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«Simulando dirigir-se aos peixes, Vieira denuncia os pecados da humanidade,

quer elogiando os peixes por possuírem qualidades que estão ausentes nos
homens, quer criticando os seus vícios, que coincidem com os defeitos dos
homens.»
Ana Cristina Macário Lopes e Susana Soares
Vieira constrói o Sermão como uma alegoria.

Dirige-se a um auditório fictício, os peixes, sendo que o auditório real é constituído


por homens, os colonos, cujo comportamento se condena e se pretende alterar.

Assim, todo o discurso é figurativo, apresentando uma dimensão simbólica associada


às virtudes e aos vícios dos peixes.

«Isto suposto, quero hoje à imitação de Santo António voltar-me da terra ao mar, e já
que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes.» (capítulo I)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Repreensões em geral (Capítulo IV)


De forma geral, são apontados aos peixes alguns vícios:

comem-se uns aos outros: os peixes grandes comem os pequenos (ictiofagia) e em grandes quantidades;

são ignorantes e movidos pela vaidade;

deixam-se enganar facilmente.


Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Repreensões em geral (Capítulo IV)

Da mesma forma, os homens são alvo desta crítica, pois exploram-se uns aos outros (antropofagia social) e, na sua
ignorância, também se deixam «cegar», iludir, pela vaidade.

«Antes porém que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as
vossas repreensões. […] A primeira coisa, que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis
uns aos outros […] Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os
pequenos. […] mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil,
para um só grande.» (capítulo IV)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Repreensões em particular (Capítulo V)


Roncadores;

Pegadores;

Voadores;

Polvo.

Os vícios das quatro espécies repreendidas são opostos às qualidades de Santo António e Padre António Vieira,
mas são semelhantes aos comportamentos dos homens, também eles dominados pelos seus pecados.
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Roncadores
Características:

«É possível que sendo vós uns peixinhos tão pequenos haveis de ser as roncas do mar? Se com
uma linha de coser, e um alfinete torcido vos pode pescar um aleijado, porque haveis de roncar
tanto?» (capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Roncadores
Dimensão simbólica:

Estes peixes, sendo pequenos, julgam-se superiores; são arrogantes e orgulhosos.

Contrariamente a Santo António, que tinha poder, mas não se vangloriava e revelava humildade,
outros houve como Pedro, Caifás e Pilatos que foram roncadores na Terra.

Assim, estes peixes servem para ensinar aos homens que não só devem ser ponderados nas suas
promessas (palavras), pois dificilmente as cumprirão mas também que devem ser humildes:
quem tem mérito não precisa de o exibir.

«Assim que, amigos Roncadores, o verdadeiro conselho é calar, e imitar a Santo António.
Duas coisas há nos homens, que os costumam fazer roncadores, porque ambas incham: o
saber, e o poder. Caifás roncava de saber: […] Pilatos roncava de poder: […]. E ambos contra
Cristo. Mas o fiel servo de Cristo, António, […] tanto calou, por isso deu tamanho brado.»
(capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Pegadores
Características:

«Rodeia a Nau o Tubarão nas calmarias da Linha com os seus Pegadores às costas, tão
cerzidos com a pele, que mais parecem remendos, ou manchas naturais, que os hóspedes, ou
companheiros.» (capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Pegadores
Dimensão simbólica:

Os Pegadores são peixes pequenos, que se agarram aos maiores e, quando estes morrem, o
mesmo lhes sucede.
Representam o oportunismo e parasitismo social.

São dissimulados e astutos.

«Este modo de vida, mais astuto que generoso, se acaso se passou, e pegou de um elemento a
outro, sem dúvida que o aprenderam os peixes do alto depois que os nossos Portugueses o
navegaram; porque não parte Vizo-Rei, ou Governador para as Conquistas, que não vá
rodeado de Pegadores […].» (capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Pegadores
Dimensão simbólica:

Os Pegadores que seguiram Herodes e usufruíam do seu poder e prestígio «morreram»


(perderam o seu poder e a sua influência), quando o monarca faleceu, como morrem os
pegadores que se agarram ao Tubarão.
Contrariamente, Santo António, sendo um bom Pegador, agarrou-se (pegou-se) a Cristo, e é
o que todos os homens devem fazer, estando, assim, seguros de morrer, isto é, sendo bons
cristãos conquistarão a vida eterna, o Céu.

«Peguem-se outros aos grandes da terra, que eu só me quero pegar a Deus.» Assim o fez
também Santo António, e senão, olhai para o mesmo Santo, e vede como está pegado com
Cristo, e Cristo com ele.» (capítulo V)

Nota: Neste momento do sermão, Vieira deve ter acompanhado as suas palavras de um gesto bem claro, apontando a imagem de
Santo António, que segura (pega) o Menino Jesus ao colo.
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Voadores
Características:

«Dir-me-eis, Voador, que vos deu Deus maiores barbatanas, que aos outros do vosso tamanho.
Pois porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de fazer das barbatanas asas?» (capítulo
V)

Ooops!
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Voadores
Dimensão simbólica:

Os Voadores foram criados por Deus como peixes, mas querem ser aves. Assim são
pescados como peixes e caçados como aves.

Representam a ambição desmedida e a presunção dos homens.

Santo António é apresentado como um exemplo de humildade e simplicidade, que aceita a


Vontade de Deus, postura que os voadores da terra devem seguir.

«O Voador fê-lo Deus peixe, e ele quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha os perigos
de ave, e mais os de peixe. […] A Natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te
vejo posto ao fogo. Peixes, contente-se cada um com o seu elemento.» (capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Polvo
Características:

«O Polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um Monge, com aqueles seus raios estendidos
parece uma estrela, com aquele não ter osso, nem espinha parece a mesma brandura, a mesma
mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, […] o Polvo é o
maior traidor do mar.» (capítulo V)
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Polvo
Dimensão simbólica:

O Polvo, à semelhança de Judas, representa a falsidade e a dissimulação dos homens,


em geral, e dos falsos pregadores, em particular («parece um Monge»).

É mais traidor ainda do que o apóstolo de Cristo, pois usa a sua capacidade de
transformação cromática para se esconder e apanhar desprevenidamente as presas.
Repreensões aos peixes – Capítulos IV e V

Polvo
Dimensão simbólica:

Ataca de emboscada como os maiores traidores da terra.

Pelo contrário, o exemplo de Santo António, que se pauta pela transparência, pela bondade e pela
genuinidade, deve persuadir os homens à sinceridade, à caridade e à verdade nas suas ações.

«O Polvo escurecendo-se a si tira a vista aos outros, e a primeira traição, e roubo que faz, é à luz,
para que não distinga as cores. Vê, Peixe aleivoso, e vil, qual é a tua maldade, pois Judas em tua
comparação já é menos traidor! […] Vejo, Peixes, pelo conhecimento que tendes das terras […] me
estais respondendo, e convindo, que também nelas há falsidades, enganos, fingimentos, embustes,
ciladas, e muito maiores, e mais perniciosas traições.» (capítulo V)

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