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Introdução Geral aos Livros

Históricos do AT

Prof Isael S. S. Costa


História, categorizações:

A palavra história tem origem grega e deriva de ιστορ: “sábio ou


conhecedor”, significando basicamente conhecimento por meio de uma
indagação.
• Johann Gottfried Von Herder, filósofo e escritor alemão define história como
‘o estudo do passado’,
• Marc Bloch, historiador francês, ‘a ciência dos homens no transcurso do
tempo’,
• Lucien Febvre, a define como o processo de mudança contínua da sociedade
humana.
• Sérgio Buarque de Holanda, historiador e sociólogo, “a história é o estudo
do que os homens do passado fizeram, da maneira pela qual viviam, das
ideias que tinham”.
História e os Livros Históricos do AT:

O material então tradicionalmente chamado ‘livros


históricos’ mais que qualquer outro segmento
literário no AT é melhor corroborado pelos dados do
Antigo Oriente Próximo.
História, categorizações:

Dentre os recursos mais antigos a este campo de estudos classificam-se:


• As inscrições reais:
• relatam os feitos dos reis, particularmente suas façanhas militares e
seus projetos de construções.
• Os textos cronográficos:
• traçam uma sequência dos eventos históricos, abrangendo desde listas
de reis até crônicas das cortes e anais militares.
• Os textos de literatura histórica:
• são basicamente narrativas épicas ou poéticas que contam os atos
heroicos dos reis.
História, categorizações:
• Um dos valores da sociedade contemporânea é a crença de
que é essencial registrar, analisar e preservar os eventos do
passado - apenas como registro. Além disso, há também o
desejo de reconstituir "o que realmente aconteceu" e de
identificar a relação de causa e efeito.
• Quais os fatos realmente importantes do passado? Por que
determinado evento foi registrado? Como realmente
ocorreram os eventos do passado? Que razões ou forças
conduzem a história? Existem padrões na história? Há um
plano na história?
História e Historiografia

Historiografia é o ambiente de estudo na esfera


histórica que diz respeito à metodologia, os tipos
de fontes utilizadas - orais ou escritas, ao uso e
conservação dos materiais, i.e., como o historiador
organizou e compilou materiais.
Historia e Historiosofia

• Historiosofia respeita as pressuposições do historiador.


Procura saber até que ponto estas pressuposições
influenciaram na sua obra, e quais foram omitidas e
porquê. Estas questões são importantes, porque não existe
história objetiva no sentido estrito da palavra. Todo relato
histórico sofre interferência daquele que o compôs.
Historiografia Mesopotâmica

• Em grande parte da historiografia antiga "o que de fato


aconteceu" não era tão importante.
• Grande parte dos documentos que nos fornecem informações
históricas foi escrito sob o patrocínio da realeza. Esses
documentos tinham por objetivo servir aos interesses do rei,
não do historiador. A reputação real era muito mais
relevante que a veracidade dos fatos.
Historiografia Mesopotâmica

• A historiografia do antigo Oriente Próximo, representada em


inscrições ou crônicas reais, listas de reis e registros de seus
atos, revelam claramente um caráter de promoção e
divulgação pessoal. De modo que a verdade podia ser útil à
realeza, contudo, não era a sua prioridade.
• Quando existem relatos dos dois lados envolvidos em uma
batalha específica, não é difícil que ambos reivindiquem para
si a vitória.
Historiografia Mesopotâmica

• Constituía uma prática comum entre os reis alterar inscrições


de seu predecessor (mesmo quando se tratava do pai),
colocando seu próprio nome no lugar.
• Um rei da antiguidade raramente admitia uma derrota;
assim, as referências negativas sobre um determinado
reinado partiam dos sucessores daquele rei, que pretendiam
com isso legitimar seu próprio governo.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Os Livros Históricos de Israel apresentam traços semelhantes


aos textos cronográficos e contêm alguns exemplos isolados
que podem ser comparados às inscrições reais ou aos textos
literários históricos. O objetivo dos Livros Históricos de
Israel, porém, é teológico. Como todo escrito histórico, é
uma literatura necessariamente seletiva, e com um
propósito. Seu interesse não é preservar os eventos para
manter o registro rigoroso dos fatos; ao contrário, seu
objetivo é documentar a ação de Yahweh na história e sua
soberania no desenrolar dos eventos.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita
• Nesses documentos, a nação é mais importante que o rei, e
Deus está no centro dos acontecimentos. A identidade de
Israel e seu papel como povo da aliança com Deus é a espinha
dorsal de todo registro histórico do Antigo Testamento.
• Pode-se concluir, portanto, que enquanto o principal
objetivo da historiografia antiga era oferecer a compreensão
desejada dos feitos do rei, o objetivo da historiografia de
Israel era oferecer a compreensão desejada dos feitos de
Deus.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Também é importante perceber que, no mundo antigo, a


noção do papel representado pela divindade na história é
bastante diferente da visão do mundo ocidental.
• Até o fim da Idade Média, a visão de mundo era totalmente
permeada pelo sobrenatural. O papel da divindade era aceito
sem restrições e a crença em fatos que desafiavam as
explicações naturais era comum.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• O Iluminismo, porém, trouxe uma mudança significativa no modo


de enxergar o mundo. O método histórico crítico decorrente
dessa mudança sugere que uma verdade só pode ser aceita se
puder ser provada empiricamente. A nova historiografia passa a
se preocupar apenas com a causa e o efeito natural dos fatos na
história. Sendo, entretanto, essa a visão amplamente adotada
pela cultura ocidental contemporânea.
• A visão de mundo da sociedade em que vivemos difere, portanto,
radicalmente da visão de mundo dos historiadores antigos.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita
• A forma como se escreve história hoje seria encarada com
estranheza pelos autores antigos. O simples relato de fatos e
eventos não teria significado algum, a menos que a informação
tivesse alguma utilidade. Embora os antigos não negassem a
relação de causa e efeito na história, eles estavam muito mais
interessados no papel desempenhado pela divindade no
desenrolar dos fatos.
• Um historiador moderno diante da historiografia israelita talvez
pense: "Não é capaz de fornecer dados confiáveis"; ao passo que
um historiador israelita diante da historiografia moderna,
consideraria: "Não fornece informações úteis".
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Portanto, ao estudar a historiografia de uma cultura


anterior ao Iluminismo, é importante identificar a
visão de mundo que a orienta e respeitar a coerência
entre ambas.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• A cosmovisão representada na historiografia de Israel prioriza


a atividade de YHWH na história humana. Essa visão abarca
não apenas o reconhecimento da intervenção sobrenatural de
Deus ocasionalmente, mas também identifica a ação divina
nas ocorrências naturais. Na verdade, de acordo com essa
visão, todos os eventos estão entrelaçados de alguma forma
dentro do plano de Deus, que é a força motriz da história.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• A historiografia de Israel tem muitos pontos em comum com a


das demais culturas antigas do Oriente Próximo. Registros
históricos da Mesopotâmia, apesar de não reivindicarem o
status de revelação divina, demonstram grande preocupação
em entender as atividades dos deuses.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• O caráter politeísta da religião mesopotâmica, no entanto,


impede o desenvolvimento de qualquer conceito de um plano
divino único envolvendo toda a história. A dinastia reinante
podia, no máximo, identificar o plano da divindade em
estabelecer e manter aquela dinastia.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Na Mesopotâmia havia a crença de que as divindades


desempenhavam um papel ativo no processo de causa e
efeito que promove a história. Os deuses eram capazes de
intervir na história e esperava-se que assim o fizessem. A
ação e a intervenção dos deuses eram entendidas como
casuais e não como parte de um plano arquitetado por eles
ou com um propósito maior.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• De acordo com a visão sobrenatural corrente no mundo


antigo, os eventos eram uma espécie de revelação divina e
resultado da ação dos deuses. Infelizmente, era preciso
interpretar os eventos para discernir a razão pela qual
haviam agido daquela maneira. A interpretação dos fatos,
porém, não era revelada pelos deuses das nações politeístas
ao redor de Israel. Para entender o que os deuses estavam
planejando fazer, os mesopotâmios tinham de descobrir por
eles mesmos.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Na visão de Israel, porém, não somente os eventos, mas a


própria historiografia faziam parte da revelação de Deus. Ou
seja, Deus assumiu a tarefa de não apenas agir, mas também
de apresentar a interpretação de seus atos, comunicando aos
israelitas o motivo e os propósitos a que serviam. Desse
modo, YHWH era não apenas a causa dos eventos, como
também a fonte para sua interpretação. Em termos
teológicos, podemos afirmar que a revelação geral da história
foi complementada pela revelação específica da
historiografia.
Historiografia Mesopotâmica e Israelita

• Deste modo nota-se a unicidade da historiografia israelita,


ela partilhava com o mundo antigo da ideia de que os eventos
eram uma revelação, ou seja, evidenciavam a ação dos
deuses no mundo. Essa abordagem contrasta com a visão da
historiografia ocidental. No entanto, Israel distinguia-se dos
outros povos por acreditar que sua historiografia também era
parte da revelação divina, o que difere tanto da
historiografia antiga como da moderna.
Livros Históricos
• O material tradicionalmente classificados como Livros Históricos
no cânon protestante acha-se distribuídos na tradição e cânon
Judaico-Massorético em duas diferentes divisões:
1. Profetas, (‫נְבִיאִים‬, nebi'im);
a. Josué; Juízes; 1-2 Samuel; 1-2 Reis formando um subgrupo
tematizado de ‘Profetas Anteriores’;
2. Escritos, (‫ְּכתּובִים‬, ketûbim), conhecido também pelo termo
grego Hagiographa, os ‘santos escritos’;
a. Rute, Ester, 1–2 Crônicas, Esdras e Neemias pertencendo à
distribuição dos então chamados ‘Escritos’
Livros Históricos

É competência destes livros abordarem a conquista de Canaã e


o estabelecimento de Israel nela, seu posterior florescimento e
queda, o cativeiro babilônico e a restauração do povo à
Palestina. Abrangendo um período de tempo de
aproximadamente 700 a 1000 anos: desde a invasão efetudada
por Josué em meados dos século XV a XIII A.C., até Neemias
por volta de X A.C.
Livros Históricos

Nestes livros há uma ênfase maior nos fatos, nos


acontecimentos, em contraste com os livros poéticos ou
proféticos que trabalham mais com conceitos, doutrinas,
ideias, concepções da vida, de Deus...
Livros Históricos

• Quanto aos então Profetas Anteriores, seus escritos são


uma história interpretativa dos tratos de Deus com a
nação teocrática desde sua entrada na terra de Canaã
até a dissolução da teocracia no exílio. Esta história
serve para complementar e para aportar os
antecedentes necessários para a compreensão adequada
dos Profetas Posteriores. Sem esta história
interpretativa, muito do que se encontra nos profetas
posteriores, permaneceria incompreensível.
Livros Históricos

• Os Livros Históricos também constituem uma


complementação ao Pentateuco. i.e., esta história de
Israel é interpretada e julgada de acordo com a Lei básica
de Israel, a TORAH. A esta nação foi dado grande
fundamentação constitucional, portanto se faz necessário
prover uma apresentação da história desta nação à luz de
sua constituição, ou seja como ela se porta em face desta;
Livros Históricos

• O criticismo moderno tem fomentado a conexão do bloco


específico de profetas anteriores ao livro de Deuteronômio,
resultando numa obra que tem sido tematizada de ‘história’
ou ‘tradição deuteronomista’. Enquanto que aos livros de 1-
2 Crônicas, Esdras e Neemias comumente são tematizados
de história-tradição cronista;
Livros Históricos e a história deuteronomista

• O criticismo moderno tem fomentado a conexão do bloco


específico de profetas anteriores ao livro de Deuteronômio,
resultando numa obra que tem sido tematizada de ‘história’
ou ‘tradição deuteronomista’. Enquanto que aos livros de 1-
2 Crônicas, Esdras e Neemias comumente são tematizados
de história-tradição cronista;

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