Você está na página 1de 3

Apresentação oral- Português e Filosofia

No século XVII, o catolicismo sofre um duro golpe com o aparecimento do protestantismo.

A igreja católica fica, por isso, empenhada em recuperar fiéis e o púlpito era o lugar perfeito para
conduzir o rebanho, para o educar, doutrinar e iluminar. É neste seguimento, que surge a Oratória, a
arte de falar em público, que tinha como objetivos: docere, delectare e movere (ensinar, deleitar e
convencer).

Padre António Vieira, defendeu as ideias de justiça social, de igualdade, de dignidade humana,
de liberdade, de solidariedade e de diversidade cultural. A forma como o mesmo defendia as suas
ideias e crenças, foi um dos fatores que o levou a ser um dos nomes que mais se destacou na arte de
falar em público, sendo que a sua obra mais conhecida é o Sermão de Santo António aos Peixes,
proferido pela primeira vez a 13 de junho de 1654, no Maranhão, Brasil.

Este sermão, é um texto argumentativo, através do qual o Padre António Vieira critica os vícios e os
comportamentos dos colonos, que desde de meados do seculo XVI, exploravam as terras brasileiras
em busca de especiarias e ouro, servindo-se desumanamente dos índios indefesos e da sua mão-de-
obra. Esta crítica é feita com recurso a uma alegoria, através da qual os peixes simbolizam os vícios
humanos.

É nos capítulos IV e V, presentes na exposição/ confirmação que as críticas feitas aos homens se
apresentam com mais clareza.

No capítulo IV, ao fazer as repreensões em geral, o padre Vieira representa a vida colonial no
seu conjunto onde “Os homens (…) vêm a ser como os peixes que se comem uns aos outros”, e no
capítulo V surgem vários tipos de peixes a serem repreendidos, os mesmos representam os vários
pecados apontados aos homens. Assim, à imagem dos peixes, merecem crítica os arrogantes e os
prepotentes (os roncadores), os parasitas sociais (os pegadores), os ambiciosos (os voadores) e os
traidores, hipócritas e falsos (o polvo), aqueles que de forma habilidosa alcançam os seus objetivos
sem olhar a meios.

A mensagem veiculada por este sermão, especialmente nos capítulos acima referidos é
absolutamente atual, no sermão Padre António denuncia o oportunismo dos homens do seu tempo,
referindo-se especificamente aos que acompanham os governadores, tentando beneficiar-se de uma
forma económica e social.

É o caso do que continua a acontecer, no século XXI, em que muitas pessoas se aproveitam de outras
beneficiando das posições que ocupam, muitas recebem salários acima do que seria justo, outras
ganham reconhecimento e estatuto social. Como por exemplo em alguns países da América do Sul,
como a Venezuela, em que muitos tentam colaborar com o presidente com o objetivo de progredirem
na sociedade e carreira.

Podemos dizer que passados quatro séculos, o homem continua a agir que nem um Pegador.

Outra das condenações apontadas ao comportamento dos seres humanos no Sermão é a sua
cegueira e ignorância, resultado da vaidade. A vaidade é ainda uma causa dessa cegueira e ignorância
e muitas são as pessoas que se deixam enganar. É o caso de pessoas mais desfavorecidas que, para
obterem melhores condições, muitas vezes se deixam manipular por outros.

Além disso, o orador acusa os colonos de explorar e maltratar os indígenas, procurando


apenas o enriquecimento rápido. E por estranho que pareça todas estas situações assemelham-se á
atualidade.

Ainda que diga-mos: Ah!…Todos nós somos iguais!

Será que todos são tratados com dignidade? Será que os direitos humanos estão igualmente
acessíveis para todos? Será que todos temos as mesmas liberdades?

É claro que não. Só alguns países e, principalmente algumas pessoas, respeitam os Direitos
Humanos, que ao contrário de outros, os conhecem e contribuem para que continuem a ser
respeitados e realizados. Hannah Arendt, uma das grandes filósofas do século XX, afirmou que: “a
essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos”. Mas até mesmo nos países desenvolvidos,
os direitos não estão a ser respeitados.

Na Declaração dos Direitos Humanos, particularmente no artigo nº 4, é referido que ninguém


será mantido em escravatura ou em servidão. Mas como sabemos a escravatura, não surgiu na
atualidade, mas ainda persiste na mesma.

A escravatura pode parecer-nos um cenário distante e passado, mas esta é na verdade, uma
realidade bem presente e próxima, ainda há poucos meses, aqui em Portugal, uma operação policial
deteve suspeitos que exploravam romenos na apanha da azeitona, no Alentejo.

Na declaração dos direitos humanos é ainda referido, no artigo nº 26, que todos têm direito à
educação gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental, o que faz todo o
sentido.

Já Kant dissera que “o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele.”, isto porque é a
educação que distingue o homem de todos os outros seres do mundo pois é através da mesma que
ele é ensinado a utilizar a razão, a pensar, a ter um determinado conjunto de valores pelos quais rege
os seus comportamentos, a ter uma opinião e o seu próprio ponto de vista. Sem a educação, todos
nós seríamos seres irracionais, ainda que dotados de razão, pois teríamos em falta a maior arma que
é saber utilizá-la.

Se recuarmos ao séc. XVII, os indígenas não tinham acesso à educação e por isso eram mais
frágeis e fáceis de enganar pelos colonizadores.

Em pleno séc. XXI ainda existem cerca de 124 milhões de crianças que não podem ir á escola em todo
o mundo, ainda que séculos se tenham passado estas crianças, estão infelizmente na mesma posição
que os indígenas estavam no sec. XVII, estas são mais fáceis de se deixar enganar.

Isto leva-me a ter o mesmo ponto de vista que Condorcet teve:

“Sob a mais livre das constituições, um povo ignorante é sempre um povo escravo”.

Concluindo, considero que esta obra é muito importante, uma vez que nos conduz à reflexão
sobre o ser humano, sobre os valores da vida e sobretudo sobre o facto de que, afinal, o homem não
evoluiu ao longo dos tempos, no que diz respeito ao materialismo, ao oportunismo e à prática de
valores morais e espirituais que devem fazer parte da nossa vida.

Este sermão fez-me perceber que tenho mais em comum com um homem da época
seiscentista, do que aquilo que eu poderia imaginar, uma vez que vivemos em sociedades diferentes,
mas no fundo iguais.

Tal como o Padre António Vieira também acredito que a raça, a cor, a riqueza, não passam apenas de
elementos acessórios.

Todos devíamos ser tratados com dignidade, e todos deveríamos ser respeitados segundo os direitos
humanos e como seres-humanos, independentemente das nossas diferenças, pois as diferenças hão
de existir sempre mas isso não nos impede de as tentar minimizar.

Você também pode gostar