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Sermão de Santo António aos Peixes

Estrutura externa do sermão


Exórdio - capítulo I - apresentação do tema que vai ser tratado no sermão, a partir do
conceito predicável (vós sois o sal da terra) e das ideias a defender e que, geralmente,
termina com uma breve oração, invocando a Virgem. Esta parte reveste-se de grande
importância dado que é o primeiro passo para captar a atenção e benevolência dos ouvintes.
Exposição e confirmação - capítulos II a V - Retoma a explicitação do assunto, com uma
breve explicação da organização do discurso; desenvolvimento e enumeração dos
argumentos, contra-argumentos, seguidos de exemplos e/ou citações. A exposição situa-se
desde o início do capítulo II até … Santo António abria a sua [boca] contra os que não se
queriam lavar. , no capítulo III; e a confirmação começa a partir de Ah moradores do
Maranhão, enquanto eu vos pudera agora dizer neste caso! e termina no final do capítulo V.
Peroração/epílogo - capítulo VI - conclusão do raciocínio com destaque para os argumentos
mais importantes. Saliente-se que esta é a parte que a memória dos ouvintes melhor retém,
pelo que deverá conter os aspectos principais desenvolvidos no sermão, de modo a deixar
clara a mensagem veiculada e a levar os ouvintes a pôr em prática os seus ensinamentos.

Estrutura interna do sermão


Exórdio: o Padre António Vieira apresenta o conceito predicável, “Vós sois o sal da Terra” e
explica as razões pelas quais a terra está tão corrupta. Ou a culpa está no sal (pregadores),
ou na terra (ouvintes). Se a culpa está no sal, é porque os pregadores não pregam a
verdadeira doutrina, ou porque dizem uma coisa e fazem outra ou porque se pregam a si e
não a Cristo. Se a culpa está na terra, é porque os ouvintes não querem receber a doutrina,
ou antes imitam os pregadores e não o que eles dizem, ou porque servem os seus apetites e
não os de Cristo.

Exposição e confirmação
Capítulo II - contempla os louvores aos peixes de carácter geral, que são os seguintes:

 ouvem e não falam;


 foram os primeiros seres que Deus criou (vós fostes os primeiros que Deus criou);
 são melhores que os homens (e nas provisões (...) os primeiros nomeados foram os
peixes);
 existem em maior número (entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais
e os maiores);
 revelam obediência (aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela
honra de vosso Criador e Senhor);
 revelam respeito e devoção (aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a
palavra de Deus da boca do seu servo António. (...) Os homens perseguindo a
António (...) e no mesmo tempo os peixes (...) acudindo a sua voz, atentos e
suspensos às suas palavras, escutando com silêncio (...) o que não entendiam.);
 não se deixam domesticar (só eles entre todos os animais se não domam nem
domesticam)

Estas qualidades são, por antítese, os defeitos dos homens.


Capítulo III – contempla igualmente os louvores aos peixes, mas agora de carácter
particular e apenas dos seguintes peixes:
do peixe de tobias: cura a cegueira [(...) sendo o pai do Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos
olhos um pequeno do fel, cobrou inteiramente a vista] e seu coração expulsa os demónios
[(...) tendo um demónio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara, casou com ela o
mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu dali o demónio e nunca mais
tornou];
da rémora: é pequena no corpo mas grande na força e no poder [“(...) se se pega ao leme de
uma nau da índia (...) a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover,
nem ir por diante.”; “Oh se houvera uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do
mar, que menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!”; “(...) a virtude
da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme”];
do torpedo: faz descargas eléctricas para se defender e, consequentemente, faz passar o
bom e a virgindade do Espírito Santo (Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo
e a bóia sobre a água, e em lhe picando na isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço.
Pode haver maior, mais breve e mais admirável efeito? De maneira que, num momento,
passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol, à linha, da linha à cana e da cana
ao braço do pescador);
do quatro-olhos: vê para cima e para baixo – dois olhos voltados para cima para vigiarem as
aves e dois olhos voltados para baixo para vigiarem os peixes – e representa a capacidade
de distinguir o bem do mal (céu/inferno) ["Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho,
ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar diretamente para cima, e só
diretamente para baixo: para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me
que há Inferno"].
Todos estes louvores que Padre António Vieira faz aos peixes são antíteses aos defeitos dos
homens, assim simbolizando os seus vícios.
Capítulo IV – repreensão dos peixes em geral:

 comem-se uns aos outros [(...) é que vos comedes uns aos outros];
 os peixes grandes comem os mais pequenos (não só vos comeis uns aos outros,
senão que os grandes comem os pequenos);
 “se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos;
mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil,
para um só grande”.

Capítulo V – repreensão em particular


dos roncadores: embora tão pequenos, roncam bastante, simbolizando assim os arrogantes
(É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?);
dos pegadores: sendo pequenos, pregam-se nos maiores, não os largando mais e
simbolizando os oportunistas e os parasitas (Pegadores se chamam estes de que agora falo,
e com grande propriedade, porque sendo pequenos não só se chegam a outros maiores, mas
de tal sorte se lhe pegam aos costados, que jamais os desferram);
dos voadores: sendo peixes, também se metem a ser aves, simbolizando os vaidosos [Dizei-
me, voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos metei a ser aves? (...)
Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais voar, pois sois peixes];
dos polvos: tem uma aparência de santo e manso e um ar inofensivo, mas na essência é
traiçoeiro, maldoso e hipócrita e faz-se de amigo dos outros e no fim, representando assim
os traidores e os hipócritas “abraça-os” [E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta
hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o maior traidor do mar].
Peroração: o orador retoma os pregadores de que falava no conceito predicável, servindo-se
dele próprio como exemplo alegando que não estava a cumprir a sua função. Alega também
que ele (homens) e os peixes, nunca vão chegar ao sacrifício final, uma vez que os peixes já
vão mortos e os homens vão mortos de espírito. Padre António Vieira diz que a
irracionalidade, a inconsciência e o instinto dos peixes, são melhores do que a racionalidade,
o livre arbítrio, a consciência, o entendimento e a vontade do homem.
Conclui-se assim, fazendo um apelo aos ouvintes e louvando-se a Deus, tornando esta
última parte do sermão um pouco mais familiar, para que se estabeleça de novo a
proximidade entre os ouvintes e o orador.

Recursos estilísticos predominantes


O Sermão de Santo António aos peixes é uma alegoria, na medida em que os peixes são a
personificação dos homens. O Padre António Vieira toma como ponto de partida uma frase
bíblica irrefutavelmente aplicável às condições políticas e sociais da sua época. A pessoa
gramatical privilegiada é, obviamente, a segunda, visto que o seu objectivo é persuadir e
contar com a adesão dos ouvintes.
Este sermão teve como ouvintes os colonos do Maranhão e tem grande coesão e coerência
textual graças à utilização de recursos estilísticos, nomeadamente: a anadiplose, a antítese, a
apóstrofe, a comparação, o paralelismo, a anáfora, a enumeração, a exclamação retórica, a
gradação crescente, a interrogação retórica, a ironia, a metáfora, o paradoxo, o quiasmo e o
trocadilho.

Conclusão
Em suma, o sermão seiscentista obedece à máxima ensinar, deleitar e mover, e o Sermão de
Santo António aos Peixes, sendo um dos mesmos, também obedece à sua estrutura.

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