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“Sermão de Santo António” de Padre António Vieira

Capítulo IV

Repreensões em geral

Exposição E Con rmação - crítica aos comportamentos, censura à prepotência dos

grandes, crítica aos homens ambiciosos, vaidosos, hipócritas e traidores.

Assim como ouviram as suas qualidades, os peixes, irão agora ouvir as repreensões

As repreensões aos peixes vão ser feitas como objectivo se não for de corrigir, ao menos que
seja, de perturbar. Vieira critica-os por se comerem uns aos outros (sentido denotativo ou literal) e
por serem os grandes que comem os pequenos, por isso, para alimentar um grande são
precisos muitos pequenos. Mas com os homens passa-se um fenómeno semelhante.

Desde o início do sermão que o pregador prega aos peixes apontando-lhes os seus vícios e
virtudes. Agora, ao falar-lhes dos vícios, aponta-lhes como exemplo os vícios dos homens. Ora,
considerando a alegoria do sermão - os peixes são a representação dos homens que Vieira utiliza
indiretamente para os poder criticar - é interessante, nesta parte, a forma hábil como fala
diretamente aos homens dos seus vícios (inversão peixes/homens).

Quando morre um homem, logo uma série de pessoas se prepara para o "comer" (sentido
denotativo ou gurado), nomeadamente os herdeiros, os testamenteiros, o coveiro, etc. Contudo,
os homens não se comem apenas depois dos mortos, sendo o mal maior o facto de se comerem
em vida. Por exemplo, o homem acusado de crime é "comido" pelo meirinho, pelo solicitador,
pelo advogado, pela testemunha, etc. Entre os homens, além de serem os grandes que "comem"
os pequenos, devoram-nos em grande quantidade, não como fazem com qualquer comida, mas
como fazem com o pão, que é um alimento de todos os dias.

Vieira utiliza o verbo "comer" com o intuito de criticar os homens e pede aos peixes (alegoria dos
homens) que observem o seu comportamento abominável.

Sabendo que o grande defeito dos homens é comerem-se uns aos outros e tendo em conta que
os colonos pensariam imediatamente nos rituais antropófagos dos índios, o orador a rma que
está a referir-se aos brancos, pois "muito mais se comem os brancos"'.

Os defeitos apontados são a ignorância e a cegueira originadas pela riqueza.

Padre António Vieira alerta os peixes que Deus os pode castigar, tal como castiga os homens,
pois poderão encontrar sempre outros peixes maiores que os "comerão" a eles. Vieira aconselha
os peixes a não se destruírem uns aos outros, pois já basta a perseguição que lhes movem os
homens. Os peixes poderão alegar, como fazem os homens, que não têm outro meio de
sobrevivência, mas o mar é tão grande que eles se poderão sustentar só com o que ele deita à
praia. Após o dilúvio, se os animais se comessem, não se teriam multiplicado, uma vez que só
havia dois de cada espécie (7 pares de animais puros por espécie e 1 par de animal imundo por
espécie). Outro defeito dos peixes consiste em deixarem-se tentar por um bocado

de pano atado num anzol. Do mesmo defeito padecem os homens e pelo mesmo motivo se
guerreiam uns aos outros.

Vieira faz referência às ordens de Cristo, Santiago, Avis e de Malta, cujos hábitos os homens
ambicionam envergar. No Maranhão também os homens se deixam iludir com os panos que
chegam de Portugal, contraindo dívidas para os obter.

Ora, se essa vaidade é a loucura nos homens, mais o é nos peixes, a quem Deus dotou de uma
pele tão vistosa. Santo António, desprezando a vaidade, vestiu-se de burel, com uma corda atada
à cintura.

Capítulo V

Repreensão dos peixes em particular

Neste capítulo faz-se repreensões aos peixes em particular, que representam os diversos defeitos
humanos.

- Os Roncadores têm como defeitos a soberba e o orgulho. Os argumentos utilizados pelo Padre
António Vieira são os seguintes: estes peixes são pequenos, mas têm muita língua; e são
facilmente pescados. Refere ainda que os peixes grandes têm pouca língua e que os Roncadores
têm muita arrogância e pouca rmeza. Enquanto que Santo António, tendo tanto saber e poder,
nunca se orgulhou disso, antes se calou.

- Os Pegadores têm como defeito o parasitismo. Os argumentos utilizados pelo Padre António
Vieira são: os Pegadores vivem na dependência dos grandes e morrem com eles; os grandes
morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido.

- Os Voadores são presunçosos e ambiciosos. Os argumentos utilizados pelo Padre António


Vieira são que estes foram criados peixes e não aves, são pescados como peixes e caçados
como aves e morrem queimados.

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- O Polvo é traidor e enganador. Este ataca sempre através de emboscada. O Polvo tem uma
aparência enganosa, aparenta ser monge, estrela, brandura e mansidão: mas é o maior traidor do
mar.

- O orador critica todos estes peixes. Aos roncadores, que lhe provocam riso e ira, aconselha-os
a medirem-se e verem como são ridículos, e sem fundamento a sua arrogância. Aconselha-os a
calar e a imitar Santo António.

Aos pegadores aconselha a não se colarem aos grandes, pois quando um grande morre arrasta
consigo os pegadores. Aconselha cada homem a seguir o seu caminho dizendo que os
oportunistas, que vivem colados aos poderosos, acabam por ser arrastados quando estes caem.
Aos voadores aconselha a imitarem Santo António e a não quererem ser mais do que são.

- Na sua verdadeira essência, o polvo é um traidor, o maior traidor do mar, porque se esconde,
mudando de cor, para com a malícia e mentira, atacar.

Ataca sempre de emboscada porque se disfarça, comparado a Judas

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