,
existem novos espaços onde a Palavra de Deus pode ser proclamada a novos públicos.
Os meios de comunicação social, também chamados por João Paulo II de “novos
areópagos”, constituem um importante púlpito para a evangelização hoje, incluindo
o jornal, a televisão, a internet, a mass media, etc. O mundo da cultura também é um
púlpito importante. O espaço da caridade continua sendo sempre um canal fundamental
de evangelização. Em cada um desses “púlpitos” há uma linguagem diferente e um
público diferente a ser alcançado pelas muitas linguagens da Igreja (RIGO, 2012, p.
106-109).
Em síntese, nesta aula vimos como a Teoria das Comunicações vem se definindo
e se desenvolvendo. Também fizemos a aplicação de alguns conceitos fundamentais
desta teoria à homilética. Nesta parte, vimos como existem vários elementos que
interagem no processo de comunicação e precisam ser levados em conta no momento
CAPÍTULO 10
EVANGELIZAÇÃO NOS MEIOS
DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A instrução Ética nas Comunicações Sociais (2000, n.º 1-2) começa afirmando que
os mass media servem tanto para o bem quanto para o mal: por trás existem pessoas
que decidem como usá-los. Estas opções éticas não dependem apenas daqueles
que usam os meios de comunicação, mas especialmente daqueles que controlam
tais instrumentos e determinam suas estruturas, linhas de conduta e conteúdo. O
problema é que as pessoas não só usam os meios de comunicação para transmitir ou
receber informações, mas com frequência identificam a própria vida com a experiência
mediática. O conteúdo dos mass media são tão diversos que permitem criar laços de
fraternidade, por um lado, ou criar isolamento e narcisismo, por outro lado.
Além dessas questões éticas, o documento lembra que a Igreja tem como missão
no mundo anunciar o Evangelho até o fim dos tempos (Mt 28,19-20; Mc 16,15), e os
mass media podem ser muito úteis para cumprir esta missão. E destaca o aspecto
Apesar de todo benefício da comunicação social, a instrução adverte que ela também
pode violar o bem da pessoa. Os mass media podem alienar, marginalizar ou isolar os
indivíduos; podem propagar valores falsos e destruidores, fomentando a hostilidade
e o conflito; ou difundir informações falsas e desinformação. Além disso, é comum
ver na internet ataques relacionados à raça, à etnia, ao sexo, à religião, etc. No campo
econômico, o mass media exalta os mais ricos e humilha os pobres. No aspecto político,
pode servir para manipular as pessoas em vista de uma ideologia. Quanto à cultura,
pode promover a corrupção, a desumanização, a pornografia e outros padrões culturais
contrários ao Evangelho. No aspecto religioso, pode dar espaço ao secularismo, ao
relativismo, ao fundamentalismo ou à intolerância religiosa. Em poucas palavras, os
mass media podem ser utilizados para o bem ou para o mal, tudo depende da escolha
humana (Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 13-19).
Diante disso, o documento procura estabelecer alguns princípios éticos relevantes.
Destaca, antes de tudo, que os princípios e normas éticas de outros campos também
se aplicam à comunicação social, especialmente os princípios da ética social: a
solidariedade, a subsidiariedade, a justiça, a equidade e a credibilidade. Todavia, a
ética na comunicação social não está interessada só naquilo que aparece (o conteúdo
e o modo de se comunicar), mas também nas questões de estruturas e sistemas:
a distribuição da tecnologia da comunicação não é igualitária; o lucro muitas vezes
está acima do interesse público e do bem comum (Ética nas Comunicações Sociais,
2020, n.º 20). Por isso, a instrução propõe alguns princípios éticos, conforme a síntese
a seguir:
• Princípio ético fundamental: “a pessoa e a comunidade humanas são a finalidade
e a medida do uso dos meios de comunicação social; a comunicação deveria
fazer-se de pessoa a pessoa, para o desenvolvimento integral das mesmas”
(Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 21). Para que o desenvolvimento
integral aconteça, é preciso distribuir com equidade os bens físicos, intelectuais,
emocionais, morais e espirituais;
• O segundo princípio complementa o primeiro: “o bem das pessoas não pode
realizar-se sem o bem comum das comunidades às quais elas pertencem”
(Ética nas Comunicações Sociais, 2020, n.º 22). Em um mundo globalizado,
isso significa buscar o bem de todas as comunidades do mundo, evitando de
colocar um grupo contra outro.
a sua visão da pessoa humana, da sua dignidade e de seus direitos invioláveis; e sua
visão de comunidade humana, na qual todos os membros estão unidos por laços de
solidariedade e pela busca do bem comum (Ética nas Comunicações Sociais, 2020,
n.º 29-30).
As instituições religiosas não devem apenas zelar pelo uso ético dos mass media,
mas devem também buscar dar exemplo de um bom uso. Em outras palavras, a Igreja
tem a missão de usar os mass media para:
O comunicador cristão tem a tarefa profética de falar contra os falsos deuses e ídolos
do nosso tempo (materialismo, hedonismo, consumismo, nacionalismo exasperado,
etc.). Ele também deve anunciar a verdade do Evangelho quanto à dignidade e aos
direitos humanos, quanto à opção preferencial pelos pobres, o destino universal dos
bens, o amor pelos inimigos e o respeito incondicional pela vida humana desde a
concepção até à morte natural. O modelo de todo comunicador cristão é o próprio
Jesus, o qual pregava a solidariedade, a justiça, o amor, o perdão e a verdade acerca
da vida humana e do seu destino em Deus (Ética nas Comunicações Sociais, 2020,
n.º 31-33).
A instrução Igreja e Internet (2002, n.º 3-4) afirma que a Igreja tem uma finalidade
dúplice quanto aos mass media: encorajar seu progresso e seu uso correto, em vista
do desenvolvimento da justiça, da paz e da humanidade; e a comunicação da Palavra
e do amor de Deus através destes meios. Neste sentido, os meios de comunicação
em massa são um excelente instrumento, uma dádiva divina, para criar comunhão e
evangelizar. Não se trata apenas de difundir a mensagem cristã através dos novos
meios, mas de integrar essa mensagem na “nova cultura”, visto que os mass media
não são apenas instrumentos de comunicação, mas espaço de experiência humana.
Anunciar o Evangelho através dos meios de comunicação modernos significa alcançar
ouvintes em todas as partes do planeta ao mesmo tempo, uma situação inimaginável
aos evangelizadores dos séculos precedentes, mas que agora está disponível para
nós. Por isso, não há justificativas para este instrumento tão valioso.
A principal comunicação da Igreja é o anúncio do Evangelho aos seres humanos do
nosso tempo. Isso implica testemunhar a verdade divina quanto ao destino transcendente
da pessoa humana; pregar a união diante de conflitos e divisões; tomar posição pela
justiça e pela comunhão entre os povos, nações e culturas. Para cumprir esta missão,
a Igreja dispõe hoje de um instrumento precioso, que é a internet. Por meio deste
instrumento, é possível oferecer acesso imediato a importantes recursos religiosos
e espirituais, aos lugares de culto, aos documentos do Magistério, aos escritos dos
Padres, e até mesmo incentivar a caridade para quem está distante. A internet tem a
capacidade de ultrapassar a distância e o isolamento, criando comunidade de pessoas
que partilham a mesma fé. É verdade que nada substitui a comunidade interpessoal
concreta, os sacramentos, a liturgia e a proclamação imediata do Evangelho, mas os
mass media podem completar esta atividade da Igreja e enriquecê-la (Igreja e Internet,
2002, n.º 5).
Todos sabemos que a Igreja utiliza, largamente, os mass media para evangelizar.
Além do rádio e da televisão, na atualidade, as redes de relacionamento social
entraram decididamente neste plano de evangelização. A questão é: qual tem sido
a eficácia desta nova forma de evangelização? Neste artigo de Thamiris Magalhães
de Souza, são apresentados alguns dados de uma pesquisa sobre o impacto real
da presença da Igreja nas redes sociais. O resultado sugere que a Igreja precisa
requalificar sua presença nas redes de comunicação, por meio de formações
voltadas para essa área, para realmente alcançar mais pessoas. Para ler o artigo
completo, acesse:
https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/3881-thamiris-magalhaes-de-sousa-1
meios digitais e promover uma solidariedade global; fortaleza e coragem para anunciar
a verdade do Evangelho diante do relativismo religioso e moral; e temperança para
usar a internet somente para o bem (Igreja e Internet, 2002, n.º 10-12).
CAPÍTULO 11
A COMUNICAÇÃO HOJE:
NOVA EVANGELIZAÇÃO
Prezadas e prezados estudantes, o tema desta aula está em continuidade com a aula
precedente: estamos ainda falando da comunicação do Evangelho no contexto atual. Na
aula anterior, o enfoque era sobre a evangelização através dos meios de comunicação
social; nesta aula vamos um pouco além e falaremos da Nova Evangelização em geral,
que inclui os meios de comunicação modernos. Na primeira parte da aula vamos definir
o que é a Nova Evangelização, dando destaque ao envolvimento de todos os cristãos e
ao seu aspecto missionário. E na segunda parte apresentaremos os âmbitos da Nova
Evangelização. Dois documentos recentes da Igreja, dedicados a este tema, vão guiar
a nossa reflexão: o documento da IV Conferência Episcopal Latino Americana (CELAM)
em Santo Domingo, no ano de 1992; e a exortação apostólica Evangelii Gaudium de
papa Francisco, promulgada em 2013.
novas interpelações se fazem aos cristãos e aos quais é urgente responder” (IV CELAM,
1992, n.º 24).
No contexto da América Latina, a Nova Evangelização surge como resposta à
separação entre fé e vida, que produziu situações de injustiça, desigualdade social e
violência. O sujeito da Nova Evangelização é toda a comunidade eclesial. A finalidade
é formar pessoas e comunidades maduras na fé, além de dar respostas à situação de
mudanças sociais e culturais na modernidade. Os destinatários são os grupos sociais,
as populações, os ambientes de vida e de trabalho marcados pela ciência, pela técnica
e pelos meios de comunicação social. E o conteúdo é Jesus Cristo, o seu Evangelho,
o seu amor misericordioso e a sua ressurreição que traz vida nova a todos nós (IV
CELAM, 1992, n.º 24-27).
A Nova Evangelização é nova em seu ardor, em seus métodos e em sua expressão.
Em seu ardor, porque precisamos renovar nosso ardor apostólico, conformando-nos
sempre mais com Jesus Cristo. Em seus métodos, porque as novas situações exigem
novos caminhos para a evangelização. Em sua expressão, porque é preciso proclamar
o Evangelho com uma linguagem próxima das novas realidades culturais (IV CELAM,
1992, n.º 29-30).
Na exortação apostólica Evangelii Gaudium (2013, n.º 1-2), papa Francisco começa
convidando os cristãos a uma nova etapa evangelizadora marcada pela alegria de
anunciar o evangelho. A alegria é uma forma de comunicação não verbal e certamente
comunica mais do que as palavras: quem recebe um anúncio com alegria tende a
aderir à mensagem recebida com mais disposição do que um anúncio feito sem
emoção. Mas não se trata de qualquer alegria, e sim a “alegria do evangelho”, ou seja,
a alegria do encontro da pessoa com Jesus, que transforma a sua vida. Essa alegria
contrasta com a tristeza individualista que é fruto da busca desordenada de consumo
e dos prazeres superficiais.
ANOTE ISSO
se concretiza como uma partilha, um testemunho, uma atitude humilde, uma palavra
amiga conduzindo o ouvinte a Deus (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 127-129).
O Espírito Santo inspira carismas diferentes na Igreja, não para competirem entre
si, mas para formarem um corpo harmônico. Um sinal claro da autenticidade de
um carisma é a sua capacidade de integrar-se à vida da Igreja e contribuir para a
comunhão. As diferenças entre as pessoas e as comunidades às vezes podem parecer
incômodas, mas é preciso compreender que o Espírito suscita a diversidade para realizar
a unidade. Por isso, na evangelização, precisamos estar sempre abertos ao diferente,
sem provocar divisões nem uniformismos (Evangelii Gaudium, 2013, n.º 130-131). O
Espírito distribui carismas diferentes para as diversas missões dentro da Igreja, mas
todos são igualmente chamados a evangelizar com seus dons específicos.
Figura 1: 13ª Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos no Vaticano (7 a 28 de outubro de 2012)
Fonte: https://www.cnbb.org.br/integra-da-mensagem-final-do-sinodo/
processo exige uma dedicação particular dos teólogos e das universidades, para que
promovam um diálogo entre a fé e as diversas ciências. Nasce, assim, a evangelização
interdisciplinar, que tem um grande valor no mundo de hoje (Evangelii Gaudium, 2013,
n. 132-134).
A inculturação do Evangelho nas escolas e universidades impõe aos educadores
cristãos um compromisso não só com a educação técnica e científica, mas também
com a educação para os valores humanos e cristãos. Neste contexto, a evangelização
passa pela luta para garantir a todos o acesso à educação; promover a educação
humanística; superar a distância entre educação civil e educação religiosa; favorecer a
formação de educadores cristãos que atuam nas escolas e universidade; entre outras
iniciativas (IV CELAM, 1992, n.º 263-278).
A comunicação social é um desafio e um instrumento precioso para a evangelização.
O documento de Santo Domingo reafirma um princípio que já vimos várias vezes:
a comunicação é um caminho fundamental para a comunhão. A evangelização, a
promoção humana e a cultura encontram nos meios de comunicação social um
instrumento importante. A Igreja precisa estar presente nos meios de comunicação
modernos, tanto para anunciar o Evangelho, quanto para defender uma distribuição
justa dos recursos de comunicação para todos, ricos e pobres. Para isso, é preciso
olhar com especial atenção a formação de comunicadores cristãos profissionais; e
pensar em uma pastoral orgânica, que integre as outras dimensões da pastoral com
o mundo das comunicações sociais (IV CELAM, 1992, n.º 279-286).
O seguimento de Cristo implica viver segundo o seu estilo. A fé no Deus que Jesus
pregou e o amor aos irmãos precisam se concretizar em obras concretas. Essa
coerência entre fé e vida foi recomendada por São Tiago, em sua carta, com palavras
veementes: “a fé, se não tiver obras, está morta em seu isolamento” (Tg 2,17). A falta
de coerência entre a fé que se professa e a vida cotidiana traz graves consequências,
e a principal delas é a enorme pobreza e a desigualdade social exatamente em países
que se professam cristãos, como muitas nações da América Latina (IV CELAM, 1992,
n.º 159-161).
CAPÍTULO 12
CONCEITO DE RETÓRICA
E ORATÓRIA
Caros estudantes, nesta aula vamos introduzir um novo tema, que será desenvolvido
nas próximas aulas: a retórica. Nesta aula, começaremos definindo a retórica e um outro
conceito intimamente ligado a ela: a oratória. Além de definir, vamos ver brevemente
como estes dois conceitos nasceram e se desenvolveram, e estudaremos alguns
temas ligados a ambos os conceitos, como os atos retóricos, a relação entre oratória
e outras disciplinas, e assim por diante. Particularmente importante é a relação entre
retórica, oratória e homilética: faremos alguns acenos nesta aula, mas aprofundaremos
esta relação nas próximas aulas.
12.1 A Retórica
A disciplina da retórica é muito ampla e não seria possível apresentar todos os seus
aspectos em uma aula, por isso selecionamos alguns temas fundamentais para fazer
desta aula uma breve introdução à retórica: definição de retórica, seu desenvolvimento,
e o conceito de ato e propósito retórico – que é a retórica colocada na prática.
12.1.1 Definição
social ou persuasão. Por isso, Aristóteles definia retórica como a habilidade de dispor
dos meios de persuasão necessários em cada situação (CAMPBELL, 2015, p. 7).
A partir da definição aristotélica, somando com outras contribuições, Campbell
(2015, p. 10) define a retórica com essas palavras:
Outra questão importante para definir o campo da retórica é a sua relação com
a filosofia. A discussão sobre a relação entre essas duas disciplinas foi proposta
por Sócrates e Platão, em sua polêmica com os sofistas, afirmando a superioridade
da filosofia. Para eles, a retórica é relativista, pois busca convencer, mas não se
compromete com a verdade. No entanto, é preciso acrescentar que a retórica é um
excelente instrumento para comunicar a verdade. A retórica oferece a técnica e os
instrumentos para convencer quanto a uma verdade que lhe é externa. A filosofia,
segundo o entendimento clássico de Sócrates, Platão e Aristóteles, busca a verdade,
mas este não é o campo da retórica. Aqui as duas disciplinas se distinguem. No caso
da retórica, o compromisso com a verdade não está em suas regras internas, mas
no compromisso ético do comunicador. A responsabilidade do comunicador é que
diferencia um verdadeiro orador de um demagogo (SPANG, 2005, p. 24-25).
12.1.2 Desenvolvimento
Campbell (2015, p. 11) define ato retórico como “uma tentativa intencional, criada e
trabalhada para superar os desafios em uma dada situação, com um público específico,
Talvez o âmbito que mais usa a retórica atualmente seja justamente a publicidade,
cujo objetivo é claramente influenciar e convencer determinado público a comprar
certo produto ou serviço. A publicidade conjuga linguagem oral, escrita e imagem.
Com sua linguagem alusiva, a publicidade associa um produto ou serviço a
experiências prévias do receptor, e isso garante a sua eficácia. Em poucas
palavras, a publicidade cumpre perfeitamente o processo retórico de influência que
descrevemos acima. Para aprofundar o tema, veja-se:
https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/publicidade-linguagem-para-
convencer.htm
12.2 A Oratória
impulso de converter sempre mais pessoas a seguir este caminho, e para alcançar
esse objetivo foi necessário lançar mão de técnicas de convencimento, ou seja, a
retórica. Nenhuma religião desenvolveu tanto o discurso religioso como o cristianismo
(INTERSABERES, 2016, p. 89).
Temos também a relação entre oratória e eloquência. O termo “eloquência”
vem do latim eloquentia, que significa “elegância no falar”, “ falar bem”, garantindo
sucesso na comunicação e na capacidade de convencer. A eloquência é a soma
das qualidades do orador, qualidades necessárias para convencer e persuadir.
Não tem nada a ver com enganar, como alguns imaginam. A capacidade de
convencer e persuadir é necessária para quem fala em público, pois do contrário
não seria ouvido. Trata-se de ser agradável aos ouvidos e aos olhos do público.
A eloquência serve para expressar pensamentos com graça, equilíbrio, harmonia
e perspicácia de tempo e lugar. Sem isso, o discurso público seria pesado e nada
atrativo (INTERSABERES, 2016, p. 90).
Algumas pessoas são naturalmente eloquentes, mas é possível aprender a eloquência
por meio de técnicas discursivas. Não só o falar deve ser eloquente, mas também os
gestos, o olhar, a mímica facial, a expressão de sentimentos, etc. A persuasão pode
estar também na força da mensagem, como Paulo afirma na carta aos Coríntios:
“minha palavra e minha pregação nada tinham da persuasiva linguagem da sabedoria,
mas eram uma demonstração de Espírito e poder” (1Cor 2,4). Eis alguns elementos
necessários para ter eloquência no modo de falar: estudar profundamente o assunto
a ser exposto; conhecer o público ouvinte; adaptar-se ao tipo de reunião e ao nível
dos ouvintes; ser objetivo; e utilizar a linguagem adequada – no caso da homilia, a
linguagem bíblica (INTERSABERES, 2016, p. 91).
A relação entre oratória e retórica é essencial para ambas. A retórica, como já
vimos, é a arte de falar e escrever bem, tendo como alvo persuadir os ouvintes.
Em outras palavras, é o estudo teórico e prático das regras que desenvolvem
e aperfeiçoam o talento de falar e convencer, baseando-se na observação e no
raciocínio. A retórica precisa da oratória, da lógica e da eloquência para alcançar
seu objetivo: a oratória para expressar um conteúdo de forma adequada; a lógica
para garantir a clareza da exposição; e a eloquência para persuadir. Sendo assim,
a retórica auxilia na preparação de um discurso para que ele alcance o seu alvo
(INTERSABERES, 2016, p. 92).
recentes sugerem que os homens são mais propensos a aceitar uma exposição com
dados lógicos, enquanto mulheres aceitam mais facilmente as intuições, pois têm
uma sensibilidade intuitiva maior. Quanto à idade, é importante diferenciar o público
infantil, juvenil, adulto e ancião. Quanto ao nível sociocultural e intelectual, o discurso
pode variar segundo o nível de escolaridade e até mesmo segundo a classe social
do auditório: não se trata de julgar o público, mas de ter perspicácia para adaptar
o discurso. Normalmente o auditório é heterogêneo: o equilíbrio é sempre o melhor
caminho (INTERSABERES, 2016, p. 102-103).
Em síntese, nesta aula definimos a retórica essencialmente como a arte de falar
bem, e a oratória como a arte de falar em público. Vimos que a retórica é mais ampla
que a oratória, mas ao mesmo tempo necessita da oratória, que é uma de suas
partes fundamentais. Percebemos que a retórica está presente na vida, em todos
os processos de influência e convencimento. Aqui entra também a oratória com sua
capacidade persuasiva. Destacamos que a homilética é a oratória cristã, desenvolvida
particularmente para auxiliar na elaboração e na execução de sermões. E tratamos
brevemente do desenvolvimento da retórica e da oratória no período greco-romano
(retórica clássica) e no cristianismo (retórica sagrada). Na próxima aula, aprofundaremos
o significado da retórica clássica e sagrada.
CAPÍTULO 13
RETÓRICA CLÁSSICA
E RETÓRICA BÍBLICA
Para a nossa breve apresentação da retórica clássica, vamos começar com uma
panorâmica histórica, considerando os principais autores gregos e latinos. Em seguida,
vamos tratar da elaboração do discurso retórico em suas diversas fases.
é o grande personagem dos seus diálogos. Para ele, a retórica deve ser serva da ética
para manter seu valor (SPANG, 2005, p. 44-45).
O maior expoente da retórica clássica provavelmente é Aristóteles (384-322 a.C.),
cuja influência alcança inclusive as teorias linguísticas modernas. Ele foi discípulo de
Platão e professor de Alexandre, o Grande, mas claramente se afastou da impostação
platônica quanto à retórica. O seu livro A Retórica sintetizou e inovou os estudos de
retórica do seu tempo, tornando-se um guia sobre a arte da palavra, que influenciou
todo o desenvolvimento sucessivo da retórica. Para Aristóteles, a persuasão é um meio
necessário para expor qualquer assunto. Ele une a retórica e a poética, postulando que
o poeta deve conhecer as normas técnicas da retórica. No entanto, a retórica não está
vinculada à episteme (conhecimento), mas à doxa (opinião), ou seja, a sua função não
é demonstrar a verdade mas convencer. A doutrina retórica de Aristóteles recolhe os
meios de persuasão que o orador precisa usar no discurso forense e político. Todavia,
a retórica não é uma ciência particular e independente, mas uma disciplina que precisa
de outros saberes para ter um conteúdo (SPANG, 2005, p. 45-46).
Deixando o mundo grego, o primeiro grande representante da retórica latina foi
Cícero (106-43 a.C.), que levou a eloquência romana a seu mais alto grau artístico.
Sua obra prima no campo da retórica foi De inventione rhetorica, à qual se seguiu
De oratore, Brutus, Orator e De oratore y Orator. Cícero procurou conciliar filosofia e
retórica: a necessidade de conhecer é tão importante quanto a capacidade de falar. O
orador perfeito deve buscar conhecimentos jurídicos, administrativos e filosóficos para
poder falar com estilo e justiça. A habilidade com as artes não depende apenas do
domínio das regras, mas pressupõe também a capacidade inata, o estudo, a imitação
dos modelos clássicos e a formação sólida em geral. Para Cícero, os ornamentos de
um discurso devem ser definidos segundo o assunto tratado e o efeito desejado; e o
critério para a avaliar um discurso é funcional, ou seja, se julga a partir do seu efeito
e da sua utilidade (SPANG, 2005, p. 49-50).
Figura 1: Estátua de mármore do filósofo romano Cícero, Palácio da Justiça (Roma, Itália)
Fonte: https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2012/08/c%C3%ADcero_348869849.jpg
Depois de Cícero, temos ainda alguns expoentes da retórica clássica, como Quintiliano
(35-95 d.C.), mas, aos poucos, a eloquência entrou em decadência. De fato, a retórica
subsiste apenas onde há democracia, por isso com o fim da República Romana e o
início do período imperial no ano 27 a.C., a retórica foi perdendo espaço, pois não era
mais necessário promover debates públicos. A retórica passou a ser estudada na
escola e se tornou “declamação” romana, longe do calor do debate que havia gerado
os gênios da retórica. Durante a Idade Média, a retórica ocupava um lugar central
na educação, e chegou à Idade Moderna com certo prestígio, mas muito artificial.
O Positivismo rejeitou a retórica em nome das verdades científicas; o mesmo fez o
Romanticismo, porque só valorizava a sinceridade contra todo artifício retórico. Em
1885, a retórica deu lugar ao estudo da História das literaturas grega e latina, no
ensino francês (FERREIRA, 2010, p. 45). Aos poucos, todos os sistemas de educação
do Ocidente fizeram o mesmo, e a retórica passou a ser estudada como algo do
passado, até seu renascimento como “nova retórica”, mas trataremos deste assunto
na última aula.
ANOTE ISSO
Seguindo este esquema de cinco partes, temos uma visão de conjunto da organização
interna do processo retórico. Através deste processo, chega-se à formulação e
execução de um discurso retórico, que se distingue de outros tipos de discurso pela
sua capacidade persuasiva.
A retórica bíblica é largamente semítica e não tem muitos contatos com a retórica
greco-romana, especialmente durante o período do Antigo Testamento. Meynet (2008, p.
23) considera duas características essenciais da retórica bíblica em geral: a binariedade
e a parataxe.
A binariedade consiste na apresentação de termos, ideias e discursos em duas
partes. Isso acontece a nível linguístico e gramatical em expressões hebraicas como
“morrer morrerás” (Gn 2,17) para significar “certamente morrerás”; ou “ouvir ouvirás” (Es
15,26) para dizer “se ouvires atentamente”. No Novo Testamento, em grego, aparecem
expressões como “vigiar as vigílias da noite” (Lc 2,8). Aqui entram também as duplas
de palavras sinonímicas, como “justiça e direito” (Sl 33,5). Os merismas são um caso
particular deste fenômeno: para indicar a totalidade do mundo se diz “o céu e a terra”
(Sl 115,15); para dizer todos, “pequenos e grandes” (2Cr 36,18). E as hendíadis (dois
sinônimos da mesma classe gramatical colocados lado a lado) são frequentes no
texto hebraico: “Ele distribuiu deu aos pobres” (Sl 112,9) com o sentido de “ele distribui
largamente aos pobres” (MEYNET, 2008, p. 23-25).
Também a nível de discurso se observam as estruturas binárias, quando as duplas de
palavras aparecem nos extremos das frases, dando uma estrutura. Exemplo: “Os céus
são os céus do Senhor / mas a terra, ele a deu para os filhos dos homens” (Sl 115,16).
Ou palavras paralelas em versículos diferentes, sempre indicando uma estrutura: “O
mar viu e fugiu, o Jordão voltou atrás; os montes saltaram como carneiros, e as colinas
como cordeiros” (Sl 114,4). Neste caso, a dupla “mar” e “Jordão” contrastam a dupla
“montes” e “colinas”, criando uma composição paralela. A binariedade está na forma
É evidente que Jesus não usava a retórica como os grandes autores clássicos
gregos e romanos, nem sabemos se ele chegou a conhecer a retórica clássica. No
entanto, é inegável a capacidade de Jesus de atrair multidões para ouvir seus discursos,
conforme a narração dos evangelhos. Esta capacidade de envolver, convencer e levar
as pessoas a agirem de modo diferente nada mais é que o efeito de uma excelente
oratória.
Jesus, como orador público, uniu dois instrumentos difíceis de serem conciliados
na oratória: convicção e sensibilidade. Ele anunciava sua mensagem com firmeza,
mas ao mesmo tempo com grande atenção às necessidades das pessoas. O mais
interessante é que o público de Jesus era muito heterogêneo: homens, mulheres,
crianças, anciãos, povo simples, letrados, soldados romanos, líderes religiosos judeus,
etc. E todos compreendiam a sua mensagem (INTERSABERES, 2016, p. 85-87).
Entre as técnicas comunicativas de Jesus, a que mais se destaca é o uso de
parábolas, ou seja, histórias fictícias que narram coisas que poderiam acontecer a
todos, inclusive a seus ouvintes. Este tipo de narrativa tem alta potencialidade de
prender a atenção de todo o auditório, e quando todos estão envolvidos Ele lança sua
mensagem, interpretando ou sugerindo a interpretação da história narrada.
Outra característica da oratória de Jesus é a sua capacidade de adaptar o discurso
para falar a cada tipo de ouvinte: às donas de casa falava de farinha misturada ao
fermento (Mt 13,33) ou da moeda perdida dentro de casa (Lc 15,8-10); aos pescadores
afirma que anunciar o evangelho é como pescar seres humanos (Mt 4,19) e que o
Reino dos Céus é como uma grande pescaria (Mt 13,47-53); aos pastores comparava a
misericórdia de Deus com o trabalho de cuidar das ovelhas (Lc 15,4-7); aos agricultores
fala do plantio do grão de mostarda e do trigo (Mt 13,2432); e assim por diante.
Enfim, o discurso de Jesus é muito mais prático do que teórico, e isso explica a
sua eficácia concreta. Seu discurso é prático, antes de tudo, porque trata de questões
do cotidiano das pessoas, como vimos acima. Mas, sobretudo, porque conduz a uma
ação dos ouvintes: “Vai, e também tu, faze o mesmo” (Lc 10,37); “todo aquele que ouve
essas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado ao homem insensato…”
(Mt 7,26). É verdade que não encontramos nos discursos de Jesus, transmitidos nos
Evangelhos, uma aplicação sistemática da retórica, mas está claro que a sua oratória
cumpriu perfeitamente o propósito da retórica: convencer os ouvintes a agir de uma
nova maneira.
O autor bíblico que mais empregou a arte retórica em seus escritos certamente
foi Paulo de Tarso. Suas cartas revelam um real conhecimento de algumas regras e
práticas da retórica grega. Para identificar alguns elementos da retórica paulina, que
se inspira na retórica clássica, vamos seguir o estudo feito por Porter (2001, p. 533-
585). A análise retórica é um dos métodos de exegese aplicados atualmente às cartas
paulina justamente porque Paulo aplicava certos artifícios retóricos em seus escritos.
Antes de tudo, a arte retórica é usada, em geral, para persuadir, e Paulo procura
constantemente persuadir seus ouvintes/leitores judeus e gregos de que Jesus é o
salvador de todos eles, e isso é particularmente visível na Carta aos Romanos. Nesta
carta, Paulo traz argumentos do tipo forense, demonstrativo e também deliberativo,
ou seja, os três principais tipos de discurso retórico (PORTER, 2001, p. 568-569).
A estrutura das cartas segue a disposição dos discursos retóricos que vimos na seção
13.1.2: abertura (exordium), corpo (narratio e argumentatio) e fechamento (peroratio).
Na abertura das cartas, normalmente encontramos saudações e ação de graças, que
corresponde à tentativa de estabelecer contato com os destinatários, despertando
interesse pelo assunto que será tratado, como fazia o exordium na retórica clássica. O
corpo da carta normalmente desenvolve a ideia ou conteúdo do discurso, narrando os
fatos pertinentes, como na narratio. Quando trata dos temas centrais da carta, Paulo
inclui também elementos da argumentatio, ou seja, as provas que reforçam o conteúdo
apresentando. Por exemplo, em Rm 1,18-3,20 Paulo usa argumentos da teologia natural
para provar a condição de pecado da humanidade, de modo a dar razão à ideia de que
“o justo vive pela fé” (1,17). E a conclusão das cartas inclui normalmente as bênçãos
CAPÍTULO 14
INTRODUÇÃO À
RETÓRICA SAGRADA
Caros estudantes, nesta aula vamos falar da Retórica Sagrada, ou seja, da aplicação
da retórica em discursos religiosos. Mais especificamente, estamos nos referindo
à retórica aplicada na homilia. A homilética nada mais é que uma retórica sagrada.
Sendo assim, na primeira parte da aula vamos tratar do surgimento da homilia e seu
desenvolvimento, desde os tempos bíblicos até o período dos Padres da Igreja, quando
a retórica entrou decisivamente na homilética. E na segunda parte, apresentaremos
algumas aplicações concretas da retórica à homilia.
A homilia nasceu no contexto do culto sinagogal, como vimos acima. Existe todo
um rito na liturgia da sinagoga: entronização da Torá, proclamação e escuta da
Palavra, bendição, explicação do texto bíblico, conversão, envio, etc. A Liturgia da
Palavra na missa católica segue o antigo esquema judaico. Além da Bíblia, temos
contribuições no Targum (coleção dos escritos judaicos) sobre a importância da
homilia no culto sinagogal para tornar a Palavra de Deus compreensível a todos.
Aliás, o Targum traz bons exemplos de homilias judaicas na antiguidade. Para
aprofundar um pouco mais este tema, sugiro este breve artigo do liturgista pe.
Danilo César: https://arquidiocesebh.org.br/noticias/raizes-judaicas-da-homilia/
era muito mais urbana. A retórica clássica dependia do contexto urbano, onde se
promoviam as discussões públicas.
Paulo de Tarso tinha uma cultura urbana e suas cartas apresentavam elementos
de estruturação retórica – como vimos na aula anterior –, porém não o encontramos
em nenhum momento proferindo um discurso retórico como um orador clássico. O
único personagem do Novo Testamento que poderia ser considerado um orador é
Apolo, segundo a descrição feita por Lucas em At 18,24: “Um judeu, chamado Apolo,
natural de Alexandria, havia chegado a Éfeso. Era um homem eloquente e versado nas
Escrituras”. Todavia, nenhum discurso de Apolo é reportado (SIEGERT, 2001, 428-431).
Escrevendo aos romanos, Paulo usa uma expressão interessante: logike latreia, que
significa literalmente “culto racional” ou “culto inteligente”, por mais que as traduções
da Bíblia normalmente apresentam “culto espiritual”: “Exorto-vos, portanto, irmãos,
pela misericórdia de Deus, a que ofereçais vossos corpos como sacrifício vivo, santo
e agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual (Rm 12,1 Bíblia de Jerusalém,
2015). A ideia de um “culto racional” vem de Pitágoras e dos filósofos estóicos, que
eram contrários ao culto sacrifical. A religião pagã não desenvolveu este tipo de culto,
mas o judaísmo sim. O culto sinagogal era muito próximo do ideal dos filósofos
pitagóricos e estóicos. Eis a razão porque a sinagoga nasceu e se desenvolveu na
diáspora, especialmente em Alexandria, sob influência da cultura helenística. O judaísmo
helenístico desenvolveu o culto monoteísta não sacrifical, admirado por muitos pagãos
de alta cultura. Os primeiros cristãos adotaram o modelo sinagogal como única forma
de culto e, em um segundo momento, acrescentaram a eucaristia a este culto. Porém,
o sermão após as leituras bíblicas permaneceu fundamental (SIEGERT, 2001, 431-433).
mesmo tipo de hermenêutica usado por Melitão. Na Igreja latina, o primeiro sermão
conhecido é Contra os Judeus de Cipriano de Cartago (210-258 a.C.). Segue o estilo
retórico e o conteúdo da homilia de Militão, porém com menos talento (SIEGERT,
2001, p. 437-439).
O uso que o pregador deve fazer da retórica não consiste em aplicar no sermão todos
os floreios e raciocínios engenhosos desta arte. A retórica clássica pode inspirar o pregador
a preparar e a executar o seu sermão, seguindo os cinco tópicos ou passos da elaboração
de um discurso retórico, que já vimos na aula passada. North (1971, p. 16) faz um repasse
desses tópicos aplicando-os ao sermão: a “invenção” (inventio) é o momento de coletar o
material para o sermão (ideias, texto bíblico, comentários, etc.); a “disposição” (dispositio)
é a organização deste material segundo o propósito da pregação; o “estilo” (elocutio) é a
formulação do sermão, com uso de palavras adequadas, para transmitir a mensagem
de forma eficaz; a “memória” (memoria) é o exercício de recordar os pontos principais da
pregação (para não precisar ler tudo!); e a “entrega” (actio) comporta o uso adequado da
voz e dos gestos para apresentar a mensagem aos ouvintes.
Para justificar a importância da retórica na homilia, Navas (2012, 90-91) assinala alguns
problemas que frequentemente os ouvintes dos sermões apresentam como dificuldades
para acolher e compreender o que o pregador diz: sermões cheios de ideias complexas;
muita análise e poucas respostas; discursos formais e impessoais; vocabulário teológico
incompreensível para a maioria; demasiado conteúdo propositivo e pouca ilustração; teorias
distantes, sem oferecer orientações para o compromisso e a ação. Tudo isso contribui
para gerar desinteresse pela homilia, que parece pouco atrativa e distante da vida real
das pessoas.
Para evitar que a homilia perca sua atração, Navas (2012, p. 89-91) sugere a aplicação
de alguns processos retóricos que podem enriquecer a pregação cristã. Por mais
que a retórica parece algo complicado e distante, estes processos retóricos são bem
próximos à realidade da pregação:
• Aforismas: frase breve e aguda que expressa uma verdade ou um preceito.
Grande parte da pregação de Jesus aconteceu por meio de aforismas. Alguns
estudiosos contam 133 aforismas nos evangelhos: são aquelas frases que
ficaram marcadas e que foram lembradas anos mais tarde pelos evangelistas.
Por isso, os aforismas são um recurso retórico importante: porque permanecem
na memória dos ouvintes;
• Aplicação: sugerir uma aplicação concreta do texto bíblico exposto no sermão
é uma das melhores formas de garantir a sua eficácia. Pode ser uma aplicação
direta ou indireta, no corpo da homilia ou na conclusão. O importante é mostrar
o valor prático da Palavra refletida;
• Argumentação: é uma das principais partes da dispositio na retórica, como vimos
na aula anterior. Aplicada à homilia, consiste em desenvolver raciocínios lógicos,
trazer respostas a questões da assembleia, antecipar situações possíveis e
mostrar como a Palavra de Deus pode responder, etc;
• Interpretação: colocada no corpo do sermão, a interpretação pode acontecer
mediante paráfrases, definições, amplificações, comparações, contrastes,
etc.; ou por meio de interrogações, conduzindo os ouvintes à elaborarem sua
interpretação; ou então por meio de uma análise do texto bíblico e de suas
divisões principais de modo progressivo e lógico;
• Ilustração: pode ser um exemplo, um relato, uma imagem, alguma coisa que
ajude a esclarecer um ponto difícil. As ilustrações tomadas da vida cotidiana
costumam ter grande eficácia para ajudar os ouvintes a superar as dificuldades
de compreensão. Também servem para oferecer aplicações concretas da Palavra
de Deus. Pode-se usar metáforas ou pequenas histórias, mas de modo equilibrado
para não se afastar do texto bíblico, que é central;
• Exortação: a conclusão deve levar o discurso a seu clímax. Mas este também
pode ser o momento para convidar os ouvintes a responder concretamente à
mensagem do texto bíblico. As exortações também podem aparecer no corpo
do sermão, mas é importante que estejam sobretudo na conclusão;
CAPÍTUO 15
ABORDAGENS
MODERNAS DE RETÓRICA
Nos últimos três séculos, o pensamento ocidental foi dominado pelo racionalismo
que nasceu a partir da filosofia de René Descartes (1596-1650) e pela perspectiva
científica sempre mais desenvolvida. A retórica era vista como mera prática mundana,
fundada sobre premissas apenas plausíveis, incapaz de garantir as ideias claras e
demonstráveis que a orientação cartesiana sugeria. A tradição retórica clássica ficou
para trás. Todavia, a partir dos anos 1960, a retórica voltou à cena, passando a ser
chamada de “Nova Retórica” (FERREIRA, 2010, p. 47-48).
Para renascer, a retórica alargou o seu propósito: a nova retórica, em geral, não
pretende apenas ensinar a produzir textos, mas oferecer caminhos para interpretar os
discursos. Além disso, superou os três gêneros oratórios (jurídico, político e literário)
e passou a englobar todas as formas modernas de discurso persuasivo: publicidade,
poesia, cinema, música, artes, etc. A nova retórica procura integrar as ciências humanas,
a lógica e as ciências naturais (FERREIRA, 2010, p. 48).
Não existe uma única nova retórica, mas diversas novas retóricas. Algumas são
baseadas em lógicas não formais (Perelman e Tyteca, Meyer, Lempereur, Reboul),
outras nas lógicas naturais (Grize, Vignaux), além dos primeiros representantes da
Retórica Geral (Dubois, Klinkenberg, Minguet). A primeira e mais difundida Nova Retórica
Buscavam, com isso, superar a racionalidade da vida contemplativa, que era o ideal dos
aristocratas. Contemplativa significa, neste contexto, contemplar os valores imutáveis
que os aristocratas defendiam, de modo que nada pudesse mudar na configuração
social. Os sofistas propunham uma sociedade mutável, e os seus valores também
deveriam ser imutáveis. Aristóteles acolheu em sua retórica muitas contribuições dos
sofistas, e Perelman trouxe toda essa contribuição para a sua Teoria da Argumentação
(SILVEIRA, 2006, p. 79).
Uma diferença essencial entre a retórica clássica e a nova retórica, proposta por
Perelman, é que a retórica clássica se preocupava com a persuasão do discurso oral,
pois tudo se decidia por meio de discussão na ágora. Por sua vez, a nova retórica busca
a persuasão tanto no discurso oral quanto no texto escrito, pois ambas as formas de
comunicação estão em ato em nossos dias. O orador, hoje, fala e escreve, mas o aspecto
mais decisivo para o orador, na nova retórica, é o auditório. A prática argumentativa é
dialógica, então precisa contar com a participação do outro. O orador não está acima
do auditório, mas depende dele para cumprir o seu papel de argumentação retórica.
Se o auditório se nega a apreciar o discurso do orador, ele simplesmente perde a sua
função (SILVEIRA, 2006, p. 80-81).
Enfim, falar da relação entre novas retóricas e pragmática significa falar de uma
relação que era evidente na retórica clássica, mas que ficou ofuscada em algumas novas
retóricas. O problema não está na nova retórica em si, mas no preconceito moderno
que vê os estudos humanísticos e linguísticos como teóricos, ao contrário das ciências
aplicadas, que seriam realmente pragmáticas. Este preconceito pode ser superado
observando que toda retórica, clássica ou nova, têm um caráter teórico enquanto
elaboração do discurso, mas tem também um caráter pragmático: a sua capacidade
de conduzir o receptor a uma ação. No caso da nova retórica, essa capacidade passa
por todos os meios de transmissão: oral, escrito, publicitário, cinematográfico, icônico,
entre outros.
Visto que a Nova retórica é uma disciplina recente, aparentemente não há, até o
momento, estudos sobre a aplicação da Nova Retórica na Homilética. Proponho a
seguir algumas pistas para esta possível aplicação.
A Nova Retórica de Perelman e Tyteca não exclui o raciocínio demonstrativo, mas
dá uma importância maior ao raciocínio argumentativo. E propõe uma via intermediária
entre o demonstrativo e o argumentativo: a via da razoabilidade e do preferível. Na
Homilética, o raciocínio argumentativo é predominante. Em alguns momentos, pode-se
usar o raciocínio demonstrativo e até mesmo a dedução, mas a indução e o raciocínio
argumentativo ocupam maior espaço em uma homilia. Assim como na Nova Retórica
não é possível demonstrar uma verdade única, o mesmo acontece na Homilética: o
pregador não pode impor uma doutrina aos seus ouvintes, mas precisa convencer ou
persuadir seu auditório por meio de um discurso retórico.
A Teoria da Argumentação de Perelman acrescenta para a retórica uma função
ausente na retórica clássica: oferecer uma justificativa racional para os valores morais
da sociedade. A argumentação retórica exerceria, então, uma função conciliadora diante
de um auditório, graças à sua capacidade de assimilar e difundir valores comuns. Não
é difícil enxergar aqui uma das funções da homilética e da pregação cristã em geral:
assimilar os valores da sociedade que estão em acordo com os princípios cristãos e
purificar os valores contrários ao Evangelho. A homilia é um dos espaços fundamentais
para transmitir os valores cristãos à comunidade.
CONCLUSÃO
elementos que podem ser aplicados à homilética para gerar uma boa comunicação,
em particular a empatia, a determinação, a convicção, a credibilidade e a eficiência.
Na aula 10 tratamos da evangelização através dos meios de comunicação social,
enfatizando que a Igreja deve estar presente no mundo das comunicações modernas
de forma ética, anunciando o evangelho e promovendo a comunhão global. E na aula
11 falamos da Nova Evangelização, que é a comunicação da Palavra de Deus hoje: um
anúncio alegre do Evangelho aos crentes, aos afastados da Igreja e aos não crentes.
Enfim, nesta parte do curso, enfatizamos que a comunicação cristã busca transmitir
o evangelho em cada tempo, em cada lugar e em cada cultura, usando a linguagem
e o meio de comunicação adequado para cada ambiente.
Na terceira parte do curso, nos dedicamos a um outro conceito: a Retórica.
Começamos definindo (na aula 12) a retórica como a arte de falar e escrever bem, e
a oratória como a arte de falar em público. O objetivo da retórica, a qual precisa da
eloquência da oratória, é persuadir e convencer. A retórica sagrada se chama “homilética”
e tem como objetivo convencer quanto à mensagem do Evangelho. Na aula 13 tratamos
da retórica clássica, seus principais representantes (Górgias, Aristóteles, Cícero e outros)
e principais conceitos (inventio, dispositio, elocutio, etc.); e da retórica bíblica, mostrando
como a Bíblia também tem uma preocupação com a beleza do discurso, acompanhada
pelo compromisso com a verdade. Na aula 14 falamos especificamente da Retórica
Sagrada, destacando como a retórica pode auxiliar na elaboração e na execução da
homilia. E na última aula, acrescentamos as abordagens modernas de retórica, ou
seja, as “Novas Retóricas” e suas possíveis contribuições para a homilética: raciocínio
argumentativo, assimilação e difusão de valores, interdisciplinaridade, caráter dialógico,
etc. Em poucas palavras, a retórica com sua capacidade de persuadir pode ser um
ótimo instrumento no anúncio da Palavra de Deus, para que alcance as pessoas com
a beleza do discurso e o compromisso com a verdade revelada.
Prezadas e prezados estudantes, como vocês podem notar, nossa disciplina é muito
ampla e apresenta um grande campo de atuação prática. Esperamos que este percurso
possa ter colocado as bases para que cada um de nós se oriente no atraente mundo
da comunicação cristã, que inclui a pregação do evangelho em geral, a homilia em
específico e toda forma de comunicar a Palavra de Deus e criar comunhão com as
pessoas.
ELEMENTOS COMPLEMENTARES
LIVRO
Título: Homilia: Formação e Arte de Comunicar
Autor: Pe. Jacques Trudel
Editora: Paulus
Sinopse: Este livro tem como objetivo ajudar na
formação dos que se preparam para o exercício da
homilia (ministros ordenados ou ministros da Palavra
nas comunidades). Ele apresenta os principais
documentos da Igreja sobre a Homilia a partir do
Vaticano II; aborda o processo de comunicação em geral
e a arte de comunicar na homilia; trata da interação
entre liturgia e comunicação; descreve alguns métodos
de como preparar as homilias, inclusive o método
do papa Francisco. Enfim, este livro é um excelente
instrumento sobre a arte de preparar e de comunicar homilias.
FILME
WEB
REFERÊNCIAS
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[Tradução Marilene Santana dos Santos Garcia]. São Paulo: Cengage Learning, 2015.
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Desafío, 2000.