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Agrupamento de Escolas Pintor José de Brito

Disciplina de de Português 11º ano

Ficha informativa

Sermão de Santo António aos peixes de Padre António Vieira

Exórdio - Capítulo I
Neste primeiro capítulo, mais conhecido por exórdio (a introdução), Padre
António Vieira expõe o tema e as questões centrais que vai defender, bem como o
plano estrutural do seu sermão.
Vieira, a partir do conceito predicável “Vós sois o sal da terra”, em analogia
com “Santo António [que] foi sal da terra e foi sal do mar”, visa criticar a
humanidade que está cada vez mais corrupta. Quando ele sugere que a culpa se
encontra no sal refere-se aos pregadores que proferem uma coisa e depois agem
de outra forma, ou então afirma que a culpa se encontra na terra, referindo-se
assim aos ouvintes uma vez que estes não ligam às palavras da verdadeira
doutrina.
Visto que o Padre António Vieira não obtinha os efeitos desejados da sua
pregação decidiu deixar de pregar aos homens e preferiu antes dirigir-se aos
peixes, tal como Santo António já o fizera.
No princípio Vieira vai realçar e apreciar as virtudes dos peixes, mas em
seguida irá apontar-lhes os defeitos de modo a tentar corrigi-los.
Síntese:
Neste capítulo, Vieira critica a humanidade, que está cada vez mais
corrupta, e os pregadores que, havendo tantos, não conseguem alcançar os seus
objetivos. Utiliza as expressões “sal” para os pregadores e “terra” para os ouvintes.
Exceção para Santo António, que Vieira admira bastante e do qual aborda a história
ocorrida com este em Arimino, onde pregava aos hereges e foi alvo da tentativa de
apedrejamento por parte destes.

Exposição
Capítulo II – Louvor das virtudes dos peixes, em geral
Neste capítulo serão criticados os homens por analogia com os peixes, como
está expresso nesta passagem irónica: “Ao menos têm os peixes duas boas
qualidades de ouvintes: ouvem e não falam”. Vieira deixa bem claro que este
sermão é uma alegoria, referindo-se frequentemente aos homens. Os peixes ora
serão, metaforicamente, os índios ora os colonos.
Neste capítulo, pois, o pregador pretende repreender os vícios dos homens,
opostos às virtudes dos peixes.
Louvor das virtudes, em geral :
- “ouvem e não falam”;
- “vós fostes os primeiros que Deus criou”;
- “e nas provisões [...] os primeiros nomeados foram os peixes”;
- “entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e os maiores”;
- “aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso
Criador e Senhor”;
- “aquela ordem, quietação e atenção com que ouvistes a palavra de Deus da boca
do seu servo António.[...] Os homens perseguindo a António [...] e no mesmo
tempo os peixes [...] acudindo a sua voz, atentos e suspensos às suas palavras,
escutando com silêncio [...] o que não entendiam."
- “só eles entre todos os animais se não domam nem domesticam”

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Síntese:
Vieira inicia a exposição com uma pergunta retórica: “Enfim, que havemos
de pregar hoje aos peixes?” e de seguida indica a estrutura do sermão: “dividirei,
peixes, o vosso Sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas
atitudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios” (ll. 23-24).
O resto do capítulo é abordado por Vieira com as virtudes gerais dos
peixes.

Capítulo III – Louvor das virtudes dos peixes, em


particular
No capítulo III (considerado por alguns, o 1º momento da confirmação),
Vieira continua a elogiar os peixes, mas desta vez os seus louvores aos peixes são
individualizados, visam peixes em particular.
Vieira utiliza quatro tipos de peixes para comprovar a relação entre o
homem e o divino.
O Santo Peixe de Tobias, peixe bíblico, grande em tamanho, possui nas
suas entranhas um fel que cura da cegueira e um coração que expulsa os demónios
(«o fel era bom para curar da cegueira», «o coração para lançar fora os
demónios» ); representa as virtudes interiores, a bondade, e o poder purificador da
palavra de Deus.
A Rémora, peixe tão pequeno no corpo e tão grande na força e no poder,
quando se prende a um navio tem força razoável para a segurar ou determinar o
seu rumo («se se pega ao leme de uma nau da Índia […] a prende e a amarra mais
que as mesma âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante.»); expressa a
força ou o poder da palavra dos pregadores: a língua de S. António era uma rémora
na terra – tinha força para dominar as paixões humanas como a soberba, a
vingança, a cobiça e a sensualidade (as quatro naus do sermão).
O Torpedo origina descargas elétricas que acabam por fazer oscilar o braço
do pecador («Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a boia sobre
a água, e em lhe picando na isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode
haver maior, mais breve e mais admirável efeito?»); simboliza o poder da palavra
de Deus, em converter, em fazer o ser humano arrepender-se.
O Quatro-olhos contém dois pares de olhos, uns para cima e outros para
baixo («e como têm inimigos no mar e inimigos no ar, dobrou-lhes a natureza as
sentinelas e deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima, para se
vigiarem das aves, e outros dois que direitamente olhassem para baixo, para se
vigiarem dos peixes.»); simbolizam a visão, a iluminação: o cristão tem o dever de
tirar os olhos da vaidade terrena, olhando para o céu, e sem esquecer o inferno.

Síntese
Todos estes elogios que o Padre António Vieira tece aos peixes são o
contraponto dos defeitos dos homens, evidenciando assim os vícios destes.
Os quatro peixes, o Santo Peixe de Tobias, a rémora, o torpedo e o quatro-
olhos possuem características que na sua totalidade se podem identificar com as
principais virtudes de Santo António.

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Capítulo IV

A primeira grave condenação que tem a fazer aos peixes é o facto de se comerem uns
aos outros e, sobretudo, os maiores comerem os mais pequenos. Surge, mais uma vez, a
autoridade bíblica: Santo Agostinho. Através dele, Vieira constrói um paralelismo invertido,
que se pode ver através do seguinte esquema:

Santo Agostinho Santo António

↓ ↓

pregava aos homens pregava aos peixes

↓ ↓

exemplificava nos peixes exemplificava nos homens

Para comprovar a tese de que os homens se comem uns aos outros, o orador usa uma
lógica implacável, apelando para os conhecimentos dos ouvintes e dando exemplos concretos.
Os seus ouvintes sabiam a verdade do que ele afirmava, conheciam que os peixes se comem
uns aos outros, os maiores os mais pequenos. Além disso, cita frequentemente a Sagrada
Escritura, em que se apoia. Numa apóstrofe aos peixes, refere:

«Olhai peixes, lá do mar para a terra»

↓ ↓

matos e sertão cidade

↓ ↓

«… cuidais que só os Tapuias «… muito mais açougue é o de cá,


se comem uns aos outros…» muito mais se comem os brancos…»
VEDES

-todo aquele bulir;
- todo aquele andar;
- aquele concorrer;
- aquele correr e cruzar;
- aquele subir e descer;
- aquele entrar e sair

«… pois tudo aquilo é…»

«… andarem buscando os homens como hão de comer, e como se hão de comer…»

Dá dois exemplos:
Uma pessoa que morreu Um réu no julgamento
- comem-no os herdeiros; - come-o o meirinho;
- comem-no os testamenteiros; - come-o o carcereiro;
- comem-no os legatários; - come-o o escrivão;
- comem-no os credores; - come-o o solicitador;
- comem-no os oficiais dos defuntos - come-o o inquiridor;

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e dos ausentes; - come-o o médico;


- come-o o advogado; - come-o a testemunha;
- come-o o sangrador; - come-o o julgador
- come-o a mulher;
- come-o o coveiro; CONCLUSÃO
- come-o o tocador dos sinos; ↓
-comem-no os padres «… ainda não está executado nem
sentenciado e já está comido…»
CONCLUSÃO

«… enfim, ainda o pobre defunto o não
comeu a terra, e já o tem comido a terra
toda…»

Nota: Note-se o trocadilho que faz com a


palavra terra. Socorrendo-se da Sagrada
Escritura, dá o exemplo de Job, homem rico
que, tendo perdido todos os bens materiais,
era desprezado e humilhando por todos. Mas
nunca perdeu a Fé, dizendo: «Deus mo deu,
Deus mo tirou.» E Deus devolveu-lhe os seus
bens a dobrar.

Em qualquer dos casos, é evidente a presença de uma estrutura repetitiva a nível


lexical e que nos dá a imagem de um grande banquete em torno de uma pobre vítima.
No primeiro caso, existe uma forte crítica à exploração dos negócios que envolvem os
mortos e, no segundo, ao sistema judicial.
Deus também se havia queixado de todos aqueles que «comam, traguem e devorem»
todo o seu povo. É nítida a gradação que culmina com «devoram». E comem pessoas como se
comessem um simples pedaço de pão.
Também Santo António refere o pão como um alimento que se come a todo o
momento: «Chama-se pão por se comer com todo o alimento.» Interpela o auditório de uma
forma violenta:
«Parece-vos bem isto, peixes?... Pois isto mesmo é o que vós fazeis.»
Neste passo, Vieira adivinha e admira o espanto do auditório.
Acentua o facto dos maiores comerem os mais pequenos e, mais do que isso,
«cardumes inteiros». Está, sem dúvida, a referir-se às tribos índias, que eram devoradas pelos
colonos, desde as mais altas figuras até ao mais reles funcionário.
Faz uma crítica direta àqueles que iam de Portugal para o Brasil para enriquecerem,
por isso “comiam” sucessivamente os índios e, quando voltavam ao Reino, era a sua vez de
serem comidos pelos seus superiores.
Santo Ambrósio faz uma advertência nesse sentido: «Guarde-se o peixe, que persegue
o mais fraco para o comer, não se acha na boca do mais forte, que o engula a ele».

Exemplifica:
TUBARÃO

XARÉU

BRAGUE

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Vieira adverte para o facto de serem já tantos os perigos que espreitam e os inimigos
que se têm que, se se continuar com este canibalismo, onde iremos parar? Tenta adverti-los:

“Não vedes que contra vós…”

«se emalham e entralham as


redes;
«se tecem as nassas»
«trocem as linhas»
«dobram e farpam os anzóis»
«as fisgas e os arpões»

Torna-se exortativo: «Cesse, cesse, já, irmãos peixes, e tenha fim algum dia
esta tão perniciosa discórdia; e pois vos chamei e sois irmãos, lembrai-vos das
obrigações deste nome: Não estáveis vós muito quietos, muito pacíficos e muito
amigos todos, grandes e pequenos, quando vos pregava Santo António? Pois continuai
assim e sereis felizes».
Em forma de síntese, temos a amplificação do raciocínio. Os homens são como
os peixes, que se comem uns aos outros, devoram e engolem todo um povo.
Neste momento, é claro e direto o ataque feito aos colonos que exploram, os
índios, de uma forma completamente desumana: «… mas como os grandes comem os
pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande».
A segunda crítica que tem a fazer no geral é a «tão notável ignorância e
cegueira que em todas as viagens experimentam os que navegam para estas partes».
Interpela o auditório: «Dir-me-eis que o mesmo fazem os homens. Não vo-lo nego».
No Maranhão, também aí os homens se deixam pescar facilmente. Coloca uma
questão ao auditório:
«Quem pesca a vida a todos os homens do Maranhão e com quê?»

Resposta:

«Vem um Mestre de Navio de Portugal com quatro varreduras das lógeas, com quatro panos, e
quatro sedas, que já se lhe passou a era…?»

«Isca com aqueles trapos aos moradores da nossa terra.»


Consequência

«este trabalho de toda a vida…

na roca/ na cana/ no engenho/ no tabacal


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Quem o leva?»

Gastam esse dinheiro «no triste farrapo com que saem à rua, e para isso se matam todo o
ano… e lá se vai a vida.»

Não usam o dinheiro do seu trabalho para o seu bem, a sua segurança, mas sim em
prol da vaidade.
Lança nova questão ao auditório:
«Não é isto, meus peixes, grande loucura dos homens, com que vos escusais?» E
responde para eles: «Claro está que sim: nem vós o podeis negar.»
O orador expõe a repreensão e depois comprova-o. Dá o exemplo dos peixes que caem
facilmente no engodo da isca; passa, em seguida, para o exemplo dos homens que enganam os
indígenas e para a facilidade com que estes se deixam enganar. A crítica à exploração dos
índios é cerrada e implacável. Conclui, respondendo á interrogação que fez, afirmando que os
peixes são muito cegos e ignorantes e apresenta, em contraste, o exemplo de Santo António,
que não se deixou enganar pela vaidade; abdicou dela, fazendo-se pobre e simples e, desta
forma, pescou muitos homens para a salvação.

Homens Peixes
↓ ↓
vaidade ignorância/cegueira
|--------> enganados < ---------|

perdem a vida

De notar a violência da metáfora «dá-lhe uma sacadela e dá-lhe outra, com que cada
vez lhe sobe mais o preço».
Temos, ainda, toda a série de repetições- «de um ano para outro, e de uma safra para
outra safra» e de enumerações- «não levam coches, nem liteiras, nem cavalos, nem…» que nos
mostram a monotonia e pobreza em que levam a vida por um simples «trapo».
O fascínio do homem pela vaidade é fortemente criticada por Padre António Vieira.

Capítulo V – Repreensão dos vícios dos peixes, em


particular
Neste capítulo do sermão, o pregador censura quatro criaturas marinhas em
particular; estas simbolizam os pecados ou vícios humanos condenáveis.
Os Roncadores, peixes pequenos e que emitem um som grave, são sempre
facilmente pescados e apesar de serem pequenos têm muita língua («É possível
que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?»).
Representam a arrogância e o orgulhoso. Encontramos esse comportamento em
personagens como S. Pedro, Golias, Caifás e Pilatos, em contraste com Santo
António que tinha saber e poder, mas não se vangloriava.
Os Pegadores, pequenos e que se fixam a peixes grandes ou ao leme dos
navios («Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade,
porque sendo pequenos, não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se
lhes pegam aos costados, que jamais os desferram.»). Representam o
oportunismo, o parasitismo social e a subserviência. Uma vez que vivem na
dependência dos grandes e morrem com eles, Vieira argumenta que os grandes
morrem porque comeram, os pequenos morrem sem terem comido. Na
humanidade, encontramos os seguidores de Herodes. Santo António «pegou-se»
apenas a Cristo e seguiu-O.

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Os Voadores, peixes de grandes barbatanas que saltam para fora de água


como se voassem. Representam o defeito da presunção e da ambição desmedida e
desse modo, porque não se contentam com o seu elemento, são pescados como
peixes e caçados como aves («Dizei-me, voadores, não vos fez Deus para peixes?
Pois porque vos meteis a ser aves? [...] Contentai-vos com o mar e com nadar, e
não queirais voar, pois sois peixes.») . Simão Mago e Ícaro exemplificam-no entre
os homens. Por contraste, Santo António tinha sabedoria e poder, mas não se
vangloriou.
O Polvo, detentor de um «capelo», tentáculos, um corpo mole e podendo
camuflar-se, é considerado um hipócrita e traidor pois utiliza a capacidade mimética
(varia a sua coloração e a sua forma, de acordo com o meio em que se
encontra) para atacar os peixes desprevenidos («E debaixo desta aparência tão
modesta, ou desta hipocrisia tão santa [...] o dito polvo é o maior traidor do
mar.»). Entre os homens, encontramo-lo em Judas. Mais uma vez, por contraste,
Santo António foi sincero e verdadeiro - nunca enganou.

O sermão é,pois, todo ele feito de alegorias, simbolizando os vícios dos


colonos do Brasil ("peixes grandes que comem os pequenos") em vários peixes: o
roncador (o orgulhoso), voador (o ambicioso), pegador (o parasita) e o polvo (o
traidor, mais traidor que o próprio Judas).

PERORAÇÃO (Capítulo VI)


Tendo a perfeita noção de que estas últimas palavras são aquelas que ficam mais
presentes no espírito dos ouvintes, o orador pretende com elas mover o auditório. Os dois
aspetos que ele pretende salientar são os seguintes:
- os peixes estão acima dos outros animais. O Levítico exclui-os como objeto de
sacrifício. Os homens chegam mortos ao altar, porque vão em pecado mortal.

- Os peixes estão acima do pregador e este sente um pouco de inveja, pois acrescenta
um retrato dele próprio como pecador:

«eu falo» «as palavras»


«eu lembro-me» «a memória»
«eu discorro» «mas vós não ofendeis a Deus com» «o entendimento»
«eu quero» «a vontade»
As repetições põem em realce o paralelismo entre o orador e os peixes.
Vieira nunca se apresenta como o modelo de um pregador.
Ele tenta sê-lo, mas sente que ainda tem muito a aprender para alcançar mérito.
Antes de terminar, pede aos peixes para louvarem a Deus.
Termina com o hino Benedite, que dá por encerrado o sermão, com um tom festivo à
comemoração de Santo António, cuja festa se celebrava.

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